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sexta-feira, 18 janeiro 2019 05:53

O julgamento oculto

As pessoas estão preocupadas: Manuel Chang vai mesmo ser julgado? A grande pergunta é realmente uma outra: afinal, “onde” vai ele ser julgado? Essa pergunta esconde uma outra interrogação que é seguinte: “quem” vai finalmente julgar o ex-ministro? Reina a percepção que, lá fora, a justiça será mais rigorosa. Que lá fora se evitará uma certeira lavagem de culpas depois de uma alegada lavagem de dinheiro. E todos sabemos: mundo anda demasiado sujo por causa de tanta lavagem. 



Outras preocupações se juntam: mas é só ele? E os outros? E quando se pergunta por esses outros olha-se não para o lado mas para cima. Quer-se dizer: os que mandavam no Chang. Nunca se falou tanto de um julgamento que ainda está por haver. As pessoas falam porque estão obviamente cansadas dos julgamentos que ficam sempre por acontecer. E agora, este Manuel Chang, com ou sem culpa formada, resume num só nome todos os nomes dos que permaneceram acima da justiça.  Manuel Chang é um nome que se passou a dizer no plural. 



Partilho dessas interrogações. E tenho mais uma: não é apenas do julgamento de Chang que estamos a falar. Estamos a falar do julgamento de milhões de moçambicanos. De um julgamento que nunca chegou a acontecer mas do qual resultou uma sentença contra todos nós, condenando-nos a pagar uma dívida de milhões de dólares que terão ido parar aos bolsos de uns poucos nacionais e estrangeiros. Existe, pois, para além uma dívida oculta, um julgamento oculto. Esse julgamento produziu a mais insólita das sentenças: os que foram roubados foram declarados culpados e intimados a indemnizar os que roubaram. Não foram apenas os moçambicanos em idade adulta que foram punidos: foram os filhos, os netos e todos os que, antes de saber o que é dinheiro, já sabem o que é estar endividados. 



Já que houve um julgamento sem tribunal nem juiz que haja agora um novo veredicto em que sejamos ilibados dessa punição. Moçambique e moçambicanos merecem libertos dessa ilegal sentença. 



PS – Circulam por aí textos que são indevidamente imputados à minha pessoa. Outros  como Teodato Hunguana queixam-se do mesmo. Haverá, ao que tudo indica, uma fábrica de falsificação de textos de opinião. Por favor, a todos os leitores peço: não divulguem textos sem ter antes confirmado a sua autoria. O que dá força aos cobardes falsificadores de textos é a nossa apressada ingenuidade. Não nos tornemos cúmplices dessas desavergonhadas mentiras. 

Nem o próprio Afonso Dhlakama, nem Joaquim Chissano, nem Armando Guebuza, nem Filipe Nyusi, nem Yaqub Sibindy, nem Raul Domingos, nem Daviz Simango, etecetera, foram algumas vez eleitos democraticamente, e de forma genuína, em qualquer congresso. Ou seja, nunca houve um pleito eleitoral interno verdadeiro a nível dos partidos políticos neste chão chamado Moçambique. Normalmente, as eleições à presidência dos partidos, que têm decorrido nos congressos, são simplesmente um teatro, nalgumas vezes bem ensaiados, noutras nem por isso. 

 

Ossufo Momade é, a partir de hoje, o primeiro presidente de um partido político nacional a disputar votos de verdade. Por isso, a Renamo escreve mais uma página na História Universal como o primeiro partido político moçambicano a eleger democrática e genuinamente o seu presidente. Este VI Congresso da Renamo é histórico. Não quero aqui incluir os congressos da Frelimo socialista. Não sei, ao certo, se Mondlane e Samora, por exemplo, foram eleitos de verdade. É que a história deste partido tem sido revisada a cada dia que já nem se sabe distinguir a verdade da mentira. 

 

Olha, não quero com isso dizer que os outros congressos, deste e daquele partido, não foram democráticos. Nada disso. Estou a falar da democracia de disputa de votos na urna, onde os votos são divididos entre os concorrentes. Aliás, neste VI Congresso houve concorrentes, houve candidatos. Houve votação de verdade. Na hora de anúncio dos resultados, o coração de cada concorrente bateu rápido, os concorrentes roeram as unhas, houve ansiedade, houve nervosismo, houve aquele friozinho na barriga. Não foi um daqueles eventos de aleluias e hosanas ao Delfim e de legitimação de acordos dos bastidores. Ninguém tentou oferecer tractor e suas alfaias aqui. 

