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terça-feira, 27 setembro 2022 18:49

O caso do touro do velho Mathe

MoisesMabundaNova3333

Os madodas da aldeia estavam, então, todos ali reunidos. Todos os 18 homens de idades acima dos sessenta anos da aldeia de Nwamati encontravam-se naquele momento ali embaixo daquela colossal sombra da mafurreira, sentados em cima de troncos de árvore grandes feitos bancos desde tempos imemoriais. Aquela era a terceira tarde, desde quarta-feira. As audiências, como dizemos hoje, eram somente nas tardes, das 14:30 para baixo, até não mais de 17:30 horas.

 

Consta que o  velho Nwamati lidera a comunidade há mais de três gerações, tendo o exercício da soberania começado com o seu avô e depois passado para o pai e agora era ele, um homem agora na casa dos 75 anos, estatura mediana, mas com uma vitalidade de espantar.Consta que o  velho Nwamati lidera a comunidade há mais de três gerações, tendo o exercício da soberania começado com o seu avô e depois passado para o pai e agora era ele, um homem agora na casa dos 75 anos, estatura mediana, mas com uma vitalidade de espantar.

 

A bandla lembrava as nossas salas de reunião em forma circular, com o líder no meio. No caso, era uma semi-circular. A cadeira feita essencialmente de paus, mas muito cômoda, do líder constituía o epicentro do semicírculo. De um e de outro lado, eram os bancos de troncos grandes que estavam prostradas no chão, sem precisar de pés ou de bases. Mas sentava-se comodamente e durante horas e horas! Mas o local não servia apenas para a resolução de problemas, mas também para outras cerimônias, como a de ukanhi, e convívios diversos.

 

Pois ali estavam os 18 madodas convocados de forma urgente na tarde quase noite de terça-feira pelo líder Nwamati para dirimir “um problema muito grave e urgente” do recentemente tornado criador de gado bovino Mudaukani na zona. Aliás, diga-se que os 18 velhos ali presentes eram na sua maioria criadores ou de gado bovino, ou de caprino e ovino, ou dos três tipos ao mesmo tempo; ou grandes agricultores, ou detinham outro tipo de influências. Eram, em suma, os mais influentes da região. Incluindo o velho Mathe, na casa dos 70 anos, cinco mulheres, neste caso o réu, na nossa linguagem jurídica portuguesa. Pelo que todos tinham experiência bastante de questões relacionadas com gado, agricultura, problemas sociais, etc. Aliás, alguém só se torna doda se socialmente for influente; caso contrário, mesmo que tenha 90 anos, não é considerado e não entra no clube dos dirimidores de problemas!Pois ali estavam os 18 madodas convocados de forma urgente na tarde quase noite de terça-feira pelo líder Nwamati para dirimir “um problema muito grave e urgente” do recentemente tornado criador de gado bovino Mudaukani na zona. Aliás, diga-se que os 18 velhos ali presentes eram na sua maioria criadores ou de gado bovino, ou de caprino e ovino, ou dos três tipos ao mesmo tempo; ou grandes agricultores, ou detinham outro tipo de influências. Eram, em suma, os mais influentes da região. Incluindo o velho Mathe, na casa dos 70 anos, cinco mulheres, neste caso o réu, na nossa linguagem jurídica portuguesa. Pelo que todos tinham experiência bastante de questões relacionadas com gado, agricultura, problemas sociais, etc. Aliás, alguém só se torna doda se socialmente for influente; caso contrário, mesmo que tenha 90 anos, não é considerado e não entra no clube dos dirimidores de problemas!

 

Mudaukani acabava de ascender ao clube de criadores de gado bovino na zona de Nwamati, graças às já doze cabeças que o filho, a trabalhar nas minas sul-africanas, tinha conseguido comprar com o dinheiro ganho no trabalho nas minas de Tembisa e deixado na guarida dele faziam quatro anos, numa das suas vindas de livi (licença para férias aos mineiros). Começou com sete cabeças e foram crescendo até àquele número. A partir de então, Mudaukani já pertencia ao clube dos verdadeiros madodas. É que, para ser madoda, tinha que ser criador de verdade, ter por aí gado que ascendia a 15, 20 cabeças por um considerável período de tempo e ter, pelo menos, três esposas. Mudaukani acabava de ascender ao clube de criadores de gado bovino na zona de Nwamati, graças às já doze cabeças que o filho, a trabalhar nas minas sul-africanas, tinha conseguido comprar com o dinheiro ganho no trabalho nas minas de Tembisa e deixado na guarida dele faziam quatro anos, numa das suas vindas de livi (licença para férias aos mineiros). Começou com sete cabeças e foram crescendo até àquele número. A partir de então, Mudaukani já pertencia ao clube dos verdadeiros madodas. É que, para ser madoda, tinha que ser criador de verdade, ter por aí gado que ascendia a 15, 20 cabeças por um considerável período de tempo e ter, pelo menos, três esposas.

