Há cinco dias que as escolas primárias e secundárias retomaram as suas actividades lectivas, no país, 365 dias depois da sua suspensão devido à pandemia do novo coronavírus. Trata-se de um regresso que continua a dividir opiniões entre os pais e encarregados de educação, tal como ainda dividem opiniões as medidas adoptadas em 2020, em particular o encerramento total das escolas e a passagem administrativa de todos os alunos que frequentavam classes sem exame.
Para perceber que ano lectivo teremos, em 2021, quase um ano após a sua suspensão, assim como entender a razoabilidade das decisões tomadas pelo Governo, em 2020, “Carta” conversou com o académico José Castiano, para quem a pandemia veio acelerar o que já acontecia no Sistema Nacional de Educação: a falta de uma aprendizagem efectiva.
“Nós fizemos vários estudos sobre o absentismo dos professores e estudantes. Notou-se que há dois tipos de absentismo: o primeiro é factual, ou seja, professores que não vão dar aulas e os estudantes ficam fora e têm entre duas a três horas efectivas de aprendizagem, no lugar de oito a nove horas. Outro tipo de absentismo, que chamamos de relativo, há presença do professor e dos estudantes, mas a aula não está a decorrer por várias razões, porque o professor ausentou-se ou está a fazer outras coisas e os alunos não estão atentos. Entretanto, a pandemia veio acelerar isto e as consequências são lógicas”, começou por dizer o docente de Filosofia na Universidade Pedagógica de Maputo.
Para José Castiano, se não forem tomadas medidas necessárias, neste momento, haverá uma grande catástrofe educacional, em Moçambique, devido, por um lado, à deficiência que se verifica na formação do professor e, consequentemente, do aluno; e, por outro lado, à deficiência do próprio material. “Em Moçambique, a qualidade do estudante é muito baixa e a Covid-19 só veio acelerar isso”, sublinha.
“Penso que o maior problema, neste momento, vai ser esse e deve-se evitar que a nossa educação seja das piores e sacrifiquemos as próximas gerações na competição para os postos de trabalho, a participação dos moçambicanos na indústria, sacrifiquemos nas investigações e publicação científica por causa destes problemas da educação que se arrastam”, acrescenta.
Entretanto, comentando em torno das mudanças impostas pela pandemia, o docente universitário sublinhou o facto de a Covid-19 ter chamado atenção aos decisores políticos da necessidade de acelerarem a introdução das novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, da Escola Primária até à Universidade.
Outra consequência positiva que deriva do novo coronavírus, segundo a nossa fonte, está relacionada ao facto de o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano ter reestruturado os conteúdos (devido à nova carga horária), o que permitirá, por um lado, ao professor adoptar estratégias pedagógicas justificadas, de modo que a sua presença e do aluno seja o necessário e, por outro, que o aluno ganhe a consciência da necessidade do estudo independente e de se organizar.
Aliás, sobre a divisão das turmas, José Castiano tem a seguinte opinião: “a primeira conclusão é que a pandemia obrigou a diminuição do rácio aluno/professor naquele tempo de contacto [na sala de aula], embora se tenha dividido a turma em três partes. Mas, em relação à eficiência e eficácia das turmas reduzidas, a pandemia obrigou a que aquilo que era uma utopia do futuro fosse feito às pressas, mas vai passar para aquilo que se chama nova normalidade”.
“Também se vai determinar se os professores têm sucesso ou não, se são treinados para atender sistemas híbridos; também se vai avaliar a gestão do professor, se aquela aula foi dada em tempo. Entretanto, isto implica que os professores ficarão sobrecarregados em termos de horas de trabalho”, disse a fonte, assegurando que as condições de trabalho do professor deterioraram-se, o que aumentou a pobreza no seio desta classe. (Marta Afonso)