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terça-feira, 10 dezembro 2024 08:05

Corrupção: uma Doença Endêmica em Moçambique - O Compliance como Proposta

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Muito se tem falado no combate a corrupção em Moçambique e, é frequente ouvirmos que está na pauta do dia, mas “nem água vai, água vem”, ou seja, muito falamos e pouco fazemos. Por consequência, lamentavelmente, figuramos da lista dos países mais corruptos do mundo.

 

A corrupção é um problema sistémico e profundamente enraizado nas instituições públicas e privadas da sociedade moçambicana, por mais que custe admitir, vivemos em uma sociedade corrupta.

 

Em uma visão alargada da corrupção e sua genealogia envolve uma análise que vai para além da definição tradicional, que associa corrupção apenas à prática de suborno ou desvios de erário público. Essa abordagem mais ampla reconhece a corrupção como um fenômeno complexo, que perpassa diversas dimensões da sociedade.

 

Na definição tradicional, a corrupção é entendida como o uso indevido do poder público para o ganho privado. No entanto, uma abordagem mais ampla defende que a corrupção pode se subdividir em quatro pontos. Nomeadamente:

 

  1. Corrupção sistémica: é aquela que não se limita a actos individuais, mas está inserida em sistemas inteiros, incluindo instituições públicas, empresas privadas e até organizações da sociedade civil;
  2. Dimensão cultural: a corrupção pode ser normalizada em certas sociedades, sendo percebida como um mecanismo necessário para o funcionamento das instituições;
  3. Aspectos sociais e económicos: a corrupção afecta a distribuição de recursos, perpetua desigualdades sociais e distorce a concorrência econômica, criando barreiras ao desenvolvimento socio-economico; e por fim e não menos importante
  4. Esferas informais: não se restringe ao sector público mas também ocorre em empresas privadas (corrupção corporativa), nas relações interpessoais e até nas esferas familiares e comunitárias.[1]

 

Quando falamos da genealogia da corrupção é importante reter que esse fenómeno é multifacetado e enraizado em várias dimensões da sociedade. Compreender suas origens e mecanismos é essencial para combatê-la e promover uma sociedade mais justa e transparente. A corrupção não é um fenómeno novo na sociedade, tanto que, já era tema de debate nas sociedades antigas, como a Grécia e Roma, onde filósofos como Platão e Aristóteles discutiam os riscos do desvio de poder e a degeneração das elites políticas. Em uma segunda fase, aquela que consideramos a  Idade Média, a corrupção era associada à decadência moral.

 

O terceiro momento, caracterizou-se com o surgimento do Estado Moderno - a corrupção passou a ser vinculada à má gestão administrativa e ao enfraquecimento das instituições burocráticas. E porque a sociedade é dinâmica, não tardou para entrarmos na contemporaneidade, onde a corrupção é vista como um fenómeno global, influenciado pelas dinâmicas da globalização, pela financeirização da economia e pela fragilidade das democracias.

 

Estes dois prismas, que são a visão alargada da corrupção e sua genealogia permitem compreender que ela não é apenas uma falha moral ou administrativa, mas sim um fenômeno estrutural, histórico e cultural. Combatê-la requer uma abordagem multidimensional, que abrange reformas institucionais, transformação cultural e fortalecimento das práticas democráticas e de transparência.

 

Para combater a corrupção em sociedades onde ela é endêmica (como é o caso de Moçambique), seria opturno que o governo adoptasse um conjunto abrangente de reformas que inclua a promoção da transparência, o fortalecimento das instituições, a proteção dos denunciantes, a implementação de punições rigorosas para os envolvidos em práticas corruptas como forma de desencorajar esses actos,  como forma  de tirar da mente que o crime compensa e por fim e não menos importante a educação como peça fulcral nessa causa, onde teremos a ética e a integridade como alicerces para construção de uma sociedade mais integra, sob pena de ser uma luta inglória.

 

A longo prazo, a educação e a conscientização pública desde o ensino primario até o dia-a-dia das nossas actividades laborais são cruciais para combater a cultura da corrupção e promover uma sociedade mais justa e equitativa. Mas porque é importante trazer soluções imediatas para a resolução deste mal que aflige a nossa sociedade como um todo, quero crer que, trazer uma proposta em compliance tanto para o sector privado assim como público contribuiria significativamente para a prevenção, detecção e mitigação de práticas ilícitas, fortalecendo a integridade institucional e melhorando o ambiente econômico e social daí a necessidade do Governo começar a debater a necessidade de tornar em Lei a obrigatoriedade de todas organizações sejam elas publicas ou privadas adoptarem programas de compliance.

