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quinta-feira, 19 agosto 2021 07:21

Missa a Kandiyane wa Matuva Kandiya

Fez esta semana, justamente a 11 de Agosto, seis meses depois que um dos nossos cronistas, João Candiane Candido, nos deixou. Não sei se para muitos este nome diz alguma coisa; mas posso assegurar que, para ‘uns tantos’, sobretudo os de idade adulta, saberão que se trata, nada mais, nada menos, de… Kandiyane wa Matuva Kandiya! Aquele mesmo que assinava uma coluna, para alguns algo controversa, no “Domingo”! Para esta grande figura da nossa praça pública perecida a 11 de Fevereiro, vai esta “missa pagã”!

 

João Candiane Cândido foi, sim, uma figura de peso no nosso espaço público! As suas opiniões tinhamo-las através das páginas do semanário “Domingo” semana sim, semana sim, até antes do seu silêncio! Primeiro, a sua crônica tinha o título de ‘Assombrações’, depois passou a ‘Leigo, Mas não Burro!’ Opinava sobre todos os assuntos. E não era de rodeios. Naquele seu espaço, ele pegava o “búfalo pelos chifres”, talvez daí ter sido apelidado, por alguns, de controverso. Foi Secretário Permanente no Ministério dos Recursos Minerais e Energia e, depois, membro da Autoridade Nacional da Função Pública (instituto que teve uma vida muito efêmera, foi extinta porque inconstitucional) e, por fim, vice-ministro da Mulher e Acção Social. Portanto, não estamos diante de uma figura qualquer…

 

Mas não decorre disto a “missa” que dedico a João Candiane Cândido, aliás, Kandiyane wa Matuva Kandiya! Decorre da relação de amizade e de empatia que mantive com ele.

 

Finais dos anos 80. Eu era também jornalista cultural no “Domingo”, além de generalista, coordenador da página ‘Ler & Escrever’. Por esta razão, tinha que frequentar eventos culturais. Por razões por explicar, não somente por mim, havia mais aviso e consequente relato de actividades culturais ocorrendo na cidade capital do que nas províncias; um dos menos mencionados e estudados desequilíbrios sociais - os acontecimentos que têm lugar na capital, mesmo não tendo aquela magnitude têm maior cobertura mediática, mas isso é outra história para discutir.

 

A sede da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) era onde ocorriam muitos “assuntos” culturais: palestras, debates, colóquios, conversas literárias, lançamentos de livros, e outras iniciativas que tais. O Kandiane era presença assídua e ruidosa. Numa dessas ocasiões, o debate era sobre “o que é literatura moçambicana e o que não é, versus, quem é o escritor moçambicano e quem não é…”, temas próprios dos momentos de transições políticas. Não posso reproduzir a posição do malogrado, já não me ocorre, mas interveio com vigor e apresentou as suas posições.

 

Assim íamos nos encontrando nesses eventos culturais. Não muito tempo passou, fiquei também coordenador das ‘Cartas dos Leitores’ e aí tive de entrar em contacto com muitos leitores assíduos do nosso jornal… o nosso João Candiane Cândido, o também falecido Gabriel Simbine e o igualmente perecido Job Mapepeto Mabalane Chambal (Deus os tenha)! Muitas foram as cartas do Kandiane e dos velhos Simbine e Chambal que publicámos nas páginas do semanário “Domingo”. Um desses dias, o Candiane traz consigo dois grandes volumes de textos dactilografados e pede para eu ler. Li até onde pude, eram muitos e, depois, recomendei-lhe para, ele próprio, seleccionar os que considera os melhores textos, agrupá-los por temas e reuni-los em draft de livro e depois trazer para voltar a apreciar. E veio a publicar os seus escritos em livros!

 

Depois do semanário “Domingo”, tive que ir trabalhar no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, como assessor de comunicação! Quem encontro lá é, nada mais, nada menos, Joao Candiane Candido! Secretário Permanente do MIREME! Aliás, ele nunca tinha trabalhado em nenhum outro lugar antes da Alta Autoridade para a Função Pública e Ministério da Mulher e Acção Social. Lá diz um velho ditado popular, ‘trate bem as pessoas, independentemente de não estares ligado a elas, pois não sabes onde vais!’ Pois bem, e se tivesse destratado o Kandiyane enquanto dono e senhor das páginas do jornal, e ele interessado em publicar os seus escritos?...

