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quarta-feira, 20 outubro 2021 07:39

Dá-me um abraço, Mariano Nyongo

Mariano, vi-te nas fotografias deitado de costas como uma baleia cuspida pela fúria do mar, os teus olhos pendurados no rosto pareciam duas lâmpadas fundidas balançando e divertindo os insectos das tuas sobrancelhas. E aparece-me que tinhas muita pressa em morrer, pois nem uma lâmina de gilete passaste pela barba e não baixaste os lábios para esconder os molares. A vida não é cruel, os homens é que o são e tu eras homem.

 

E porque antes de morrer não pediste apenas um minuto, um minutinho, para vestires o fato que nos exibias na televisão, um minutinho para te deixares estar no espelho e arrumares o nó da gravata, um minutinho para juntares a tua Junta e dizeres um simples adeus, um minutinho para mostrares as costas à tua Junta e depois caíres morto de costas. Custava-te pedir um minutinho?

 

Não te escondas de mim, Mariano. Eu apenas te quero ajudar a carregar o teu corpo cheio de balas, talvez seja pesado demais; quero acender uma pequena vela e fazer sinal de cruz com o mesmo indicador que usavas para accionar o gatilho. A vida não é cruel, os homens é que o são e tu eras homem. Foste cruel, a vida é cruel, os homens são cruéis e tu eras homem. O melhor que podemos ter no mundo é um abraço, Mariano. Não há DDR que nos tire um abraço, não há um ex-guerrilheiro do abraço, não há subsídios que nos afastem do abraço e um abraço nunca precisa de mediadores. 

 

Dá-me um abraço, Mariano Nyongo, e eu tentarei orar pela tua alma. Juro-te que Deus tem ouvido as minhas orações, juro-te que Ele pode arranjar-te uma lâmina para barbeares o rosto, um pequeno fusível para pôr nos teus olhos fundidos, dar-te um minutinho para correres atrás do teu fato e talvez um minutinho para desarmar-te da morte.

 

Ouves-me, Mariano? A vida não é cruel, os homens é que o são e tu eras homem. Não quero falar dos camiões que atacaste, das pessoas que fuzilaste, das paisagens de sangue que meteste pelas janelas dos autocarros, dos homens que pastavas nas matas e das tuas mãos inchadas de calos de armas. Não quero falar disso. Quero falar dos teus olhos, que vi nas fotografias, que pareciam duas lâmpadas fundidas, dos teus olhos que não tinham força para virarem ao seu amigo de lado e ciciar: “vês que a vida é cruel, amigo?”. Os teus olhos que mesmo abertos tropeçavam no vazio.

 

Não quero falar das tuas reivindicações e nem dos teus homens que viviam nas matas e saíam como hienas para atacar camiões. Podia falar do saco plástico onde foste embrulhado como um cão atropelado, mas eu quero falar dos teus olhos, Mariano, mas eu quero abraçar-te. Tu mataste, foste morto e a qualquer dia todos terminamos assim; não se pode dar muita confiança a um país que carrega uma arma na bandeira. Falando em bandeira, Mariano, achas que valeu a pena tentar erguer a bandeira da tua resistência? Não sou católico, mas posso rezar o terço, quem sabe cada missanga do terço cure-te as feridas das balas e os teus olhos fechem-se de vergonha e peçam perdão por tudo.

 

Dá-me um abraço, Mariano Nyongo. Não perdes nada em dar-me um abraço, nada de ti hoje resta. Engano-me; restam fotografias tuas que serão exumadas das gavetas e tatuadas com cruzes vermelhas à testa, resta uma arma tua que vai enferrujar de cobardia porque não te soube proteger e resta esse meu abraço que não queres receber.

Há dois que não fecha os olhos. Não pestaneja. O médico que cuida dele está em desespero. Recorreu aos colegas, que responderam de imediato, mas a situação não muda. Nem para frente, nem para trás. Tentaram induzi-lo com aparelhos, na esperança de trazê-lo à estabilidade. Sem sucesso. Chegaram a pensar no sistema de respiração boca-a-boca, ideia imediatamente reprovada por se mostrar desnecessária. Os pulmões de Mbata Mapengo não pararam de respirar.