 

O compliance pode desempenhar um papel essencial no combate à corrupção em um país, pelo facto deste consistir em um conjunto de políticas, procedimentos e controlos internos que visam garantir que empresas e organizações cumpram a legislação aplicável,  regulamentos internos e procedimentos éticos, promovendo a integridade e a transparência.

 

O nosso país enfrenta desafios éticos em diferentes domínios da sociedade. Estes desafios são transversais e heterogêneos, tocando em aspectos que vão desde corrupção e suborno, branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, nepotismo, defraudação e gestão indevida erário público que levam com que  a corrupção opere de maneira quase automática e institucionalizada. A corrupção é organizada e com diferentes actores, incluindo empresas, políticos e funcionários públicos, estão interligados em uma rede de corrupção que beneficia a todos os envolvidos, enquanto prejudica o país como um todo este fenómeno tem um impacto devastador na sociedade moçambicana pois afecta directamente os serviços essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura, sem contar que a corrupção afecta a confiança pública nas instituições e no sistema democrático.

 

A corrupção sistémica mina a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, governos, polícia, e sistema judiciário. Quando um povo acredita que todos, desde os líderes políticos até os funcionários públicos de nível mais baixo, estão envolvidos em esquemas corruptos, a fé na justiça e na equidade é profundamente abalada, podendo-se concluir que a corrupção em Moçambique não é apenas um problema de indivíduos, mas um fenómeno estrutural que requer mudanças profundas para ser combatido.

 

Este paradigma reflete uma percepção compartilhada por muitos estudiosos da matéria em relação à corrupção e à fragilidade institucional. A ideia de que a corrupção se entranhou nas instituições e que, em consequência, tanto elas quanto as pessoas que as compõem se tornaram fracas, aponta para um ciclo vicioso. Quando se institucionaliza a mediocridade, a sociedade perde não apenas eficiência, mas também a capacidade de inovar, liderar e garantir a justiça e bem estar social.

 

Em sociedades corruptas, práticas como o pagamento de subornos, o nepotismo, clientelismo, comissões e o favorecimento são vistas como comuns ou até necessárias para obter serviços ou vantagens e isso podemos observar em diferentes escalões, desde o estudante que suborna ou corrompe  o professor para ter o dito “way do exame”; do condutor que deixa  “dinheiro de refresco” ao policia de transito; o paciente que “molha a mão” ao enfermeiro para poder ser atendido com urgência; até aos esquemas mais complexos dos nossos governantes e administradores das empresas. Quando dizemos que "somos todos parte disso", não significa necessariamente que todos somos liminarmente corruptos ou corruptores, mas que a corrupção está enraizada e impregnada em sistemas e comportamentos que, de alguma forma, muitos de nós compactuamos e perpetuamos.

 

O comportamento corrupto é muitas vezes aceite como "parte do jogo", e quem se recusa a participar pode ser marginalizado ou punido. Esta doença prejudica as nossas instituições estatais e não só estatais pois a corrupção desvia recursos que poderiam ser usados para o desenvolvimento econômico e social, aumentando a desigualdade e a pobreza. A corrupção se institucionaliza porque muitas vezes a sociedade como um todo (mesmo que indiretamente) a alimenta, seja por omissão, necessidade ou conivência. Superar esse ciclo exige uma transformação profunda, não só nas instituições, mas também na mentalidade coletiva.

 

Daí que o compliance é uma ferramenta fundamental para combater a corrupção, contribuindo para o desenvolvimento económico, social e institucional de um país. Sua implementação eficaz depende da vontade política, da adesão das empresas e da conscientização da sociedade sobre a importância da integridade e da ética nas relações públicas e privadas.

 

E, porque a  corrupção em Moçambique, é um desafio que exige esforços coordenados entre o governo, a sociedade civil, o sector privado e instituições internacionais , somente por meio de reformas profundas e, de uma mudança cultural em relação à ética e à integridade será possível mitigar esse fenómeno que grassa a nossa sociedade e mina o nosso desenvolvimento. Atacando estes pontos, será meio caminho para  garantir um futuro mais justo e próspero para a população e povo moçambicano.

 

Por: Yuri Guiliche (Jurista, Especialista em  Compliance para Prevenção da Corrupção)

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