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Não se pretende explorar conceptualmente numa praxe académica os conceitos de ciências de riscos, mas faz-se um empréstimo para ilustrar o histórico territorial de risco para suportar a afirmação. Na região centro de Moçambique há uma situação multirrisco de ponto vista físico-climático e outros problemas societais em combinação e se mal geridos podem conduzir a uma crise humanitária profunda. Aliás não querendo ser catastrofista essa região vive permanente em crise desde a primeira república em poucas evidências de gestão integrada de riscos. Entende-se por região centro de Moçambique as províncias de Sofala, Manica, Tete e Zambézia.

 

Primeiro, vale apenas definir-se cientificamente os conceitos de “bacia de riscos” como a região ou território onde há convergência de dois ou mais riscos que até podem vir a manifestar-se ao mesmo tempo originando crises complexas (Rebelo, 2003 Apud Dagnino & Junior, 2007). E o “sistema de riscos” é utilizado para enfatizar quando um risco é fortemente interligado a outros no espaço e/ou no tempo (Perrow, 1983 Apud Dagnino & Junior, 2007). A situação actual da região Centro de Moçambique principalmente as províncias de Manica, Sofala e Tete encontra um ajuste destes dois conceitos que seguidamente se tenta demonstrar de modo a sencebilizar as lideranças locais, centrais e parceiros estratégicos a ser mais proactivos nas acções de redução do risco de desastres.

 

Algumas constatações condicionantes para fatalidades e desastres na região centro

 

  1. Ciclicamente afectado por tempestades, inundações e seca

 

A região centro comporta vários rios importantes do ponto de vista hidrográfico em Moçambique. Os que mais afectam a região do ponto de vista de inundações e colocam em risco as populações e seus bens são rio Zambeze, Licungo, Save, Pùngué e Rovubwe. Estes rios de uma frequência de inundabilidade de 1 a 10 em média; querendo dizer que a região anualmente tem casos de cheias/inundações. Esta região é porta de entrada de ciclones do canal de Moçambique e por conceito os ventos fortes são acompanhadas por precipitações intensas terminam sempre em fatalidades (Figura. Alguns exemplos).

 

 

Apenas no ano de 2019, antes do mortífero ciclone Idai a região já tinha sido afectado pelas inundações do rio Licungo na Zambézia, Save e Púnguè em Sofala, Zambeze e Rovubwe em Tete. Enquanto as populações se recuperavam das inundações foram afectadas pelo ciclone Idai que passado mais de 2 anos ainda se encontram num processo de reconstrução pelo impacto que teve e ainda este 2021 tiveram outros dois eventos extremos.

 

  1. Região com alta dependência de recursos naturais e regularidade pluviométrica

 

Os recursos naturais (florestas, pesca, fauna bravia, etc), a agricultura familiar de pequena escala são as actividades que garantem o sustento das comunidades locais e geram muita renda informal nas famílias em quase toda a região centro e a província de Manica ainda com maior produção de citrinos e produtos de avicultura. Estas actividades têm época própria porque dependem especificamente do período chuvoso. E por questão de sobrevivência as comunidades se instalam nas planícies inundáveis e locais com potencial de deslizamento devido a exploração artesanal de recursos minerais.

 

  1. Região com conflitos políticos militares pós-eleitorais e desde 2014 latentes.

 

A região vem sofrendo sevícias e incursões militares desde 2014 com altos e baixos que nunca pararam completamente. Todas condições agro-ecológicas, recursos naturais e recurso mineiras que podiam ou podem colocar esta região mais desenvolvida e com comunidades mais imponderadas são menos exploradas.

 

Os conflitos militares impedem o desenvolvimento das comunidades, inibem investimentos e colocam o ritmo de desenvolvimento desta região bastante lento.

 

Com as três constatações referenciadas acima fica óbvio que o centro é “bacia de risco” que se associam e podem conduzir a uma crise humanitária profunda se por exemplo os conflitos políticos militares prevalecerem, porque os eventos extremos estes sim vão se repetir (inundações, seca/estiagem e ciclones/tempestades) sem dúvida alguma.

 

Algumas sugestões para reduzir o risco de desastre na região centro de Moçambique

 

A discussão actual na área de Redução do Risco de Desastres caminhou para o consenso de que avaliar a vulnerabilidade social de um determinado território, ou região, é chave para ações de prevenção e redução de desastres, bem como para a promoção de uma cultura de resiliência (Oliveira et al, 2020).

