Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

Tsandzane min

Numa época em que os três (3) principais partidos políticos já se decidiram sobre as escolhas dos seus respectivos cabeças-de-lista para as Eleições Municipais que se avizinham, é oportuna a realização de uma breve análise sobre o perfil do(a)s candidato(a)s, não necessariamente do ponto de vista do percurso que cada um(a), mas relativamente à sua dimensão etária, pois vivemos num País onde a média de idade é colocada no intervalo de 16-17 anos, o que reflecte, em grande medida, sobre a população eleitoral presente e futura.

 

Contudo, antes de abordar o caso específico de Moçambique, importa destacar que a questão da idade na política sempre foi um tema controverso. Por exemplo, para Percheron (1989)[1], falar de idade, no domínio da Sociologia Eleitoral, é, antes de mais, pensar na oposição entre os eleitores mais jovens e os mais velhos, entre os que entram e os que saem da arena política. Ou seja, significa projectar a demografia eleitoral e avaliar o peso numérico dos fluxos de entrada e saída do eleitorado, visando comparar a composição dos grupos etários mais jovens e mais velhos em termos de características essenciais para uma análise do comportamento eleitoral (sexo, nível de instrução, grupo socioprofissional, local de residência ou, ainda, património).

 

Aliás, como explica Muxel (2011)[2], não há nada mais natural do que a idade. Ser jovem ou velho, ter uma data de nascimento ou envelhecer com o passar do tempo – tratam-se, pois, de elementos objectivos da condição humana que ninguém contesta.

 

Uma breve pesquisa relativamente ao significado da palavra idade, consultados diferentes dicionários, sugere tratar-se de duração normal da vida, medida desde o nascimento até à morte. Ou seja, a idade é uma unidade de tempo, a medida da vida humana. Mas é, também, uma fracção dessa duração.

 

Além disso, a idade abrange não só todo o processo de envelhecimento, mas também os graus específicos de uma escala contabilística de uma duração de existência. Refere-se a uma dupla perspectiva: diacrónica e sincrónica. Podemos ter consciência da nossa idade avançada e, ao mesmo tempo, reconhecermo-nos como crianças ou adultos, jovens ou velhos, ou mesmo entre duas idades. Nisto reside a riqueza e a ambiguidade de um conceito ao qual estão associados muitos pressupostos e ideias preconcebidos.

 

Ainda para Muxel (2011), se analisarmos os efeitos da idade na política, utilizando diferentes métodos e domínios de observação, a primeira conclusão é óbvia: A idade é claramente uma variável fundamental para a compreensão dos fenómenos políticos. Mais do que isso, através dela se introduz o parâmetro fundamental do tempo e, com este, a duração da vida, bem como porque permite explicar a transformação inevitável de toda a experiência humana. Porém, o seu envolvimento na estruturação e evolução das atitudes e dos comportamentos políticos dificilmente dá origem a regularidades infalíveis ou a lógicas facilmente identificáveis. Por sua vez, os seus efeitos directos, embora presentes, permanecem ténues e relativamente resistentes à análise.

 

Ademais, os demógrafos estão habituados a considerar a idade como uma variável intermédia, isto é, a que se situa sempre entre duas águas, nem exclusivamente dependente nem exclusivamente independente, que, sobretudo, reforça, fortalece ou atenua os efeitos de outras variáveis consideradas mais decisivas e discriminantes. Todavia, a idade, por si só, não diria nada, mas combinada com outros elementos da situação, desempenharia todo o seu papel.

 

Alguns autores[3] explicam que a idade é um conceito maleável, pelo que não há um limiar objectivo que separe os jovens dos indivíduos de meia-idade ou idosos. Há, pelo menos, quatro (4) pontos de discórdia que tornam os jovens difíceis de definir. Primeiro, os indivíduos podem ter uma percepção diferente de si próprios com a mesma idade numérica. Por exemplo, alguém com 50 anos pode identificar-se como jovem, de meia-idade ou velho. Segundo, o significado de idade é específico do contexto. Por exemplo, ter 30 anos pode ter uma conotação diferente num contexto urbano de um país com rendimentos elevados em comparação com o contexto rural de um país com rendimentos baixos. No primeiro caso, a esperança média de vida pode muito bem rondar nos 80 anos, ao passo que no segundo pode ser substancialmente inferior.

 

Terceiro, a idade é um estado temporário da vida de um indivíduo. Isto contrasta com as características de muitos outros grupos – por exemplo, ter uma linhagem étnica – que raramente muda à medida que as pessoas crescem. E, por último, e de forma relacionada, não está claramente delimitado o limite superior ou inferior do intervalo de idade que define o grupo “juventude’’ ou outros grupos etários como a meia-idade ou os idosos.

 

Actualmente, tornou-se evidente associar a idade como sinónimo de falta de interesse pela política ou, ainda, ausência de capacidade dos mais jovens em assumir tal poder. Dalton (2017)[4] já havia mostrado que os cientistas políticos tem estado a debater por que razão a geração do milénio (nascida entre 1981/1996) está a desinteressar-se da política nas democracias contemporâneas. Baseando-se no caso dos Estados Unidos da América (EUA), já se demonstrou que se regista, nas gerações mais recentes, um claro declínio da participação eleitoral no período 1967-2014. Em contrapartida, os aumentos da participação ao longo do ciclo de vida são mais comuns nas actividades não eleitorais (manifestações, petições ou boicotes). Ambos factores influenciam a participação, mas de formas contrastantes para diferentes modos de acção colectiva.

