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Permito-me escrever a propósito dos artigos recentemente publicados na “Carta” relativos aos problemas internos da Renamo. A polémica actual dentro da Renamo sobre a designação do presidente do partido e candidato às próximas eleições presidenciais foi analisada segundo vários pontos de vista (respeito aos estatutos, democracia interna, regalias financeiras estatais para o dirigente do maior partido da oposição) mas parecem significar também que a Renamo (sem falar da Frelimo) ainda não rompeu com uma herança de partido único: a saber, a unificação numa mesma pessoa da presidência do partido vencedor – foi sempre a Frelimo até hoje – e da presidência do Estado. 

 

No tempo do partido único, era lógico: havia a fusão entre o partido e o Estado a todos os níveis, incluído o topo. Mas, de um ponto de vista democrático, devia ser o contrário; isto é, uma vez eleito, um· presidente deveria ser o/a presidente de todas a moçambicanas e de todos os moçambicanos e não exprimir os interesses de um só partido.

 

Isto quer dizer que devia ser proibido a um Presidente da República ser também Presidente de um partido, consoante uma verdadeira separação entre o Estado e o partido vencedor, do baixo ao topo. 

 

Isto pode ser conseguido de duas maneiras: que um candidato à presidência da República, que é também presidente de um partido, demite-se da presidência deste partido logo que for eleito (e compromete-se a isso durante a campanha que ele vai fazer isso); quer os partidos designam um candidato às presidenciais que não é o presidente do partido.

 

Na Renamo, as duas escolhas parecem ser confundidas nos debates atuais. A sua separação  talvez pudesse orientar diferentemente o debate. Obviamente, é o mesmo que passa do lado da Frelimo.

 

*Michel Cahen, Director Emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica/ Universidade de Bordeaux/França

terça-feira, 09 janeiro 2024 07:07

Cadê centros culturais de países africanos?

Passando à justa da Casa da Cultura do Alto Maé/Cidade de Maputo um petiz, que o acompanhava algures, curioso, pergunta sobre o que era o edifício.  

 

“É um centro cultural, algo como o Centro Cultural Franco-Moçambicano, mas pertencente ao governo”. Diante do esclarecimento, o petiz retorque: “Não faz sentido”. Assinei a deixa. Até porque do edifício não se visionava nenhum sinal de que ali a cultura vibrava.

 

Uns passos adiante cogitava comigo o facto de em Moçambique, sobretudo na sua capital, existirem apenas centros culturais estrangeiros oriundos ou tutelados por países não africanos: o Franco (francês), Camões (português), ICMA (alemão), Guimarães Rosa (brasileiro) e Confúcio (chinês), para citar alguns ou mesmo todos. Suponho que assim seja por toda a África.   

 

Da ausência de uns e da presença de outros não vou e nem sei ainda como elaborar. Apenas, e para terminar, reiterar audível a pergunta do título: “Cadê centros culturais de países africanos?”. Ou será que a questão “Não faz sentido”, emprestando as palavras do petiz.

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

 

Mas o que me revolta é o facto de a instituição ligada às estradas e pontes em Moçambique, nomeadamente a Direcção Nacional de Estradas, ter vindo a terreiro dizer que as correntes que seguram uma parte da plataforma da ponte, cederam como consequência da passagem de um camião sobrecarregado de mercadoria, em desobediência aos limites de peso impostos na infraestrutura. Revolta-me que a culpa seja atirada inteiramente ao camionista violador das normas, sem nos explicarem que camião é esse, qual era o destino e que carga trazia e o que foi feito para a devida responsabilização, isso seria o mínimo que se exigiria na prestação de contas.

 

A ponte Samora Machel na cidade de Tete, que liga a urbe e os bairros Matundo e Chingodzi e ainda permitindo a passagem para Zâmbia e Malawi,  esteve temporariamente interdita a circulação de viaturas durante 48 horas, entre sexta feira e sábado últimos, criando grandes transtornos à livre circulação de pessoas e bens, por conta de um camião com excesso de peso que supostamente terá rebentado com um suporte da plataforma. Supostamente porquê? Supostamente porque antes já passaram, muito provavelmente, uma vez não havendo controle,  muitos outros camiões com peso para além do permitido, até que  se atingiu o ponto de saturação, e a DNE não fala dessa possibilidade. A culpa, segundo a instituição, é do último camião.