 

Com todas as adversidades acima elencadas na região sugere-se:

 

  1. Envolver as lideranças locais e descentralizadas para acções de redução de risco de desastres. Vezes sem conta as comunidades recebem doações, ajudas humanitárias e projectos de empoderamento comunitário que muitas vezes não se enquadram com o seu contexto. Fraco envolvimento dos actores locais gera soluções fracas. O modelo centralista na gestão de risco de desastre se mostra menos eficaz em maior parte do mundo.
  1. Capitalizar o uso sustentável dos recursos por parte das comunidades de modo a tirarem maior proveito para reduzir os níveis de desemprego e pobreza na região; isso evitará uma provável manipulação das comunidades para se associar a conflitos com motivações “ocultas”.
  1. Encontrar uma plataforma de governação de riscos na região que possam incorporar os aspectos culturais e étnicos para reduzir as assimetrias regiões, bem como quebrar as narrativas seculares a esse respeito.
  1. Estabelecer uma paz sustentável durante e pós-eleições, porque esta região tem sido palco de qualquer revindicação eleitoral (mesmo dentro do mesmo partido) e coloca a região fragilizada. É preciso que as acções humanitárias se limite ao alívio. A reabilitação e recuperação são parte integrante da acção humanitária e devem ser dadas a atenção necessária e recursos suficientes. A acção humanitária deve ir para além da resposta de emergência e ser entendida como parte de uma estratégia de paz e estabilidade e de desenvolvimento a longo prazo (Africana, 2016).

 

Hélio Nganhane

 

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Aluno do Doutoramento em Geologia na Especialidade do Ambiente na Universidade de Coimbra, assistente universitário na Universidade Pùngué.

 

Referencias

 

Africana, U. (2016). Posição comum Africana (PCA) sobre a eficácia da ajuda humanitária. Addis Ababa.

 

Dagnino, R. D. S., & Junior, C. S. (2007). Risco Ambiental: Conceitos E Aplicações. CLIMEP – Climatologia e Estudos Da Paisagem2(2).

 

Dgedge, G., & Chemana, C. (2018). Os comités locais de gestão do risco de calamidades e a educação sobre inundações no Baixo Limpopo, Moçambique. Revista Internacional de RiscosII, 123–132. Https://doi.org/10.14195/1647-7723_25-2_10

 

GFDRR, & PNUD. (2014). A recuperação de cheias recorrentes 2000-2013 MOÇAMBIQUE Estudo do Caso para o Quadro de Recuperação de Desastres. Retrieved from https://www.gfdrr.org/sites/default/files/publication/report-mocambique-recuperacao-cheias-recorrentes-2014_0.pdf

 

INGC, I. N. de G. de C. (2009). Estudo sobre o impacto das alterações climáticas no risco de calamidades em Moçambique Relatório Síntese. Retrieved from www.ingc.gov.mz

 

Oliveira, S. S., Portella, S. L. D., Antunes, M. N., & Zezere, J. L. (2020). Dimensões da vulnerabilidade de populações expostas a inundação: apontamentos da literatura. In (Org.). Redução do Risco de Desastres ea Resiliência no Meio Rural e Urbano (Vol. 1, pp. 1-22). Unifesp São Paulo.

segunda-feira, 30 agosto 2021 14:33

A psicologia da negação em Ndambi Guebuza

O primogénito de Armando Guebuza barricou-se na negação. Ele nega tudo, não explica nada. Mesmo diante de evidências documentadas. O significado é um: desvalorizar todo o processo de produção de prova, invalidar o Tribunal, profanar a PGR e evitar o máximo possível que seus episódios no calote (como a compra de carros de luxo) se tornem alvo da chacota pública, penetrando profusamente no húmus do nosso anedotário colectivo.

 

Diferentemente de Teófilo, que preferiu defender-se usando o recurso da intelectualização (e tornando-se o protagonista principal da cena), Ndambi optou pela negação, deixando cinicamente o palco para o juiz. A estratégia é tornar sua audição uma brevidade.

 

A negação é um mecanismo de defesa proposto por Anna Freud, que envolve a recusa em aceitar a realidade, bloqueando assim os eventos externos da consciência. É um mecanismo que as pessoas usam para lidar com situações altamente stressantes.

