Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Empresas, Marcas e Pessoas

O jornalista do Centro de Jornalismo Investigativo (CJI), Luís Nhachote, acusa a empresa Montepuez Ruby Mining (MRM) de querer lavar a cara ao denunciar o seu artigo no Conselho de Imprensa da África do Sul.

 

Em causa está um artigo produzido pelo jornalista e publicado nos jornais sul-africanos Mail&Guardian (intitulado “Cabo Delgado é uma zona de guerra, mas os especuladores estão fazendo um comércio estrondoso”) e The Continent (num artigo intitulado “Cabo Delgado é uma zona de guerra, mas os aproveitadores ficam ricos”) e que mereceu abertura de um processo, movido pela Gemfields Ltd., accionista maioritária da MRM.

 

O Conselho de Imprensa da África do Sul anunciou em 14 de fevereiro de 2022 através de seu site a decisão no caso de Gemfields Ltd e Montepuez Ruby Mining Limitada (“MRM”) vs The Continent and Mail & Guardian.

 

O Conselho de Imprensa considerou que o artigo do Sr. Nhachote violava as disposições 1.1, 1.2, 1.7, 1.8. e 10 do Código de Imprensa sul africano. As infrações foram classificadas como de Nível 2 (graves). As violações incluíram "o uso de manchetes enganosas, informando incorretamente sobre valores monetários, sugerindo erroneamente propriedade opaca e não proporcionando à Gemfields e à MRM uma oportunidade justa de comentar''.

 

O Conselho de Imprensa ordenou que The Continent e Mail & Guardian publiquem um pedido de desculpas, efectuem correções e forneçam um direito de resposta a Gemfields e MRM.

 

Esta é a segunda vez que o Conselho de Imprensa sanciona trabalhos de jornalistas que trabalham para o Centro de Jornalismo de Investigação de Moçambique. Em maio de 2016, o Conselho de Imprensa constatou que um artigo de autoria do jornalista Estácio Valoi e publicado no Mail & Guardian intitulado “Aldeões cavando rubis 'tirados e deixados para morrer” criava, inter alia, sem justificativa suficiente, a impressão de que a MRM e por associação também os Gemfields estavam de uma forma ou de outra envolvidos no assassinato de pessoas na área e que, dada a total falta de provas de apoio, a criação de tal impressão pelo jornal não se justificava.

 

“A Montepuez Ruby Mining pretende lavar a cara em relação a uma e outra imprecisão, mas todos os factos narrados no artigo que eu escrevi são verificáveis”, explicou Luís Nhachote, em conversa com “Carta”, sobre a decisão anunciada no passado dia 14 de Fevereiro.

 

“Recebi uma notificação por escrito de 27 páginas e respondi em fórum próprio por escrito, mas não estou espantado que a Montepuez Ruby Mining tenha procedido ou que esteja a veicular a decisão, porque sentiu a sua honra beliscada. Mas os factos estão lá. Todos os anos, a Montepuez Ruby Mining extrai rubis e ganha milhões em rubis extraídos de uma província que está em guerra”, sublinhou. (Carta)

segunda-feira, 28 fevereiro 2022 13:00

Albino Magaia, 75 anos, escreve Nelson Saúte

Albino Magaia nasceu há, precisamente, 75 anos. Foi jornalista, um dos nomes estelares do nosso jornalismo. Quis ser médico. Era o seu sonho. A mãe sonhava para o filho a vida de pastor da Igreja Presbiteriana. No entanto, ele queria ter direito à palavra. Foi esse impulso que o levou ao jornalismo. Chegaria à redacção da revista TEMPO, semanário que haveria de dirigir muitos anos depois, pela mão da sua irmã Lina, que também foi um nome ínclito na nossa imprensa. Pertenceu ao NESAM, que foi um núcleo de estudantes historicamente relevante e foi prisioneiro político no tempo da PIDE. 

 

Magaia assumiu, desde sempre, um compromisso: ser patriota. O seu espírito crítico não lhe tolhia esse entendimento. Defendeu um jornalismo patriota onde Moçambique adquiria primazia. Antes de tudo estava a Pátria. A Nação. Isso não impediu que a revolução praticasse sobre ele a sua furiosa insídia. Sobretudo no Niassa, que era uma espécie de Gulag moçambicano. Ele resistiu. Continuou a escrever e fê-lo sem acrimónia. O nosso processo ainda tem páginas que permanecem obscuras. Uma delas foi a purga dos intelectuais assumidamente engajados.