 

A pergunta é: o que foi feito ao camionista? Quais são as demarches que estão sendo encetadas a partir deste incidente, com vista a que se respeitem os limites de carga e se proteja a ponte? Afinal não há báscula de controle? A culpa será, efectivamente, deste camionista “desconhecido” e de outros antecessores?, Ou é da Direcção Nacional de Estradas que tem por obrigação controlar o tráfego no local! Estamos a perguntar!

 

Afinal a cidade de Tete ainda é causticada pela passagem de camiões que demandam países do interland, nomeadamente Zâmbia e Malawi, por via das fronteiras de Kassakatiza e Zóbwè, respectivamente? O que é que passa! Expliquem-nos por favor.

 

No tempo da governação de Armando Guebuza, foi construída, a partir da zona de Mpádwè, uma ponte robusta baptizada Kassuende, exactamente para desviar os camiões que passavam pela cidade com carga pesada, criando longas filas e por consequência, o caos. Era esse o objectivo principal que se tinha na edificação da Kassuende (aliviar a urbe e a ponte Samora Machel), testemunhando a obstinação e audácia de um presidente que queria e estava a atingir altos rendimentos e níveis notáveis de desenvolvimento. Então, queremos que alguém venha nos explicar porquê que os camiões da Zâmbia e do Malawi ainda sulcam a cidade, pressionando por outro lado, e principalmente, a ponte Samora Machel.

 

Foram 48 horas de nervos entre sexta feira e sábado, numa situação evitável. E já agora, os camiões continuarão, ainda assim,  na saga de “destruir” a cidade de Tete, ou então terão que usar a ponte Kassuende, projectada para efeitos mais do que claros!?

sexta-feira, 05 janeiro 2024 10:23

Contra quem, Mambas?

Sobre as recentes e recorrentes revindicações dos jogadores da selecção nacional, vulgo “Mambas,” em nome da melhoria das condições de trabalho e de ganhos financeiros, ouvi alguém a perguntar: “Contra quem, Mambas?”

 

Intramuros o acto de reivindicar nunca é entendido como uma acção em benefício de quem reivindica. Quem reivindica é sempre acusado de estar a agir a mando de terceiros para atingir beltrano ou sicrano.  No caso das actuais revindicações dos Mambas: quem é o fulano nos bastidores e quem será o alvo?

 

Uma vez que no passado nunca ocorrera algo semelhante, salvo melhor informação, à partida as condições da altura teriam sido das melhores? Ou, em caso de semelhantes às actuais, quais as razões do silêncio na altura?

 

Não faço ideia alguma. A única que me ocorre é uma outra pergunta: o que terá mudado para que hoje ocorram estas recorrentes revindicações/greves?

 

E se os Mambas agem a mando de terceiros, será que anteriormente o silêncio terá sido também a mando de terceiros? Estes terceiros, nas duas situações, serão ou não as mesmas pessoas/interesses?

 

Tenho cá o meu palpite sobre as razões da mudança. Mas para não perturbar a participação dos Mambas na Copa das Nações Africanas (CAN) que se avizinha, vou aguardar pelo seu desfecho.

 

Para terminar, ainda na esteira das revindicações/greves dos Mambas, e a ter que responder o “Contra quem, Mambas?” responderia com o chavão clássico do prognóstico futebolístico moçambicano: a bola é redonda!   

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

quinta-feira, 28 dezembro 2023 09:16

Moçambique: por uma terceira via?

Testemunhei, no Mediterrâneo, restaurante italiano, algures na Sommerschield, zona elitizada da cidade de Maputo, a apresentação de "Por uma terceira via", dos proeminentes filósofos moçambicanos, Severino Ngoenha e José Castiano, na sua tradução para o italiano feita pelo Professor Doutor e Investigador no CEI-ISCTE IUL, Lisboa, Lucas Bussoti. 