 

Num belo dia, a pequena manada de Mudaukani foi calhar com a do velho Mathe no rio a beberem água. Mathe tinha mais de 20 cabeças, entre vacas, touros, novilhos e vitelos. Até hoje, nenhum criador revela o verdadeiro número das cabeças que possui. E eis que o touro principal da manada do velho Mathe ataca uma das vacas da manada de Mudaukani. E aí começou a guerra… mundial! O principal touro entra em guerra com o também principal touro da manada do velho Mathe! A guerra foi total e… sem tréguas! A luta foi titânica e nisso o touro do Mathe atinge a perna direita frontal do touro de Mudaukani e parte-a!… e o touro ficou estatelado no rio até…hoje!Num belo dia, a pequena manada de Mudaukani foi calhar com a do velho Mathe no rio a beberem água. Mathe tinha mais de 20 cabeças, entre vacas, touros, novilhos e vitelos. Até hoje, nenhum criador revela o verdadeiro número das cabeças que possui. E eis que o touro principal da manada do velho Mathe ataca uma das vacas da manada de Mudaukani. E aí começou a guerra… mundial! O principal touro entra em guerra com o também principal touro da manada do velho Mathe! A guerra foi total e… sem tréguas! A luta foi titânica e nisso o touro do Mathe atinge a perna direita frontal do touro de Mudaukani e parte-a!… e o touro ficou estatelado no rio até…hoje!

 

Mudaukani, sentindo-se, bastante ofendido, com incalculáveis prejuízos causados, foi apresentar queixa ao líder Nwamati e exigir que o velho Mathe lhe compense o grande dano com outro touro!Mudaukani, sentindo-se, bastante ofendido, com incalculáveis prejuízos causados, foi apresentar queixa ao líder Nwamati e exigir que o velho Mathe lhe compense o grande dano com outro touro!

 

A assembleia dos madodas ali estava a dirimir o problema, já indo na terceira audiência. A assembleia dos madodas ali estava a dirimir o problema, já indo na terceira audiência.

 

O líder ouviu a apresentação da queixa e entregou o caso ao que hoje chamamos plenário! As opiniões dividiram-se. Umas, considerando que o touro do velho Mathe era culpado e, portanto, havia espaço de o touro ferido ser reposto; outras, a considerarem que os pastores são culpados por terem levado as manadas a irem beber água ao mesmo tempo e que portanto deviam ser responsabilizados; e outras ainda a considerarem que o incidente tinha sido fortuito e que não havia nada a fazer. O líder ouviu a apresentação da queixa e entregou o caso ao que hoje chamamos plenário! As opiniões dividiram-se. Umas, considerando que o touro do velho Mathe era culpado e, portanto, havia espaço de o touro ferido ser reposto; outras, a considerarem que os pastores são culpados por terem levado as manadas a irem beber água ao mesmo tempo e que portanto deviam ser responsabilizados; e outras ainda a considerarem que o incidente tinha sido fortuito e que não havia nada a fazer.

 

Aquele era a terceira tarde do que hoje chamaríamos de julgamento do “caso do touro do Mathe”! E a exortação do líder era que naquele dia tinha que sair dali uma decisão, tipo sentença!, pois o caso estava a arrastar-se por muito tempo e havia que se decidir sobre o que fazer com o touro estatelado perto do rio. O ambiente, ainda que houvesse posições divergentes, era calmo e sereno. Próprio de pessoas bem maduras e socialmente responsáveis. Nisso, o velho Nwamati lembra-se de que durante esses três dias de audiência não concedera palavra ao acusado, o velho Mathe!… uma omissão bastante grave, inconcebível e inaceitável! E concede-lha.Aquele era a terceira tarde do que hoje chamaríamos de julgamento do “caso do touro do Mathe”! E a exortação do líder era que naquele dia tinha que sair dali uma decisão, tipo sentença!, pois o caso estava a arrastar-se por muito tempo e havia que se decidir sobre o que fazer com o touro estatelado perto do rio. O ambiente, ainda que houvesse posições divergentes, era calmo e sereno. Próprio de pessoas bem maduras e socialmente responsáveis. Nisso, o velho Nwamati lembra-se de que durante esses três dias de audiência não concedera palavra ao acusado, o velho Mathe!… uma omissão bastante grave, inconcebível e inaceitável! E concede-lha.

 

Calmo, ponderado, com uma fala bastante pausada, o velho Mathe muito não disse senão que “para uma sentença justa e racional devíamos saber porquê os touros lutaram, pelo que devíamos a eles perguntar e daí fazermos o juízo final…”Calmo, ponderado, com uma fala bastante pausada, o velho Mathe muito não disse senão que “para uma sentença justa e racional devíamos saber porquê os touros lutaram, pelo que devíamos a eles perguntar e daí fazermos o juízo final…”

 

O julgamento terminou.O julgamento terminou.

 

ME Mabunda

terça-feira, 20 setembro 2022 09:17

Chico António... outra vez em Inhambane

AlexandreChauqueNova

Já ninguém pergunta, “quem é aquele velho com cabelos de prata?” Ele próprio, o Chico, descomplexou-se. Também já não pergunta,”onde é que fica o mercado?”. Caminha pelas ruas pacatas da cidade como se fosse daqui. Saúda as pessoas em bitonga, língua que nunca antes sonhara, nem os seus antepassados. E para decifrar todas as parábolas, agora fala em voz baixa, aos poucos amigos, que a sua vontade é ficar aqui. Eternamente.

