Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

No início desta semana, a "rentrée" política regressou à agenda pública, com o desfile das “facas longas no debate sucessório de Filipe Nyusi. Começou a chamada noite hitleriana das "facas longas” tendo como espectro a sucessão de Nyusi. Trata-se de um intenso movimento nos bastidores frelimistas, envolvendo grupos arregimentados à volta de políticos e curiosos que almejam a cadeira presidencial no partido e no Estado.

 

É um movimento caracterizado por guerras figadais, onde vale tudo para assassinar o carácter, denegrir e desqualificar, na covardia do anonimato, figuras com peso comprovado e com maiores hipóteses de uma vitória eleitoral contra qualquer candidato da oposição.  

 

Nesse ambiente purgatório, ninguém dá a cara, mas as vítimas são sempre as mesmas. E as armas de arremesso são as mais frascizantes de que há memória: facas e punhais longos como na purga de Goebbels e seus apaniguados contra milhares de possíveis adversários contra a sedimentação nazista e, no caso vertente, pedras e setas atiradas contra adversários que, por bom senso, não usam os mesmos recursos, nomeadamente a chacota e o insulto nas redes sociais, a acusação sem fundamento, a condenação extra-judicial sem prova. Adversários que se calam por bom senso e calculismo político em protecção ao partido.

 

De resto, o cenário é um "déjà vu" dos anos recentes, um “remake” do ambiente tragicamente cénico que marca a aproximação de um evento relevante no calendário político frelimista. 

 

Ao invés do debate aberto, vigora no partido a caça às bruxas e isso é agora alimentado por uma direcção que continua a fazer tabu na sucessão de Nyusi, no seu bom registo autocrata, a dois meses da escolha interna do futuro candidato. As razões para esse tabu são insondáveis. 

 

Mas o pior de tudo é que todos no partido se sentem vinculados por essa orientação amordaçante do debate de ideias. Até Samora Machel Júnior, que em momento oportuno ousou dar o peito às balas quando teve que se defender do nyusismo mais retrógrado. Samito, até ele, se deixa vincular nesta atoarda silenciosa. 

 

Há dois meses da escolha interna, o partido não discute o perfil do sucessor do actual timoneiro, nem nenhum dos pretendentes tem a coragem suficiente para vir a terreiro dizer “eu quero, eu penso!”. 

 

A lista dos putativos é enorme. Cerca de 15 aspirantes, embora apenas um, dois ou três tenham qualidades demonstradas de liderança e capacidade eleitoral para enfrentar qualquer que seja o candidato da oposição. Mas, tristemente, esses dois ou três também se amordaçaram no silêncio ensurdecedor que marca os dias actuais da Frelimo. 

 

Moçambique vive momentos tenebrosos no seu processo democrático. Um partido como a Frelimo furta-se a discutir em tempo útil e abertamente para a sociedade o perfil e o nome do seu candidato presidencial. Isto é inaceitável, sobretudo quando, nas democracias liberais, os partidos políticos são entidades semi-públicas, que vivem em parte do financiamento público e, portanto, alguns aspectos da sua discussão interna deviam ser públicos e transparentes, principalmente, no quesito da escolha do candidato presidencial, no país de sistema presidencialista.

 

A Frelimo furta-se a isso, tragicamente. E promove, pela omissão, este ambiente fracturante nas redes sociais, onde grupelhos de faxinas ávidos de poder atiram, escondidos no anonimato, suas farpas nojentas contra quem está em melhor posição na grelha de partida. Parece desesperante, não é? E qualquerizante para alguém que se outorga de glorioso. (Marcelo Mosse) 

 

quinta-feira, 18 janeiro 2024 08:34

Chico António: essa rede de emalhar*

Já ninguém pergunta, “quem é aquele velho de cabelos de prata?” Ele próprio, o Chico, descomplexou-se. Também já não pergunta,”onde é que fica o mercado?”. Conhece tudo isto de ponta a ponta, de olhos fechados. Caminha pelas ruas pacatas da cidade, e em cada aurora vai ganhando novo sangue, recusa-se a ser “viente”. Saúda as pessoas em bitonga, língua que nunca antes sonhara, nem os seus antepassados. E para decifrar todas as parábolas, agora vocaliza em tom baixo, aos poucos amigos, dizendo que a sua vontade é ficar nesta terra. Para sempre.