 

Adicionalmente, Stockemer e Sundström (2023)[5] explicam que as pessoas que tomam decisões políticas em todo o mundo tendem a ser muito mais velhas do que o eleitor de idade média, pelo que, os parlamentos e gabinetes não são representativos da população em geral. Este facto tem consequências: arrisca-se a favorecer políticas orientadas para os interesses dos grupos mais velhos, podendo afastar os jovens do voto e levar os partidos a apelar (ainda mais) aos eleitores mais velhos. Relativamente a isso, alguma literatura chama a tendência de afastamento dos jovens como sinónimo de apatia política ou desencantamento partidário[6].

 

Outros autores[7], por sua vez, argumentam que os jovens não só se abstêm nas eleições, como também optam por não participar em muitas vias tradicionais de aprendizagem e desenvolvimento político, tais como ler jornais ou assistir aos noticiários televisivos.

 

Uma interpretação comum dos baixos níveis de participação eleitoral entre os jovens eleitores sugere que eles são apáticos e integram uma geração que não se preocupa com as questões políticas – de facto, uma geração egoísta e materialista.[8] Todavia, alguns trabalhos[9] contrastam essa realidade, pois ilustram que os jovens estão dispostos a empenhar-se politicamente, mas estão desmotivados pelo enfoque e pela natureza do discurso e da prática política dominantes, que, na visão de muitos analistas, exclui e ignora os seus interesses e necessidades.

 

Retomando ao caso específico de Moçambique, destaca-se que, recentemente, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) apresentaram as suas candidaturas para as Eleições Autárquicas de 2023. Metodologicamente, ao invés de analisarmos todos os 65 Municípios onde os três (3) partidos políticos concorrerão, por limitação de dados e complexidade do próprio exercício, quisemos apenas considerar os localizados nas capitais provinciais, e obtivemos os seguintes dados em termos de idade dos cabeças-de-lista, conforme a tabela abaixo[10]:

 

Partido

Cabeça-de-lista

Idade

Município

Frelimo

Rasaque Silvano Manhique

40

Maputo

Renamo

Venâncio Mondlane

49

MDM

Augusto Mbazo

45

 

Frelimo

Júlio José Parruque

45

Matola

Renamo

António Muchanga

57

MDM

Augusto dos Santos Pelembe

45

 

Frelimo

Adamo Ossumane Adamo

55

Xai-Xai

Renamo

Félix Tivane

36

MDM

Manasse Alexandre Mulhovo

33

 

Frelimo

Benedito Eduardo Guimino

53

Inhambane

Renamo

Vitalino Macauze

39

MDM

Constantino Manuel Sevene

43

 

Frelimo

Stela Pinto Novo Zeca

46

Beira

Renamo

Geraldo de Carvalho

51

MDM

Albano Carige

52

 

Frelimo

João Carlos Gomes Ferreira

50

Chimoio

Renamo

Manuel Macocove

55

MDM

Celestino Tapero

35

 

Frelimo

César de Carvalho

70

Tete

Renamo

Ricardo Tomás

49

MDM

Celestino Bento

59

 

Frelimo

Lourenço Acide Abdul Gani

44

Quelimane

Renamo

Manuel de Araújo

53

MDM

Bruno Hubre Dramusse

47

 

Frelimo

Manuel Rodrigues

58

Nampula

Renamo

Paulo Vahanle

63

MDM

Carlos Saíde Chaúre

52

   

Frelimo

Satar Abdul Gani

36

Pemba

Renamo

Amido António

44

MDM

Machude Chale Momade

41

   

Frelimo

Luís António Saíde Jumo

43

Lichinga

Renamo

Orlando Augusto

57

MDM

Pedro Baptista Salimo

55

 

Ora, não há consenso partilhado relativamente à idade juvenil no País, pelo que tal se coloca entre a faixa etária dos 15/18 até aos 35 anos. Para uma primeira leitura da tabela acima, como hipótese, consideramos ser importante recuperar o discurso segundo o qual “os jovens podem vender o País’’ (General Hama Thai, 2008). Como lógica explicativa, a ideia subjacente girava em torno de uma aparente desconfiança sobre a capacidade dos jovens em operar mudanças de âmbito político. Contudo, tal se deve questionar, sobretudo quando se usa a lógica do “adultismo político’’ como razão da não inclusão dos jovens.[11]

 

Ainda no que tange à tabela, é evidentemente notório que a média de idades está acima dos 35 anos. Porém, excepção seja feita para o caso do partido MDM, em que Manasse Mulhovo (Xai-Xai) e Celestino Tapero (Chimoio) surgem com 33 e 35 anos, respectivamente. Em relação ao partido Frelimo, a maioria dos candidatos alistados está acima dos 40 anos, exceptuando-se Satar Gani (Quelimane) e Rasaque Manhique (Cidade de Maputo), que têm 36 e 40 anos, respectivamente. No caso do partido Renamo, pelo menos dois dos seus candidatos estão abaixo dos 40 anos. Trata-se, pois, de Félix Tivane (Xai-Xai) e Vitalino Macauze (Inhambane), com 36 e 39 anos, respectivamente.

 

Além do quesito idade, é igualmente notório o “deserto’’ absoluto de mulheres candidatas em quase todos os partidos políticos, excepto a Frelimo, na Beira. Para nós, a leitura dos dados acima revela um cenário sombrio, no que respeita à representação política vs. idade. Neste contexto, uma breve explicação ajudaria a reflectir melhor sobre a necessidade de se operacionalizar a representação política dos jovens como a percentagem de políticos num determinado escalão etário, ou a necessidade de se comparar a percentagem de jovens adultos numa assembleia com a de jovens adultos na população.