 

Isto é, de facto, inédito. Normalmente, os congressos são meros encontros de confirmações de cargos. Ninguém concorre com ninguém de verdade. Não há disputa. Os candidatos costumam ser únicos, ou porque os outros desistem à última hora ou porque apanham disenteria ou porque recebem, nos bastidores, uma iluminação divina de apoiarem um só concorrente. As vontades dos congressistas, normalmente, são por aclamação. Isto é, todos acordam e decidem gostar de um gajo só. Os congressos costumam ser "show de talento" de hipócritas. 

 

Neste VI Congresso da Renamo os congressistas distribuíram o seus votos para todos os concorrentes e venceu quem conseguiu a maioria. E democracia é isso mesmo: liberdade de expressão e de manifestação. Só espero que esse espírito prevaleça na Renamo e que os demais partidos imitem. Isso é importante para a nossa democracia interna e externa.

quarta-feira, 16 janeiro 2019 14:32

Sobre ironia

Na gênese do Estado moçambicano há uma indelével ligação com os Estados Unidos da América. A atender pelo mito fundador, “Chitlango, filho de chefe”, estudou e trabalhou naquele país e teve um trajecto tão "fecundo” que se casou com uma americana. Na lógica de familiaridades alargadas, para estas outras gerações que, eventualmente, sabem algo de Eduardo Mondlane, aquele país é terra de origem da “avó" Janet Mondlane, visões (dis)torcidas sobre “modernidade”, “50cent”... e nada mais!

 

Por conveniência, exacerbamos o significado de “soberania” e amplificamos pressupostos e fundamentos errôneos para vincar uma acepção maniqueísta do termo, com interesse instrumental e de defesa de agendas dúbias.

 

Simplificamos e trivializamos tudo. Em roupagens de “complexidade”, propalamos a ininteligibilidade das relações internacionais, pretensamente incompreensíveis para os comuns dos mortais. Nesta matéria, somos pródigos o suficiente para viabilizar uma “escola superior de proteção da soberania”. A extramudanização discursiva coverteu-se em subterfúgio e artefacto de arremesso para aterrorizar eventual desavisado.

 

Que ironia. Tão soberanos quão levianos!

 

Se nos ativarmos à memórias de longa duração (ode à memória curta) certamente que não teremos dificuldades em lembrar que, quando lutamos pela “pátria” e pela “soberania”, também conspiramos no exterior, acampamos no exterior, pedimos armas ao exterior, adoptamos ideologias inventadas no exterior, saltitamos entre socialismos e capitalismos abundantes no exterior!

 

Os montantes “superiores" ao orçamento do Estado são traficados e depositados no exterior! Para os que podem e querem, questões existenciais (saúde, turismo, negócios) tratam-se no exterior. Estudar, trabalhar, estabelecer parcerias... no e com o exterior é parte constitutiva das nossas “tradições”. Bastaria dizer que a simples agulha com que ajustamos os elásticos das nossas tangas vem… do exterior.

 

Mas entre nós, no contexto das relações com o exterior, a “fortuna” é tratada como dádiva e qualquer infortúnio é pregado como afronta à tal da soberania. Espanta-me essa cultura de “entitlement”(de direito) que se reserva o privilégio de aceitar as “sortes” e vilipendiar os “azares” decorrentes das relações com o... exterior.

 

Accionar todo um aparato Estatal (instituições e pessoas) para uma defesa canina da "classe meliante", revela muito sobre a estrutura que sustenta o poder dos governantes e não tem nada a ver com “qualidade” dos cidadãos. Pois, não se fiem nessa de "tal povo qual governança”. Até soa bem como frase feita mas não diz tudo sobre a estrutura das relações! A escravatura diz menos sobre os escravizados e mais sobre os escravocratas e seu regime.

 

Com recurso à força, aparelho repressivo do Estado, mídia pública, charlatões ideológicos patrocinados, esquadrões do terror, conivente inoperância das instituições de justiça e uma vergonhosa cumplicidade da bancada parlamentar majoritária (que mais se distingue pela sincronia nos aplausos e menos pela disposição para, genuína e criticamente, deliberar sobre qualquer matéria), o partido que monopoliza o poder e o governo do dia, assoberbado pela ganância, estendeu tapete vermelho e floreou o palco de actuação de pessoas inescrupulosamente audazes para venderem todo um país.