 

Um “negacionista”: recusa-se em aceitar o problema (Ndambi fugiu à maioria das questões mais problemáticas); encontra maneiras de justificar seu comportamento (o Ministério Público “manipulou” a investigação); culpa outras pessoas ou forças externas por causar o problema (o procurador Alberto Paulo mentiu; sua assinatura foi falsificada); mantém esse comportamento apesar das consequências negativas (Ndambi investiu no mutismo perante evidências arrasadoras); evita pensar no problema (ele fez tábua rasa sobre seus investimentos no segmento automóvel de luxo, de Ferraris e outros, e no imobiliário sul africanos através da famigerada Pam Golding)

 

Ndambi vive um dilema profundo. A difícil escolha entre admitir e negar. É uma questão de tomada de decisão. Em condições normais, ele devia escolher a opção que lhe garantisse a utilidade máxima da decisão (tal como Mutota fez, consciente, em certa medida, de ter prevaricado e aceitar os factos imputáveis até à medida suportável de uma eventual condenação).

 

Mas Ndambi mostra seu medo em relação ao poder incriminador da admissão (confissão). Nele, a utilidade de um resultado possível não influencia sua admissão. Este comportamento decorre da narrativa que a família Guebuza tem vindo a vender: a de que este julgamento é uma farsa política, a ideia de que mesmo que ele colabore, o resultado esperado de uma admissão seria inútil.

 

O silêncio de Ndambi remete para uma estratégia: ganhar tempo até chegar a altura de comprometer Filipe Nyusi, forçando uma saída política para o dilema. Ou seja, o desprezo de Ndambi pelo tribunal é o desprezo ao Estado e ao regime vigente, antevendo-se nos próximos dias o agudizar das tensões entre Guebuza e Filipe Nyusi. (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 30 agosto 2021 11:07

O destino dos melhores

Um tempo antes da criação da FRELIMO, consta que Marcelino dos Santos, que em tempo célere obtivera fundos e realizara em Dar es Salam, Tanzânia, um evento da UDENAMO, movimento em que ele acabara de se filiar e que até então não conseguira realizar o dito evento, recebera no aeroporto, de regresso à Rabat, Marrocos, um envelope de Adelino Guambe, líder da UDENAMO. A partida, Marcelino dos Santos desconfiara que o conteúdo fosse uma gratificação. Depois de aberto, no envelope constava uma carta da sua suspensão ou mesmo expulsão da UDENAMO.  

 

Um amigo ocasional de viagem é que me contara este episódio e jurara que lhe fora relatado pelo próprio Marcelino. Se este episódio é verdadeiro? Eu também não sei. Também não é sobre a veracidade que o trago. O mesmo veio-me à mente durante o julgamento sobre as “dívidas ocultas”, particularmente no momento em que o réu Teófilo Nhangumele dissera em Tribunal, a propósito da sua participação, enquanto consultor, facilitador ou intermediário, na elaboração do projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira, que fora dispensado, em finais de 2012, pelo ministro da defesa nacional na altura.

 

E por ele dito, fora o facto de não pertencer as Forças de Defesa e Segurança (FDS) - e o projeto é da alçada da segurança nacional - o argumento usado para a sua desvinculação do projecto. E tal como acontecera com Marcelino dos Santos, suponho que o Teófilo esperasse por outra sorte por conta dos bons serviços prestados, considerando as suas declarações. Aliás, acredito que qualquer ser humano, depois que achar que prestara bons serviços a quem quer que seja, espere, mesmo que desinteressadamente, por alguma recompensa, incluindo um simples elogio.

 

Estes dois exemplos se juntam a outros da praça. Um deles é o do actual edil de Maputo que na sua primeira versão de presidente do Município fora preterido pelo seu partido (FRELIMO) como o candidato para um segundo mandato. O mesmo acontecera no Município da Beira com o falecido Deviz Simango em tempos da sua filiação no partido RENAMO.

 

Em fecho de papo, é caso para avisar de que por estas bandas do Índico, e não é de hoje e nem monopólio de ninguém, é normal que em política, e até em outras áreas, que o destino dos melhores seja o mesmo que é dado ao da verdade em tempos de guerra: abater!  