 

Nunca foi visitado por familiares desde que está aqui, não se conhece nenhum. Nem por amigos. Chegou ao hospital em estado de coma, após ter sido sacudido por um camião, cujo condutor nem sequer parou para alguma coisa, como se Mbata Mapengo fosse um cão. Foi uma mulher generosa, se calhar uma samaritana, que, passando casualmente pelo local do sinistro, parou o carro e levou o homem ao centro de saúde.

 

Parece um cadáver, naquela posição chocante, coberto de lençóis brancos em todo o corpo, deixando apenas a cabeça que me lembra a mulher árabe adúltera, enterrada até às axilas, com o “crâneo” à mercê das pedras. Mbata Mapengo pode estar assim, se calhar na expectativa de que haja algum milagre que lhe permita dizer a última palavra antes de morrer.

 

Entrei para o interior da enfermaria – onde ia visitar um vizinho -  e alguém me disse que aquele senhor não fecha os olhos há dois dias. Não fala. Não pestaneja. E, segundo relatos que vão me chegando dos doentes e dos visitantes, os médicos não sabem o que fazer. Para eles, este homem não está nem morto, nem vivo. Está em estado de dúvida. Provavelmente em estado de talvez.

 

Aproximei-me do desafortunado, por instinto, sem saber o que ia fazer perante um cenário macabro. Os próprios médicos e os enfermeiros e outros agentes da saúde, tinham capitulado. O corpo de Mbata Mapengo recusava-se a receber sondas. Houve ainda a ideia, acreditando no que se diz nos corredores, de alimenta-lo  por via retal,  porém, esse recurso desconfortável não chegou a materializar-se. O anus estava duro de tal ordem que se tornou inviável esse procedimento.

 

Mas eu cheguei perto de Mbata Mapengo. Olhei-o nos olhos e em resposta a minha ousadia, recebii profundos arrepios na medula. Cheguei a conclusão de que tinha ido longe demais, e agora não me resta mais nada senão render-me  a asfixia. Ou seja, os olhos que não se moviam há dois dias, pestanejam agora perante mim, . Mbata Mapengo saúda-me com os olhos, perfurando-me todo o interior. Então, estou completamente apavorado.

 

Mbata Mapengo moveu os lábios. Balbuciou. E as únicas palavras que ainda consegui captar nesse balbúcio, referiam-se ao juiz Efigénio Baptista. Eram sílabas desarrumadas. Inexpressíveis.  Retalhadas. Mesmo assim esforcei-me a junta-las, tendo conseguido traçar uma linha que dizia assim, tenho pena do juiz Efigénio!

 

Mbata Mapengo ia dizer mais alguma coisa. Nada! Os lábios voltaram a cerrar-se. Os olhos fecharam-se, e logo a seguir ouviu-se um vibrante e profundo suspiro, que levou toda a enfermaria ao silêncio de sepúlcuro.

terça-feira, 19 outubro 2021 09:24

O que se passa com o MDM?

Nas nossas aulas da escola secundária, os professores começavam por nos ditar o sumário das aulas que iriamos ter nesse dia. Não sei se isso ainda se faz nos dias de hoje. Vou, neste texto, seguir esse método, começar com o sumário o qual não seja: MDM, um projecto adiado! Ou MDM, uma decepção total!

 

A morte precoce de Daviz Simango trouxe a nu a impreparação, a imaturidade, a falta de consistência e de coesão e consequentemente o aborto que não é o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a despeito de um slogan muito bem conseguido que convoca muita crença, patriotismo, confiança, simpatia e adesão - Moçambique para Todos! Este ideal chegou mesmo a atrapalhar as grandes formações políticas e a atrair intelectuais e académicos. Mas… tudo se foi e continua se esfumando!