 

Foi poeta e ficcionista. Foi um cronista brilhante e um interventor assíduo na nossa imprensa. As suas crónicas são memoráveis. Os seus textos na revista TEMPO são exemplares. Publicou duas obras de poesia: “Assim no Tempo Derrubado”, em 1982, e, muitos anos depois, em 1999, “Trilogia do Amor”. De permeio, duas ficções narrativas: “Yô Mabalane” (1983) e “Malungate” (1987). 

 

Pensou e escreveu sobre a informação moçambicana. “Informação em Moçambique -  Força da Palavra”, um ensaio editado em 1994. Postumamente, seria publicado o seu livro “Moçambique: raízes, identidade, unidade nacional”. Recentemente, num tributo da Fundação Fernando Leite Couto, foi dada à estampa “Duas Vidas à procura do mar e outros contos” (2019).

 

Magaia era um homem preocupado com o destino da informação e a sua função transversal e indispensável no devir moçambicano. Também via na memória um papel indeclinável no nosso destino colectivo e procurava preservar os seus referenciais. Sonhou biografar o escultor Chissano, mas este morreu cedo. Porfiou, posteriormente, a ideia de fazer a biografia do músico Eusébio João Tamele.

 

Albino Magaia era um conhecedor bastante competente da música moçambicana. Mas era também um cultor do jazz e da música clássica. Aliás, ele escrevia a ouvir Händel, Georg Friedrich Händel. Essa paixão levou-o a fechar-se em casa durante cinco horas para ouvir “O Messias”, o tempo que dura a famosa composição do músico germano-britânico. Um grande melómano este moçambicano magnânimo.

 

Tinha uma particular preocupação no estudo e valorização das línguas moçambicanas. Foi editor de “Zabela”, uma das primeiras obras de ficção de Bento Sitoe. Quis editar os textos de João Albasini, o fundador de “O Africano” e “O Brado Africano”. Incumbiu ao jovem Catigo Zita a tarefa de coligir os textos. Diligente, minucioso, Castigo recolheu os textos, copio-os dos jornais no Arquivo Histórico ou das microfilmagens do centro cultural português. O projectado livro emperrou na fase de composição (à época feita à chumbo) na Tempográfica.

 

Castigo Zita, que haveria de encontrar o infortúnio da morte, numa viagem ao Zimbabwe, em 1988, aos 27 anos, preparava-se para fazer o mesmo exercício com os textos de Estácio Dias, outra figura do nosso jornalismo, pai do escritor João Dias, autor de “Godido e outros contos”. O repto vinha do mesmo incumbente: Albino Magaia.

 

Devemos ainda a Albino Magaia a revelação de Isaac Zita, que morreu prematuramente aos 22 anos, autor de “Os Molwenes”. Antes dele, o poeta Fernando Couto se entusiasmara com o talentoso jovem, tendo-o publicado nas páginas do “Notícias”. A despeito, o prefácio que Magaia haveria de redigir para o livro póstumo de Isaac Zita é um dos raros documentos sobre a vida efémera e fulgurante daquele jovem escritor. 

 

Haveria muito a dizer a favor de Albino Magaia. Sobretudo da forma como acarinhou os jovens e os encaminhou nos labirintos do jornalismo e da escrita. Como os amparou. Ou as suas iniciativas notáveis. A GAZETA da TEMPO, um dos esteios da literatura moçambicana, é uma delas. Mais tarde, enquanto secretário geral da AEMO, a publicação LUA NOVA, titulo que acena ao poema “Quenguelequêze” do precursor Rui de Noronha.

 

Isto diz muito da personalidade de Albino Magaia. Era generoso. Homem culto, cultíssimo. Discreteava sobre muitas e diversas matérias. Gostava de ouvir os outros. Mesmo os mais novos. Era um excelente conversador. Não se furtava a uma boa polémica, discutia ideias. Estava sempre do lado da justiça. Defendia os seus jornalistas. Era um director exemplar, preocupado e empenhado. Sabia criticar e apontar os erros dos seus profissionais. Elogiava quando gostava das peças dos seus repórteres ou redactores. Foi dos grandes editores deste país. Abominava a injustiça. Era de uma grande correcção. Um homem probo. Um homem cordial. Não tinha soberba. Era humilde. Um homem bom. 