 

Está sempre cá. Volta e meia vai, depois torna a voltar, como as águas do mar, que enchem e vazam num ciclo interminável. Mas a “Terra da boa gente”, lugar escolhido pelo “Estúdio Bom dia” para a comemoração do 25 de Setembro, dia das Forças Armadas de Moçambique (FADM), parece ser o último lugar do autor de “Sineta”, um tema musical suave e profundo, que só chegou para exaltar o amor e a lealdade. É por isso que Chico estará cá, outra vez, como sempre.

 

Desta vez não vem sòzinho. O “Estúdio Bom dia” enloqueceu. Traz uma panóplia de grandes músicos que virão juntar-se aos daqui e fazerem uma festa imprevisível em termos de emoções. Tudo indica que haverá um derramento. Do próprio coração. Há uma grande espectativa, até porque reside neste movimento o desconhecido. Há bandas e músicos que o povo daqui nunca viu tocar, então será uma oportunidade para experimentar outros sentimentos.

 

Inhambane tem sede permanente destes eventos, e ainda bem que o Centro Cultural Machavenga, escancarado para um lago com esse nome (Machavenga), existe. Como forma de dar oportunidade a outras sensibilidades. É uma outra maneira, a criação deste lugar projectado por Filimone Mabjaia, de desmentir que o turismo na cidade de Inhambane são só as praias. A lagoa de Machavenga tem esse condão. De aglutinar as metáforas e torná-las reais.

 

Chico António anda em Inhambane há aproximadamente dois anos. Trouceram-no a estas terras para um projecto que está sendo cumprido sem pressa, ou seja, foi levado aos estúdios “Bom dia” para gravar um disco que irá sair a seu devido tempo, quando estiver maduro. É assim que, desde o primeiro dia,  tem feito um Up and down (Maputo-Inhambane), num processo que vai entranhando os temperos do CD, sob direcção de Roland, um austríaco com tendências profundas de rock-blues, mas que as circunstâncias da vida e da música levaram-no a trabalhar noutras coisas. E tem feito isso com pragmatisco.

 

É isso: Chico tem sempre uma luz fora do túnel, é por isso que jamais desvaneceu. Desde que entrou para a estrada, nunca parou de andar. “Tenho tropeçado muitas vezes, mas não aceito ser vencido, embora venha perdendo muitas batalhas. E para te mostrar a minha fé e teimosia, estou aqui de novo, para celebrar o 25 de Sertembro com os manhambanas. Isso significa que estou vivo”. E para mostrar essa vitalidade, esteve a pouco tempo na homenagem ao Guita Jr e Momed Cadir. No Centro Cultural Machavenga.

 

Agora só nos resta esperar. Por mais um banho de música ao vivo, nos dias 24 e 25 de Setembro. Com Chico António e outros grandes músicos como, Stewart Sukuma, Banda Hodi, Solly Not Solly, Mahu Mucamisa, Granmah, Afro Michael, Skhem Khem, Juliana de Sousa, Afro Moments,, Banda Elia, Ubanthu Wathu, Ivo Maia, Timbila Groove e Banda Nandza, Silvino e Banda Aventuras, João Marrima, Mozquito, Sixtogale, Vintani Nafassi, e muitas surpresas.

terça-feira, 20 setembro 2022 07:50

O décimo segundo Congresso da Frelimo

Moçambique e o Mundo vão testemunhar a partir da próxima sexta-feira e até quarta-feira da próxima semana o décimo segundo Congresso da Frelimo, o partido que governa Moçambique desde o distante ano de 1975. Com todas as peripécias e vicissitudes - qual é o país ou nação que não as contém? -, Moçambique mantém-se, desde a proclamação da sua independência, firme, uno e um Estado que vai granjeando respeito pelo mundo: hoje é membro não permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas!

 

Só o facto de o partido estar a governar o país desde 1976 é mais do que suficiente para que o evento que vai de 23 a 28 de Setembro de 2022 não passe despercebido, muito menos ignorado ou secundarizado, ou não se lhe conferir a devida e merecida importância e destaque.

 

Vale recordar também que a Frelimo, a Frente de Libertação de Moçambique, foi o movimento que libertou o país do longo manto do colonialismo português; criou os alicerces para o surgimento da nossa identidade, para o nascimento da Nação Moçambicana, a nossa nacionalidade.

 

Por tudo isto - e por outras coisas mais -, um congresso da Frelimo é algo que merece a atenção do Mundo. E sendo algo que merece a atenção do mundo, há espaço para considerações. Há pano para manga, como dizem os bons falantes.

 

O país está com muitos desafios. Uns, como o terrorismo, novos; outros, nem tanto assim: a pobreza, o subdesenvolvimento, o défice de infraestruturas, fraco crescimento e desenvolvimento econômico, governação deficiente ou má (poor governance) corrupção, entre outros!

 

A questão da unidade nacional, que fez da Frelimo ser Frelimo, continua um dos primeiros grandes desafios: actual, imperioso e inadiável. A formação da Frelimo traduziu a visão comum da imperiosidade da unidade nacional no e do nosso país. Foi uma espécie de convenção nacional sobre a ideia de que Moçambique seria mais soberbo se fosse unido, coeso e indivisível do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico. Este desafio não tem sido fácil, desde os primórdios da formação do movimento libertador. Sabemos que houve guerrilheiros que não o assumiram e se recusavam a ir combater em províncias que não fossem as suas, esperando que a luta armada de libertação nacional chegasse às suas zonas de origem. Ao longo destes 47 anos da nossa independência, laivos de tribalismo e nepotismo têm muitos registos em todos os níveis e instituições e em diferentes regiões da nossa pátria. Os frescos e robustos pronunciamentos dos Generais Chipande e Nihia são os mais eloquentes e ruidosos testemunhos de que o consenso sobre a unidade nacional que esteve por trás da fundação da Frelimo ainda está por alcançar e consolidar.