 

Devo confessar que tivemos uma relação de trabalho muito boa, talvez decorrente da relação de amizade que já tínhamos. Quase sempre, estávamos nós a discutir literatura e conhecimentos gerais. O senhor Secretário Permanente era uma pessoa de coração aberto, de muita candura. Sempre de sorriso na boca. Durante os cerca de três anos que trabalhei com ele, nunca ouvi alguém queixar-se de fosse o que fosse do senhor Secretário Permanente! O Kandiyane wa Matuva Kandiya era uma pessoa muito lida, com muita cultura geral, e continuava a ler avidamente. Grande conhecedor da bíblia, afinal, ele fora seminarista; falava dela com toda a facilidade do mundo, como podemos ver nos seus textos. Aquele senhor é um exímio contador de histórias! Muito conversador. Podia contar histórias uma semana inteira! Nos nossos conselhos coordenadores, ele era o contador-mor de histórias, apesar de que não tomava álcool!

 

Como referi, era um homem sem papas na língua! E talvez isto lhe tenha trazido uma grande incompreensão, de tal sorte que, quando foi nomeado vice-ministro da Mulher e Assuntos Sociais, um grupo de mulheres fez um abaixo assinado para a então ministra, Virgília Matabele, a protestar contra a nomeação dele para a posição de vice, acusando-o de agressão verbal e psicológica à mulher, intolerância contra a oposição política e linguagem menos própria. Num dos debates nos jornais com o falecido jornalista  Machado da Graça, ele acabou chamando-o jocosamente de “beula” (o correspondente, em xangana, de machado)... e numa das suas últimas crônicas atacava vigorosamente a actual ministra da Cultura e Turismo por ter feito um concerto de música clássica no fim do ano, insinuando tratar-se de um estilo cultural estranho à cultura moçambicana!

 

Aqui fica uma breve homenagem a um homem, cuja passagem pelo mundo fez questão ele próprio de registar! Incluindo prenunciar a sua própria morte. Na sua última crônica, publicada a 7 de Fevereiro de 2021, sobre as tremendas perdas dos seus amigos devido à COVID-19, ele terminava dizendo: "Não sei se digo até breve ou até sempre” aos amigos falecidos. Certo, certo é que foi a sua última crônica publicada no semanário “Domingo”.

 

Fica aqui a Missa (Pagã), [roubando ao Fernando Manuel], ao João Candiane Cândido, ou Kandiyane wa Matuva Kandiya!

 

Até sempre, mais velho!

 

ME Mabunda

Os meses de Julho e Agosto estão sendo marcados pelos eventos climáticos extremos na Europa (Cheias repentinas, incêndios), na Ásia (Cheias e deslizamentos), América (Cheias e incêndios), na África do Sul (Vaga de frio). 

 

A SIC-Noticias relata os dados do relatório da NOAA (https://www.noaa.gov/) que o mês Julho foi mais quente no mundo desde que a agência norte-americana NOAA (figura abaixo), especialista no estudo do clima, tem registos da temperatura global, que remontam a 1880.

 

Fonte: NOAA, 2021 (https://www.noaa.gov/)

 

Esta agência assinala que "é muito provável" que 2021 fique entre os 10 anos mais quentes desde que há registos. Diante destas informações e tantos relatórios disponíveis a nossa posse, que lições tirar para o caso específico de Moçambique?

 

  1. Com ou sem cepticismo climático o que acontece nos outros continentes pode vir a ocorrer no nosso verão em Moçambique (Outubro a Março/Abril) ser marcado por flash-floods (cheias repentinas) e tempestades a evoluírem para ciclones.

 

Esta lição provém do facto de ser factual que em aspectos climáticos estamos conectados, não existem fronteiras, apenas existem dinâmicas e processos climáticos que funcionam em auto-resposta. As ciências da terra nos ensinam isso. Parecem-nos poucas as dúvidas sobre a influência humana no aquecimento da atmosfera, do oceano e da terra. Logo, isso acelera as mudanças que deviam ser naturais nestes compartimentos.