 

Albino Fragoso Francisco Magaia nascera a 27 de Fevereiro de 1947. Morreu a 26 de Março de 2010 aos 63 anos. Para além da sua extensa obra na imprensa, dos seus livros, deixou a sua marca, a sua postura, o seu largo riso (tinha os zigomas pronunciados e os olhos vivíssimos que lhe ampliavam o sorriso), o seu afecto e o seu exemplo. Como vivemos num país que não preza a memória e não cultiva os seus mestres praticamos sobre o seu nome um prodigalizado silêncio, o mesmo desafecto que destinamos aos melhores. Cá por mim – e faço quezília nisso -  lembro-o, aqui e sempre. Como hoje, no dia dos seus 75 anos.  (Carta)

O Presidente do Conselho de Administração Moza Banco, João Figueiredo, foi este sábado, 26 de Fevereiro, distinguido pela revista African Leadership Magazine, com o prémio “Distinguished African Business Leadership Excellence Award, durante o Fórum Internacional de Liderança Africana, evento que aconteceu em formato híbrido (presencial + virtual), a partir de Londres, com o tema: Ampliação dos Esforços de Desenvolvimento e Parcerias Globais para África. A distinção acontece após um criterioso processo de selecção e verificação dirigido pelo conselho editorial da African Leadership Magazine, uma das principais publicações pan-africanas da actualidade.

 

Esta honrosa distinção é um reconhecimento do seu contributo para o crescimento e desenvolvimento do Moza Banco, em particular o seu preponderante papel na recuperação do Banco de uma perda de 776 milhões de meticais em 2019 para um lucro de 146 milhões de meticais em 2020.

 

Intervindo momentos após a distinção, João Figueiredo começou por agradecer à African Leadership Magazine, tendo em seguida afirmado que, “ser galardoado com este prémio de excelência na gestão de negócios em África, por um painel de ilustres “experts” em matérias de Banca e finanças, é sem dúvidas uma enorme satisfação e orgulho, mas ao mesmo tempo uma grande responsabilidade, tendo em conta a forte competição do nosso sector”.

 

O PCA do Moza Banco dedicou o prémio aos colaboradores, clientes e accionistas, “esta honrosa distinção não se alcança sozinho. Ela só é possível graças ao inestimável contributo dos colaboradores e quadros do Moza Banco, que com sabedoria, energia, empenho e dedicação, têm trabalhado na edificação, na consolidação, crescimento e afirmação do Moza, ultrapassando os mais complexos desafios e adversidades.

 

A conquista que hoje celebramos deve-se igualmente à confiança e lealdade dos nossos clientes e parceiros que nos têm acompanhado nesta trajectória, pelo que reafirmamos a nossa firme determinação de prosseguir estreitando os nossos laços, numa parceria construtiva, pois, crescemos juntos. Dedico igualmente este prémio aos Accionistas que, reconhecendo o Valor do Moza Banco, têm investido e confiado neste projecto, assegurando as condições necessárias para a concretização dos objectivos estratégicos da nossa instituição”.

 

Para além de João Figueiredo, a 10ª cerimónia de apresentação das Personalidades do Ano da Revista African Leadership, serviu igualmente para homenagear figuras como o Presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta; o Presidente do Malawi, Lazarus Chakwera; o Presidente do Botswana, Mogkweetsi Masisi; entre outros líderes empresariais, políticos e diplomáticos. (Carta)

sábado, 26 fevereiro 2022 11:38

Que Maningue Magic?

O novo canal de televisão, com a denominação Maningue Magic, acessível através das plataformas da GOtv na posição 19 e da DStv na posição 503, lançou-se no mercado nacional com um objectivo bem definido: promover mudanças radicais no ramo do audiovisual, apostando na «qualidade» e na «inovação». Esperamos que tais mudanças sejam capazes de ultrapassar os modelos vigentes de fazer televisão em Moçambique, assegurando que haja «qualidade e inovação permanentes».