 

O intelectual, filósofo e docente na Universidade Eduardo Mondlane, Ergimino Mucale, foi o convidado a tecer algumas palavras contextualizadoras sobre o conteúdo do livro, que nesta versão conta com comentários críticos do tradutor.

 

Não é o facto de estar impresso na língua de Ítalo Calvino ou, para ser mais justo, de Umberto Eco, que me impele a estes parágrafos. É a proposta destes intelectuais que assumem, a meu ver, o conceito de tal actor social, proposto por António Gramsci nos Cadernos do Cárcere.

 

Divaguemos, ligeiramente, por este ponto. Detido por Mussolini, Gramsci escreveu que o intelectual é este curioso e dotado de ferramentas que, no caso, da sua relação com a Sophia, observa e interpreta a sociedade. 

 

A publicação, neste contexto, de livros, artigos e reflexões são algumas dessas ferramentas, num exercício que os torna intelectuais públicos, à luz de Jürgen Habermas ou, entre outros, Edward Said.

 

Na mesma linha que Fanon insiste na capacidade de dizer não e, continuando pares precedentes, Achille Mbembe propõe em "Políticas da Inimizade", uma festa da imaginação para a libertação das consciências africanas. Castiano e Ngoenha, contemporâneos deste último, propõem a metáfora de um reencontro no Estádio da Machava, berço do Moçambique independente, para discutirmos que país queremos. 

 

Tal exercício é feito dividindo a história deste moderno Estado em duas épocas ou momentos. Sendo o primeiro de 75 a 90/92 e o segundo como a que a precede e hoje vivemos. 

 

De forma resumida, assumindo o risco de demasiado simplista, o primeiro é o da tentativa de implantação de um Estado Socialista que é caracterizado, na interpretação dos autores, pela busca pelo bem social e igualdades. 

 

A seguinte é a do multipartidarismo, abertura a liberdades política, social e económica que o anterior não teve. São deste segundo momento as aberturas a criação de órgãos de comunicação social independentes, organizações da sociedade civil e o mercado livre. 

 

Não deixa, neste sentido, de ser simbolicamente relevante o facto de a tradução ser feita na língua falada em Roma que é o palco da ruptura ou do fim da primeira e início da segunda com a assinatura dos acordos de paz que impuseram o calar das armas que imperaram por 16 anos em Moçambique. 

 

A proposta do livro é uma terceira via que seja capaz de resgatar os valores positivos de ambos contextos para a elaboração consciente e madura de um novo. 

 

Libertos da guerra fria e do neoliberalismo e as suas correlações de força, a questão é como nos posicionamos internamente num contrato social estável?

 

Igualmente simbólico é recordar que, provavelmente, o Manifesto mais conhecido é o de Marx e Engels, publicado em 1848. Ambos pretendiam despertar o proletariado não apenas da Grã-Bretanha e da Prússia, mas do mundo inteiro sobre a sua condição e instiga-lo à emancipação. 

 

Porém, para Severino e Castiano, assumindo as palavras do Ngoenha, a meta é dialogar com os moçambicanos. Daí que o autor de "O retorno do bom selvagem: Uma perspectiva filosófico-africana do problema ecológico" opte por escrever apenas em português, como o próprio disse em várias ocasiões e o repetiu no evento que serve de mote para estas notas. O poderia fazer em francês ou mesmo em italiano, pois morou e se formou na Itália e na França bem como na Suíça. 

 

Coincide o seu relançamento da tradução que já tinha sido feita na Itália, ainda este ano, numa altura em que o país vive uma crise pós-eleitoral, diferentemente das anteriores em que apenas os partidos estavam envolvidos. Desta vez, como atestam as manifestações um pouco por todo o país, o povo igualmente reivindica justiça dos seus votos. E o advento tecnológico com a sua rapidez de circulação de informação trouxe a nu várias fraudes e algumas tentativas frustradas ao longo do processo. 

 

Quando pensávamos que, pelo facto de estarmos a viver, igualmente, o primeiro sufrágio universal após mais uma assinatura de acordos de paz que culminou na Desmobilização, Desmilitarização e Reintegração dos membros da RENAMO que não saíram das matas em 94 e amplamente celebrada pelo sucesso, não teríamos mais peripécias que comprometessem a paz, debalde, nos enganamos.