 

  1. Nunca se está 100% preparado para enfrentar eventos extremos, mas podemos minimizar os impactos se nos anteciparmos em acções tendentes à redução de risco de desastres.

 

A esta lição, ocorrem-nos as fotos e vídeos das cheias, deslizamentos devido a precipitações prologadas das cidades de Alemanha, Bélgica, Japão, China e vários outros países que comummente nos assistem quando estamos em emergência, aparentemente com bons serviços de protecção civil. Se calhar minoraram os danos e o sofrimento porque têm mecanismos de resposta rápida e sistemas de seguros para este tipo de eventos, mas não escaparam por ser desenvolvidos.

 

O que fazer para reduzir os prováveis impactos para nosso contexto?

 

  1. À semelhança da Covid-19 que o MISAU se redobra e se prepara e até mobiliza apoios para cenários A, B e C (desde os óptimos aos péssimos), no que concerne a eventos climáticos extremos para próxima época chuvosa e ciclónica, deve-se proceder assim;
  1. Deve-se engajar as comunidades e outros principais “stakeholders” na preparação das comunidades e toda a população com linguagem, canais mais abrangentes e apelativas a redução de risco de desastres (incluir as nossas línguas nacionais neste exercício);
  1. O Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres (INGD) ficou bastante atarefado neste período porque tem pela natureza do seu mandat, gerir acções humanitárias devido a acções do extremismo violento – Terrorismo no norte, deslocados devido a incursões da Junta Militar no centro do País e mesmo algumas demandas devido à Covi-19, isso não deve distrai-lo de se preparar para cenários piores devido a eventos climáticos extremos. Infelizmente, estamos na zona costeira e estamos expostos!
  1. Com os ganhos da legislação que cria o INGD em 2020 e em extensão da lei de 2014, propunha que os Conselhos Técnicos Distritais de Gestão e Redução do Risco de Desastres fossem mais proactivos no sentido “down-top” e não “top-down” no processo de preparação das comunidades para enfrentar os eventos climáticos extremos. Não podemos cruzar os braços para depois sermos “colhidos de surpresa amnésica”.  

 

Hélio Nganhane,

 

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Aluno do Doutoramento em Geologia na Especialidade do Ambiente na Universidade de Coimbra, assistente universitário na Universidade Púnguè.

 

 

quinta-feira, 19 agosto 2021 06:35

Estabilidade é um direito?

Estabilidade é o estado ou condição que transmite segurança, oferece equilíbrio e que não se altera...

 

Instabilidade é o estado ou condição que transmite insegurança, é variável e sem equilíbrio...

 

Muitos de nós, em particular a classe média, vive o dia-a-dia num romantismo (sentimentos e ideias irrealistas).

 

Se pensarmos que o mundo do qual o planeta terra faz parte está em constante movimento, sujeito à imprevisibilidade das inúmeras mudanças – dia, noite, sol, lua, calor frio, vento, chuva, calamidades entre outras – cujas consequências são imprevisíveis globalmente, como poderá o ser humano ser estável no ponto de vista de segurança, se vive num ambiente “desordenado” no ponto de vista idealístico.

 

Se alguém disser ao estimado leitor que o único dinheiro que você tem no bolso ou no banco poderá perder validade, sem aviso prévio, o que faria? Pense um bocado.

 

É comum ouvirmos alguém culpar o seu estado de infelicidade, porque outro alguém não oferece estabilidade, a empresa onde trabalha não dá segurança, o seu país ou governo é instável e não dá garantias. Verdade é que encontramos cidadãos com este tipo de lamentações, em todos os países do mundo, desde as superpotências como China e EUA, aos países em vias de desenvolvimento como Moçambique.

 

De facto, quanto mais (supostamente) desenvolvidos e melhor governados formos, parece que nos tornamos mais vulneráveis.