 

Ora, as análises que apoiam uma maior representação política dos jovens tendem a discutir a representação de grupos sociais. Este argumento se baseia na teoria de uma “política de presença’’[12], segundo a qual grupos sociais específicos têm direito a uma representação descritiva porque têm sido sistematicamente desfavorecidos. Todavia, um contra-argumento indica que não devemos prestar atenção a um grupo com o qual os indivíduos têm apenas uma identificação temporária. Este raciocínio sugere que a exclusão da política que os jovens podem enfrentar durante os primeiros anos de vida pode ser compensada pelas vantagens de que se beneficiarão mais tarde.

 

Outrossim, ao nível dos partidos, três (3) factores parecem ser moderadamente importantes para os jovens[13]: (1) a idade do partido, (2) a idade do líder do partido e (3) a ideologia do partido. Relativamente aos dois primeiros, alguns indícios sugerem que os partidos mais jovens tendem a nomear representantes mais jovens, e o mesmo se aplica aos líderes partidários mais jovens. Relativamente à ideologia partidária, parece haver uma correlação moderada entre uma ideologia de esquerda e uma maior representação dos jovens, com a ressalva de que esta associação pode não se aplicar aos partidos comunistas. Individualmente, os jovens candidatos que já acumularam experiência política tendem a ser mais bem-sucedidos nas eleições, em média, quando comparados aos jovens sem essa experiência. No caso de Moçambique, tal fica por confirmar ou desmentir perante o actual cenário político em debate.

 

Por fim, a teoria segundo a qual os mais jovens são incapazes perante a política, não passa de uma retórica dos actores que querem para si mesmos o domínio totalitário sem partilha. A hipótese que explica a nossa colocação prende-se com o facto de que quanto mais nova for uma geração, ela tende a ter uma melhor educação – maior nível de formação e compreensão dos fenómenos[14], razão pela qual, outorgá-la de incapaz ou apática sobre questões políticas é um argumento meramente redutor e falacioso.

 

Em nota conclusiva, podemos apoiar a nossa análise nos argumentos já avançados pela literatura[15] em torno da representação política dos jovens na era contemporânea, através dos quais se pode sublinhar três (3) componentes: (1) os jovens têm interesses específicos, que não são representados no domínio político actual; (2) há um preconceito dos idosos em relação aos jovens na arena política; e (3) os baixos níveis de representação política dos jovens alimentam um círculo de alienação da(s) juventude(s).

 

[1] Percheron, A. (1989). Chapitre 9. Age, cycle de vie, génération, période et comportement électoral. In Daniel Gaxie (Ed.), Explication du vote: Un bilan des études électorales en France (pp. 228-262). Paris: Presses de Sciences Po.

[2] Muxel, A. (2011). Introduction / Qu'est-ce que l'âge en politique ? In Anne Muxel (Ed.), La politique au fil de l’âge (pp. 15-30). Paris: Presses de Sciences Po.

[3] Harris A., Wyn J. & Younes S. (2010). Beyond apathetic or activist youth: “Ordinary” young people and contemporary forms of participation. Young, 18, 9-32.

[4] Dalton, R. (2017). Age, Generations, and Participation – The Participation Gap: Social Status and Political Inequality. Oxford Academic.

[5] Stockemer, D. & Sundström, A. (2023), Age Inequalities in Political Representation: A Review Article, Government and Opposition, 1–18

[6] Lardeux, L. & Tiberj, V. (2021). Générations désenchantées? Jeunes et démocratie. Paris. Institut national de la jeunesse et de l’éducation populaire. Documentation Française.

[7] Cammaerts, B., et al. (2016). Participation of Youth in Elections: Beyond Youth Apathy. In: Youth Participation in Democratic Life. Palgrave Macmillan, London.

[8] Op cit.  Cammaerts, B. et al. (2016).

[9] Juris, J. S. & Pleyers, G. H. (2009). Alter-activism: emerging cultures of participation among young global justice activists. Journal of Youth Studies. 12, 57–75.

[10] Idade actual ou anos a completar até ao dia 31 de Dezembro de 2023.

[11] Tsandzana, D. (2022). The political participation of youth in Mozambique’s 2019 general elections. Journal of African Elections, 21(1), 95-119.

[12] Stockemer, D. & Sundström, A. (2023). Age Inequalities in Political Representation: A Review Article. Government and Opposition, 1-18.

[13] Stockemer, D. & Sundström, A. (2022) Youth without Representation: The Absence of Young Adults in Parliaments, Cabinets, and Candidacies. Ann Arbor: University of Michigan Press.

[14] Ver Vincent Tiberj/The Conversation, Les jeunes et le politique: au-delà du vote, des formes d’engagement multiples, March 2022.

[15] Op cit. Stockemer, D. & Sundström, A. (2023).

terça-feira, 15 agosto 2023 06:33

Uma grande encruzilhada

MoisesMabundaNova3333

Uma vez mais, a apreciação, debate e aprovação da lei sobre o Fundo Soberano pela nossa Assembleia da República foi adiada para… mais tarde, não se sabendo se será na próxima sessão ou não. A primeira proposta deste instrumento legal foi desenhada no início do segundo semestre do ano passado e esperava-se que na sessão de Outubro do mesmo ano fosse à apreciação e aprovação, dado que em Novembro iríamos receber os primeiros dividendos da exploração do gás, o que não aconteceu. Muitos, incluindo eu, então, sentiram-se desconfortados com a proposta de lei, ou de todo excluídos e clamaram por mais auscultação popular, inclusão e mais debate. A AR anuiu e o projecto acabou sendo retirado para próxima oportunidade.

 

Tudo indicava que tal oportunidade seria na sessão do primeiro semestre do presente ano, mas, uma vez mais, não aconteceu. Entre o desencontro de ideias entre deputados das três bancadas, as desavenças da AR e o Banco de Moçambique, com o governador deste a humilhar completamente os deputados/moçambicanos ao não comparecer nem se justificar a uma sessão de esclarecimento na comissão parlamentar especializada, veio de nova à tona que a tal auscultação não tinha sido mais abrangente como se requer e nem acomodava as contribuições apresentadas por várias sensibilidades.