 

Quando esta formação política apareceu, ficou a expectativa de que seria aquela que iria suplantar uma Renamo que teimava em não ser um partido organizado, estruturado, elaborado e articulado. Tínhamos uma Renamo que aprofundava a desorganização interna, desdemocratizava-se galopantemente e era cada vez mais Dhlakama e só ele. Com o MDM, a democracia moçambicana esfregava as mãos de contente; pensava-se que aquele grupo de jovens empolgados iria verdadeiramente fazer diferença: estaria profundamente comprometido com a democracia, transparência, boa governação, unidade nacional, profissionalismo, maturidade e oportunidade igual para todos os “mdmeiros”, mas também para todos os moçambicanos. E ainda começaram mais ou menos bem, com resultados muito promissores, pelo menos na Assembleia da República.

 

Contra todas as expectativas e muitíssimo cedo, madrugada até, viu-se uma autêntica debandada de muitas figuras políticas de proa competentes, de créditos firmados, que tinham deixado, decepcionados, a Renamo também cheios da convicção de que a nova organização seria totalmente diferente da Renamo de Afonso Dhlakama. Gente que tinha deixado a “perdiz” com todo o entusiasmo de ir fazer um partido sério de jovens, para jovens, moderno, que vá de encontro à expectativa dos moçambicanos de terem uma democracia saudável, com uma oposição organizada, capaz, competente, à altura, democrática e… pura ilusão. Era a segunda decepção. E a democracia moçambicana averbava também é uma vez mais uma violenta derrota… decepção.

 

Afinal a nova organização política tinha aprendido bem o essencial da progenitora Renamo: desorganização, desdemocracia, intransparência, nepotismo, ineficiência, imaturidade e pouco profissionalismo - ninguém jamais se esquecerá da forma como foram constituídas (a dedo do presidente) as listas de candidatos a deputados. Tudo isto receita bastante para o descalabro que se seguiu. Se nas eleições de 2014 tinha conseguido eleger 17 deputados, o dobro do conseguido nas eleições debutantes, em 2009, que foram oito (8), em 2019 registaram uma queda que não deixou de ser estrondosa, cifrando-se apenas nos seis (6) deputados, perto de um terço do que conseguira anteriormente!

 

E eis-nos aqui: numa democracia sem oposição digna desse nome. Organizada, com órgãos a funcionar devidamente - comissão política (ou nacional), comité central (ou nacional), secretariados (do comité central/nacional, provincial, distrital e de localidade), congressos (a realizarem-se regularmente). Todos estes órgãos a funcionarem normalmente e a produzirem ideias úteis. Uma oposição com ciência da sua existência e do seu papel em uma democracia: a produzir ideias alternativas para a solução dos problemas do povo; a criticar racionalmente as políticas e estratégias governamentais. Uma oposição a praticar o evangelho de democracia e boa governação, bem como a transparência! Nada!

 

Além desta profunda decepção, o MDM ainda nos brinda com algo pior: uma inovação no processo de eleição dos órgãos do partido. Estão agora no frenesim de escolher o sucessor de Daviz Simango. O razoável numa organização política normal é os candidatos afirmarem-se através de manifestos políticos, convocar-se um congresso e os delegados, transparentemente eleitos, elegerem os órgãos em causa. O MDM vem com a inovação de que as delegações (secretariados) provinciais, muito antes do congresso, declaram as suas escolhas, os seus candidatos. Já sabemos que Maputo está com Rongwane, Manica com José Domingos e… Sofala com Lutero!

 

Que eleições teremos no MDM? Que MDM teremos para fazer face aos grandes desafios dos moçambicanos? ZIRÔOO!

segunda-feira, 18 outubro 2021 07:10

O Julgamento de James Bond

Passei a minha infância nos belíssimos distritos de Quelimane, Mocuba e Pebane (Zambézia) e Namuno e Balama (Cabo Delgado), onde sempre ouvia falar sobre James Bond. O meu falecido avô, Mussa Impuessa, sempre se referia a este nome, quando contava acerca da sua longa aventura de vida – ele era um Marinheiro de mão-cheia, que girou pelos quatro cantos do mundo. Mas, como eu era miúdo, não entendia a amplitude e universalidade do nome – James Bond.