 

O desemprego na OCDE atingiu 10% em 2021, ultrapassando todos os recordes inclusive aos da Grande Depressão (1929). (wikipedia)

 

Como se explica que, havendo um desenvolvimento tecnológico inequívoco, com maior produção de alimentos, matérias-primas, habitação, mobilidade, ciências de saúde e sociais, menos conflitos, etc., os cidadãos vivam, deprimidos e infelizes?

 

Não é menos importante o índice de divórcios, em que 41% dos casamentos acabam em divórcio no mundo. Portugal lidera a lista da União Europeia com mais divórcios, com 2%, Espanha com 1,95%, Reino Unido com 1,80%. Nos EUA, a taxa de divórcio é 3,20%, na Suécia é de 2,5%, e na Finlândia é de 2,4%. (country economic.com)

 

Nos últimos 50 anos, houve um crescimento de 250% em média nos divórcios no mundo. Temos de concordar que vamos na direcção errada do desenvolvimento.

 

O índice de suicídio nos países nórdicos é elevado. Sendo a Finlândia um bom exemplo, designado pela ONU como um dos países da felicidade juntamente com o Butão (país da Ásia Meridional junto ao Himalaia) tem a particularidade de medir o seu desenvolvimento através do índice do FIB-Felicidade Interna Bruta, ao invés do tradicional PIB-Produto Interno bruto. A Finlândia tem 15,9 suicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média europeia de suicídios é de 15,4 por 100 mil habitantes (apesar de aparentemente possuírem uma qualidade de vida elevada). O Butão (em vias de desenvolvimento) tem uma média de 11,3 suicídios por cada 100.000 habitantes. O Brasil (economia emergente) tem uma média 6,5 de suicídios por 100 mil habitantes. (jornal da USP)

 

Poderão haver múltiplas respostas para justificar as causas, porém, neste contexto, posso destacar, entre outros factores, o egoísmo capitalista, a falta de carácter de políticos sem escrúpulos, ambição do poder através de falsas promessas (um “modus operandi” da democracia), publicidade enganosa das instituições públicas ao serviço da política e do capital, de que tudo será mais fácil, acessível e com felicidade garantida. Por fim, não menos importante, a falta de ética (não faças ao outro o que não queres que te façam) da sociedade no geral.

 

É ilusão querer ter qualidade de vida como um direito inalienável e que ser-se feliz é uma obrigação que os outros têm para com cada um de nós.

 

Basta verificar pequenos procedimentos sociais, como as menos vezes em que nós dizemos “com licença, por favor, obrigado, não sei e desculpa”. A nossa atitude errática não se compatibiliza com o modelo de educação pró-sacrifício que gera frutos positivos.  

 

As brincadeiras, o desporto recreativo em que alguns de nós nos aperfeiçoávamos secretamente para não ser dos piores, ou ainda para estar entre os melhores por mérito, ajudavam a criar uma atitude e cultura de trabalho.

 

Não é por acaso que os bons alunos/desportistas são simultaneamente obedientes, focados, empenhados, disciplinados e sacrificados.

 

90% dos empreendedores e investidores nos EUA em empresas médias – as que possuem 500 ou menos trabalhadores vão à falência nos primeiros 24 meses. Porém, só 0,05%, ou seja, menos de 1%, é que conseguem ter acesso a capitais para investimento de risco.

 

Sucesso não é nem nunca foi fácil, a sorte é companheira do trabalho; Sacrifício e outras virtudes como saber e aprender a perder, mas nunca desistir, fazem parte da solução.

 

“Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem” (provérbio português)

 

Estimado leitor, se cada um de nós, os líderes, incluindo os dirigentes políticos-governamentais, não sabe como evitar uma pandemia, ciclone, tsunami, seca, cheias, incêndios, etc., nem tão pouco quando termina no seu tempo de vida, como poderemos garantir estabilidade e ou segurança no ponto de vista romântico?

 

Estaremos a enganar-nos com esta ilusão romancista, de que um bom governo, bom curso, quantidade de dinheiro, grande investimento, amoroso casamento, interessadas alianças, garantem estabilidade e segurança?

 

Obviamente, não estou a legitimar o caos, nem a isentar responsabilidades de quem dirige. Contudo, cada um de nós é parte integrante deste mundo e contribui para o que globalmente somos e seremos. Exigirmos o impossível sem sair da nossa zona do conforto é uma receita segura para o falhanço, desânimo, insegurança e fragilização.

