A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) considera o Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE) como o legado deixado pelo Presidente da República (PR), Filipe Nyusi, durante os 10 anos de governação, para a economia moçambicana. Entretanto, no mesmo sector, a CTA diz que houve pecados que mancharam a governação de Nyusi.
“O nosso sector, apesar de afectado, foi felizardo durante os últimos 10 anos. Tivemos a reforma mais profunda que é o PAE. Trata-se de uma reforma que marca todo o período da independência de Moçambique. Bem implementado, tem o potencial de trazer o crescimento económico que almejamos. Como consequência, na última conferência do sector privado, defendemos a necessidade de extensão do PAE para além de dois anos definidos”, afirmou o Presidente da CTA, Agostinho Vuma.
O PAE é um conjunto de 20 medidas, aprovadas em Agosto de 2022, pelo Presidente da República para alavancar a economia moçambicana afectada por várias crises internas e externas, nomeadamente a pandemia da Covid-19, o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o terrorismo em Cabo Delgado e as calamidades naturais.
O destaque das medidas vai para a redução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de 17% para 16%, visando a redução gradual da carga tributária para dinamizar a economia e melhorar o poder de compra das famílias; a isenção do IVA na importação de factores de produção para a agricultura e a electrificação, com o objectivo de baixar os custos dos insumos agrícolas para aumentar a produção e competitividade da agricultura e promover mais investimento nas energias renováveis para acelerar o seu acesso em particular nas zonas rurais.
A quarta medida estabelece incentivos fiscais para novos investimentos em sectores chave realizados para um período de três anos, com a redução da taxa do Imposto de Rendimento sobre Pessoas Colectivas (IRPC) de 32% para 10% na agricultura, na aquacultura e nos transportes urbanos. Ainda no quadro da promoção da competitividade do sector agrícola, o Governo decidiu reduzir a taxa liberatória cobrada a entidades estrangeiras que prestam serviços a empresas agrícolas nacionais passando de 20% para 10% e eliminar a retenção na fonte da taxa de 20% sobre juros de financiamentos externos destinados a projectos agrícolas.
Entretanto, para a CTA, houve pecados que mancharam a governação de Nyusi. “O destaque vai para o sistema financeiro, nomeadamente, o endividamento público, através de Bilhetes de Tesouro, mas também o incremento de Reservas Obrigatórias aos bancos comerciais exigidas pelo Banco de Moçambique, alegadamente para que a economia flua com normalidade”, apontou Vuma.
Como a CTA tem vindo a queixar-se, os Bilhetes de Tesouro e o incremento de Reservas Obrigatórias são medidas tomadas pelo Banco Central, que apesar de ter as suas vantagens, sugam a liquidez (dinheiro) no sistema que poderia ser canalizado para a actividade económica.
“Mas também temos a questão dos raptos e sequestros. Estamos a contar cerca de 150 empresários raptados que, depois de pagar os valores exigidos, decidiram sair do país repatriando capitais imensuráveis, deixando vários moçambicanos desempregados”, acrescentou o Presidente da CTA, à margem do Informe Anual do Estado Geral da Nação apresentado há dias pelo PR Nyusi.
Para além de raptos, Vuma apontou o terrorismo como outro factor que manchou os 10 anos de governação de Nyusi. Reconheceu algum esforço levado a cabo pelas Forças Armadas, mas exigiu que os discursos feitos nesse contexto saíssem do papel para o terreno. (Evaristo Chilingue)
Passa um ano desde que o Governo criou a Comissão de Reflexão sobre o Modelo de Governação Descentralizada (CREMOD), com objectivo de ampliar o debate sobre o tema a todos os sectores da sociedade e encontrar modelos adequados para o país. No entanto, ainda não são conhecidos os resultados do trabalho desenvolvido, quando o país caminha para as IV Eleições Provinciais, de 9 de Outubro.
Criada em Julho de 2023, em substituição da CRED (Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade das Eleições Distritais), a CREMOD é composta por 23 membros e tem como missão trazer soluções para o actual modelo de governação descentraliza, que coloca o Governador da Província eleito em posição inferior em relação ao Secretário de Estado, que é nomeado pelo Chefe de Estado. A Comissão tem um mandato de 24 meses.