 

Um outro grande desafio que o país enfrenta tem a ver com a “paz dos espíritos”. Não reina entre nós paz espiritual. Não estamos reconciliados conosco mesmos. As guerras que tivemos dividiram-nos profundamente, mas sobretudo a dos 16 anos. Está difícil assumirmo-nos como verdadeiros irmãos moçambicanos. Os ressentimentos teimam em marcar presença nas nossas atitudes e condutas quotidianas. Continuamos a encararmo-nos como estando a ser usados por forças estranhas e estrangeiras ao nosso país. Daí a democracia efectiva estar a patinar. Enquanto não estivermos em paz espiritual, reconciliados conosco mesmo, dificilmente praticaremos democracia verdadeira, ou algo aproximado; descentralização e inclusão continuarão meros temas de dissertações como o são agora.

 

Não menor, nem menos importante, está o desafio de desenvolvimento do nosso país. Pouco depois da conquista da nossa independência, apostamos em vencer o subdesenvolvimento em dez anos. 47 anos depois, o desenvolvimento, traduzido em bem estar dos moçambicanos em todos os cantos do país, ainda enfrenta muitos obstáculos, continua aposta. As nossas políticas e estratégias de desenvolvimento ainda precisam de ser aprimoradas, precisam de ser mais racionais, racionalizadas e consistentes. Ainda não entendemos que sem vias de acesso funcionais, infraestruturas de qualidade e políticas e estratégias menos amadoras, dificilmente a nossa economia irá florescer; continuamos a saltar de elefante branco em elefante branco, de acessório em acessório e nisso adiamos cada vez mais o sonho do país que libertamos com sacrifício.

 

Por último, mas não porque esgotados os desafios que sonecam à nossa frente, temos a qualidade de governação e a corrupção. A nossa governação ainda continua algo aquém do ideal, do profissional, do irrepreensível. Muitas escolhas, não poucas vezes, reúnem pouco consenso e pouco respeito porque despidas de autoridade e legitimidade profissional, ética e moral; técnica e qualitativamente deixam muito a desejar. Está-nos difícil perceber e executar a velha máxima, segundo a qual, pessoa certa no lugar certo. Tribalismo, nepotismo e amiguismo continuam critérios que enformam muitas escolhas. A corrupção é cada vez mais cristalina. Até “polícias que não têm criação nenhuma fazem xitiqui de cinco mil meticais por semana” à vista de toda a gente que devia estancar e combater. E o seu combate continua algo simulacro.

 

De sorte que, por mais que a Frelimo faça “n” congressos, comitês centrais ou outras reuniões que tais, se não atacar de frente fundamentalmente estes problemas, essas reuniões serão mais do mesmo! Se não for eclética como raramente tem sido, dificilmente o nosso barco transportando o bem estar para os compatriotas será célere!

 

De toda a forma, muito bom congresso aos Camaradas!

 

ME Mabunda

segunda-feira, 19 setembro 2022 06:45

Da aceitação à Negação - Uma mão cheia de nada

Muitos dos que nasceram no período da independência e nos anos a seguir, viveram uma atmosfera político-social de elevada êxtase e expectativas sobre como seriam os anos sem o jugo colonial. Foram anos de muito nacionalismo e de forte exaltação aos ideias pan-africanos em grande escala e, da negritude em menor escala.

 

Essa geração foi ensinada a pensar dentro de um quadro político-social de muita desconfiança e de algum medo: primeiro devido aos focos emergentes do neo-colonialismo e neo-imperialismo e, depois pelos movimentos armados que reivindicavam a suposta parcela do manjar pós-independência.

 

Durante muitos anos, um pouco por todo continente africano, com enfoque à Africa Austral, os partidos libertadores cimentaram sua hegemonia com recurso a narrativas, discursos e alusão a momentos históricos de difícil digestão. Essas narrativas alimentaram vários processos e várias etapas de construção de um pensamento unitário. Todavia, alguns desses partidos “esqueceram-se” de se actualizar e se de adaptar ao contexto quer em forma acções governativas ajustadas, quer em respostas mais cabais às crescentes demandas do povo. O descontentamento e o repudio à forma como os destinos de alguns países estava a ser conduzido, abriu espaço para uma nova franja crítica, seja vinda da sociedade civil, quer de partidos políticos da oposição.

 

Com o andar do tempo e com a natural evolução social e política, a narrativa dos partidos chamados libertadores, que era facilmente aceite de ânimo leve pelas chamadas massas foi se corroendo (por causas naturais e também por falta de actualidade). Essa gradual corrosão enfraqueceu internamente o tecido político-partidário e foi gerando pequenas alas e fissuras internas. 

 

A história, com seu sentido didáctico, foi testemunhou para além da conquista, exercício e sedimentação do poder por um lado, a fragilização e queda dos ditos históricos por outro lado – Novos actores políticos emergiram, e com eles, novas narrativas e novas formas de ver a governação dos países.