 

Uma sociedade que promete ciclicamente o que não pode oferecer (porque faz muito pouco para o conseguir), não pode produzir “mambas” vencedores, nem olímpicos medalhados, ou outros desportistas, músicos, poetas, artistas plásticos, empresários, intelectuais, cientistas, académicos, magistrados, professores, enfermeiros e médicos, que tivemos num passado recente. Por que razão (milagrosa) teríamos de produzir melhores políticos, polícias e militares?

 

Precisamos de ser mais papá e mamã, partilhar princípios - regras inegociáveis -  habituar os nossos filhos a ouvir dizer não; exigir sacrifícios para atingir resultados; lágrimas nunca mataram - pelo contrário fortalecem a imunidade.

 

Para contribuirmos para uma comunidade coesa, devemos participar, ser justo, mesmo quando aparentemente nos prejudica. Os heróis, os virtuosos, os fazedores de sucesso, poderão vir de qualquer uma das nossas casas, se fizermos as opções correctas.

 

Lembrem-se, “ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem”.

 

A Luta Continua!

quarta-feira, 18 agosto 2021 09:43

A Agonia dos Peixinhos

Dê um deserto a um burocrata e em cinco anos ele estará importando areia” – (Henri Jeason).

 

Já me não reconheço mais

Há muito que ando foragido do meu modesto mundo

Quando livremente circulava pelos ares

Hoje brutalmente poluídos por pseudo-santos homens!

 

Não me esqueci

Mas já não consigo mais andar

Não me esqueci

Mas já não consigo mais voar…

 

Hoje sou um pálido pássaro-aquático

Igual a tantos outros pássaros

Hoje sou um moribundo pedestre-marinho

E nisto confesso, não estou sozinho!

 

O mundo dos outros, hoje puramente é meu

Comigo também estão a Rosa e o renomado Romeu

Juntos e isolados, lutamos pelo mesmo troféu

Que somente se ganha, quando se já morreu…

 

Cavalgo sigiloso nas escuras e lúgubres sombras de tubarões

Silenciosos e calmos, de olhares meio serenos

Maquinam planos para alegremente devorar os pobres peixinhos…

 

Tão quão a sua gigantesca estatura, fartos de vida

Assim é o tamanho do seu descuidado

Face aos pacatos protestos dos pobres peixinhos

 

Tão bravos nas suas atitudes e decisões

Ruminam os sagrados planos dos peixinhos

Maleficamente cobiçosos e incontinentes

Erguem planificadamente desumanos

O património dos futuros tubaronzinhos!

 

Assim como o sopro, o tempo passou

De igual modo, muita coisa mudou:

Hoje vivo no mundo dos outros

Como a comida dos outros

Falo e canto com a voz dos outros

Danço e bamboleio com as pernas dos outros

Enfim, sou quase tudo dos outros!

 

Os génios e forasteiros

Ensinaram-nos a moda actual:

Se quiserem falar e reclamar

Façam-no de boca fechada

 

E se quiserem gritar

Abram suavemente os vossos pobres lábios

Entretanto, jamais deixem

Que os vossos débeis dentes se desabracem

 

Pois melhor é chorar para dentro

Chorar para fora, é barulho

E barulho só atrapalha

Por isso, não atrapalhem…

 

Ora, de tanto chorar para dentro

Sofro hoje desconhecidas patologias

E hoje o meu abdómen inteiro reclama por justiça

 

Já não consigo mais andar

Para asseveradamente protestar

A carnívora vida que hodierno

Lenta e camufladamente feroz

Os forasteiros, sequestrando o vigor dos nossos sentidos

Malandramente implantaram em todos nós

E hoje, sim, nós os peixinhos

 

Ao mundo inteiro e a quem tem ouvidos

Clamamos um significante SOCORROOO…!

segunda-feira, 16 agosto 2021 10:14

Comunicar (em tempos de guerra)

Não tenho memória de tanta crítica a volta da comunicação governamental, especialmente desde que Kigali, capital ruandesa, tomara a dianteira (e com estilo) no informe da evolução do combate contra a insurgência terrorista em Cabo Delgado. A comunicação de que se fala não se esgota apenas no conteúdo, incluindo palavras e frases escolhidas à dedo, e no meio a transmitir, mas também, e não só, abarca o momento/contexto para transmitir, o cenário/local, a indumentária e a energia de quem comunica. Neste padrão, e em tempos de guerra, a comunicação é saudável e até com ganhos significativos na consciencialização, mobilização e confiança da sociedade.

