Quando o dia terminar e o sol tropical não tiver mais cores para projetar, na imensidão de todas as superfícies e montanhas, nos lagos e baías, nas florestas e nos Palmares, não nascerá somente um novo dia, mas a vontade de lutar e vencer de quem faz da vida uma bandeira, do estudo um trunfo, das oportunidades um espelho. Gostaria de ter dito estas e outras palavras a Mércia. Jovem menina da UP Maxixe, estudante de leis e interpretações jurídicas, que acredita em Deus e, entende que Deus jamais escreve torto por linhas direitas ou, igualmente, torto em linhas tortas.
O Governador do Banco de Moçambique aproveitou uma aparição pública em Quelimane para dar o tiro final na nuca da sua credibilidade. Esta já andava de rastos. Zandamela em Quelimane deu a derradeira mostra do caótico registo da incoerência que tem marcado o seu consulado desde que chegou de Washington. Dias antes, ele tinha ido à Assembleia da República (AR) apresentar um plano de contingência para o apagão provocado pelo imbróglio entre a Rede SIMO e a BizFirst. Foi taxativo que a empresa portuguesa estava a ser descartada e que novos fornecedores para o relevante "software" da rede interbancária estavam a caminho de Maputo.
Sentado, no estabelecimento do Zefas Guambe - um dos mais concorridos de Mumemo - deliciava-me com a minha terceira cerveja. Quando estava meio que consumido aproximou-se um jovem e pediu um peixe grande.
- Quero um peixe, mas dos grandes.
A balança indicou o peso do carapau e o respectivo preço. Eram 74 meticais. O jovem contou as moedas que tinha. Voltou a contar na expectativa de deparar-se com algum milagre da multiplicação. Debalde. Mesmo depois de contar nove vezes as moedas não chegavam. Pediu que colocassem dois peixes pequenos na balança. Deu 58 meticais. Ainda assim não chegava. Colocaram o menor dos peixes na balança e ela registou 24 meticais. Eu já nem conseguia olhar. Senti-me impotente. Não sabia se parava de beber e ia fazer alguma coisa útil ou me deixava embriagar diante daquele quadro de miséria e impotência. Não pensei tanto porque vi o jovem partir ao encontro de uma mulher que o aguardava um pouco mais distante do estalecimento. Estava com um recém-nascido nas costas e uma criança de mais ou menos cinco anos. Voltou e pediu patinhas de galinha. Foram seis patinhas no total. Custaram 22 meticais. Todo dinheiro que o jovem tinha naquele dia. Caminhou em direcção aos familiares que o aguardavam. São seis patinhas, talvez duas para o chefe do agregado, duas para a criança que já anda e duas para mãe. Muito possivelmente tudo aquilo pode ser transformado em dois jantares. Uma patinha para cada um.
Pois, há muita pobreza neste país e isso é que nos vai matar. Não porque seja injusto beber três cervejas por 100 meticais, mas porque um dia aquele pai vai se revoltar por ser injusto que a sua família tenha de se virar com derivados de frango. Vida do raio.
O último episódio da tragicomédia "Rede SIMO vs Bizfirst" não obedeceu a tradição de "viveram felizes para sempre". O governo e os bancos descobriram que, afinal de contas, aquele xerife do 25 de Setembro ostenta um revólver de água. Não mata ninguém.
Depois de jurar e prometer que o Banco Central nunca mais iria trabalhar com aquela empezinha de meia-tigela e sanguessuga, eis que, no último capítulo, Rogério Zandamela aparece dizendo que o restabelecimento do sistema foi uma ação coordenada entre o Banco Central e a banca comercial. Disse ele que, não tendo solução e sendo a Bizfirst a primeira a apresentar a solução, seria ingénuo e seria irresponsabilidade do regulador [o Banco Central] não cooperar para essa solução.