 

A rotatividade política em muitos países da região foi se fazendo real, numa clara amostra de cansaço e apelo a algo diferente e novo. Alguns dos países que a experimentaram perceberam que a mudança que tanto se temia, tem suas nuances e, pois, abrem espaço para formas de ser e estar na política – o rendez-vous politique.

 

As narrativas depreciativas contra os partidos da oposição, e contra as organizações da sociedade civil que a história os colocou no lado erróneo e baptizou como partidos e movimentos sanguinários, inimigos do progresso e da independência, começaram a diluir-se paulatinamente em alguns quadrantes. Tal dissolução deveu-se muito pouco a forca da oposição que foi se instruindo melhor, e muito a forma como muitos governos foram tratando o seu povo. Dito de outra forma, e com outras palavras, a oposição não precisou de muita engenhoca tampouco de estaleca para o despertar social. Os actos e acções dos partidos no poder foram paulatinamente levando muitos deles ao abismo.

 

Novas formas de reflectir a história, de pensar criticamente a sociedade, a politica e a governação ganharam notoriedade e relevo. E com essas formas, veio a dúvida sobre o presente e a incerteza sobre o futuro.

 

O advento das redes sociais foi um marco importantíssimo nesta viragem de paradigma, no processo de informação e desinformação. Foi também um momento em que o uso da tecnologia possibilitou o registo, a partilha e o consumo em tempo real. A monitoria de processos eleitorais, das acções político-governativas e de toda forma de manifestação socio-política e até cultural, fez ganhar outra dinâmica na forma de participação e influencia. Quase todos com acesso a informação, podiam a partir deste instante ser agentes de mudança.

 

Neste momento de maior questionamento, a sociedade vira um avaliador factual da acção governativa, e não se prostra de tecer opiniões escritas ou orais que fazem toda diferença na construção do estado pluralista em que as ideias contrárias valem e tem lugar. Há um salto qualitativo nas relações de intervenção social – do simples instrumento político-eleitoral, o povo passa a um agente activo, impulsionador e motriz da mudança social. O seu papel é cada vez mais apreciado por uns e combatido por outros, porque o despertar de consciência pode também significar mau pressagio para quem não esteja disposto a permitir a rotatividade.

 

A aceitação foi dando lugar a negação. As diferentes forças políticas, e das organizações da sociedade civil com melhor estrutura e liderança, com ideias mais claras e mais ou menos elaboradas e uma agenda muitas vezes alvo de questionamentos, ganham relevo e convidam o povo a uma introspeção e reflexão mais assaz sobre a independência e o pós-independência (seus ganhos e perdas). A luta da oposição não é mais para conquistar mais assentos no parlamento e na assembleia nacional, mas sim pelo assalto ao poder.

 

Muitos dos países desta parcela do continente negro, caminham para a celebração do jubileu dos 50 anos da conquista das tão almejadas independências. Nesses quase 50 anos experimentaram transições, reajustes e reformas impostas pelo Ocidente - Tais reformas ditaram a realidade de muitos países. Experimentaram igualmente o aparecimento e ocorrência recursos naturais. Alguns países, incluindo Moçambique foram bafejados por recursos naturais que se adivinhavam bênçãos, mas que aos poucos, em alguns quadrantes tem se revelado autêntica maldição (o Resource Curse).

 

A falta de transparência, responsabilização, o enfraquecimento institucional, a captura do estado pelas elites economicamente fortes, a fraca vontade e capacidade politica, a crescente desconstrução das ideias basilares e fundacionais do estado, dos ideais Pan-africanos de Nkrumah e Senghor, bem como a constante ingerência nos processos nacionais, entre outras causas abriram um buraco que se foi transformando numa cratera social, económica e politica – A corrupção instalou-se, e a cultura de pedinte se afirmou como uma cultura dos estados africanos.

 

Recentemente, viveu-se em Angola um cenário que ilustra como a aceitação foi se transformando em negação, e como a atmosfera eleitoral e pós-eleitoral foi um medidor do cansaço do povo que anseia mudanças estruturais. O cenário ali vivido, faz-nos ler com outras lentes a relação entre os ciclos governativos, a coesão dos partidos políticos, a militância de ocasião e de estomago e, acima de tudo, sobre o poder outrora oculto das massas – um poder que foi negado, mas que a realidade mostra que não há tamanha peneira para tão forte sol.

 

Hoje, uma sociedade angolana ociosa pela mudança clama pela justiça eleitoral, pela validação do seu direito exercido nas urnas. Uma sociedade dividida entre o amor pelo MPLA e pela esperança pela UNITA. Sociedade que deu uma aula de associativismo, sobre como valorizar o sufrágio e como mostrar ao poder do dia que não há nada mais forte que o povo – pode tardar, mas sempre acorda da sua longa noite escura.

 

Esta em causa muito mais que uma eleição. Esta em causa a provável queda de um partido histórico em África e no mundo, e a ascensão de um partido tido como o vilão da história recente de Angola.

 

Esta em causa uma jogatana que não se revelou ainda aos olhos dos menos sagazes analistas – a jogatana do petróleo, dos diamantes. Esta em causa a soberania do povo Angolano. Por isso, escrevo – Uma mão cheia de nada.