 

PS: Este final de semana, depois da passagem do mau tempo e de ter visto as fotografias do estado em que ficara parte do complexo de tendas instaladas na cadeia “BO”, onde está em funcionamento o Tribunal que julga as polémicas “dívidas ocultas”, concluo que o que está em pauta – o abortado projecto de vigilância e recolha de informação denominando de Sistema Integrado de Monitoria e Protecção Costeira – não teria nenhuma serventia mesmo que tivesse sido plenamente montado, pois, pelos vistos, o problema não é o da falta de informação. Caso fosse, o próprio Tribunal, que julga o caso, teria feito o uso da informação sobre o mau tempo durante o final de semana e que fora atempadamente disponibilizada pelos serviços mateológicos.

segunda-feira, 30 agosto 2021 06:10

DÍVIDAS OCULTAS. VILÕES EMBASBACADOS

Eu, apóstolo da desgraça

 

As três primeiras audiências a Mutota e Nhangumele foram muito interessantes. O autor não se debruça sobre o que cada referiu em particular. Apenas uma interpretação do que disseram e das atitudes dos réus.

 

Um, aparentemente algo colaborativo no primeiro dia da audição, mas com tropeços e incoerências no que era fundamental: afinal, quanto recebeu de “luvas” (corrupção), onde utilizou os 650 mil dólares americanos? Disse que não tinha nada e, nos gestos com as mãos, depreende-se “nada” de material. Mas fez machamba e gastou 650 mil dólares numa machamba, o que é muito dinheiro para o efeito. Quantos hectares, que investimentos em bens de capital, quanto produziu e o que lucrou? Um vazio de Mutota e uma pouca exploração do assunto por parte do juiz. No segundo dia, foi mais comedido e remeteu-se para a cortina da poeira, alegando segredo de Estado ou impedimento de responder por ordens do chefe. O Senhor Mutota dormiu, certamente, com indicações do seu advogado e com “orientações superiores”. Ou, os dois, lembravam-se de muitos detalhes, mesmo das comunicações (por exemplo, por via de e-mails), nos quais referia a palavra frangos (quer dizer dólares) aos milhões.

 

Seguiu-se o bem-falante Teófilo Nhangumele. Após um primeiro encontro com libanês Jean Boustani, referido muitas vezes como o Jean, Teófilo apresentou a ideia ao seu amigo de longa data Mutota, funcionário do SISE e, na altura, chefe do gabinete de estudos da secreta moçambicana, no sentido de saber a quem e como apresentar a ideia do projecto. A ideia de como vender o projecto ao governo foi fácil e veio na onda do que também disse Mutota: defesa da soberania, terrorismo, tráficos diversos na costa, espionagem, pirataria marítima, etc. Razões fortes!!

 

Seguiram-se estudos elaborados por Teófilo (que diz ter formação em “Gestão de Negócios”) e, entretanto, antes e depois do processo de elaboração do projecto final, várias reuniões a diferentes níveis, incluindo na Presidência da República com a presença de vários ministros, entre os quais o actual Presidente Filipe Nyusi. Foi este que, numa das reuniões, sugeriu que se avançasse com o projecto.

 

O senhor Boustani convidou Teófilo a vários centros de produção de equipamentos e de espionagem (“informação”), construção naval, etc. Pela fala de Teófilo, este ficou assombrado/embasbacado com o que viu! Na conversa sobre os pagamentos a Teófilo, abriu-se uma conta num país árabe que, para o efeito, devia apresentar um contrato de trabalho de Teófilo com uma empresa registada nesse país. Para manter a residência, deveria deslocar-se semestralmente a esse país.

 

O discurso de Teófilo revela arrogância com partes anedóticas e até com “piadas” em relação ao seu ex-amigo Mutota, a quem não pagou parte do suborno oferecido por Boustani. Revelou desprezo pelos formalismos perante um tribunal e o juiz, pela forma da exposição efectuada. Parecia que estava a “txilar” com os presentes em que ele seria o maestro. Mutota e Teófilo tinham duas empresas no mesmo local, numa casa arrendada, que, posteriormente, por desentendimentos entre ambos, separaram os locais das empresas, porém, mantendo Mutota alguns dossiers nos escritórios, agora só da empresa de Nhangumele. Ser funcionário do Estado (SISE) e criar uma empresa para efeitos de recebimentos relacionados com o projecto é, à partida, um forte indício de corrupção e um tratamento de vilão para engenharias financeiras complexas e de corrupção.