 

Já foi enfeitiçado pelo silêncio da poesia das mulheres que o olham de esguelha, pelo sossego. Volta e meia vai, depois torna a voltar, como as águas do mar que enchem e vazam num ciclo sem fim. Mas a “Terra da boa gente”, lugar escolhido pelo “Estúdio Bom dia” para a comemoração do 25 de Setembro, dia das Forças Armadas de Moçambique (FADM), parece ser o último albergue  do autor de “Sineta”, um tema musical suave e profundo, criado para ostracizar o mau agoiro e exaltar o amor e a fidelidade. É por isso que Chico não sai daqui, estará cá novamente, como o sol que não se cansa de nascer, mesmo que os poentes se multipliquem.

 

Desta vez não vem sòzinho. O “Estúdio Bom dia”, que tem na testa o Roland Mudungaze,  enloqueceu. Traz uma panóplia de grandes músicos que virão juntar-se aos de Inhambane e fazerem uma festa imprevisível em termos de emoções. Tudo indica que haverá um derramento. Do próprio coração. Há uma grande espectativa, até porque reside neste movimento o desconhecido. Há bandas e músicos que os manhambanas nunca ouviram cantar, nem nunca viram tocar, então será uma oportunidade para outras experiências.

 

Inhambane tem sede permanente destes eventos, e ainda bem que o Centro Cultural Machavenga, escancarado para um lago com esse nome (Machavenga), existe. Como forma de dar oportunidade a outras sensibilidades, é uma maneira nova  que surge. Ou seja,  a criação deste lugar projectado por Filimone Mabjaia, vem desmentir que o turismo na cidade de Inhambane sejam só as praias. Por isso a  lagoa de Machavenga tem esse condão. De cantamorfosear..

 

Chico António anda em Inhambane há aproximadamente dois anos. Chegou a estas terras em cumprimento de  um projecto que está sendo seguido sem pressa, quer dizer, ele está nos estúdios “Bom dia” para gravar um disco que irá sair a seu devido tempo, quando estiver maduro. É assim que, desde o primeiro dia,  tem feito um Up and down (Maputo-Inhambane, Inhambane-Maputo), num processo que vai entranhando os temperos do CD, sob direcção de Roland Mudungaze, um austríaco com tendências profundas de rock-blues, mas que as circunstâncias da vida e da música, levaram-no a trabalhar noutras coisas. E tem feito isso com pragmatisco.

 

É isso: Chico António tem sempre uma luz fora do túnel, para que todos amanheçam, é por isso que jamais desvaneceu. Desde que entrou para a estrada, nunca parou de andar. “Tenho tropeçado muitas vezes, mas não aceito ser vencido, embora venha perdendo muitas batalhas. E para te mostrar a minha fé e teimosia, estou aqui de novo, para celebrar o 25 de Sertembro com os manhambanas. Isso significa que estou vivo”. E essa vitalidade repetiu-se na homenagem ao Guita Jr e Momed Cadir. No Centro Cultural Machavenga.

 

É isso: Chico António é rede de emalhar, que se move com propulsão própria!

  • * Texto rebuscado da parede da memória (reescrito - publicado em 2022)
quarta-feira, 17 janeiro 2024 08:33

Brics+: um alargamento impressionante*

Na madrugada de 2024, a partir de 1º de janeiro, mais cinco países tornaram-se membros plenos do BRICS, associação transnacional, que até então era composta por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e assim passaram a ser BRICS+ (BRICS Plus), totalizando dez países.

 

O Egito, localizado no nordeste da África e parcialmente na Península do Sinai, que é um istmo para o sudoeste da Ásia, o que o torna um país transcontinental, é considerado uma grande potência no Norte da África, no Mar Mediterrâneo, no mundo islâmico e no Mar Vermelho. Um populoso -com 104,5 milhões de habitantes-país árabe histórico com uma longa e riquíssima herança cultural e ao mesmo tempo o país militar mais poderoso da África que controla o estratégico Canal de Suez. O Egipto também possui enormes reservas de gás natural, estimadas em 2.180 quilómetros cúbicos e o gás natural liquefeito egípcio é exportado para muitos países.

 

A Etiópia é um país localizado no Chifre da África, no extremo leste do continente africano. Com uma população de 107,5 milhões de habitantes, segundo oficial estimativa para 2023, é o estado mediterrâneo mais populoso do mundo. Um país pobre mas em rápido desenvolvimento e com grande peso geoestratégico em África, que além da sua produção agrícola que contribui com 41% do PIB, também possui os maiores recursos hídricos de todo o continente. A Etiópia é o maior produtor de café da África e o segundo maior produtor de milho.