Na última quarta-feira, o Presidente da República esteve no Parlamento para apresentar o seu Informe Anual sobre o Estado Geral da Nação, mas não partilhou qualquer dado relevante sobre a CREMOD. Disse apenas que a CREMOD foi criada com a intenção de tornar a reflexão mais abrangente e participativa, na medida em que o novo figurino de governação descentralizada é um processo inacabado, contínuo e possível de se aperfeiçoar.
Recorde-se que desde 2020 que as províncias são comandadas por “dois Governos”, o central (representado pelo Secretário do Estado) e o provincial (representado pelo Governador), com competências quase idênticas, o que causou choques políticos entre as duas figuras durante os primeiros anos. Aliás, o Governador da Província, embora eleito, tem o seu poder reduzido em relação ao Secretário de Estado, que é imposto.
Para o Centro de Integridade Pública (CIP), era importante que a CREMOD já tivesse publicado um Relatório Preliminar para debate público, tendo em conta que o próximo ciclo de governação inicia já em Janeiro de 2025.
“Os resultados da CREMOD evitariam que o próximo Governo cometesse os mesmos ‘pecados’ praticados no primeiro quinquénio de implementação do modelo de descentralização vigente”, defende a organização, para quem o Relatório da CREMOD apresentaria a resolução das questões mais candentes que não podem transitar para o ciclo de governação que inicia já em Janeiro, com destaque para o conflito de competências entre os Órgãos de Governação Descentralizada Provincial e os Órgãos de Representação do Estado na Província.
Para além do conflito de competências, o CIP indica também a falta de clareza sobre os critérios de alocação do orçamento para cada província; e a ausência de regulamentação do regime fiscal próprio que se aplique ao novo modelo de governação descentralizada. Até hoje, sublinhe-se, os Governos Provinciais eleitos sobrevivem na base de fundos transferidos pelo Governo central. (Carta)
A Assembleia da República aprovou, esta quinta-feira, as Leis de Revisão da Lei n.º 2/2019 e da Lei n.º 3/2019, ambas de 31 de Maio, relativas à eleição do Presidente da República e deputados e à eleição do Governador e dos Membros das Assembleias Provinciais, respectivamente, vetadas pelo Chefe de Estado, em Maio último.
As referidas leis, a serem aplicadas nas VII Eleições Gerais (Presidenciais e Legislativas) e IV das Assembleias Provinciais de 9 de Outubro próximo, foram aprovadas com os votos favoráveis das bancadas parlamentares da Frelimo e Renamo, contra oposição da bancada parlamentar do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
Lembre-se que o novo pacote eleitoral havia sido aprovado por consenso em Abril último, porém, foi devolvido para reexame pelo Presidente da República, em finais de Maio, alegando que a aplicação das normas introduzidas “pelo nº 4A, do artigo 8, (…) e pelo nº 1 do artigo 196A, da Lei nº 2/2019, de 31 de Maio, suscitam dúvidas quanto ao mecanismo processual da sua aplicação”.
As normas em causa estão relacionadas à tutela jurisdicional e recontagem dos votos, ambas reclamadas pelos Tribunais Judiciais do Distrito e que o Conselho Constitucional chama para si, alegando serem da sua exclusiva competência. O mesmo aplica-se ao Projecto de Revisão da Lei n.º 3/2019, de 31 de Maio, sobre a eleição do Governador e das Assembleias Provinciais.
O Parlamento reapreciou as duas leis e eliminou os números 4A e 4B do artigo 8 e o artigo 54-A da Lei de Revisão da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, e os números 4A e 4B do artigo 161 da Lei de Revisão da Lei n.º 3/2019, de 31 de Maio. Igualmente, decidiu eliminar a expressão tribunal judicial do distrito no n.º 1 do artigo 196-A da Lei n.º 2/2019, de 31 de Maio, e no n.º 1 do artigo 167 da Lei n.º 3/2019, de 31 de Maio.
Assim, a nova redacção das duas leis atribui à Comissão Nacional de Eleições (CNE) e ao Conselho Constitucional a exclusiva competência de mandar recontar votos nas mesas de voto, conforme o caso, retirando, em definitivo, o poder dos Tribunais Distritais sobre a matéria.
No entanto, a decisão de proibir os Tribunais de mandar recontar votos foi política e não jurídica, tal como defende o Parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade, liderada por António Boene, futuro Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional.
De acordo com o Parecer da chamada 1ª Comissão da Assembleia da República, o veto exercido pelo Presidente da República sobre o novo pacote eleitoral “é de natureza política por não ter como fundamentos razões de inconstitucionalidade, declarados em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade pelo Conselho Constitucional”.
