Quando os ratos roeram tudo!
A fome transbordou,
a insegurança instalou-se
e a morte ironizou-nos!
Quando os ratos roeram tudo,
nada restou
a paz abandonou-nos
a guerra ressuscitou
o sofrimento eternizou-se
a desordem massificou-se
o caos evidenciou-se
e ninguém deteve os rebeldes.
Quando os ratos roeram tudo!
A ignorância venceu a razão
a ciência para nada serviu
a vergonha socializou-se
a prostituição legalizou-se
Quando os ratos roeram tudo!
A religião abandonou-nos
a cultura não sobreviveu
nenhum revolucionário lutou
a arrogância venceu a sensatez
Não deixemos que os ratos roam tudo! É tempo de agir.
Hoje, Dia de Acção Global da Vacina do Povo, comemoramos um ano desde que nós, como família global, enfrentamos a pandemia da COVID-19.
· Juntos, a humanidade compartilhou o trauma colectivo de administrar uma magnitude insondável de doença e morte em nosso meio.
· Juntos, em todos os cantos do globo, corajosos profissionais de saúde da linha da frente doaram sangue, suor e lágrimas para controlar a força maligna deste vírus.
· Juntos, navegámos nas mudanças para um mundo virtual e na ruptura dos meios de subsistência e modos de vida que isso gerou, bem como as novas demandas da vida doméstica que exigiam que cuidássemos uns dos outros, educássemos nossos filhos e nos conectássemos com os nossos entes queridos de maneiras antes inimagináveis.
· Juntos, aplicamos o melhor das nossas mentes médicas e científicas, bem como todas as facetas da nossa infraestrutura de saúde pública, para produzir vacinas que salvam vidas, numa velocidade e escala sem precedentes. Especialistas de alto nível e cidadãos comuns corajosos estão lado a lado nessa luta, enquanto os testes clínicos vão atravessando aldeias na África do Sul e comunidades no Brasil para laboratórios na Bélgica e na Índia. Olha, estamos todos juntos no campo de batalha.
Ainda assim!
Começamos a ver rachas perigosas e malignas emergindo no seio da nossa unidade e as divisões de desigualdades socio-económicas se tornando ainda mais nítidas. A ruptura económica e social causada pela pandemia continua a ser devastadora: centenas de milhões de pessoas correm o risco de cair na pobreza extrema, enquanto o número de pessoas subnutridas, atualmente estimado em quase 690 milhões, pode subir mais 132 milhões até ao fim ano. A UNESCO revelou a terrível estatística de que cerca de 1,52 bilião de alunos estão fora da escola em todo o mundo e que quase 10 milhões de crianças podem nunca mais voltar à escola após o bloqueio do COVID-19.
Ninguém ficou ileso. E, portanto, ninguém deve ficar sem imunidade ao vírus e à graça da resiliência que a vacina traz consigo. É por isso mesmo que a vacina é um direito humano de todos. A equidade na vacina não é apenas uma questão de saúde pública, é uma questão de justiça social e de sobrevivência colectiva.
Ninguém estará protegido contra COVID-19 até que todos estejam. Não haverá recuperação económica ou social para ninguém, em nenhum País, a menos que priorizemos uma recuperação global igualitária da saúde.
As vidas humanas são iguais em valor, não importa a lotaria geográfica do local de nascimento. Todos, repito - todos! Cada ser humano, não importa onde viva no mundo - precisa e merece acesso a vacinas que salvam vidas.
O nacionalismo em volta da vacina é uma catástrofe moral. A história nos julgará com severidade se não empregarmos todos os recursos à nossa disposição e alargarmos os limites da nossa imaginação para garantir que as vacinas estejam nos braços de quem precisa, de Maputo à Cidade do México e à Mumbai.
· Uma renúncia da Organização Mundial do Comércio (OMC) à proteção de propriedade intelectual para produtos médicos relacionados ao COVID é imprescindível.
· As empresas farmacêuticas devem entender que as vacinas são um bem comum e não uma mercadoria apenas para o seu lucro. Exorto-os a ouvir o clamor mundial por preços sem fins lucrativos das doses de vacina e de outras ferramentas da COVID-19 durante a pandemia.