 

O Irã é um país do Oriente Médio no sudoeste da Ásia. Tem uma população de 88,5 milhões de acordo com a estimativa média das Nações Unidas para 2022. O Irão é considerado uma grande potência regional e ocupa uma posição de destaque em questões de política energética e economia global, principalmente devido às suas grandes reservas de petróleo e gás natural. O Irã foi o oitavo maior país produtor de petróleo do mundo no ano de 2022, com 3.822.000 barris por dia. Ao mesmo tempo. possui forças armadas fortes e um grande corpo científico, estacionados em partes importantes do planeta, como o Mar Arábico e o Golfo Pérsico.

 

A Arábia Saudita é um país da Península Arábica, ocupando a maior parte dela, cerca de 80%, e que é banhado pelo Golfo Pérsico a nordeste e pelo Mar Vermelho a oeste. Segundo uma estimativa oficial para 2022, a sua população é de 32,2 milhões de habitantes, 30% dos quais são cidadãos não sauditas (estimativa de 2013). A economia da Arábia Saudita baseia-se no petróleo, de onde provêm aproximadamente 75% das receitas orçamentais e 90% das exportações. A Arábia Saudita no ano de 2022 ficou em segundo lugar no mundo, depois dos EUA, com uma produção de 12.136.000 barris por dia e detém 17% do total das reservas comprovadas de petróleo em escala global.

 

Os Emirados Árabes Unidos, abreviados como EÁU, são um estado federal composto por sete emirados, no extremo sudeste da Península Arábica. Os Emirados Árabes Unidos são banhados pelo Golfo Pérsico e pelo Golfo de Omã e fazem fronteira com a Arábia Saudita e o Sultanato de Omã. Têm uma população de 9,3 milhões de acordo com uma estimativa oficial para 2020. O país é rico em depósitos de petróleo e gás natural e a sua população desfruta de um rendimento comparável ao dos países ocidentais desenvolvidos. Os Emirados Árabes Unidos foram o sétimo maior país produtor de petróleo do mundo no ano de 2022, com 4.020.000 barris por dia.

 

Quanto à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, que estão entre os países mais ricos em termos de PIB per capita, continuaram a registar crescimento económico apesar das incertezas globais, incluindo taxas de juro elevadas, inflação e tensões geopolíticas, à medida que se concentram na diversificação das suas economias.

 

A economia da Arábia Saudita cresceu, segundo o FMI, 8,7% em 2022 - a maior taxa de crescimento anual entre as 20 maiores economias do mundo - e apenas 0,8% em todo o ano de 2023. Por outro lado, a economia dos Emirados Árabes Unidos cresceu 3,4%. % em 2023, com o PIB petrolífero a crescer 0,7% e o PIB não petrolífero a 4,5%, apoiado por fortes desempenhos no turismo, imobiliário, construção, transportes, indústria transformadora e pelo aumento das despesas de capital.

 

Com esta entrada, portanto, o grupo, que aparece como força rival no G7, expande-se agora no Médio Oriente e inclui no seu seio os países, aliados tradicionais do Ocidente, que agora manifestam tendências à autonomia e, claro, controlam uma grande parte da produção mundial de hidrocarbonetos, aumentando ainda mais a solidez financeira do grupo.

 

Assim, os países BRICS+ representam colectivamente agora 45% da população mundial com aproximadamente 3,5 mil milhões de pessoas, um terço da superfície sólida da Terra, 44% da produção global total de petróleo, bem como quase 1/3 do PIB global, totalizando aproximadamente 29 triliões de dólares, tendo ultrapassado em termos de paridade de poder de compra o G7, o grupo das sete economias mais poderosas do mundo desenvolvido.

 

Ao mesmo tempo, há pelo menos trinta outras nações do mundo em desenvolvimento que já manifestaram um grande interesse em aderir ao grupo. Entre estes países estão a Argélia, o Congo, a Bolívia, a Venezuela, a Indonésia e o Cazaquistão, que não são países ricos, mas possuem uma enorme riqueza mineral e gostariam muito de se libertar do laço das corporações multinacionais ocidentais e do dólar.

 

Assim, neste sentido, os países do grupo BRICS criaram o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) desde 2014, enquanto grande parte do comércio entre eles é feito em moedas nacionais e não em dólares. Estão também a avançar com discussões e elaborações sobre a criação de uma moeda comum (atrasadas, no entanto, pelas objecções indianas). E ainda buscam soluções alternativas de transações internacionais contra o SWIFT. Como resultado, todos estes movimentos em curso conduzem gradualmente a uma desdolarização do sistema económico global.