 

Parte da ironia, reside aqui. Em seduzir e cativar uma legião de pseudo-iluminados para fazerem a vez de "advogados de Deus”. Como se precisasse! Em circunstâncias como estas, que o Diabo se ponha à pão! No mercado da consciência pode perder aquele delicioso croissant!

 

Os que ousaram marchar contra tão óbvia falácia foram sistematicamente vilipendiados, estigmatizados e rotulados, entre outros, como “meia dúzia de inconsequentes gatos pingados”. Concidadãos foram torpemente descaracterizados, senão fisicamente seviciados, em nome dum “progecto” dito "soberano”, centrado no umbigo e vaidade de pouco mais de duas dezenas de pessoas.

 

O chulo, não é só a linguagem avícola adoptada para transacionar todo um projeto de bandeira, ainda que frágil. “50 Milhões de frangos” por poleiro é menos insidioso do que a predisposição de verdadeiros legionários que viviam em permanente sentinela, com espada em riste, prontos para lançarem-se contra os que faziam simples questionamentos metódicos e “razoáveis”.

 

Todo o papo em torno dos piratas, soberania marinha, estrada nacional número zero, peixe para alimentar as crianças desnutridas, atum que se comia sem se ver (como no poema sobre o amor que arde sem se ver), drones, desenhos e organogramas interligando empresas “laranjas” não passou disso mesmo. Subterfúgios costurados para encobrir o vilipêndio ao interesse colectivo e protecção de interesses de indivíduos e de grupos, se chegarem a tanto!

 

Despudoradamente, reinventaram a porporção dos monstros que habitam a nossa costa, exacerbaram a tacanhisse da místificada "mão externa", disseram que questionávamos a lisura dos actos porque estávamos cegos e porque não tínhamos tino suficiente para discernir que uma dúzia de canoas furadas não fazem uma fragata.

 

Hiper-cientificizaram as relações internacionais, insinuando que eram impossíveis de serem compreendidas por almas mundanas. Delataram o papel dos governantes e elevaram-nos a incontestáveis mandatários de uma massa amorfa sem vontade e nem capacidade, que deveria submeter-se às decisões dos “eleitos”, ainda que os levassem, perceptivelmente, ao desaire.

 

Mais do que encaregar o governo como instância de poderes delegados, reiventaram-no e atribuiram-lhe poderes transcendentais e concessionários, a ponto de o simples acto de pedir esclarecimento demandar bondade ou voluntariosos actos de generosidade por parte de tais governantes. Abriam e fechavam portas à bel prazer!

 

Abusaram do privilégio de maioria parlamentar para apaludirem, como pereferem, em contraposição ao debate, os seus actos lesa-pátria. Colegialmente, aprovaram a trafulhice e, embevecidos, juraram que fariam tudo de novo! Como se algo tivessem feito senão sucumbir à ganância e entregarem-se, "à franga”, à mercenários económicos que tudo compram e vendem.

 

Essa tal da soberania a que tanto apelam para nos afrontar... venderam-na. Um punhado de indivíduos usou dos privilégios da função, manietou e patrocinou ovelhas e desencadearam campanhas de defesa do espúrio.

 

Não houve ingenuidade, mas uma actuação sincronizada de novos nababos que se imaginavam sentados na "cocada preta". Os candidatos à capatazes verboreiaram e executaram atrocidades contra os que vocalizavam algum “desalinhamento”.

 

Apelaram para o histórico de precedentes desencontros com a Renamo para legitimarem o “bypass" institucional, ainda que, contraditoriamente, evidenciassem que a negociata era de cariz privado, mesmo que pudesse coincidir com potenciais interesses de Estado. Não tiveram parcimônia em estatizar burlas e recolher comissões!

 

Soberana, não é a costa que precisa de ser protegida, mas dívidas que tem de ser pagas e, para isso, descobriram que podiam extorquir no preço do pão, da energia elétrica, da água, do combustível e de tudo que se possa taxar ao habitante do poleiro (galinheiro mesmo).