 

Para já de que conceito de «qualidade», associado às operações do Maningue Magic, nos referimos? Como comentarei mais adiante, isso já está a ser feito e demarca-se muito da «nossa maneira de fazer as coisas», muitas vezes, colocando de lado a temática da «qualidade» como se ela fosse acessória, fruto do mero acaso, e desconectada dos processos.

 

Este intróito com foco para a «qualidade» encontra a sua validade alicerçada na observação das condições em que alguns canais de televisão moçambicanos nascem, «sem nenhum plano de sustentabilidade», acabando por se tornar em experiências falimentares desnecessárias e prejudiciais para a (potenciação da) cadeia de valor que poderiam gerar e contribuir para o crescimento da economia nacional. «A qualidade do processo», afirma o gestor empresarial Nelio Vanderley, «é o segredo do sucesso». 

 

Felizmente, nos últimos anos parece que esta tendência tem estado a mudar, sobretudo por causa da componente «qualidade e inovação» na qual os canais televisivos moçambicanos têm estado a investir. Pelo que observei desde o lançamento do canal, em função da proposta dos seus programas, analiso que sem pretender necessariamente «suplantar o outro», como tem sido apanágio das concorrências leoninas, o projecto do Maningue Magic colocou a sua aposta na «qualidade e inovação» nos píncaros do iceberg.

 

Não há tempo nem espaço nesta publicação para muita divagação. Então, dos vários programas até agora transmitidos pelo Maningue Magic («Influencer», uma série de ficção; «Top Mais e Txunado» que se constituem como magazines de lifestyle, moda, design, música e outras formas de artes; Estação do Boss, um programa essencialmente de música apresentado por Emerson Miranda; e «Date My Family Moçambique», um reality show original e bem conseguido que promove relacionamentos amorosos), vou-me concentrar na telenovela «Maida» para desenvolver a ideia deste texto.

 

Formação de actores

 

O debate sobre essa «história de amor, sonhos e traições», em que se constitui a telenovela «Maida» está difuso, mas uma apreciação da actuação de «Maida», ou Tânia Tembe, enquanto protagonista – assim como dos demais actores – daquela telenovela, talvez ainda seja escassa.

 

Tânia Tembe, a protagonista em «Maida», é uma jovem moçambicana nascida neste grande gueto de Maputo, que desde cedo se lançou na vida à procura de oportunidades para ser modelo ou actriz. Entre 2017 e 2019, levou a sua pretensão ao extremo participando em castings que lhe levaram ao «Aquele Papo», um seriado transmitido nas redes sociais e nalgum canal de televisão. Desde então, não parou. Até que lhe veio uma das suas grandes oportunidades no mundo da televisão, actuar como protagonista na telenovela «Maida». Portanto, não tendo muita academia para técnica teatral, uma rodagem expressiva no cinema e na televisão, pode-se afirmar Tânia Tembe, uma actriz espectacular, segura de si, como sendo «uma protagonista orgânica» no sentido de que nasce com (o do, e para) o projecto. «Mágico, isso é genial!» Afinal, Moçambique é capaz de produzir actores e actrizes, directamente, destinados para o cinema e para televisão!

 

A questão da «qualidade» da «Maida», refiro-me à telenovela, suscitou a reacção de alguns gatekeepers de «qualidade». Por exemplo, o jornalista cultural moçambicano, Reinaldo Luís, quem escreveu uma belíssima (para além de madura) crítica sobre esta produção, observa: «MAIDA, curiosamente, estreia a forma de produzir e fazer telenovelas em Moçambique. E a analisar pelo resultado, que agora sai, há ainda “algo” por se aprender. Não em termos de produção, que essa em particular até aqui dispensa, mas no que diz respeito aos elementos de representação.»

 

Discurso similar ao de Reinaldo Luís é proferido pelo actor e director artístico de teatro, Paulo Guambe, para quem o realizador, Ivandro Maocha fez uma planificação criativa tendo levado o barco a bom porto, embora não tenha sido bem-sucedido nos quadros, um aspecto técnico. Na sua análise, Guambe discorre sobre outro aspecto técnico e aponta que «a iluminação é de boa qualidade». Todavia, devia ter sido concebida «para participar na construção de sentidos».