 

Na próxima cimeira do BRICS+, a realizar em outubro de 2024, em Kazan, capital do Tartaristão, cidade russa localizada na confluência dos rios Volga e Kazanka, na Rússia centro-europeia, outros países-gigantes da energia-podem se juntar ao grupo e isso terá como efeito aumentar o controlo do mercado global de energia dos 40% que é hoje para uma percentagem superior.

 

Para terminar, gostaria de sublinhar que a expansão do grupo BRICS está a causar turbulência nos países do Ocidente e sobretudo nos EUA, que prosseguem com reacções instintivas, com a mera ideia apenas da perda definitiva da sua liderança global, e é um verdadeiro marco rumo ao inevitável curso histórico de formação de uma nova ordem mundial intercontinental, um mundo policêntrico.

 

*Isidoros Karderinis é jornalista, romancista e poeta grego.

terça-feira, 16 janeiro 2024 08:55

Algum George Soros em Moz?

George Soros é um famoso e controverso investidor e filantropo americano de origem húngara, que da sua fortuna alocou mais de 32 biliões de dólares para a sua agência filantrópica, a Fundação Open Society, uma organização não-governamental.

 

Na trajetória da sua fortuna, Soros é amiúde acusado de a ter crescido com a especulação financeira, tendo como marco o de ter quebrado o Banco da Inglaterra em 1992.  

 

Numa entrevista de Soros, pouco depois da quebra do Banco da Inglaterra, e em que ele narrava a sua vida, disse que na sua juventude, ele hoje está com 93 anos, também e tipo da utopia juvenil fez de tudo para que o mundo fosse um lugar melhor. Mas, mais crescido e derrotado, entrou nas regras do jogo do mundo capitalista. E desta aventura saído um vencedor.

 

Perguntado sobre o que lhe motivara para gastar o grosso da sua fortuna na filantropia respondeu de que fora a forma que ele encontrara para compensar aos pobres os prejuízos que ele causava em resultado da sua activa participação nas regras (injustas) de jogo do mundo capitalista. 

 

A pergunta do título é por conta desta última parte: George Soros especulador financeiro e George Soros filantropo. Existirá por cá (Moçambique) algo semelhante?

 

Para responder a pergunta, primeiro é necessário enquadrar o George Soros na realidade moçambicana, pois o tipo de actividade financeira que ele desenvolve o mercado nacional não comporta. Por cá algo semelhante, como fonte de riqueza, são as boladas (financeiras). E se George Soros fosse e actuasse na Pérola do Índico, ele seria, em boa linguagem, um Bolador Financeiro.

 

Neste contexto: alguém conhece um filantropo entre os “George Soros” à nossa maneira em Moz? 

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

 

PS: Um amigo respondeu-me: “Se queres ver os “Geoges Soros” à nossa maneira vá a uma cerimónia de falecimento que em segundos reconhecerás o Tio das Boladas”.

terça-feira, 16 janeiro 2024 07:04

Chega-te só um bocadinho mais perto, Chico!

Chega-te só um bocadinho mais perto, Chico. Tenho uma pergunta para ti. Não precisas de fazer essa cara trombuda, não precisas de dispensar o teu sorriso só porque disse que tinha uma perguntinha para ti, faz favor, Chico. Aliás, nem precisas de maquilhar esse teu rosto com pinceladas de rugas...

 

É só uma pergunta que tenho para ti, Chico. É não é preciso me olhares de banda, Chico, é apenas uma perguntinha. Uma simples perguntinha que me está a dar cabo da cabeça desde que acordei. Entendes isso, Chico??

 

Olha, Chico, ouvi esta manhã uma fofoca feia sobre ti. Uma fofoca tão feia, horripilante e tão pesada que até me levou completamente às lágrimas. Não te chateies comigo, Chico: dizem que tu morreste no Hospital Central de Maputo, hoje. Não sei se viram um fulano qualquer como tu estendido na cama do hospital: com cabelos tricotados de fio brancos, com um sorriso brilhante e logo coscuvilharam que morreste.