 

Por: Helio Guiliche (Filosofo)

sexta-feira, 16 setembro 2022 10:17

MAGALA: SUBSÍDIO AOS TRANSPORTADOS!

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“O Registo dos cidadãos nacionais e a consequente atribuição de BI deve constituir uma prioridade do Governo de Moçambique. O Sector Privado tem estado a ser penalizado pelo Estado, através do Governo, por causa da falta de registo dos cidadãos, nomeadamente, quando encontrados a trabalhar sem contrato de trabalho e falta de desconto para o INSS, quer quando se compra produtos a um camponês sem BI. Agora, com o subsídio ao transportado, acredito que o Governo de Moçambique consegue ver as suas ineficiências. Vamos todos trabalhar para corrigir isso, de contrário, um dos pilares de alívio à pobreza, contido nas vinte acções do “PAE”, não será bem-sucedido.

 

AB 

 

Face ao actual custo de vida, o Governo de Moçambique adoptou vinte medidas para atenuar o mesmo, num pacote denominado “PAE”. São vários os sectores de actividade que devem, de forma harmonizada e coordenada, dar o seu contributo para o sucesso destas medidas, desde o Parlamento, através de adopção e de adequação da Legislação que vai ao encontro das medidas tomadas, o Judiciário, que se deve readaptar à nova realidade, por exemplo, que confere aos Advogados a possibilidade de certificarem, bem assim as esquadras, nestes, para pequenas empresas!

 

Ao sector dos Transportes e Comunicações cabe a “Gigantesca” tarefa de atenuar o custo de vida aos utilizadores do sistema de Transporte Público e aqui entra o nosso Ministro dos Transportes e Comunicações. No passado recente, o subsídio era entregue por exemplo, no caso dos panificadores, não ao comprador do pão, mas ao Padeiro. Entretanto, o paradigma mudou, deve ser entregue ao beneficiário, no caso dos Transportes é o transportado, mas, para tal, há que cumprir alguns requisitos para a acessibilidade do subsídio.

 

Um dos requisitos para se obter o subsídio é o Bilhete de Identidade. Entretanto, sabe-se que, grosso modo, cidadãos moçambicanos não possuem o BI. Segundo é a Conta Bancária, mas acima de 75% da população Moçambicana não possui conta Bancaria e, mais do que isso, sendo uma medida de abrangência nacional, muitos Distritos deste País não possuem uma Agência Bancária. Foi, aliás, na base disso que o Governo lançou o programa “Um Distrito um Banco” um programa que, salvo melhor opinião, está a embernar!

 

QUAL PODE SER A SAÍDA SENHOR MINISTRO!

 

Primeiro, devo dizer que a saída para a solução deste problema não pode estar no Ministério dos Transportes e Comunicações, deve ser uma acção coordenada do Governo como um todo e a ser liderado pelo Ministério da Justiça que tutela os Registos e Notariado. É importante acrescer, no pacote de acções do “PAE”, a componente de registo massivo de cidadãos, com a possibilidade de produção local e na hora de um BI para as pessoas, no caso das contas bancárias, tendo o BI, ainda que não haja agência Bancária na zona, pode-se recorrer às diversas plataformas Móveis.

 

Recordar ao Governo que, num passado recente e, num problema que não foi resolvido relativo à comercialização agrícola, não se considerava “legal” a compra de produtos agrícolas a um produtor não documentado. O sector privado chamou a atenção sobre o facto de muita gente não estar documentada e sobretudo no campo e o Governo decidiu ignorar isso, sendo que a Autoridade Fiscal agia sobre as compras dessa natureza aplicando a multa!

 

Mais: o sector privado que contratasse um trabalhador não documentado e, por conseguinte, não o inscrevesse na Segurança Social Obrigatória também se sujeitava a multas pesadas. Parecendo que não, tudo isto não deixa de ser um contrassenso porque, não cabe ao sector privado fazer registo aos cidadãos, senão ao Estado através do Governo do dia. Hoje, com esta questão do subsídio aos transportados, o Governo prova a sua própria ineficiência na solução estruturante dos problemas.

 

As autoridades dirão que existe registo nas unidades hospitalares onde ocorrem os partos, contudo, esses registos não possuem um carácter obrigatório para dizer que toda a criança que nasce ou que nasceu a partir de um determinado momento encontra-se registada. O registo e a atribuição do BI aos cidadãos nacionais deviam, na minha opinião, constituir uma prioridade para o Governo de Moçambique e me parece que existem condições para o efeito e digo porquê!

 

Quando chegam os pleitos eleitorais, todos os cidadãos com mais de dezoito anos vão registar-se e aqueles que, à data das eleições, irão completar essa idade, nesse processo biométrico o documento sai imediatamente e os dados centralizados. Ora, não seria possível adoptar esse método com as devidas adaptações e proceder-se ao registo e atribuição do BI aos cidadãos!? Acredito que seja possível, salvo melhor opinião.

 

Mesmo em relação aos transportadores, se formos a olhar com os olhos de ver, podemos, de forma fácil, concluir que o grosso das viaturas que fazem o Transporte Público, desde as carrinhas de nove a 15 lugares, não estão devidamente licenciadas e, por conseguinte, não elegíveis a nada! Não é por acaso que o INE – Instituto Nacional de Estatísticas fala de uma economia dominada pelo sector informal. Vimos recentemente a Autoridade Tributária, através da sua Presidente, a fazer a advocacia para o registo e formalização dos informais, quer a título individual, quer através da criação de Cooperativas, isto não nos diz nada!