 

Eu apenas começaria a entender sobre o nome, quando passei a residir efectivamente na Cidade de Quelimane – capital provincial da Zambézia. Lá, em conversas com amigos e professores, fiquei a saber que se tratava de uma pasta de mão. Eis que, nas brincadeiras, sempre que tivesse uma pasta do género, era, constantemente, apontado pelas pessoas da zona. Por isso, nesta altura, comecei a procurar saber mais sobre a origem do nome. Devido à nossa realidade social moçambicana, entre os finais dos anos 90 e a metade da primeira década dos anos 2000, só foi possível chegar ao âmago do problema já no ensino secundário, quando viajei para Milange.

 

Em Milange, a casa onde me hospedara tinha uma colecção de filmes que ainda não havia assistido em Quelimane. Entre os filmes, constava a saga 007, o código do Agente Secreto fictício do serviço de espionagem britânica MI-6, criado pelo Escritor Ian Fleming, em 1953. Na altura, o papel era desempenhado por Pierce Brendan Brosnan, o actor e produtor irlandês que actuou em quatro filmes da saga do Agente 007, hoje interpretada por Daniel Craig.

 

A partir daquele momento, a concepção que tinha sobre o nome James Bond mudou. Percebi que se tratava de um super agente operativo que defendia, a todo o custo, os interesses britânicos em diferentes partes do mundo. E como a saga é meramente fictícia, com o tempo, a idade, a escolaridade e a compreensão da complexidade do funcionamento do mundo, aprendi que existem, no mundo, vários , inclusive na minha própria terra. São homens que dão tudo e carregam vários segredos dos seus países. Portanto, matam e morrem por eles!

 

Quando vejo a saga cinematográfica 007 e o papel de James Bond, eu percebo que existem homens cujas vidas se resumem em defender a sua bandeira e fazem-no a todo o custo. Entretanto, devido à liberdade de actuação destes homens, às vezes, eles acabam por atropelar várias linhas de funcionamento social, político, jurídico, económico, entre outras.

 

Por natureza, os James Bonds são cavaleiros das realezas. Defensores ocultos e acérrimos dos Estados. Investigadores criminais e combatentes do bem de todos e estão dispostos a darem a sua vida pela dos outros. Portanto, os James Bonds devem ser incorruptíveis e guardiões dos segredos mais sombrios das estruturas máximas das suas nações.

 

Estranhamente, numa fase em que o meu entendimento sobre o papel de um James Bond é maior e profundo, numa altura em que quase todos nós temos a televisão em casa e, literalmente, nas mãos, eis que ficamos a aprender como os James Bonds se infiltram nas nossas vidas e nas instituições públicas e privadas. Ficamos atentos à tela a aprender técnicas de espionagem. Gratuitamente, somos brindados com uma formação intensiva sobre como ser James Bond. Tudo isso porque os nossos James Bonds da Pérola do Índico esqueceram-se da sua função e venderam as coordenadas das nossas fronteiras marítimas, aéreas e terrestres para supostos parceiros comerciais.

 

Os nossos James Bonds viraram-se contra o próprio povo que juraram defender. Deixaram o importante papel que desempenhavam em defesa da nossa soberania e ficaram apenas com as famosas pastas/malas James Bonds que, nos tempos da minha linda infância, acreditávamos tratar-se simplesmente disso. Hoje, estamos diante de uma realidade triste – ver os nossos James Bonds a serem julgados numa tenda, sentados e vestidos com o uniforme de errantes: o uniforme da desonra.

 

Metódica e religiosamente, alguns dos nossos James Bonds, quando falam para o Meritíssimo Juiz, dizem que estavam a agir em representação do povo. Queriam operar em segurança do Estado moçambicano pescando atum e endividando o País. Eles pretendiam ser, simultaneamente, homens de negócios e Agentes Especiais da secreta moçambicana.