 

Em meu entender, há entre os dois gatekeepers de «qualidade» mencionados um consenso quanto à fraqueza do trabalho de actores. Entretanto, estas nuances não só explicam como também traduzem o momento particular de transição porque parte significativa destes profissionais das artes cénicas está a passar – de actores marcadamente de teatro – para cinema, televisão e telenovela, como também a admirável organicidade da protagonista e dos demais. Não nos esqueçamos do tão importante facto de que estes actores, mesmo os menos cotados, têm a sua qualidade evoluindo dia-a-dia. O bom actor forma-se no palco.

 

Valorizar e respeitar o criador

 

Estamos diante de um trabalho cuja excelência estimula sectores relevantes das indústrias culturais e criativas cujos profissionais – como, por exemplo, jornalistas culturais e críticos das artes – dificilmente se sentiriam atraídos a realizar um conjunto de actividades do seu campo de actuação como reportagens e recepção crítica dessa manifestação artística sem uma produção cinematográfica com o nível de «qualidade» similar ao da telenovela «Maida».

 

Daqui visualiza-se também o respeito ao tão importante, mas geralmente maltratado tema da propriedade intelectual ao qual o projecto Maningue Magic, por meio das suas produções, devota. Isto aumenta as oportunidades de um conjunto diversificado de profissionais que compõem a cadeia de valor das indústrias culturais e criativas tirarem dividendos do seu trabalho. É que com a ampliação do «mercado» – é isso, também, o que este canal representa para esta classe – para a exposição e venda dos seus produtos e serviços, tais profissionais passam a ter motivos para produzir e oferecer em virtude da demanda. A questão da propriedade intelectual, num país com um contexto como o de Moçambique, sempre gera debates acesos. No entanto, para quem gosta de música (e, muito em particular, de boa música), poderá sentir-se animado ao saber que o seu artista favorito não está a trabalhar de graça.

 

É com esta dupla satisfação que me sinto sempre que oiço a trilha sonora da autoria da talentosa cantora moçambicana Lenna Bahule, por exemplo, anunciando o início e os intervalos da telenovela «Maida». Que boa música, feita por moçambicanos para Moçambique e para o mundo. Afinal, com o surgimento do Maningue Magic, a nossa esfera de acção, exposição e influência amplia-se passando a ser global, o que nos ajuda a ter uma visão holística sobre os níveis de «qualidade» da nossa produção.

 

Somado a essa exposição, factor-chave para a divulgação e promoção do que de melhor se faz em solo pátrio, está a salvaguarda plena dos direitos de quem investe energia na criação de obras de artes. Deste ponto de vista, aprende-se uma grande lição: «Quanto ao tema dos direitos autorais, é tempo de Moçambique sair da teoria para a prática.» Em meu entender é, igualmente, a esse debate que esse projecto agrega valor. Esperamos que possa conseguir criar e sustentar isso como legado, à medida que vai evoluindo e se tornar uma iniciativa sustentável.

 

Multiplicar oportunidades para o audiovisual

 

Como João Ribeiro, director do canal, em opinião publicada no jornal Carta de Moçambique, anunciara pouco antes do lançamento da iniciativa para o grande público, não há dúvidas de que as principais «armas de arremesso» são a «qualidade e inovação», sobretudo para o cinema e o audiovisual moçambicanos. «Este "novo" modelo que assenta exclusivamente na aquisição de conteúdos locais», afirma Ribeiro acrescentando que «vem assim abrir uma janela ao audiovisual nacional, promover os artistas e produtores locais, investir na indústria local na persecução do objectivo que a Multichoice tem em ser o melhor contador de histórias em África».

 

Ainda assim, é preciso clarificar o sentido de «qualidade» nos moldes como este projecto interpreta, para a partir daí, entender como esta iniciativa configura um campo transversal (não só para o audiovisual, como também para áreas afins) de múltiplas oportunidades para todos. Uma amostra significativa de profissionais, com os quais o canal trabalha, é totalmente composta por newcomers ao mundo da televisão. Pessoas sem histórico no cinema nem na televisão a quem esta companhia convidou, dando-lhes a oportunidade de iniciarem a construção de uma carreira sólida no audiovisual. Isto significa que, enquanto se renova, o sector do audiovisual também evolui.