Houve, novamente, recomendação de mais auscultação.

 

Daí para cá, houve uma correria louca do Executivo e, quando se convocou a sessão extraordinária da semana passada, havia quase certeza de que o projecto de lei, uma vez constante da agenda, iria ser abordado. De novo… nada!

 

Em causa, a ausência de consenso. Prevalecem divergências nos pontos essenciais, designadamente, sobre a natureza e essência do fundo, se uma conta bancária domiciliada no Banco Central ou noutro; quem vai efectivamente geri-lo; e onde e como será aplicado. Por outras palavras, estamos no mesmo sítio onde estávamos quando ainda não recebíamos dividendos da exploração dos nossos recursos naturais. Entretanto, já estamos a recebê-los.

 

Mas, ouvindo e analisando alguns dos pronunciamentos de certos concidadãos, dá para perceber que a questão da essência ainda não está ultrapassada e é bicuda. O professor Severino Ngwenha questiona se, numa situação como esta em que nos encontramos - de crianças estudando ao ar livre e no chão; apenas 30 por cento de compatriotas com três refeições por dia (ao contrário do que propalou Celso Correia); 50 por cento com acesso à água de fonte segura e energia eléctrica; défice de hospitais e os existentes sem medicamentos essenciais para a maioria da população; país com grande défice de infra-estruturas (estradas, linhas férreas, pontes, acesso à comunicação (telefonia); etc. - vale a pena guardar dinheiro para as futuras gerações. Esta é a questão de fundo: tendo compatriotas sucumbindo, sobrevivendo; com uma refeição por dia, sem emprego, sem acesso à água segura, energia, estrada, telefone, ie., condições de vida básicas, vale a pena guardar dinheiro?… grande encruzilhada!

 

Num artigo de Outubro do ano passado, escrevia eu: “Minha visão é que devemos definir aqui e agora o que fazemos com o Fundo Soberano, a parte que irá para a conta a ser aberta no Banco de Moçambique. A lei sobre o Fundo Soberano deve estar completa e estar completa significa que deve também especificar o destino dos valores a entrarem. Não acho que devamos ser como a maioria dos criadores de gado do nosso país, que se contenta apenas em contemplar a quantidade de cabeças que tem no curral e está à espera de ver o que vai fazer com elas… tipo nós que só vamos ver o saldo da nossa conta e não temos ideia clara do que fazer com aqueles fundos… que até são magros… estamos à espera de decidir o que fazer com eles. Não. Esta questão tem que estar fechada já. Tomarmos uma decisão colectiva e consensual sobre onde aplicar os fundos provenientes da exploração dos recursos naturais. 

 

Já agora: acho que o Fundo Soberano deve ser aplicado na construção e reabilitação de infra-estruturas, só e somente só. Por infra-estruturas, quero dizer estradas estratégicas e estruturantes, isto é, as primárias e secundárias, pontes estratégicas, nacionais, regionais e provinciais; linhas férreas regionais e nacionais; e barragens e centrais eléctricas de âmbito nacional e regional. Penso que um país com excelentes infra-estruturas será um bom “legado” para as gerações vindouras.” 

 

Considero pertinente a questão colocada acima, mas mantenho este posicionamento, que me parece que cobre a preocupação levantada, de se guardar dinheiro quando compatriotas soçobram, com a ressalva de que também não vejo com bons olhos que a gestão do fundo seja por uma equipa subordinada ao governo do dia; deve, sim, prestar contas à Assembleia da República. 

segunda-feira, 14 agosto 2023 14:41

Sinóia: um super-pugilista por trás das socadoras

LucasSinoia
Jogos Africanos do Cairo, 1991. Frente ao campeão africano do seu escalão, um ganês, Sinóia protagonizou o KO mais rápido da competição. O jogo começou. Lucas entrou decidido a não dar qualquer hipótese, partindo de imediato para o corpo-a-corpo. De repente...
 
passavam apenas 30 segundos do primeiro assalto e o ganês já havia sido enviado ao tapete. Uma sucessão de socos cruzados dirigidos à zona do estômago e um murro contundente ao queixo, lançaram-no ao tapete.
 
Lucas Sinóia, exímio no jogo à meia-distância, nem por isso se furtava ao corpo-a-corpo. Do seu registo de combates, ressalta o facto de raramente ter colocado pugilistas nacionais KO, em claro contraste com o que acontecia frente aos estrangeiros.
 
Interrogado sobre esse facto, respondeu: “nestas competições, tenho que demonstrar o que é a verdadeira auto-estima”, pois trago o país no coração.
 
 
CONTRASTE
 
 
Lucas Sinóia, natural de Tete, estatura sobre o baixo, é a “calmaria” em pessoa. Pouco falador, sempre pronto a fazer amigos, trata-se de um cidadão avesso a zaragatas e protagonismos.
 
Porém...
 
No ringue e após soar o “gong”, era um verdadeiro leão. Frequentou as escolas de boxe soviética, cubana e norte-americana, tendo sido, seguramente, dos melhores pugilistas moçambicanos de todos os tempos.
 
Deixou de ser praticante nos ringues, mas a modalidade nunca lhe saíu do coração, passando a ensiná-la aos mais novos.
 
Viu e trouxe ao país, algo impensável: o boxe feminino. Foi a partir dele, que nasceu por cá a “normalização” desta modalidade entre mulheres. O trabalho para (des)convencer paradigmas enraizados e que não constavam no “cardápio” da emancipação da mulher, seguramente que contou com o empenho do ex-pugilista.
 
Se há três/quatro décadas, era corrente a frase “o futebol não é para meninas”... imagine-se o pugilismo!
 