“Assim, o veto político encontra-se consagrado no n.º 3 do artigo 162 da Constituição da República que estabelece que o Presidente da República pode vetar a lei por mensagem fundamentada, devolvê-la para reexame pela Assembleia da República”, defende a 1ª Comissão, para quem as duas leis, depois de reapreciadas, “continuam a não enfermar de nenhum vício de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.
Aliás, foi com base nos argumentos da 1ª Comissão, que a bancada parlamentar do MDM votou contra o reexame das leis. A bancada parlamentar do “galo” defende que os Tribunais de Primeira Instância (os do Distrito) devem ter as mesmas competências que a lei confere ao Conselho Constitucional, excepto a da validade e proclamação dos resultados definitivos.
“Não estão em causa estados de alma ou posições ideológicas, mas a defesa intransigente do princípio constitucional de acesso aos tribunais. Impedir que os Tribunais Judiciais do Distrito conheçam o mérito das reclamações dos partidos políticos e decidir pela recontagem é um duro golpe à construção de confiança e transparência do processo eleitoral”, defende a terceira maior força política do país.
Por seu turno, a Renamo disse estar a favor das alterações “políticas” no novo pacote eleitoral, como forma de “evitar a confrontação institucional com a figura do Presidente da República por causa de matéria que se quer urgente e importante para flexibilizar as eleições de 9 de Outubro”.
Segundo António Muchanga, membro do Grupo de Trabalho para Elaboração do Ante-Projecto de Revisão da Legislação Eleitoral, coordenado por Ana Rita Sithole, a Renamo votou a favor por ter conseguido alguns ganhos na revisão do Pacote Eleitoral, como a introdução de um período de descanso para os membros das mesas de votos entre as 18h00 e as 19h00; a introdução de urnas transparentes; a penalização dos que enchem as urnas; e autorização da presença de jornalistas e observadores eleitorais durante o apuramento distrital.
Já a Frelimo diz ter acatado o expediente político do Presidente da República por entender que Filipe Jacinto Nyusi “fê-lo no interesse da salvaguarda dos mais nobres valores da democracia, assegurando maior clareza entre as competências dos diversos actores do processo eleitoral”.
Segundo o porta-voz da bancada parlamentar da Frelimo, Feliz Sílvia, votaram pelo reexame das leis “porque acreditamos que a Assembleia da República, na sua missão legiferante, deve garantir que todos os seguimentos da sociedade tenham clareza das leis e assegurando, assim, uma maior eficiência e eficácia das leis e consistência por parte do aplicador”.
Refira-se que o novo pacote eleitoral foi aprovado momentos antes do encerramento da X Sessão Ordinária da Assembleia da República, que coincide com o fecho da IX Legislatura do Parlamento, iniciada em Janeiro de 2020. (A. Maolela)
O ex-ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang foi ontem condenado nos Estados Unidos, no âmbito do caso das dívidas ocultas. O veredito foi dado por um júri federal em Nova Iorque, avançou a agência de notícias Associated Press (AP). Chang foi acusado de aceitar subornos e de conspiração para desviar fundos dos esforços de Moçambique para proteger e expandir as suas indústrias de gás natural e pesca, num plano para enriquecer e enganar investidores.
Chang, que foi o principal responsável financeiro de 2005 a 2015, declarou-se inocente das acusações. Os seus advogados disseram que o ex-ministro estava a fazer o que o seu Governo desejava quando assinou as promessas de que Moçambique pagaria os empréstimos e que não há provas de uma contrapartida financeira para o então governante.
Entre 2013 e 2016, três empresas controladas pelo Governo moçambicano contraíram discretamente empréstimos milionários junto de grandes bancos estrangeiros. Chang assinou garantias de que o Governo reembolsaria os empréstimos, cruciais para os credores.
As receitas deveriam financiar uma frota de atum, um estaleiro naval, navios da Guarda Costeira e sistemas de radar para proteger os campos de gás natural ao largo da costa do Oceano Índico. Mas banqueiros e funcionários do Governo desviaram o dinheiro do empréstimo, disseram os procuradores norte-americanos. "As provas neste caso mostram-vos que existe aqui um esquema internacional de fraude, branqueamento de capitais e suborno de proporções épicas" e que Chang "escolheu participar", disse aos jurados a procuradora adjunta norte-americana, Genny Ngai, nas alegações finais.