 

Para uma melhor compreensão, pensemos, por exemplo, no que acontece no dia-a-dia da produção da telenovela «Maida». Para quem actua nas indústrias criativas não custa muito pensar nas pessoas responsáveis pelo figurino dos actores; pelo seu transporte para o local das gravações; e pela alimentação do elenco e da equipa de produção. Ao pensar assim, é igualmente fácil visualizar um estilista; uma transportadora; e uma microempresa de catering. Agora, multiplique-se a demanda por esse tipo de profissionais (ou serviços) pelo número de programas com formato similar existentes e outros por criar. Quanta gente está envolvida? Ou seja, interage aqui um conjunto de profissionais que, sem aquele projecto a acontecer, não teria motivos para produzir e vender, pois não teria mercado. A esta capacidade de multiplicar trabalho e emprego, envolvendo pessoas singulares e colectivas, que também é estimulado pelas indústrias criativas, chama-se cadeia de valor. É por esta razão que em relação a este aspecto, a minha percepção é a de que este projecto contribui para o crescimento da economia nacional.

 

Parceria e não concorrência 

 

Pode-se definir o Maningue Magic como um canal orientado à produção e exploração de conteúdo local em Moçambique, a fim de influenciar a forma como se trabalha o audiovisual nessa parcela do mercado. O formato, em si, estimula a produção local, altamente apetecível para os moçambicanos.

 

Assim, o projecto não encara a concorrência como tal, mas como parceria. Por esse motivo, colaborar com os canais televisivos nacionais, produtores e empresas de produção na criação de uma infinita lista de programas de cinema e audiovisual, orientados à temática de entretenimento, constitui uma das suas grandes expectativas.

 

Enfim, se alguém me perguntar o que há de mágico no projecto Maningue Magic, sem hesitar, diria que «há Moçambique se qualificando e inovando organicamente». Precisamos de acreditar na magia que há em nós.

 

Inocêncio Albino // Jornalista cultural.

Em fevereiro do ano passado, no Spotify  foi lançado em mais de 80 novos mercados, incluindo Moçambique. Em 365 dias, amantes da música moçambicana  foram descobrindo muita música e os artistas locais encontrando um megafone para o seu trabalho. Géneros  moçambicanos estão a ser exportados para todo o mundo. 

 

Desde o lançamento do Spotify em Moçambique e1625 músicas foram adicionadas à plataforma pelos fazedores. Moçambicanos tendem a nomear suas listas de reprodução de amapiano, kizomba, house e rap.

 

Abaixo está uma mostra das preferências dos moçambicanos ao longo do ano passado.

 

As principais cidades donde os moçambicanos reproduziram são: Maputo, Beira, Nampula, Quelimane e Chimoio.

 

O  artista local, moçambicano mais tocado  é Hot Blaze seguido pelo Laylizzy.  Djimetta está em terceiro lugar, depois vem o Mr. Bow e finalmente Cleyton David. Os mesmos artistas também garantiram um lugar  na lista global das músicas mais tocadas  no País.

 

Teus Passos pelo Dygo Boy e Mark Exodus é a  música moçambicana mais reproduzia. A de Djimetta, Duzentos vêm em segundo lugar seguido pela do Hot Blaze Luta Forte. Em quarto lugar está  BOW  pelo Hernan e Laylizzy e em quinto lugar está Don't Limit Me pelo Flojo.

 

Usuários na diáspora também estão gostando da música vinda de Moçambique, com a colaboração de DJ Tarico e Burna Boy na música Yaba Buluku, posicionando o no topo, seguido pelo, GentleBeatzBoy TeddyNeil Amarey e Filomena Maricoa.

 

Moçambicanos criaram 142.600 listas de reprodução geradas por usuários.  

 

Amapiano Groves, as Melhores Batidas de hoje, Kizomba Tarraxinha, RapCaviar e African Heat foram as listas mais populares de Spotify.

 

Os géneros Amapiano e Kizomba estão entre as listas de reprodução mais tocadas de Spotify em Moçambique. Com a artista de Kizomba, Filomena Maricoa recebendo um aumento de fluxo de reprodução desde que Spotify entrou no mercado.