Dar força e expressão ao boxe no geral, foi a resposta de Sinóia, para se manter útil à modalidade e bem servir a terra que sempre amou. Foi ele quem motivou e clarificou as diferenças entre pugilismo e “mabanditismo”.
A tudo isto, é visível,  juntou-se um conjunto de condições, como a dedicada Federação, liderada por Gabriel Júnior, mais o “boom” do surgimento de meninas corajosas e capazes de convencer amigos e familiares a apoiá-las numa modalidade antes subalternizada.
 
MULHER: MOSTRAR
 
E... DEMONSTRAR
 
Através de Rady Gramane e Alcinda Panguana, ficou demonstrado, na prática, que não faz sentido o “slogan” sexo fraco.  As meninas deram e levaram murros, a pensarem no país. Não choraram pela dureza dos golpes.
 
E se no alto nível competitivo nos apresentávamos como uns coitadinhos, o que dizer agora em que as senhoras foram as principais responsáveis pelo nosso sucesso? E se equacionarmos, com realismo, o número de combates, alimentação, apoios e incentivos relativamente aos nossos opositores, veremos que face às condições investidas nas nossas medalhadas, poderíamos considerar que foram anões a derrotarem gigantes. Mas a falta de condições não ditou leis. 
 
E por fim, também graças a Sinóia, fica demonstrado que atrás de lindas e corajosas mulheres... há sempre um homem forte!
segunda-feira, 14 agosto 2023 06:30

Relações África-Europa e seus alicerces!

Adelino Buqueeeee min

“(Item 1): Governar o mundo e controlar as riquezas do planeta - nossa política é dividir e conquistar, dominar, explorar e saquear para encher nossos Bancos e torná-los os mais poderosos do mundo; (Item 2): nenhum país do terceiro mundo é um estado soberano e independente; (Item 3): todo o poder nos países do terceiro mundo emana de nós, que o exercemos pressionando os líderes que são apenas nossos fantoches. Nenhum corpo no terceiro mundo pode assumir o seu exercício; (Item 4): todos os países do terceiro mundo são divisíveis e suas fronteiras móveis de acordo com nossa vontade. O respeito pela integridade territorial não existe para o terceiro mundo; (Item 5): todos os ditadores devem colocar suas fortunas em nossos Bancos para a segurança de nossos interesses. Esta fortuna será usada para doações e créditos concedidos por nós como crédito e ajuda ao desenvolvimento de países do terceiro mundo”.

 

In Carta do Imperialismo, Provisão Geral, Museu Real da África Central em Tervuren, Bélgica.

 

Na minha opinião, os problemas de África e de Moçambique devem ser vistos com base na chamada “Carta do Imperialismo”, concebida em Washington durante o comércio de escravos e negociada na Conferência de Berlim em 1885, aquando da partilha da África, uma partilha, como reza a história, sem os próprios africanos. Desde então, África tem sido aquilo que os europeus querem que seja e a eliminação de dirigentes lúcidos e comprometidos com os seus povos faz parte da estratégia traçada em Washington antes da partilha da África.

 

Quando no Item 5 se diz taxativamente: “todos os ditadores devem colocar suas fortunas em nossos Bancos para a segurança de nossos interesses. Esta fortuna será usada para doações e créditos concedidos por nós como crédito e ajuda ao desenvolvimento dos países do terceiro mundo”, isso espelha a realidade de hoje, em que quase todos os dirigentes africanos têm as suas fortunas nas antigas metrópoles ou em outros paraísos fiscais. A história recente mostra-nos, por exemplo, o destino da elite política de Angola em Portugal. O que lhe aconteceu? E nos outros países do mundo, incluindo Moçambique, a “novela” das dívidas ocultas mostra, igualmente, onde a fortuna de alguns moçambicanos se encontra domiciliada.

 

Também encontramos nessa “Carta do Imperialismo”, no Capítulo do “Regime Político”, Item 6, o seguinte: “todo o Governo e o Poder estabelecido por nós é legal, legítimo e democrático. Mas qualquer outro poder ou Governo que não emane de nós é ilegal, ilegítimo e ditatorial, qualquer que seja sua forma e legitimidade. Já no Item 7: qualquer poder que oponha a menos resistência às nossas injunções perde assim a sua legitimidade e a sua credibilidade. Ele deve desaparecer”. Ora, se dúvidas existiam, com este item sobre a Governação Política da “Carta do Imperialismo”, creio que foram dissipadas.

 

O caso do Níger é o exemplo paradigmático neste momento. Se o Golpe de Estado é legítimo ou não, não deve ser o ocidente a dizer ou a avalizar, é o povo do Níger que se deve pronunciar. Por aquilo que é o carinho que os golpistas recebem do seu povo, pode se assumir que este povo se revê nos militares do Níger. Contudo, tendo em conta o princípio segundo o qual “qualquer outro poder ou Governo que não emane em nós é ilegal, ilegítimo e ditatorial”, aqui temos a prova da aplicação à risca da chamada “Carta do Imperialismo”.

 

Os países africanos mobilizam-se para atacar os militares do Níger com o apoio, claro, da Europa e dizem de boca cheia que o “Golpe é ilegal”. Falta dizer que “não emana da Europa”. Os golpistas pretendem, desde já, verem-se livres das relações neocoloniais da França, seu antigo colonizador, que se retirou das colónias com base no acordo que oferece vantagem à França em detrimento dos cidadãos do Níger.

 

Muitos meus concidadãos não irão concordar, decerto, tal é a forma alienada em que estamos, mas as chamadas “dívidas ocultas”, segundo os contratantes, tinham um fim nobre, que colocava em causa os interesses ocidentais, em particular os que exploram a Bacia do Rovuma.