 

E vierem os sofomaníacos. Desenharam “estratégias", “esquemas" e “diagramas" de "protecção costeira", no mínimo, exdrúxulas, ao mesmo tempo que asseveravam que seu partido guia era suficientemente visionário e iluminante. Ao sabor das boladas, declararam-se prontos a governarem, no mínimo, por mais meio século. Na mesma base!

 

Quando parte da velha guarda, do mesmo partido, entrou em histeria em cadeia nacional, rotularam-na senil e, com cortesia forçada, convidaram-na a encolher-se nos subúrbios de Maputo. Anciãos quase tiveram “tacardia” em horário nobre, quando tentavam denunciar o tamanho da sujeira. Memorável o "cuspilento" “tenho nojo” que SV deixou na STV.

Esculhambaram as ONGs, a sociedade civil e atribuiram-lhes o onus da "cumplicidade com ocidente", como se a dívida danosa tivesse sido contratada por estes, a sul dos sofridos e “tristes trópicos”. Filosofaram sobre os colonialismo e neocolonialismos, acrescentarm elementos à noção de pátria e patriotismo, apresentaram-se como arautos do progresso e da capitalização financeira dos oprimidos contra, estranhamente, “doadores” e instituições ocidentais opressores, com quem, efectivamente, contrataram tais negociatas. Posicionaram-se como escudos ideológicos entre as “massas” e seus líderes, ainda que não houvesse ideal algum que fosse defensável, além dos níqueis que sustentam facções políticas e hegemônicas que instrumentalizam o aparelho repressivo do Estado, num país depauperado.

 

Agora que “galinhas” enrustidas são chamadas pelos nomes, a insistência no apelo à soberania, à necessidade de "abrir o olho" contra o expansionismo “yankee", a facilidade com que desresponsabilizam os "visionários líderes” e catam pouco mais de uma dúzia de assessores funcionais para vestirem a carapuça, meus receios é que, em nome da soberania, roubem os veredictos. Experiência não lhes falta

quarta-feira, 16 janeiro 2019 06:26

O Presidente que se “ponha a pau”!...

A 15 de Janeiro 2015, Filipe Jacinto Nyusi tomava posse como (quarto) presidente da República de Moçambique. O seu discurso, na cerimónia de investidura, na Praça da Independência, surpreendeu a tudo e todos. Dizia ele que em Mondlane buscaria a visão da unidade nacional e a certeza de que as diferenças entre os moçambicanos não os poderiam dividir na sua aspiração comum de construir uma Nação mais unida e coesa. Que se inspiraria em Samora, na determinação para a edificação de um Estado mais forte, com instituições cada vez mais íntegras e democráticas ao serviço do povo. E, finalmente, que buscaria em Chissano o espírito de tolerância e de reconciliação da família moçambicana. 

 

Mas, mais do que isso, o PR dizia e reiterava que “o povo era o seu patrão” e que o seu compromisso era o de servi-lo, prometendo, para isso, “respeitar e fazer respeitar a Constituição e as Leis de Moçambique”. Para FJN a paz era a condição primária para a estabilidade política, desenvolvimento económico, harmonia e equidade social. Na verdade, este terá sido o seu grande “ponto de honra”. Principalmente quando prometeu que tudo faria para que, em Moçambique, jamais, irmãos se voltassem contra irmãos, fosse a que pretexto fosse. Aí terá residido a sua atitude arrojada, ao longo destes quatro anos.  Pois “trepou” à serra da Gorongosa para conversar com Afonso Dhlakama, o (falecido) líder da Renamo… E, graças a isso, o país passou a viver um clima de paz e reconciliação.  Para a opinião pública, esse é o maior – e provavelmente o único –  trunfo de Nyusi.



Porque noutras vertentes, os seus quatros anos de governação deixaram muito a desejar. 
Por exemplo: disse que queria que Moçambique fosse referenciado como um dos países com uma das taxas de crescimento mais elevadas do mundo. Não conseguiu! Que queria planos de desenvolvimento orientados para a redução das assimetrias regionais e locais. Também não conseguiu!  O tal combate cerrado à corrupção ficou aquém das expectativas. Aliás, o “dossier” das dividas ocultas e a impunidade que ainda persiste, é disso um exemplo crasso. No entanto, quatro anos volvidos, Nyusi veio hoje reafirmar o compromisso assumido (nesse 15 de Janeiro de 2015) de servir o seu povo com humildade, dedicação e objectividade. E também de dedicar-se ao combate à corrupção por saber dos “efeitos nefastos” desta, na sua agenda de desenvolvimento sustentável e inclusivo.