 

Géneros locais como Música Moçambicana, Rap Moçambicano e Marrabenta estão também a aparecer, com a Música Moçambicana a receber 270% mais fluxos de reprodução desde o lançamento de Spotify e Marrabenta está encontrando novos ouvintes na África do Sul, Alemanha e EUA. (Spotfy)

John Peter Hornung, um empresário inglês de origem húngara, introduziu, no final do século XIX, o cultivo comercial da cana-de-açúcar no Baixo Delta do Rio Zambeze, numa aventura pioneira de criação de várias plantações de açúcar, que se pautou pela introdução de maquinaria industrial, novas técnicas, investigação e modernização das práticas agrícolas, lançando as bases para aquela que acabou por se tornar a Sena Sugar Estates, não apenas a maior empresa açucareira de Moçambique, mas também uma das maiores do mundo. No entanto, 100 anos depois, não restam senão ruínas desse passado, atravessado por duas guerras mundiais, as políticas do Estado Novo, a guerra colonial e o processo de descolonização a que se seguiu o conflito entre a RENAMO e a FRELIMO. Neste livro editado pela Casa das Letras, Peter Lapperre — antigo responsável pelo estudo dos solos da Sena Sugar Estates nos anos 60 e que retornou a esta zona em 2006 — traça a história entre os aspetos positivos da industrialização e os negativos do colonialismo, recorrendo a depoimentos de familiares e de centenas de pessoas cujas vidas se cruzaram com a SSE e com Moçambique, além mergulhar em arquivos ingleses e portugueses, incluindo na Torre do Tombo. O SAPO24 publica um excerto desta obra que explica o percurso de Lapperre e como veio a escrever este livro.

 

Prefácio

 

A história da Sena Sugar Estates contada por Paul Lapperre estende-se por mais de 100 anos, tendo o autor feito um esforço considerável para atingir um resultado com maior equilíbrio do que investigadores anteriores, como Vail e White (1980) no seu Capitalism and Colonialism in Mozambique: A study of the Quelimane District; Ishemo (1995) em The Lower Zambezi Basin in Mozambique: A study in economy and society, 1850-1920; e Judith Head (1980) na sua tese de doutoramento State, capital and migrant labour in Zambezia, Mozambique: A study of the labour force of the Sena Sugar Estates Limited. Todos eles pintaram um quadro bastante unilateral, que culminou numa aura de «notoriedade» em torno da Sena Sugar Estates.

 

Doce Amargura coloca alguns dos aspectos totalmente inaceitáveis desta história no seu contexto. Qualquer exploração de açúcar em África que tenha existido por quase um século tem um percurso com lados mais sombrios e outros mais brilhantes. Para a Sena Sugar Estates, o lado sombrio era, sem dúvida, o «dilema do trabalho barato» e todas as questões raciais que lhe estavam ligadas.

 

No lado positivo, esteve a peculiar «mentalidade de fronteira» do meu bisavô, ao construir um Império do Açúcar num canto remoto do mato africano a partir de 1890. Pitt Hornung morreu em 1940 e o testemunho foi passado ao meu avô, Bernard Hornung, e ao meu tio-avô, George Hornung. O terceiro irmão, mais novo, John Peter Hornung, tombou na Primeira Guerra Mundial.

 

Na década de 1960, o meu tio, John Derek Hornung, transformou, com uma eficiência e rapidez incríveis, aquilo que era uma clássica plantação colonial de trabalho forçado numa empresa moderna e mecanizada.

 

Coube ao meu pai, Stephen Hornung, a ingrata tarefa de supervisionar, quase impotente, o colapso do próspero império do açúcar quando a independência de Moçambique chegou, em 1975. Discutir com ideologias marxistas-leninistas em questões de produção industrial era absolutamente impossível e a Sena Sugar Estates estava condenada. A guerra civil entre a FRELIMO e a RENAMO fez o resto.

 

Milhares de pessoas qualificadas e dezenas de milhares de africanos foram privados de ganhar a vida. Doce Amargura é a história de um grande empreendimento e do seu distinto fundador, J. P. Hornung. Um industrial pioneiro, ousado, e por vezes implacável, na África Oriental Portuguesa.

 

Seria um erro sugerir e atribuir culpas pelo colapso da Sena Sugar Estates Limited. Na reabilitação da que outrora foi a Pérola da Zambézia, devemos usar as lições do passado para garantir que os mesmos erros não se repitam.

 

Bernard Hornung

 

The Warren

 

Bashurst Hill

 

Horsham, West Sussex

 

(https://24.sapo.pt/vida/artigos/excerto-de-doce-amargura-ascensao-e-queda-de-um-imperio-do-acucar-em-mocambique)