 

Moçambique queria se ver livre do sistema de monitoria de segurança montado por eles, que, segundo suas declarações, drenava milhares de USD semanalmente.

 

Também é verdade que usaram a parte fraca de nós moçambicanos, nomeadamente a vontade do enriquecimento fácil e de viver fora dos padrões dos nossos próprios rendimentos e puseram-se a facilitar tudo.

 

Se é verdade que, para a contratação da dívida por um Estado, é imperioso que a sua Assembleia aprove e que essa aprovação faça parte dos documentos a apresentar aos Bancos Europeus, por que razão eles aceitaram fazer a entrega do dinheiro sem que esse requisito fosse preenchido. Mas, no lugar de questionarmos isso, ficamos com vozes roucas, acusando em exclusivo os nossos de corruptos. Onde andam os corruptores? Esta equação tem os dois lados, os corruptos e os corruptores. Entretanto, aqui, mais uma vez, como a segurança marítima a aplicar não era do interesse europeu, teria de cair de qualquer jeito, por bem ou por mal e estamos nós aqui presos e dependentes deles.

 

As companhias que exploram a Bacia do Rovuma retiraram-se num momento crucial para Moçambique, quando tudo indicava que, mais dias menos dias, iria iniciar a exploração de Gás e tudo indicava um encaixe financeiro que pudesse livrar Moçambique da dependência Orçamental. E o que fizeram? Retiraram-nos o financiamento directo ao Orçamento do Estado. Pensavam que Moçambique iria “baquear” através da dívida interna. É verdade que falamos de esgotamento da capacidade de endividamento, mas isso também é normal.

 

Este bloqueio europeu e das instituições das Nações Unidas fez com que o desenvolvimento de Moçambique estagnasse, devido ao elevado custo do dinheiro. As instituições bancárias e outras de carácter de financeiro deram privilégio ao endividamento do Estado no lugar de injectar dinheiro à economia. Duas razões levaram a esta decisão, a garantia de que o Estado mais cedo ou tarde iria pagar os juros altos cobrados aos Bilhetes de Tesouro. Tudo isto foi feito de caso pensado, mas, internamente, aqueles que deveriam raciocinar através do olho de nação parece que ficam do outro lado, do lado dos subscritores da “Carta do Imperialismo”.

 

Como se não bastasse o acima exposto, a “Carta do Imperialismo” tem na sua terceira parte o capítulo que diz: “Tratados e Acordos (Item 8) - não negociamos acordos e tratados com países do terceiro mundo, impomos o que queremos e eles se submetem à nossa vontade”. (Item 9): “qualquer acordo concluído com outro país ou negociação sem o nosso aval é nulo e sem efeito”. No capítulo sobre Direitos Fundamentais, no seu Item 10, diz assim: “onde existem nossos interesses, os países do terceiro mundo não têm direitos, nos países do Sul, os nossos interesses vêm antes da Lei e do direito internacional”.

 

Ora irmãos africanos e moçambicanos em particular! Depois desta leitura, quais são as ilações a tirar desta “Carta do Imperialismo”? Continuamos à procura dos culpados do nosso insucesso ou devemos nos concentrar na fórmula para sair deste ciclo vicioso criado por essa famosa Carta! Continuamos a pensar que a morte de dirigentes africanos é outro infortúnio ou é algo pensado há bastante tempo!? No caso de Moçambique, a Agricultura definida constitucionalmente como sendo a “base do desenvolvimento” não sai do papel por incapacidade ou porque efectivamente estamos manietados. O ocidente, com destaque nos europeus, não quer o nosso desenvolvimento, por isso nos bloqueiam em tudo!

JoaoNhampossanovaa220322

Os contornos da contínua Greve dos Médicos têm revelado falta de capacidades administrativas em respeitar, com transparência e rigor, a Constituição da República de Moçambique (CRM) e demais leis e normas ordinárias, para a efectivação do direito à greve e direitos fundamentais conexos. No mesmo sentido, chama à reflexão sobre a fragilidade das políticas públicas de incentivos aos profissionais de saúde para a melhoria da prestação de serviços públicos de saúde aos principais beneficiários, que são os cidadãos. 

 

A greve da classe médica em curso só teve e está a ter lugar depois de várias tentativas insatisfeitas de negociação entre os médicos, através da AMM, e o executivo, particularmente o Ministério da Saúde (MISAU), para a melhoria das condições salariais e de trabalho, conforme apresentado no respectivo caderno reivindicativo, tornado público. A insatisfação da classe médica é real, elevada, abrangente e o processo de negociação com as autoridades competentes para a solução do diferendo já dura há bastante tempo, sem produzir resultado satisfatório. Por isso, os médicos em questão não viram outra saída para além de efectivar o direito fundamental à greve nos termos previstos na CRM e de forma contínua, como forma de pressionar o Governo a resolver o problema.

 

Esta greve sempre foi legítima e legal, mas muito combatida com recurso ao abuso de autoridade e a arbitrariedades. Aliás, a greve chegou a ser suspensa na expectativa de que os acordos alcançados com o Governo seriam devidamente respeitados pelas partes, de boa-fé e nos termos da lei. 

 

Importa compreender que o direito fundamental à greve não carece, necessariamente, de lei específica para ser exercido, uma vez que a Constituição da República não condicionou o exercício deste direito à vigência de qualquer diploma legal, embora o mesmo possa melhor facilitar os seus procedimentos. Assim, a não existência de lei específica sobre a greve na função pública não impede o seu exercício, pois, é um direito fundamental exequível por si próprio, conforme se percebe do disposto no artigo 87 conjugado com o artigo 56, ambos da CRM. E, além disso, é preciso compreender que a Constituição da República está em vigor e não faz depender o exercício dos direitos e liberdades que consagra na entrada em vigor de qualquer lei ordinária, conforme se depreende do disposto no seu artigo 313. A jurisprudência do Tribunal Administrativo sobre o direito à greve na função pública exprime o mesmo entendimento.  