 

Esses nossos James Bonds inverteram o papel e agora querem ser políticos ou revolucionários. Já falam, acreditando que estão a informar o povo. Quando são questionados, em sede do Tribunal, respondem dizendo que o povo precisa de saber. Eles ainda pensam que são os nossos James Bonds, embora queimados pela imprensa, como eles mesmos reconhecem. Eles ainda acreditam que podem voltar a fazer mais uma actuação no Casino Royal ou mesmo No Time to Die (Sem Tempo Para Morrer). Entretanto, eles, agora, devem suportar as perguntas “inocentes” do nosso Ministério Público (MP), o dono da acção penal e o representante do nosso Estado que, hoje, julga os nossos James Bonds – espiões que não revelam nada em nome da soberania e segurança do Estado – caricato, né!?

 

Contudo, apesar de o Tribunal estar a julgar os nossos James Bonds, a realidade está a provar que não é fácil interrogar alguns deles, porque estes foram formados para esquecer e ter argumento para tudo. Esse facto fez desmoronar a esporádica popularidade do juiz do processo, que chegou a explodir quando um dos James Bonds, durante o interrogatório, atirou-lhe uma “banana bomba” que veio quebrar aquela máscara que se aparentava robusta e cercada de uma prova de bala diferente e de outro mundo!

 

Por conseguinte, o País precisa de novos James Bonds, que não se confundam com empresários ou lobistas. Que sejam homens que nos protejam de verdade. Que garantam a nossa segurança e soberania, sem ferir a pátria que dizem amar. Que a sua abnegação não seja mais corrompida – porque não queremos ver mais James Bonds a serem julgados na Pérola do Índico!!!

domingo, 17 outubro 2021 10:11

Dr Bassith raptado pela segunda vez

O governo raptou nesta manhã o direito à indignação e o grito de socorro do Dr Bassith. É uma forma de proteger os raptores, porque reprime quem está contra eles. 

 

Um médico, o Dr Bassith, é raptado. O PR Filipe Nyusi se indigna e lança o recado do ultimato contra a gang raptora, que se move no seio da Polícia. Um comparsa policial é assassinado. A sociedade aprecia. O ultimato parecia ter funcionado. A voz do Presidente ouvida.

 

Entretanto, os dias passam e médico continua no cativeiro. Não se conhece o valor exigido para sua libertação. Os tectos vão baixando. Agora, não são magnatas. Uma filha de dono de pequeno restaurante...e, agora, um médico. Um médico que se multiplica em horas para ganhar a sua vida e salvar outras. Um simples profissional liberal. 

 

E se se confirmar o caso do filho do Salimo Abdula, eles vão se aproximando do poder político, dos filhos do poder. Imagina! E é esse poder que reprime quem busca solidariedade, abafando o grito de socorro da sociedade. Os médicos de Maputo foram proibidos de mostrar que condenam os raptos. Sua mensagem condenatória fere o governo, atinge as cúpulas e por isso não convém. E os raptores se sentem mais protegidos. Afinal, o governo "cagou" nos médicos.

 

Este país deve ser refundado. Este modo feudal de Estado basta. Democracia? Ora essa...

O escritor não se deve calar perante o que o indigna.” (Mia Couto, 1955-Actualmente, Escritor e Biólogo Moçambicano)

 

Segundo informações e dados linguísticos, nas páginas das gramáticas bantu, a palavra “desporto” não existe nas línguas nacionais moçambicanas. Pelo que, por associação de significado, de modo a encontrar-se um termo substituto, que melhor o descreva, utiliza-se a palavra “brincadeira” para se referir a “desporto”.

 

Portanto, a Secretaria de Estado do Desporto (SED) de Moçambique, por assimilação do significado da palavra “desporto” vigente nas línguas nacionais moçambicanas, equivale à Secretaria de Estado da Brincadeira. Feliz ou infelizmente, essa brincadeira dilatou-se e estende-se à Federação Moçambicana de Futebol (FMF)! E assim começa a brincadeira em toda a cadeia desportiva no País!