 

A percepção de que a devolução completa das armas que estavam sob a posse da RENAMO e a desactivação, consequentemente, do seu braço armado, constituía um marco para a nossa jovem democracia na direcção da sua consolidação, nos equivocamos. E somos brindados, novamente, com o espectáculo triste que vemos.

 

O status quo nos leva a pensar que não estamos a ser capazes de resolver os nossos problemas. Não estamos a ser capazes de materializar a justiça social nem a permitir a efectivação das liberdades. 

 

Neste contexto, a proposta de imaginarmos uma terceira via faz todo sentido. E nessa festa da imaginação, noutro livro, “Mondlane, regresso ao futuro”, Severino Ngoenha propõe o resgate do pensamento da figura considerada Arquitecto da Unidade Nacional, entre as possibilidades existentes. E porquê não, para uma terceira via?

 

Leonel Matusse Jr
quinta-feira, 28 dezembro 2023 08:51

Passei o Natal sòzinha... como um mamarracho

No dia 24 não dormi, passei a noite inteira ouvindo a música que tocava aqui ao lado da minha casa, boa música. Até porque tinha sido convidada pelo meu vizinho, uma pessoa afável que me trata como sua filha, mas eu disse a ele que não. Ainda perguntou se podia trazer alguma coisa para comer, também disse que não. Na verdade não queria nada, o meu desejo era sentir a acidez das feridas que me cobrem o espírito, resultantes da colheita dos ventos que andei a semear ao longo deste tempo todo.

 

Mas eu preciso de um catalizador para ouvir música, então deslizei à um lugarejo imundo e sombrio onde se vende aguardente de cana de açucar e comprei um litro, depois voltei para casa despida de esperança, com todos os espinhos caíndo sobre a minha cabeça. Aliás, antes de chegar aos meus aposentos lembrei-me que não tinha cigarros, logo rodei sobre o meu próprio eixo e voltei à adega e adquiri dois maços de GT que me vão alimentar sem privações, à par da cannabis que não me pode faltar.

 

Já estou aviada, e o que me resta é viver. Ainda bem que há uma consonância entre mim e o meu vizinho em termos de gostos musicais. Ele sabe que fui educada nessa linha de fazer da música um alimento imprescindível no cardápio do espírito. É como se tivéssemos andado na mesma escola onde os solvejos ocupam um lugar especial nas composições. E eu sinto-me feliz assim, estando na plateia deste lado, e o meu vizinho estando no palco do outro lado.

 

Não há vozearia num ambiente de família onde o som da música é ameno, agradável. Eles conversam baixinho, harmoniosamente, sem atrapalhar a música que me chega ao fundo do coração, e nem parece que estou sòzinha, nem parece que sou um mamarracho. Mas eu adoro ser mamarracho porque assim ninguém quer saber de mim, a não ser o meu vizinho que passa sempre da minha casa, e pergunta, como estás minha querida?

 

Vivo da pensão do meu marido, morto por doença estranha, provavelmente por desgosto que lhe criava. E como se fosse pouco, fui corrida da nossa casa, pela família dele, acusada de ter sido eu, por via do feitiço, a causadora do infortúnio. No fundo prestei um grande contributo na sua morte. Enfeiticei-lhe com a minha vida desregrada, sem respeito àquele que me amava e cuidava. E eu nunca o respeitei.

 

Agora vivo nesta cubata desgraçada como eu. Não consigo melhorar as condições da habitação, pois invisto todo o dinheiro na cachaça para ver se esqueço a dor. Nem telefone tenho, para quê? Quem é que vai me procurar se nem filhos tenho! Eu também não tenho a quem procurar, a quem chorar. Então para quê o telefone!

 

Mas passei o dia Natal no paraíso, ouvindo a música que tocava em casa do meu vizinho, lembrando-me os momentos de levitação que vivia com o meu marido, ele que me ensinou a ouvir boa música. E agora só me restam as lembranças enquanto vou arrastando a minha carcaça alagada de cachaça.

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