 

O direito fundamental à greve pode ser exercido sempre de boa-fé e por quem tenha legitimidade, desde que se respeite os limites constitucionais previstos nos artigos 56 e 87 da CRM. No caso da Greve dos Médicos, ao faltarem ao serviço para o efeito e nas circunstâncias em que o fizeram ou fazem, os profissionais de Saúde não violam nem a Constituição da República, nem qualquer outra norma infraconstitucional que trate da matéria relativa à greve na função pública. 

 

Logo, o exercício do direito fundamental à greve ou de quaisquer outros direitos e liberdades fundamentais em respeito à Constituição e que impliquem a falta ao serviço deve ser considerado causa justificativa dessa falta ao serviço. Além disso, nenhum cidadão deve ser penalizado ou ameaçado por exercer um direito, dever ou liberdade fundamental à luz do artigo 56 da Constituição.

Faltar ao serviço para o cumprimento de direitos, deveres e liberdades fundamentais dentro do quadro constitucional deve ser, indubitavelmente, considerado causa justificativa bastante da falta.

Contudo, enquanto dura a greve dos médicos liderada pela AMM, o Governo moçambicano tem demonstrado uma conduta conflituosa que se traduz em ameaças e intimidações aos médicos em greve, com destaque para a marcação de faltas tanto para a instauração de processos disciplinares, como para injustamente efectuar descontos nos salários dos mesmos, o que significa dar espaço para o enriquecimento sem causa de quem vai ficar com o valor descontado. 

 

Quanto à possibilidade de instauração do procedimento disciplinar

O procedimento disciplinar deve ser feito à luz do disposto nos artigos 108 e 157, respectivamente, do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE), aprovado pela Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro e do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (REGFAE), aprovado pelo Decreto n.º 28/2022, de 17 de Junho. Este procedimento deve ser resultado de elementos ou indícios factuais bastantes de cometimento de infracção disciplinar. 

Não havendo sinais ou indícios bastantes de cometimento de infracção disciplinar na conduta praticada pelo funcionário ou agente do Estado, não há fundamento legal par dar seguimento a um processo desta natureza, sob pena de se criar espaço para insegurança jurídica, acusações infundadas e colocar os funcionários e agentes do Estado numa situação de vulnerabilidade pela abertura de canais para perseguições através de processos disciplinares sem base legal. Não basta, pois, entender que qualquer conduta possa configurar infracção disciplinar, é preciso que haja indícios objectivos e suficientes que possam levar a essa suspeita de cometimento de infracção disciplinar, caso contrário, a lei não permite que a Administração Pública instaure procedimento disciplinar.

Do EGFAE e do REGFAE resulta que a instauração de processo disciplinar deve ser resultado do não cumprimento dos deveres do funcionário ou agente do Estado, ou seja, do cometimento ou existência de infracção disciplinar por partes destes. Pelo que, não existindo infracção, como é o caso da Greve dos Médicos por estarem no pleno exercício de um direito fundamental, não é razoável, nem justo e nem legal que se instaure processo disciplinar para sancionar uma conduta que se traduz no exercício de direito fundamental.

O processo disciplinar não deve ser instaurado de má-fé, nem ser contrário aos princípios de justiça e dos direitos humanos, tão pouco deve ser usado como instrumento de intimidação, de ameaça ou de abuso de poder por parte das autoridades, conforme está a acontecer no caso da greve dos médicos.

As disposições legais supra, do EGFAE e do seu Regulamento, trazem consigo requisitos essenciais a que devem ser obedecidos para a legalidade e validade do procedimento disciplinar. É sobre esses requisitos que a AMM se deve concentrar para se defender e exigir responsabilidades das autoridades que abusarem do poder ou praticarem arbitrariedades com vista à instauração de processos disciplinares ou aplicação de sanções e represálias contra os médicos por exercício de direito fundamental.

É importante notar que a Constituição da República consagra como princípio fundamental no nº 1 do seu artigo 248 o seguinte: “A Administração Pública serve o interesse público e, na sua actuação, respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.”

Portanto, a lei estabelece, na Administração Pública, as regras para a efectivação das consequências das faltas injustificadas a que o órgão da Administração Pública em causa deve obedecer. O exercício legítimo e legal do direito fundamental não deve ser objecto de penalização sob pena de limitação do mesmo, fora dos casos previstos no artigo 56 da Constituição, o qual estabelece no seu nº 2 que: o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição e o nº 3 da mesma disposição determina que: a lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição. 

PS:

 

Este artigo constitui também um contributo para o debate público sobre a necessidade de existência duma lei ordinária específica que regula o exercício do direito fundamental à greve na função Pública, no pleno respeito à Constituição e aos Instrumentos Internacionais de protecção dos direitos humanos de que Moçambique é parte, com vista a evitar equívocos de interpretação e má aplicação da lei que possa perpetuar a violação deste direito e outros conexos.  