Como se isso não bastasse, o Chefe de Estado ainda nos vem com a “cantiga” de promover a segurança alimentar e nutricional, um maior acesso à energia, a viabilização do desenvolvimento da economia, o aumento de rendas das famílias moçambicanas, o desenvolvimento humano através de maior acesso à educação, saúde, água e saneamento, entre outras. Muito “blá blá blá”. Porém, é quando reafirma o seu empenho no combate à criminalidade e a eliminação dos ataques protagonizados por malfeitores no norte da província de Cabo Delgado que a sua mensagem se torna mais risível. Porque uma coisa é reafirmar e outra é fazer. São quatro anos e as pessoas já não estão para ouvir (e acreditar) em “discursos”.  Até porque para o ano vai haver eleições. Por isso, o presidente que se “ponha a pau”!…

terça-feira, 15 janeiro 2019 16:58

Jaco Maria, meu irmão de sangue

 Em 1973 Jaco Maria gravava o seu primeiro disco (um single) onde consta o tema Hana nga nyi haladza. Uma elegia. Um apelo ao amor de uma mulher que se calhar nem existia. Provavelmente imaginada. Mas também toda aquela poesia emotiva, comovente, podia ser real, quem sabe! A verdade é que o disco era um foguetão preparado para lançar uma nave que ainda está em órbita. Quase quarenta e seis anos depois. E uma nave que fica esse tempo todo levitando, não pode voltar à atmosfera terrestre.

 

Quando ouvi pela primeira vez a voz de Jaco naquele disco de vinil, eu não tinha estrutura para perceber que estava diante de um anjo concebido por Deus para cantar no cume.  Das montanhas de pedra onde se ensoberbecem as águias. Com a nota de que este músico não se envaidece. Ele embevece. Aliás foi no Hokolókwè, uma banda de cristais puros, onde Jaco Maria retumbou humildemente, parecendo ele quem ia à frente. Então aí eu já tinha alguns elementos no intelecto para ficar assustado com o vulcão que já estava em erupção. 

 

Hokolókwè também não parecia daqui.

 

Eventualmente não percebíamos que os rapazes daquela banda eram possuídos por demónios de outro planeta. Jaco também. Quer dizer, do lugar onde se encontrava, o autor de Hana nga nyi haladza já não podia voltar para trás. O que lhe restava era continuar a avançar. Como os gnus. Feitos para avançar como o próprio mundo. As naves sagradas não retrocedem. E o homem mostrou-nos isso quando cantou o ressonante Sengue, acompanhado ao mais alto nível por aqueles rapazes que buscaram o funk para hastear um tema com letra simples. Profunda. Jaco Maria é meu irmão de sangue. No sentido de que nascemos no mesmo chão.

 

Ele no bairro Santarém, eu na Fonte Azul. Mas todos nós daqueles dois conglomerados parecíamos feitos da mesma massa. Dos mesmos grãos da terra que vestíamos com os pés. O que nos unia era a euforia de sermos crianças. Jogávamos à bola no “bángwè”, de onde me lembro de duas “estrelas” aos pés das quais nos rendíamos. Vencidos: Chumbo Lipato e Nando Guihoto. E talvez Papato. Lembras-te, Jaco? Claro que te lembras! Foram tempos. Bons. Vividos sem recalques. E o músico estava lá. Incubado naquele miúdo que nos intervalos da Escola Industrial e Comercial Vasco da Gama dava uns toques na bola de básquete. Mas Jaco não nasceu para “aquilo”.

 

Sentados frente à frente com Arão Litsuri, nos princípios do ano 2000, eu disse assim para ele: “Arão: tens uma das vozes masculinas mais bonitas de Moçambique! E o Arão respondeu-me assim: mas a voz mais bonita mesmo, é do Jaco Maria. Liguei para Salimo Muhamed, nesta segunda-feira (14.01.2019) e disse-lhe que a estava a escrever um texto sobre Jaco. Salimo disse-me assim: aquele manhambana canta para caramba! Pois é: Jaco Maria chama-se Angélico, de seu nome oficial. Angélico significa puro como os anjos. E com este nome, Jaco não podia seguir outro caminho que não fosse o da luz

terça-feira, 15 janeiro 2019 08:20

A quem interessa a desestabilização em Palma?