 

Nhangumele surge e parece que era o maestro da operação com o exterior, o intermediário (facilitador para o estabelecimento de canais de comunicação), serviço este pago por 50 milhões de dólares americanos como “taxa de sucesso” que, posteriormente, distribuiu por Mutota e Ndambi Guebuza (filho do então Presidente), ironicamente apelidado de Cinderela por Boustani. Ndambi reclamou um valor maior para pagar a outros de nome desconhecido até ao momento da última audiência de Teófilo (segredo de Estado?). Dos 50 milhões, “Cinderela”, que parece ter sido o menos activo lobista, mas eventualmente o mais relacionado com o(s) centro(s) do poder, ficou com 33 milhões de dólares. Quem serão esses, da “cadeia de valor” lobista e/ou de decisão, para fazer chegar as informações ao “chefe”?

 

Os “cabeças” das empresas de lobby (Mutota e Teófilo), possuíam formação em Relações Internacionais. Um deles, Nhangumele, que elaborou os projectos técnicos e financeiros disse ainda ser gestor de negócios. Não foi perguntado nem referido pelos dois réus (Mutota e Nhangumele), porque estas funções seriam exercidas por uma empresa, mesmo que do Estado (empresa pública de direito privado), ligadas aos ministérios da Defesa e Segurança. Por outro lado, como indivíduos com formação de base em Relações Internacionais e um deles, também em “gestão de negócios”, fazem ou apresentam projectos técnicos e económico-financeiros tão especializados.

 

Além do assombro perante centros industriais e tecnológicos de espionagem tão sofisticados, soma-se uma organização de venda do projecto realizada por lobistas e amadores profissionais nas áreas técnicas em questão, de influência securitária e “pressionados” / “orientados” por gangsters financeiros internacionais. O Estado e as instituições de defesa e segurança revelaram-se incompetentes para o tratamento da complexidade dos assuntos.

 

O financiamento externo deveria ser externo, pois, conforme disse Manuel Chang, o orçamento do Estado não teria disponibilidade para suportar volumes tão elevados de investimento. Surge então à superfície, o que certamente já estava equacionado por Boustani: de um concurso para financiamento externo, apenas surge interessado o Credid Suisse, com quem Boustani tinha relações habituais. Tudo perfeito: os dólares concedidos, contas abertas no exterior, transações financeiras estranhas (como por exemplo, por enquanto, as referidas transferências para Portugal para uma conta de Murali do Moza Banco e do mesmo Teófilo para uma conta de Mutemuke na Turquia, assunto ainda não devidamente averiguado nas audiências), e, luz verde para a autopista da corrupção mais escandalosa de Moçambique.

 

Dos valores recebidos (cerca de 8,5 milhões de dólares de Nhangumele e 980 mil para Mutota) foram aplicados de forma difusa. Das respostas ao juiz, Mutota disse o dinheiro foi aplicado numa machamba em Mocuba (que parece não existir), parte do dinheiro de Teófilo foi gasto em aquisição de imóveis em Moçambique e em Nelspruit, carros (a moto também?), quotas da empresa ligada ao sector do caju Tinkarossi, contas na África do Sul (FNB), em Maputo (Moza Banco) e uma outra em Abu Dhabi, e em “gastos correntes” (incluindo carros – “máquinas”), o que totaliza cerca de metade dos 8,5 milhões de dólares recebidos para “massagear o sistema” (considerado como a função de “facilitador de canais de informação”). Várias viagens foram realizadas e pagas por Boustani ao exterior, sendo, pelo menos numa delas realizada em jato particular.

 