 

Concluindo: o Governo de Moçambique deve, com carácter urgente, adoptar uma política de Registo massivo dos cidadãos nacionais, de modo a poder planificar melhor as acções de desenvolvimento e saber, de forma efectiva, com quem poderá contar para futuro desenvolvimento de Moçambique. Esse trabalho não pode ser visto na perspectiva de um sector de actividade, ainda que esse sector seja governamental. O Ministério dos Transportes e Comunicações não tem mandato institucional de atribuir BI às pessoas e, sendo assim, um dos programas de alívio à pobreza poderá “cair em saco roto”, vamos, todos, contribuir para o sucesso do “PAE”.

 

 Adelino Buque

Temos o privilégio de estar aqui, hoje, Dia do Advogado Moçambicano, a dar o nosso ponto de vista, a apresentar a nossa doxa – qual fonte por excelência do erro, como arguiam certos círculos da Grécia Antiga! – sobre O Papel da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) no Processo de Elaboração Legislativa, num momento particularmente preocupante da nossa democracia multipartidária, marcado pela abundância de soluções e técnicas legislativas que significam tudo menos o progresso nesse tema.

 

Exemplos dessa ausência de progresso, cujo apanágio nos parece ser, perdoe-se-nos o eventual exagero, integram a panóplia de retrocesso legislativo que se assaca de instrumentos como o Código Comercial, que é uma excelente simbiose de conceitos e institutos indevidamente representados e de exacerbado recurso ao gerúndio, qual brasileirismo, e o Código de Processo Penal, por via do qual se engendrou um dos maiores ataques à cartilha e disciplina de direitos fundamentais de que se tem memória no período pós-independência, no que pontificam atropelos como o da ilimitação ou quase-eternização da prisão preventiva, como se esta já tivesse deixado de ser uma medida de coacção constitucionalmente tutelada.  

 

Por falar em Dia de Advogado Moçambicano, talvez seja momento de começarmos a pensar na ampliação da celebração do que funda uma efeméride destas para algo maior, que a todos pudesse formalmente beneficiar, que seria a consignação do 14 de Setembro como Dia do Estado de Direito Democrático, conhecidas que são, da nossa história, as lutas de certos e destacados causídicos em prol da dignidade da pessoa humana, no que destacaria, no período anterior à Independência Nacional, nomes como os de Almeida Santos e de Rui Baltazar, e, na Primeira República (de 1975 a 1990), nomes como os de Domingos Arouca, Máximo Dias e Simeão Cuamba, ainda que, muitas vezes, virtualmente, naturalmente não por causa de uma pandemia análoga à COVID-19, mas por conta de algo talvez mais profundo: desrespeito pela dignidade da pessoa humana.

 

Claro que não ignoramos que estejamos, ainda, numa situação de devir, ou seja, num quadro de garantia meramente formal deste importantíssimo princípio, o do Estado de Direito Democrático, conforme, aliás, defendeu em 2015 o Dr. Rui Baltazar, em palestra que proferiu por ocasião dos 10 anos do jornal O País.

 

Com efeito, referiu nessa ocasião o Dr. Rui Baltazar que Moçambique ainda está muito longe de concretizar um verdadeiro Estado de Direito Democrático, embora esteja a experimentar, há já mais de duas décadas, um sistema político multipartidário, marcado pela realização de eleições regulares.

 

Feito este longo intróito, no qual a expressão-chave é Estado de Direito Democrático, vale a pena iniciar o cerne da abordagem a que fomos chamados, nomeadamente com algumas notas sobre as atribuições, quais funções ou, mesmo, responsabilidades, da OAM.

 

A OAM e o Processo Legislativo Doméstico

 

Se quiséssemos ser formalistas, nos limitaríamos a dizer, quanto ao Papel da Ordem de Advogados no Processo Legislativo, que o mesmo se resume na efectivação da norma contida na alínea c) do número 4 do Estatuto da OAM, aprovado pela Lei número 28/2009, de 29 de Setembro:

 

“[São atribuições da OAM] Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica, para o conhecimento e aperfeiçoamento do Direito, devendo pronunciar-se sobre os projectos de diplomas legais que interessam ao exercício da advocacia, ao foro judicial e à investigação criminal”.

 

Essa putativa perspectiva formalista, ou minimalista, se quisermos, seria problemática, se se considerar que dela se extrai um “erro indesculpável” do legislador ordinário, que não incluiu na há pouco citada norma a obrigatoriedade de a OAM se pronunciar sobre empreitadas estruturantes como a revisão constitucional.

 

Até porque a mesma norma nos levaria, quando confrontada com certos processos legislativos recentes, a consubstanciar, com toda a facilidade, o desrespeito das regras de jogo por parte do legislador, conforme o espelha a última revisão do Código de Processo Penal. Para que não haja dúvidas, muito menos equívocos, partilhamos que, em nosso entendimento, um pretenso envolvimento da OAM, dando-lhe três dias ou algo muito próximo para se pronunciar, não passa de uma infeliz tentativa de legitimação de um desiderato já decidido.