Quando o primeiro ataque da insurgência teve como alvo uma esquadra de Polícia em Mocímboa da Praia em Outubro de 2017, todo o mundo pensava que era uma pequena brincadeira de ocasião. Passageira. Uns gatos pingados haviam decidido brincar ao extremismo falsamente rotulado de islâmico. As autoridades chamaram-lhe de banditismo, um caso de polícia. Nesse ataque inaugural, os bandidos levaram armas e mataram. O simbolismo desse roubo era estratégico: dar a impressão de que eram um bando de maltrapilhos sem logística, uma malta errática à busca de um lugar ao sol. Um ano depois, num balanço que ‘Carta” fez, o número de vítimas era aterrador. Mais de cem mortos, a maioria por decapitação, e milhares de casas populares queimadas.

 

Não, não podia ser banditismo normal.

 

A teoria da insurgência extremista foi estudada. A da instrumentalização da desordem, cara a Patrick Chabal, repetida como tese inabalável. Mas, para quem, como este jornal, dedica muitas das suas linhas ao assunto, o traço islâmico da coisa era muito forçado: um islamismo arcaico, de aprendiz. Os atacantes são, mais do que milícias importadas, jovens da terra, recrutados em troca de dinheiro e futuros de abastança. 

 

Nas últimas semanas, o Governo reforçou a zona de contingentes militares. Em resposta, bandidos abraçaram outra táctica de terror: incendiar viaturas civis nas rodovias que vão dar a Palma. E, também, aproximarem-se dessa região, onde já estão implantados os acampamentos das ENI, Anadarko e Exxon Mobil, perto donde as duas últimas multinacionais preparam-se para construir 4 trains de produção de gás natural liquefeito, num investimento que vai catapultar Moçambique para o estatuto de principal “player” global no fornecimento do produto. 

 

A aproximação do banditismo a Palma, como a nova característica de queima de viaturas civis nas estradas que vão dar à vila, tornou mais claro agora o objectivo de que lhe financia: inviabilizar o gás. Afinal quem está interessado que nosso gás não aconteça? Qual é o país que ganha com o atraso do gás moçambicano? A resposta a esta pergunta está-nos na ponta, mas não ousamos mencionar sem termos evidências palpáveis do envolvimento desse país numa conspiração para desestabilizar Moçambique.

 

O efeito imediato do caos que se está a criar à volta de Palma levará a que a ENI, Anadarko e Exxon contratem empresas de mercenários para protegerem seus investimentos, criando-se pequenos estados dentro de Moçambique, “compounds” de acesso altamente restrito, condições suficientes para que o nosso gás seja exportado sem o devido controlo por parte do INP. O cenário que se está a montar é o mesmo que o da SASOL, que bombeia o gás de Temane a rodos sem qualquer tipo de controlo por parte das autoridades. Moçambique está e vai viver mais uma era de saque de rapina aos seus recursos.

 

Depois, a aparição dessa figura sinistra de Erick Prince, um homem que só actua em lugares de desordem. O Governo tem a obrigação de clarificar quais são as actividades deste senhor em Moçambique. E por que é que ele anunciou uma entrada na Ematum (mudando seu nome para Tunamar), quando seu "core business" nunca foi a pesca de atum e quando esse anúncio não passava afinal de um golpe teatral abrindo caminho para a presença da sua empresa de segurança, a Lancaster 6, em Palma? Quem lhe dá guarida cá dentro? Que acordos o Governo fechou com a Lancaster 6? E o que é que esta empresa tem a ver com a disseminação da insurgência em Palma? 

 

Nos apetites empresariais de Prince em Palma poder estar também uma parte da explicação para o crescimento da desestabilização em Cabo Delgado que, agora é mais claro, não tem nada a ver com gatos pingados. Tem a ver com bilhões e bilhões de USD em disputa entre actores globais com o beneplácito da nossa elite política. Mesmo que não nos dêem respostas a estas questões, tal como no caso do calote da dívida oculta, a verdade um dia há-de cair de madura, como o caju do Juiz Paulino.