Ora essa! Afinal, não é disso que andamos a falar esse tempo todo? Precisa ser cientista para ver que essa é a solução mais sustentável, embora temporária, enquanto se busca um provedor mais "expressivo"?
Ninguém disse que a Bizfirst era o melhor provedor para esses serviços. Mas podia-se (na verdade, devia-se) encontrar um provedor à altura e fazer-se uma transição tranquila e pacífica. Uma transição sem apagões, sem conferências de imprensa, sem comunicados, sem idas ao Parlamento, sem baixarias, sem evasivas nem subterfúgios. Mudar de provedor ou de fornecedor de todo mundo muda querendo. Divórcios acontecem. São coisas da vida. Mas é possível fazer as coisas com alguma racionalidade. Há assuntos que não se devem tratar com leviandade e descaso.
Essa novela toda só veio demonstrar que o nosso xerife é um Rango: um pistoleiro que não é pistoleiro. Um herói do acaso. Vítima e mártir das suas próprias trafulhices.
Pensar dói, como dizia um "titxa" meu.
Regressar ao jornalismo de uma forma estruturada foi sempre uma tentação. Durante meu exílio das lides andei reprimindo esse desejo. Mas sucumbi. Me derrotei na vertigem de pensar que podia fazer intervenção social e política a jeito de paninhos quentes. Amaciando o verbo. Subir no muro e deixar-me estar olhando os ratos roendo tudo e eu enjeitado no conformismo. Não aprendi assim. O editor queria que eu me tornasse um grande jornalista.
Ouve-se “bola de Cristal” de Olho Vivo numa casa de bloco cru em Memo. São 9 horas da manhã e Ernesto espreguiça-se na sua cama casal. Teve, mais uma vez, uma noite intranquila. Estamos em 25 de Novembro e as taxas de câmbio testemunham o fracasso do metical face ao dólar. O homem levanta-se com a sensação de que a subida do carapau, do dia anterior, será compensada com o excesso de oferta de verdura nos mercados. A realidade, no grossista do Zimpeto, não lhe dá razão. A couve acompanhou o peixe. Dói-lhe, agora, ter experimentado aquela sensação. “Estou de luto”, comenta para os seus botões.
Não tem sido fácil para Ernesto, o homem de negócios que prosperou com a venda de carros segunda mão. Desde que o esquema dos partidos foi desmantelado, o pequeno negociante não vê a cor do dinheiro. Na sua casa culparam-lhe, primeiro, pela falta de queijo e, depois, pela falta de derivados de frango. Agora falta pão e culpa continua imensamente dele. Ao lado, numa outra casa, Julião sorri pela desgraça de Ernesto. Sob ponto de vista da estética dos bons costumes é indecente festejar o fim de um homem. Como também seria indecente festejar a morte duma criança. Mas isso não impede Julião de celebrar os maus dias de Ernesto. É que a lógica do ódio não se move pela racionalidade e nem pela justiça.
Ernesto julga-se detentor legítimo do direito de festejar a desgraça alheia. Não festeja, como pretende fazer transparecer, o fim dos negócios ilegais do vizinho. Ele celebra, isso sim, a vizinhança no lodo da desgraça. Ele hoje não vai comer e sequer reuniu dinheiro suficiente para o my love, mas esboça o maior dos sorrisos pelo simples facto de partilhar a situação com o vizinho. Na casa ao lado Ernesto faz contas a vida e pensa nos preços que corroem os últimos pilares da sua dignidade. Começou por ser o chefe do agregado e acaba assim, como um zé-ninguém. Começou com um carro topo de gama e acaba curvado num my love. A prosperidade efêmera e sucumbiu ao cerco contra ilegalidade. Ciente da incapacidade de realizar o milagre da multiplicação, Ernesto coloca uma corda ao pescoço e põe termo a vida. Já, aliás, estava morto, a partir do momento em que se revelou incapaz de realizar o prodígio de alimentar o seu agregado em época de crise.