 

Dizem que tu morreste, Chico. Tentei mastigar essa notícia aos urros como um bicho, mas tinha de te perguntar. Peço desculpas, Chico, por isso. Peço desculpas porque ainda não sei se isso é uma fofoca e já estou aqui com os olhos nublados de lágrimas. E nem são lágrimas: são uns pingos quaisquer que não me deixam ver-te, por isso, chega-te só um bocadinho mais perto, Chico…

 

Olha, Chico, pelo teu silêncio vou pensar que é tudo verdade. Deixa-te de mariquices, Chico, e diz-me de uma só vez se é verdade ou não: morreste? Deve ser tudo uma piada. Tu que tens tanto jeito para viver, tanto jeito para sorrir, onde terás aprendido essa asneira de morrer? Morrer é uma coisa séria e tu devias dizer qualquer coisa.

 

Se achas que vais ouvir de mim um “descansa em paz” ou um “vai em paz”, estás totalmente enganado, estás totalmente enganado, Chico. Quem merece descansar em paz somos todos nós que sentiremos, todos os dias, saudades tuas. Bom, se essa fofoca for verdadeira. Chega-te só um bocadinho mais perto, Chico...

 

Não te entendo, Chico. Continuas em silêncio e a fofoca já começa a ser falada por toda a gente. Chega-te só um bocadinho mais perto, Chico, e diz-me que é tudo fofoca dessa gente viciada em dizer: “que a terra lhe seja leve”. Estou com uma ansiedade do caraças de te ver surgindo, nesta manhã de sábado, totalmente chocado com essa fofoca e a dizer: “é tudo mentira, estou vivo”.

É possível que o grande roubo das eleições autárquicas de 11 de outubro nunca tenha sido escondido? Será que o Diretor Eleitoral Celso Correia e os chefes da Frelimo queriam que a fraude fosse amplamente conhecida, e que os tribunais não interviessem, para mostrar aos moçambicanos que o voto nunca iria desalojar a Frelimo?

 

Os moçambicanos vão estar entre os 2 mil milhões de pessoas no mundo com direito de voto este ano, e estão a ser levantadas questões sobre a democracia em muitos países, dos Estados Unidos ao Bangladesh. Escrevendo no The Guardian (Londres, 3 de janeiro), Rafael Behr observa que "os tiranos não manipulam as eleições para enganar os seus súbditos e fazê-los pensar que podem escolher o seu governante. Fazem-no para demonstrar a futilidade de esperar mudanças. É uma afirmação de poder através da desmoralização. Os comícios coreografados, os rivais fantoches e as assembleias de voto da aldeia Potemkin não são falsificações subtis concebidas para serem confundidas com o artigo genuíno. São deliberadamente grosseiros - um mimetismo zombeteiro que esfrega o nariz das pessoas no artifício da política. O objetivo é desacreditar a ideia de que as eleições fazem a diferença." 

 

Isto soa muito a Moçambique e às suas eleições municipais do ano passado - desacreditando intencionalmente a ideia de que as eleições fazem a diferença.

 

A Frelimo reconhece que ainda não tem o poder total. A Comissão Nacional de Eleições deixou o MDM ganhar na Beira, e o Conselho Constitucional deu Quelimane e Chiure à Renamo. Em todos os três locais havia uma ameaça de violência grave e em todos eles a Frelimo tinha-se contentado em permitir o governo da oposição. 

 

A preocupação com Chiure foi suficiente para enviar o comandante geral da polícia, Bernadino Rafael, para a cidade depois de a polícia ter morto um manifestante; Chuire fica em Cabo Delgado e os insurgentes têm algum apoio em Chiure.

 

Mas para demonstrar o seu poder, a Frelimo tinha de ganhar na capital e na província de Nampula, onde Celso Correia era também o chefe eleitoral provincial. A Renamo tinha provas de que tinha ganho em Maputo e na Matola, mas os tribunais ignoraram-nas; as manifestações foram pacíficas, toleradas pela polícia e ignoradas. Mas em Nampula e Nacala Porto, onde a Renamo provavelmente também ganhou, a polícia disparou contra os manifestantes, matando pelo menos cinco.

 

Os "erros" eleitorais maciços não foram desleixo ou má conduta de funcionários de baixo nível. A fraude foi planeada de forma centralizada. O trabalho árduo dos jornalistas moçambicanos para expor a fraude não foi impedido porque agradou aos chefes da Frelimo que queriam que os moçambicanos soubessem que as eleições não podem fazer a diferença. 

 

Como o artigo do The Guardian argumentou, a ideia em muitas autocracias não é enganar as pessoas para que pensem que as urnas podem fazer a mudança, mas exatamente o contrário, mostrar-lhes que não podem. E era esse o objetivo da Frelimo em Moçambique. (Joseph Hanlon)

Pág. 40 de 319