 

Por isso, nas artérias da agitada Cidade das Acácias, bem como em todas as cidades espalhadas pelo extenso Moçambique, ouviam-se várias conversas acesas sobre a actuação da SED e da FMF. Até analistas renomados da praça, grande parte deles da sociedade civil nacional, comentavam em suas páginas de Facebook, bem como nas suas intervenções nas telas das TVs nacionais sobre a ineficácia e ineficiência da governação desportiva vigente no País.

 

Assim, não apenas os adultos, mas, também, os jovens não se distanciavam daquele assunto, razão pela qual revelavam, aqui e acolá, as suas concepções em relação ao mesmo. Mais uma vez, aquele assunto nos colocava, não somente na boca do povo local, mas da Região Austral, de África e do mundo. Todos eram unânimes e diziam que a forma como, quer a SED quer a FMF, eram desgovernadamente conduzidas… Quase tudo relacionado ao desporto e futebol deixava a desejar. E as esperanças de ver a situação mudar estavam a esgotar-se!

 

― Há uma semana, fomos blindados com mais uma intervenção decisiva da Confederação Africana de Futebol (CAF). Trata-se de uma decisão que vem demonstrar as brincadeiras desenhadas pelos representantes desta brincadeira chamada futebol. ― Revelou o Jota, que conversava com o tio Manuelinho.

 

― É verdade, sobrinho. O nosso melhor pátio, onde brincamos com a bola, foi chumbado pela falta de condições para organizar o embate entre os Mambas desvenenados e os indomáveis leões, os Camarões. ― Retorquiu o tio Manuelinho.

 

― Aliás, em Novembro do ano passado (2020), naquele mesmo estádio, hoje sem temperos para fazer o caril da brincadeira futebolística, Camarões ofereceu uma goleada gémea à Pérola do Índico, isto é, duas bolas sem resposta. ― Acrescentou o Nelo, que, também, se juntou àquela conversa de tio e sobrinho.

 

― Tens razão, Nelo. ― Disse a Raquel, tia do Jota.

 

E, em seguida, somando palavras à sua fala, ela adicionou:

 

― Como meninas, os Mambas brincaram com a bola, mesmo estando em solo pátrio. As derrotas e os poucos empates que conseguimos, associados a algumas manobras desconhecidas, descascaram o estádio e levaram-no à total reprovação.

 

― Então, porquê nós, constantemente, nos perguntamos: “Afinal, quando voltaremos a gritar “golo”, não para chorar e confirmar a derrota, mas para celebrar os nossos compatriotas por nos brindarem com a vitória? ― Interpelou, indignado, o sobrinho do tio Manuelinho.

 

― É verdade, amigo. Parece que ainda não temos a certeza da resposta a esta simples pergunta. Sim, a resposta é simples, porém, os meios são longos e complexos. Mas nada de extraordinário! É uma questão de planificação, como articulou o Rui Lamarques, brilhante Jornalista, Editor e Formador de Jornalistas, incluindo o Jota, numa publicação recente partilhada na sua conta do Facebook. ― Compôs o Nelo, como se estivesse a brincar com as teclas do seu piano familiar.

 

― Quando recebemos a carta de demissão que nos tirava o direito de acomodar a partida de brincadeira com os Camarões, na batalha para o ingresso ao Mundial de 2022, carimbamos a nossa certeza: sabíamos que não estávamos qualificados para tal. ― Indicou o Jota, sobrepondo a sua voz à fala de Nelo.

 

― Apenas estávamos a tentar a sorte, como nos jogos de carta. Sonhávamos que teríamos todos os trunfos, desde o “A” ao “6” e, assim, a jogada seria simples. Mas não foi! ― Acrescentou a tia Raquel, mostrando-se uma cidadã consciente.