 

Por: João Nhampossa

Human Rights Lawyer

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

terça-feira, 08 agosto 2023 06:20

Ode à Orlanda Mendes

MoisesMabundaNova3333

Em Dezembro de 2019, com  o meu amigo Pedro Sitoe e as nossas esposas, tivemos que ir a Xai-Xai, para assistir ao casamento da Eunice, filha do  amigo/irmão Vidal Bila. Às nove  horas, lá estávamos nós na igreja que acolhia a cerimónia religiosa, depois o que o Pedro segreda que precisava de ir a uma casa  de banho. Escolhemos ir às bombas da “pontinha”, como se chamam , desde há muito, na zona alta em Xai-Xai. Era perto. Lá chegados,  enquanto o Sitoe ainda estava no carro, eu já pedia a chave da casa de banho ao guarda. Mal ouviu a voz, o guarda, no lugar de me estender a chave, fixou a sua vista em mim e, sem demoras, disparou:

 

  • O Sr. é Moisés Mabunda, o senhor que fala na rádio [RM]! Conheço essa voz, oiço-a há muitos anos. Não perco por nada os vossos comentários [no programa ‘Esta Semana Aconteceu’]. Nunca pensei que um dia viria a conhecer a pessoa do senhor Mabunda. Admiro-o muito!... Muito obrigado!

 

E estendeu-me a chave depois de um aperto de mão; já com o Pedro Sitoe à ilharga, muito curioso.

 

Aquele guarda não se enganara em nada. Sou, de facto, comentador do  programa ‘Esta Semana Aconteceu’ da RM desde o seu primeiro programa, em Fevereiro de 1995. O Carlos Cardoso e eu fizemos o programa inaugural, com a moderação da… Orlanda Mendes!

 

Estava eu já chefe de redacção do semanário Domingo e nas vésperas do relançamento dos programas de informação, recebo uma chamada da RM a dizer que a Sra. Orlanda Mendes queria falar comigo. Anui ao convite, a pensar que eventualmente fosse para retomar um assunto antigo…

 

É que comecei a minha carreira jornalística na RM, na Direcção Central de Informação, Departamento de Noticiários, em Fevereiro de 1987. O chefe era Tiago Viegas, a Orlanda Mendes era a directora adjunta e o director Marcelino Alves. Volta e meia, a Orlanda estava no sector dos noticiários e, muitas vezes, a dar orientações e indicações. Certa vez, ela própria, a partir de fora, ligou para os “Noticiários”, era prática, e eu fazia parte do turno de serviço, atendi ao telefone e ela orientou que eu devia tomar notas ipsis verbis de uma informação que ia ditar. Ditou-me e eu passei-a à letra de forma e foi para o ar. Principiante que era, alguma coisa não terei posto bem e, quando chegou de onde estava e depois de ouvir o produto final no ar, veio logo para o Departamento e caiu-me em cima muito mal, mas muito mal mesmo, de tal forma que passei a ter medo dela… Passados quase seis meses, o curso de jornalismo, o primeiro envolvendo estudantes com nível médio, começou na Escola de Jornalismo e eu tive que interromper o trabalho no sector dos Noticiários e ir à formação. Quando um ano depois terminou a formação, como não tinha contrato com a Rádio Moçambique, era colaborador, não me senti obrigado a voltar. Escolhi o órgão do meu coração, o Domingo… não me apaixonei pelo jornalismo radiofónico porque pensava - e ainda penso - que não tenho boa voz para tal…

 

Quando a Orlanda soube que eu tinha rumado para a Sociedade Notícias, mandou-me chamar e tive que me ir explicar diante dela, todo acabrunhado e amedrontado. Disse-lhe que eu gostava mais do jornalismo escrito e que no radiofónico provavelmente não iria longe. Ela não gostou, disse-o claramente; conforme apontou, devia ter ido falar com ela. De modo que, quando veio aquela chamada, pensei que fosse a retomada deste assunto!

 

Mas não. Era para me comunicar que um novo programa ia arrancar e ela contava comigo como comentador, semanalmente. Era o nascimento do ‘Esta Semana Aconteceu’ - e a minha duradoira colaboração com a RM. Não me estava a pedir, estava a comunicar, pelo que não tinha como dizer fosse o que fosse, até para não lhe contrariar uma vez mais. Mas, receios eram muitas na minha cabeça, sendo o primeiro aquele de me não considerar com boa voz para rádio; o segundo, não ser eu um bon vivant… e o terceiro, que eu ainda tinha que andar muita estrada para ser comentador; não seria em seis anos de carreira que ia passar a… comentador! Mas ela vira o que vira em mim e estava bem cismada, aliás, ela era muito forte nas suas convicções. Cerca de duas semanas depois, ligou-me para ir ao programa. Convoquei os espíritos matxangana - switatikomba koseyo (há-de se ver lá) -, cerrei os punhos e lá fui…

 

Se já estava medroso, nervoso e a tremer, imagine-se como fiquei quando encontro na cabine como contraparte no debate o… Carlos Cardoso! Um dos maiores e melhores jornalistas que o Mundo teve. Era como que me porem a jogar contra Messi ou Ronaldo. Claro que eu era fã do Cardoso. Admirava/admiro-o incondicionalmente. Não sei como correu o programa, mas, semana seguinte, lá estava a Orlanda Mendes de novo ao telefone… outras semanas ainda e com o Salomão Moiane como contraparte… e assim foi durante estes longos anos até hoje, mesmo depois de ela se aposentar.

 

Palavras faltam-me para agradecer à Orlanda Mendes; mas estou eternamente grato a esta senhora, uma das grandes jornalistas do mundo! Penso serem as palavras certas estas: Orlanda Mendes foi a mentora/coach do Moisés Mabunda comentador hoje conhecido na rádio e nas televisões. O primeiro incidente com ela serviu e bem para eu aprimorar o rigor e o zelo jornalístico, profissional e na minha vida pessoal. Extremamente rigorosa como ela era! O convite aos debates no ’Esta Semana Aconteceu’ desafiaram-me a melhorar e aprimorar a forma de aprender os assuntos e a ir e a estar num debate. Não fossem estes autênticos empuranços para as águas profundas, provavelmente não haveria nenhum nadador aqui. 

 

Muito khanimambo, Coach Maria Orlanda Mendes! Descanse em paz!

 

Pág. 62 de 320