 

Um exemplo do recurso a este padrão de comunicação é a II Guerra do Iraque (2003), por sinal desencadeada no quadro do combate ao terrorismo e conduzida pelos EUA. Dessa altura, e a título de exemplo, retenho a qualidade do “empreendimento comunicação” na intervenção de George W. Bush, então presidente americano, quer a propósito do início da guerra quer, mais tarde, quando da tomada de Bagdad, a capital iraquiana. Um outro momento fora o do anúncio da captura do deposto presidente iraquiano, Saddam Hussein, em que um alto dirigente americano, diante de uma sala de imprensa em suspense, pronunciara a (já) célebre frase: “Ladies and gentlemen, we got him!”.

 

Tenho fé de que a II Guerra do Iraque tenha sido, em tempos de guerra, a escola de comunicação da sociedade moçambicana e de que esta a recorre como a base de comparação para as críticas em curso. Grosso modo a crítica recai sobre a falta de comunicação e das (poucas) vezes em que tal sucedera, a propósito ou por tabela, as observações críticas se alargam à letra e espírito do padrão conhecido, bastando, e como barómetro, que o leitor observe os eventos das últimas intervenções presidenciais sobre Cabo Delgado, em particular os da comunicação específica à nação e os das paradas militares na mesma província.

 

Em jeito de alerta, e para concluir, urge que Maputo reflicta sobre a forma que comunica com a sociedade, no caso em tempos de guerra. Kigali, pelos vistos, fê-la (os resultados à vista) assim como Pretória (África do Sul) e Gaberone (Botswana) fazendo jus, por exemplo, aos níveis do padrão das paradas militares de despedida dos respectivos contingentes, em partida para o combate contra a insurgência terrorista em Cabo Delgado.

 

PS1. Não a propósito de comunicação em tempos da guerra, mas a reboque, referir de que me fizera uma certa confusão, na passada sexta-feira, o facto do Presidente da República (PR) ter inaugurado, no Parque de Beluluane, uma fábrica (de cabelos) e horas depois, em comunicação à nação, por conta da pandémica Covid-19, ter prorrogado as medidas que deixam uma boa parte da economia em pausa ou a meio gás. Acredito que não só eu pensara que com a inauguração ele antecipava ou sinalizava o conteúdo da comunicação, nomeadamente que anunciaria um certo relaxamento de medidas a favor da abertura do mercado/economia. Enfim: um pequeno detalhe que faz uma grande diferença.

 

PS2. Ainda a reboque, referir que o texto lembra a chamada “África (Moçambique), Surge et Ambula!”/“África (Moçambique), Ergue-te e Caminha!” do saudoso poeta moçambicano Rui de Noronha, feita nos anos 20 do século XX, tempos em que no alto já adejavam corvos sedentos. Hoje, anos 20 do século XXI, já com os corvos em terra, seguramente que Rui de Noronha, clamaria por um “Moçambique, Communicat et Ambula!” (Moçambique, Comunica e Caminha!).

A recuperação de Mocímboa da Praia, sem dúvidas, marca uma nova fase na luta contra os insurgentes. No campo militar, a moral das Forças de Defesa e Segurança (FDS) e das tropas ruandesas está em alta e novas conquistas são esperadas. Na azáfama das conquistas, o Chefe de Estado Moçambicano pediu à Força em Estado de Alerta da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) que abra caminho à ajuda humanitária em Cabo Delgado. Do seu discurso pode escortinar-se a preocupação em ver reabertos os corredores logísticos por terra e pelo mar. Vale lembrar que o troço Pemba-Palma foi inicialmente preterido pela Anadarko como corredor logístico de suporte às suas operações em Afungi, passando a usar a via marítima e ponte aérea através de Mocímboa da Praia. A Total que adquiriu a concessão de gás à Anadarko, deu continuidade a mesma política e com o agravamento da insegurança, passou a usar a ponte aérea de Pemba para Mtwara na Tanzânia, e deste ponto para Palma.