 

Aliás, na já citada palestra proferida em 2015 pelo Dr. Rui Baltazar, ele disse algo ao mesmo tempo profundo e vergonhoso para todos nós como país: Que a Assembleia da República não tem como ser procedentemente chamada de ‘Casa da Democracia”, uma vez que, não poucas vezes, funciona como uma espécie de ‘cartório notarial’, chancelando, em forma de lei, decisões já tomadas noutras entidades, no que se incluem, acrescento eu, as de direito privado.

 

Sobre O Papel da Ordem de Advogados de Moçambique no Processo Legislativo, julgo que o essencial dessa função se integra em algo que é género, algo macro, de que o demais será espécie, algo micro: a defesa do Estado de Direito Democrático, princípio constitucional consignado no artigo 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM), extraindo-se as responsabilidades da OAM nesse domínio a partir da conjugação dos artigos 73, 78 e 56, também da CRM, o que se acha de certa forma densificado na norma da alíena a) do artigo 4 do Estatuto da OAM.

 

Na verdade, o artigo 73 da CRM se ocupa do princípio de permanente participação do cidadão na vida da Nação, no que se incluem os advogados e advogados estagiários, individualmente vistos. E a interacção sistemática com os seus representantes na AR, sobretudo em sede da discussão de projectos ou propostas de lei, é uma das formas de materialização desse princípio fundamental.

 

Já quanto às responsabilidades da OAM, o artigo 78 da CRM, que a seguir o transcrevemos ipsis verbis, nos parece por demais claro:

 

“Artigo 78

 

(Organizações sociais)

 

  1. As organizações sociais, como formas de associação com afinidades e interesses próprios, desempenham um papel importante na promoção da democracia e na participação dos cidadãos na vida pública.
  2. As organizações sociais contribuem para a realização dos direitos e liberdades dos cidadãos, bem como para a elevação da consciência individual e colectiva no cumprimento dos deveres cívicos”.

 

Talvez valha a pena recordar que, em rigor, a expressão ‘Estado de Direito Democrático’ é considerada como sinónima à denominação ‘Estado Social de Direito’, tendo a preferência pela primeira, conforme expende Jorge Miranda (2017:75), que ver com as conotações que a segunda teve antes do 25 de Abril de 1974 em Portugal, efeméride que marcou o fim da ditadura e acelerou o processo da independência do nosso país do jugo colonial português.

 

No princípio do Estado de Direito Democrático, subjaz, pois, a confluência de duas ordens de princípios, nomeadamente de natureza substantiva – o da soberania do povo (número 1 do artigo 2 da CRM) e o dos direitos fundamentais (artigos 42 e 43 da CRM) – e de natureza adjectiva, como sejam o da constitucionalidade (número 4 do artigo 2 da CRM) e o da legalidade (número 3 do artigo 2 da CRM). 

 

Quanto à centralidade e premência do princípio do Estado de Direito Democrático ou do Estado Social do Direito na compreensão do Papel da Ordem dos Advogados de Moçambique no Processo Legislativo, o legislador constituinte foi feliz ao inserir, no prêambulo da CRM de 2004, que é a que está em vigor, o seguinte postulado:

 

“A Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a instauração de um clima democrático que levou o país à realização das primeiras eleições multipartidárias”.

 

Julgamos não restarem dúvidas quanto ao crucial papel que a OAM tem na monitoria do efectivo funcionamento da democracia moçambicana, ao mesmo tempo que deve assumir inequivocamente o seu papel de contrapoder, sem necessidade de esperar, por exemplo, pela aprovação da Lei de Participação Pública no Processo Legislativo, o que já regista mais de 10 anos de atraso.

 

Em Jeito de Conclusão

 

Sendo a contínua participação do cidadão na vida da Nação um direito fundamental, tal como consignado na parte final do artigo 73 da CRM, e sendo os direitos e liberdades fundamentais directamente aplicáveis, no que se acham vinculadas as entidades públicas e privadas (número 1 do artigo 56 da CRM), a OAM, qual organização social com afinidades e interesses próprios, de resto integrada no artigo 78 da CRM, deve socorrer-se de todos os mecanismos legais para efeitos de maximização do seu contributo na consolidação do ainda incipiente Estado de Direito Democrático em Moçambique, incluindo a participação efectiva no processo legislativo. Nesse processo, ou nessa luta democrática, a OAM deve ter presente que raras vezes os direitos são dados de bandeja em contextos similares ao de Moçambique, classificados pela literatura de Ciência Política como sendo um ‘Estado Autoritário’.

 

Por último, mas nem por isso menos, sugerimos que a OAM proponha a aprovação duma Lei do Procedimento Legislativo, uma vez que tanto o Poder Executivo como o Poder Judiciário têm o que designaria por “leis de processo” – Lei 14/2011, de 10 de Agosto, para o Poder Executivo, e vários códicos de processo, para o Poder Judicial –, mas o Poder Legislativo, a Assembleia da República (AR), não possui uma lei que regulamenta objectivamente os procedimentos da sua actividade e relacionamento com o cidadão e outras entidades.

 

(Ericino de Salema é jornalista e advogado. Texto apresentado ontem num evento da Ordem dos Advogados de Moçambique, mais concretamente num painel denominado “O Papel da Ordem dos Advogados no Processo Legislativo”. Título da responsabilidade da Carta)