 

― Portanto, a desorganização e a falta de planificação vieram a revelar-se. Chumbamos no totobola desta brincadeira. ― Rematou o tio Manuelinho.

 

Em poucos minutos, sacudimos os ombros e escrevemos uma carta embelezada de adjectivos, bajulando toda a Federação Sul-Africana de Futebol e os seus representantes governamentais, traduzida no Google Translator, e, como eternos pedintes, corajosos, submetemo-la aos nossos vizinhos e irmãos, os donos do Rand.

 

― Não foi por falta de alerta, mas esquecemo-nos de que eles já estavam fartos das nossas brincadeiras. Mesmo com relações historicamente carimbadas entre nós, desta vez, os nossos irmãos não responderam à carta de reconhecimento das nossas brincadeiras. ― Carimbou, mais uma vez, o Jota.

 

Da terra do rand, um membro do governo posicionado, desapontado, segredou:

 

― Afinal, o que se passa com estes nossos irmãos e vizinhos? Além de recebermos milhares dos seus filhos, nas nossas terras, estamos a gastar milhões de rands para acomodar as nossas tropas que militam no Cabo queimado das suas terras. E os custos aumentarão, pois, querem prorrogar a permanência daqueles soldados lá.

 

― Os nossos cidadãos pagam somas de impostos e uma parte é destinada para custear as caminhadas dos nossos soldados que protegem a Pátria deles quase queimada. ― Adicionou outro cidadão Sul-Africano, membro do Parlamento.

 

Em seguida, um representante do Desporto Nacional de África do Sul questionou:

 

― Não são eles que disseram que aquilo era um jogo de polícia-ladrão e resolveriam em apenas uma semana? Mas essa semana ainda não terminou e está a afectar a nossa economia local. Agora, com 46 anos de independência, eles enviaram esta carta e dizem não ter um campo adequado para realizar uma partida de futebol com os Camarões? É isso meso?

 

― Isso só pode ser mesmo brincadeira! ― Afirmou uma cidadã Sul-Africana, que se mostrava verdadeira conhecedora daquele assunto mal-parado e vergonhoso.

 

― Ora, não foi por causa de alguns erros de comunicação ou porque eles estão cansados de nos ajudar. É por causa da forma como tratamos o nosso desporto, aliás, a nossa brincadeira! É a mesma brincadeira que nos faz pensar que o nome da nossa selecção é a causa das derrotas. ― Atirou o Jota, virando-se para Nelo.

 

― É essa brincadeira que nos faz pensar que o facto de um jogador estrear numa equipa Europeia ou Tanzaniana constitui garantia e selo para alcançarmos bons resultados. ― Acrescentou o Nelo, o qual foi interpelado pelo tio Manuelinho:

 

― É essa brincadeira que nos faz gastar somas de dinheiro para comprar cremes de bolos e usar migalhas na confeição dos bolos. Como esperar golos de bolos localmente malfeitos? ― Questionou, sublinhadamente, o tio Manuelinho.

 

― Não é apenas a África do Sul que se recusou de custear as preparações de um campo para assistir a mais uma demonstração da nossa brincadeira, mas toda África Austral. ― Ajuntou a tia Raquel, enquanto, com a sua cabeça, acenava, negativamente, reprovando aquele comportamento de gestão desportiva nacional.

 

― Como resultado, e não sabemos a que custos, lá do corno da cabeça da nossa mãe, de Marrocos, ouviu-se uma voz que disse: “Nós sabemos que vocês gostam de brincar! Temos um espaço livre para as vossas demonstrações, incluindo voos, hotéis, táxis e outras despesas. Estejam à vontade!” ― Atirou o sobrinho do tio Manuelinho, revelando um plano inglório.

 

Por conseguinte, todos, felizes e ávidos para gastar as nossas poucas migalhas e economias, que seriam úteis para endireitar aquele campo maltratado e muitas outras necessidades locais, carimbamos a despesa para mais uma demonstração da exaltação da brincadeira! E, assim, como nação, seguimos, orgulhosamente!