 

Os corredores logísticos de suporte a indústria de gás tem sido o centro de atenções dos principais players, incluindo os grupos terroristas. Estes últimos, com um desdobramento adicional no controlo dos recursos naturais do interior, onde se verifica a ausência do Estado, para financiar suas operações. Vários estudos apontam para uma correlação entre a exploração ilegal dos recursos naturais (madeira, caça furtiva, minerais preciosos etc) e o financiamento a actividade terrorista. 

 

Não é minha intenção divagar no campo das operações militares e seus desdobramentos, até porque os dados para o efeito são escassos. No entanto, há que perceber que os grandes players externos, quer estatais e privados, têm clareza dos seus interesses no conflito de Cabo Delgado, quer sejam eles económicos, geopolíticos e até de prestígio e berganhas. Muitos destes interesses estão alinhados ao que chamaria da Primazia da Indústria de Gás, que não necessariamente se alinham ao Interesse Nacional. Há um risco, sempre presente, de confundir-se tais interesses com os interesses supremos da nação, resultando no embaciamento dos reais problemas que o país deve enfrentar, muitos dos quais na origem do surgimento do extremismo violento. 

 

A história da sociedade moçambicana é marcada por ciclos de conflitos intermitentes, saímos de um conflito para o outro, e as estruturas de organização social, produtiva e política absorvem novas formas de conflito. Mesmo partindo do pressuposto, assumido por várias correntes de pensamento, de que fanatismo islâmico é um elemento exógeno à nossa realidade, a verdade é que o mesmo se ancorou em bases sólidas endógenas (factores internos do conflito) que propiciaram a sua transformação em um fanatismo localizado. Aqui reside a importância estratégica da interpretação crítica e minuciosa da recuperação de Mocímboa da Praia e dos seus desdobramentos.

 

Se por um lado os players externos colocarão maior primazia para indústria do gás (no sentido negativo – retardar a retoma das operações em Afungi e reduzir a competitividade do país; ou positivo – retoma da exploração do gás e seus dividendos), caberá ao Estado Moçambicano discernir suas prioridades endógenas e contrabalançar tais interesses externos. A curto e médio prazos não é, e não deve ser a prioridade do país a retoma das operações da indústria do gás. Pelo contrário, a prioridade são as pessoas; são os milhares de deslocados internos em extrema necessidade de assistência humanitária; é a compreensão e resposta aos elementos endógenos incubadores do extremismo violento, sem dependência da indústria do gás. A ansiedade de colher dividendos da indústria de gás a curto e médio prazos, para fazer face a uma economia em frangalhos, deve ser substituída pela vontade e prontidão em responder aos elementos atrás mencionados sob pena de plantar as sementes dos novos ciclos e formas de conflito e violência.

 

A opção diplomática defendida por determinados sectores só será efectiva se de forma crítica e pragmática, transitar-se dos chavões políticos para responder aos problemas estruturais associados ao conflito. Há que responder as seguintes questões: i) A Desmaputização do emprego na indústria do gás em Cabo Delgado – em que jovens circunscritos ao espaço geográfico de Maputo (independentemente da sua origem étnica) devido ao acesso a informação, formação e redes de influência, dominam o marcado de emprego associado a indústria do gás em Cabo Delgado; ii) A ausência de um Estado doptado de políticas semi-providencialista e contextualizadas para comunidades marginalizadas de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia; iii) O reconhecimento das desigualdades étnicas históricas e históricas elitistas no acesso aos meios de produção; iv) A identificação de formas inclusivas e progressistas para fazer face a informalidade que caracteriza a exploração dos recursos naturais pelo país; e v) A diversidade no acesso as diversas formas de poderes localizados. Estas e outras, são contradições históricas profundas e de longa duração que carecem de um devido reconhecimento e tratamento como uma agenda nacional.