Os procuradores acusaram Chang de recolher sete milhões de dólares em subornos, transferidos através de bancos norte-americanos para contas europeias de um associado.
A defesa de Chang disse que não havia provas de que lhe tivesse sido prometido ou recebido um cêntimo. O único acordo que Chang fez "foi o acordo legal de pedir dinheiro emprestado aos bancos para permitir que o seu país se envolvesse nestas obras de infraestruturas públicas", disse o advogado de defesa Adam Ford.
Descobertas em 2016, as dívidas foram estimadas em cerca de 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,55 mil milhões de euros), de acordo com valores apresentados pelo Ministério Público moçambicano. Moçambique era, então, uma das dez economias de crescimento mais rápido do mundo durante duas décadas, segundo o Banco Mundial, mas acabou por mergulhar numa convulsão financeira. O Governo moçambicano chegou a acordos extrajudiciais com os credores, numa tentativa de pagar parte da dívida.
O escândalo das dívidas ocultas remonta a 2013 e 2014, quando o então ministro das Finanças aprovou, à revelia do parlamento, garantias estatais sobre os empréstimos da Proinducus, Ematum e MAM aos bancos Credit Suisse e VTB. Chang foi detido no principal aeroporto internacional de Joanesburgo no final de 2018, pouco antes de se tornar pública a acusação dos Estados Unidos. (Lusa)
“Já está agendado para esta X Sessão Ordinária [da Assembleia da República] um debate sobre a revisão da lei dos magistrados. Acreditamos que é de lá onde poderemos ter as soluções dos vários impasses apresentados pela classe dos juízes”.
Foi com estas palavras que, em declarações ao canal privado STV, no passado dia 10 de Julho, a Ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, vendeu a ideia de que parte das reivindicações levantadas pelos juízes no seu caderno reivindicativo seria respondida com a revisão pontual do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado na última esta segunda-feira pelos deputados.
No entanto, consultada a proposta submetida pelo Governo à Assembleia da República, constata-se que o documento se centra, na sua maioria, nos aspectos relacionados à eleição dos membros do Conselho Superior de Magistratura Judicial, no mérito para admissão dos Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo e em aspectos disciplinares dos magistrados judiciais.
Dos direitos e regalias dos juízes, apenas uma novidade é introduzida pela proposta aprovada, por consenso, pelas três bancadas parlamentares: a isenção de direitos aduaneiros aos membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial na importação de viaturas, prevista no artigo 144.
Os membros do Conselho Superior de Magistratura Judicial já tinham direito de serem tratados com deferência que a função exige; cartão especial de identificação; fórum e processo especial em causas criminais em que sejam arguidos e nas acções de responsabilidade civil por factos praticados no exercício das suas funções; assistência médica a expensas do Estado; passaporte diplomático para si, cônjuge e filhos menores; e a uma senha de presença.
Entretanto, se os membros do Conselho Superior da Magistratura Judicial mantêm o direito a uma assistência médica a expensas do Estado, o mesmo não acontece com a generalidade dos juízes, que deixam de ter esta regalia.
Os deputados reviram a alínea g) do artigo 43 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que previa assistência médica e medicamentosa gratuita para os juízes, cônjuges e familiares a seu cargo, a expensas do Estado.
No novo Estatuto, os juízes têm direito à “assistência médica e medicamentosa, nos termos da legislação específica”. Aliás, esta alteração foi introduzida pela Assembleia da República, numa proposta trazida pelo deputado António Muchanga.
“Quero propor que, no capítulo da assistência médica, os magistrados judiciais estejam sujeitos às disposições previstas no Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, que se conforma com o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado. Nenhum funcionário ou agente do Estado deve beneficiar-se sem contribuir para o sistema”, defendeu Muchanga.
Lembre-se que constitui uma das principais reivindicações dos juízes a melhoria das questões de segurança, independência financeira do poder político e a revisão salarial dos juízes, sobretudo após as incongruências detectadas durante a implementação da Tabela Salarial Única (TSU). Aliás, os juízes exigem o retorno à anterior tabela salarial.
A greve dos juízes inicia na sexta-feira, 9 de Agosto, e termina no dia 7 de Setembro, devendo ser prorrogada, caso não haja entendimentos com o Governo. Durante os 30 dias da greve, os juízes vão concentrar-se apenas em processos descritos na lei como urgentes, nomeadamente, os processos com arguidos detidos (incluindo habeas corpus e ilícitos eleitorais); processos de providência cautelar (na jurisdição civil, laboral e comercial); processos de menores (alimentos, cobranças, tutela e pedidos de autorização de viagem com menores); e processos de contencioso eleitoral.