Pode-se sintetizar que esta trama de corrupção foi orientada e manipulada de fora (gangs financeiras internacionais com agências secretas) com ideias “patrioticamente” cativantes, executada em Moçambique por pessoas amigas e “amadoras” nestes assuntos (amigos vilões), que utilizaram as fragilidades (incompetências) do Estado e envolvendo pessoas das hierarquias superiores para o saque de comissões (“taxas de sucesso”), constantes em contrato com Teófilo Nhangumele que, perante tanto dinheiro (embasbaque), fizeram aplicações, sobretudo em bens de manifestação exterior de riqueza e não em investimentos produtivos, o que revela comportamentos de “endinheiramento” fácil e rápido (vilões ricos). As alianças com base em amiguismos foram sendo quebradas devido à partilha do dinheiro (desavenças entre Nhangumele e Mutota por envolvimento de terceiros), por encerramento dos processos nas instituições securitárias e partidárias (saída de Nhangumele). Elementos do Estado, ou por estes pagos, montaram a máquina estatal e partidária de propaganda, de defesa dos objectivos, da camuflagem da corrupção e de ataque aos apóstolos da desgraça (gangsterização do Estado). Este aspectos justificam o título do texto, isto é, assuntos de elevada complexidade assumidos por incompetentes e desconhecedores das complexidades securitárias e o espanto nas visitas a centros de espionagem altamente sofisticados, embriagados por dinheiro cujos montantes, pelo menos de grande parte, não tinham a ideia das dimensões envolvidas e gastaram parte desses valores à boa maneira de novo/vilão rico. Com todo o respeito pelos camponeses, é como se lhes disséssemos que iria produzir mil toneladas de milho ou subir a Torre Eiffel, ou simplesmente mudar de um andar em tapete rolante num centro comercial de Maputo. Samora utilizava em muitas circunstâncias, para situações deste tipo, de comportamentos madjembenis.

 

João Mosca

sexta-feira, 27 agosto 2021 08:30

MUITA POEIRA MESMO…

Eu, apóstolo da desgraça

 

O processo das dívidas ocultas passou a uma nova fase. Após um sem número de negociações políticas e uma batalha jurídica empoeirada propositadamente, eis que o camarada Chang parece regressar ao solo da pátria amada. Chang no meio desta tempestade de poeira parece ter desempenhado o papel de sargento executor, negociador e de angariação do ´tako´. Isto porque, o comandante parece nada ter assinado. Mandava assinar como dever patriótico.

 

Entretanto, o “chefe” sabia de tudo através dos responsáveis de briefings, realizaram-se reuniões na presidência. Houve vozes que desaconselharam o avanço do projecto. Mesmo assim, a orientação foi: avance-se.

 

Não se pode sumarizar um processo tão longo, tenebroso, “gangsterizado” de saque da pátria e do povo (recordam-se desse conceito?), composto por um grupo de artífices, de assinantes patrióticos ou patrioticamente obrigados, aldrabões de camuflagem e da mentira e pombinhas brancas que até nada sabiam do que acontecia e de “facilitadores” dos fluxos de branqueamento de capitais.

 

A organização do projecto alegava, como fundamento principal, a capacitação do país contra os riscos da pátria: terrorismo, guerras, tráficos de droga, pirataria marítima, etc. Que bonito! Bonito porque, afinal, altas instâncias do poder e/ou seus dependentes estão involucradas nesses crimes da droga, tráficos de madeira, pescado e minerais e produtos faunísticos e até em negócios da guerra. Sabendo-se dos preparativos para uma guerra desde 2012, eis que nada se fez ou, como se diz, estavam mais preocupados em matar Dhlakama.

 

Quando soaram as primeiras notícias no exterior, eis que estas, para os aldrabões da camuflagem de serviço, diziam ser acção do inimigo, sem fundamento, boatos. Internamente organizações e membros da sociedade civil que procuravam a verdade foram, de imediato, ou foi intensificada, a designação de “apóstolos da desgraça”, aconteceram ameaças e espancamentos. As acções dos esquadrões da morte intensificaram-se.

 

E o processo de denúncia continuou. A sociedade civil foi exemplar contra ameaças e perseguições, muitos dos seus membros colocaram-se na linha de tiro e grande parte não recuou. As redes sociais de defesa do regime aumentaram a produção, tanto com linguagem primária e boçal, como de ameaças e de propaganda refinada; também nestes espaços, pessoas da sociedade civil resistiram e continuaram o dever de qualquer cidadão.  Internacionalmente desenvolveram-se acções de acusação e defesa com implicações na alta finança, também parte desta comprometida com a corrupção e o não-cumprimento de procedimentos para créditos deste tipo, na política envolvendo presidentes de repúblicas.

 

A PGR e outras instâncias judiciais actuaram politicamente, lentamente e sem opções face aos avanços dos processos fora do país. Muito democracia nesta “pátria amada”.