Refira-se que a revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais abrange um total de 14 artigos, com destaque para os artigos 15 (sobre a promoção de juízes), 17 (sobre o mérito dos magistrados), 96 (sobre a prescrição dos prazos de instauração de processos disciplinares) e introduz novas normas, com destaque para o 17A, que versa sobre o “mérito em relação aos juristas”, nos concursos de admissão dos juízes conselheiros do Tribunal Supremo. (A. Maolela)
Um documento apresentado pelos procuradores durante as alegações finais do julgamento de Manuel Chang em Brooklyn (a que o CIP teve acesso), nos Estados Unidos da América, revela um ambicioso plano de negócios entre a Privinvest, a família Guebuza e outros importantes funcionários do Estado, na altura da contratação das dívidas ocultas.
Trata-se de um projecto para a criação de um Fundo de Investimento no Liechtenstein (país europeu), denominado Privinvest Holding Mozambique, que iria actuar em vários sectores de negócios em Moçambique, tais como o sector financeiro, imobiliária, petróleo e gás, agricultura, construção naval e até operações de jactos de luxo.
O Fundo de Investimento de Liechtenstein teria como principal accionista a Privinvest Holding (de Iskandar Safa) com 50%. Os outros 50% seriam detidos por um grupo de altos funcionários do Estado que controlavam sectores chave de governação na altura, a começar pelo próprio Armando Guebuza.
Entre os 50% dos moçambicanos, Armando Guebuza e o seu filho Armando Ndambi Guebuza teriam 50% das acções, Manuel Chang teria 20%, Gregório Leão José (director do SISE na altura) teria 20% e António Carlos do Rosário (director da Inteligência Económica na altura dos factos) teria 10%.
Com esta estrutura accionista estava garantido que a Privinvest Holding Mozambique tinha todas as condições de fazer lobby para o sucesso dos seus negócios em Moçambique. Aliás, no plano está referido que a Palomar Capital Advisors Switzerland, que seria detida a 100% pela Privinvest Holding Mozambique iria prestar serviços exclusivos de conselheiros do Ministério das Finanças em Moçambique.
Beneficiando-se do facto de Armando Guebuza ser o Chefe do Estado e do Governo, a empresa tinha o plano de actuar através da criação de empresas subsidiárias focadas nas seguintes áreas de actividades: construção naval; imobiliária; serviços financeiros; logística do sector do petróleo e do gás; agricultura; aluguer/venda de jactos privados.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América afirma que o plano de negócio entre Guebuza, outros altos funcionários do Estado e a Privinvest era apenas para ganhar mais dinheiro à custa do Estado.
Dirigindo-se aos membros do Júri, a Procuradora Genny Ngai afirmou o seguinte: “... Pearse contou-vos sobre uma reunião (...) que Boustani, o réu (Chang) e Do Rosário tiveram em Setembro de 2013 e essa reunião ocorreu na propriedade de Iskandar Safa, Domaine de Barbossi, no sul da França. E, nesta reunião, o réu (Chang), Boustani e Do Rosário, os três, tiveram esta ideia para ganhar ainda mais dinheiro. Boustani até diz, «Isto foi o que combinámos com os nossos amigos.» E, esta ideia de negócio ou esta ideia, é assim que funcionaria: a Palomar, propriedade de Safa, Pearse e Boustani, concordou em prestar serviços exclusivos ao Ministério das Finanças, que o arguido dirigia. E os serviços que a Palomar ia prestar era para ajudar a angariar dinheiro para esta coisa chamada Fundo Soberano, porque vejam bem, a Palomar era suposto receber 100 milhões de dólares em taxas do Ministério das Finanças e todo esse dinheiro ia fluir para esta empresa chamada Privinvest Holding Moçambique”.
As discussões da criação da Privinvest Holding Mozambique são de Setembro de 2013, segundo revelado nos documentos apresentados no tribunal. No entanto, não andaram porque no ano seguinte Guebuza terminou o Mandato e Nyusi, que o veio substituir não deu continuidade aos projectos das dívidas ocultas e, mais ainda, o escândalo rebentou quando as empresas moçambicanas entraram em incumprimento (default) levando os credores a revelar a existência das dívidas na imprensa. (CIP)