 

Iniciado o julgamento, assiste-se a exposições dos acusados absolutamente ridículas. Não se sabe onde foram aplicados 650 mil dólares: ah sim, afinal foi na machamba com produtos para comer! mas por que não comeu logo o dinheiro? E, perante o juiz, há afinal respostas que os chefes proibiram de responder. E o juiz acata.

 

E os advogados, alguns com nome na praça, não obstante o princípio da presunção de inocência e o direito de defesa dos supostos criminosos ou infractores da lei, e a função do advogado em defender casos perante o tribunal, assumem posições provocatórias (contra as regras de comportamento pessoal em sala de julgamento). Parte das estratégias dos advogados de defesa é geralmente em desviar atenções, concentrar-se em questões secundárias e processuais (muitas vezes não regulamentadas), orientar os seus clientes para alegar segredo de Estado. Será que, sendo advogado, é ético (não digo ilegal nem inconstitucional) defender casos de quase evidente corrupção, assassinatos e outros crimes? Ou ser advogado reduz-se à prestação de um serviço mercantil?

 

São reveladas transferências e valores dos projectos acima dos contratados, parte destinadas à corrupção directa, com abertura de contas em Moçambique ou no estrangeiro, utilizando, em muitos casos, intermediários de camuflagem. Nada de novo, só a poeira pensando que os moçambicanos são burros. Também são comuns processos de sobrefacturação ou da prática de preços exorbitantes. Neste caso, como é normal, todos os advogados estão coordenados. Como disse o juiz, na audição do dia 25 de Agosto, até vão juntos fazer as necessidades vitais (WC) e saem todos na mesma altura. Até as necessidades estão sincronizadas!

 

Esta palhaçada criminosa revela: que estamos perante um Estado e o respectivo partido no poder, capturado por ladrões, aldrabões e assassinos, que distribuem o roubo por serviços à “pátria” (assinando contratos livremente ou sob ameaças, pactos de silêncio, negociações, camuflagem e diversionismo). Pessoas que se dizem de libertadores da terra e dos homens, contra a dominação estrangeira, afinal, roubam, desprezam o povo em quase escravatura, fuzilam, matam, chicoteiam e fazem desaparecer pessoas em valas comuns em nome da defesa da revolução e suportados pela violência revolucionária contra a violência reaccionária. Gatunos que se apoderam de bens do Estado (dos cidadãos, a tal palavra esquecida de povo), de dinheiro de bancos, de casas e moradias, de empresários de sucesso que nada sabem de empresas, de gente com dinheiro sem nunca ter produzido ou em cargos.

 

As dívidas ocultas enquadram-se em contexto de um país onde as elites político-empresariais, onde o Estado organiza a economia e alberga grupos de interesses assentes em famílias, no regionalismo/etnicidade, suportados e protegidos pelo partido, com alianças internas e externas num emaranhado de pessoas, grupos e do Estado.

 

Dois mil milhões de dólares americanos, são, certamente, peanuts, quando comparado com as negociatas de Cahora Bassa, a fuga de capitais, os contratos de gás e de outros recursos naturais, da energia para o exterior, do pescado e da fauna bravia dizimada, do açambarcamento de milhares de hectares concedidos/licenciados fora da lei, da lavagem de dinheiro e muito mais. E, mais importante, as escolas, centros de saúde, estradas, incentivos à produção, formação de moçambicanos, modernização do Estado e do tecido económico, não construídos, que não se realizaram por conta da corrupção. E pobreza gerada em consequência dos biliões de dólares sugados ao povo moçambicano.

 

Muita poeira… mas os poeirentos são, afinal, aqueles que procuram camuflar o roubo evitando ou desviando as atenções para questões de menor importância. Há muita poeira, sim, Sr. Guebuza.

 

Vocês libertadores, que mereceriam o reconhecimento histórico pela independência (não obstante processos sinuosos durante a luta de libertação nacional), passarão para a história como gangues de malfeitores e, eventualmente, com a categoria de lesa-pátrias. Mas afinal, quem lança a muita poeira? É poeirada para esconder crimes. Neste caso não é poeira ou boato …. É uma “desorganização organizada”.

 

Como a história já não é só escrita pelos vencedores (ainda com a agravante do enorme défice de confiança gerada), A HISTÓRIA NÃO VOS ABSOLVERÁ.

 

João Mosca

terça-feira, 24 agosto 2021 09:52

África deve ser estudada - Ortega Teixeira