· Não podemos operar como habitualmente o fazemos. Temos que normalizar as práticas comerciais incomuns - aumentar a capacidade de fabrico, compartilhar a propriedade intelectual e licenciar vacinas para outras empresas maximizarem o abastecimento.
· Governos, sector privado, multilaterais e filantropos precisam se unir para aumentar a solidariedade e aumentar o financiamento da COVAX.
· E a COVAX deve fornecer informações oportunas e transparentes aos Países destinatários sobre os preços, bem como o fornecimento esperado e cronogramas de entrega.
Uma catástrofe moral não deveria acontecer. Devemos actuar com responsabilidade colectiva e solidariedade como uma família humana para garantir que cada um de nós possa receber a vacina contra COVID-19. Não ousemos negar a nós próprios e às gerações vindouras a dignidade de uma vida saudável e de uma vitória sobre a COVID-19.
Que o país precisa de reconciliação é um dado adquirido e também, é um dado adquirido de que existe uma gama de perspectivas sobre a reconciliação, em particular sobre o ponto de partida para o efeito. De onde partir? Eis a questão. Isto a propósito de uma intervenção recente do presidente da Renamo na qual defende a criação de uma comissão para a reconciliação nacional como instrumento crucial para uma paz efectiva.
Na fala do presidente da Renamo subentende-se que ele circunscreve a reconciliação na esfera dos 16 anos de guerra travados entre o seu partido, então movimento de guerrilha, e o então regime marxista-leninista dirigido pelo partido Frelimo. A priori, um ponto de partida para a reconciliação, e também (mais) um assunto exclusivo entre os dois protagonistas-mor da história recente na decisão sobre os destinos da governação do país: a dupla Frelimo/Governo-Renamo. Por outro lado, há quem defenda um outro ponto de partida que - embora fora dos “direitos de exclusividade” da dupla citada - é bem anterior e com várias nuances, incluindo a dos 16 anos, e que decorre, por coincidência, de outros (e genuínos) “direitos de exclusividade” na governação de Moçambique independente e ao que parece, a sina da governação na Pérola do Índico.
A meu ver, é por aqui (“direitos de exclusividade”), um outro ponto (e prévio) de partida para a reconciliação nacional: o da guerra contra os “direitos de exclusividade” na governação do país. E aqui tomo, para fechar, a proposta do presidente da Renamo como parte, e que urge, de um debate sobre a reconciliação nacional. De toda a maneira: Alea jacta est!
Em finais de 2020, nas margens da bela praia do Wimbe, em Pemba, província de Cabo Delgado, um jantar magno e inesquecível foi realizado com os escribas. Numa terra assolada pela maldosa guerra e milhões de almas famintas, os escribas foram coagidos a não reportar com profundidade a triste realidade que a população enfrentava. Um jantar que serviu de entulho para calar as bocas dos escribas.
No encontro onde também foram atribuídos certificados de honra aos alinhados ao silêncio, os escribas tiveram que acompanhar um longo discurso xavequeiro e desprazimento para os outros órgãos de comunicação social que reportam sem ocultar a situação dramática que a população encontra-se a viver.
Não houve piedade e nem vergonha, o que contava para os organizadores da grande ceia era convencer aos escribas de que a guerra não era tão má e que o foco não deveria ser reportar as atrocidades, mas sim encontrar beleza, poesia e felicidade nas matas de Mocímboa, Macomia, Nangade, Palma, Quissanga e Muidumbe.
Os escribas ficaram alegres por jantar ao lado de nobres chefes, não se janta todos dias com direito a uma sobremesa de técnicas de tratar a informação. Os escribas, palitando dentes com a língua, concordaram que o pedido era legítimo e que os problemas do povo da província não seriam a prioridade e que tudo que fosse noticiado sobre a situação da província não teria anuência dos escribas locais.
Entre brindes foi dito que os directores, editores e jornalistas da Capital não faziam jornalismo, mas sim punham pregos à Pátria e traiam a soberania nacional. Os escribas locais foram, neste jantar, administrados uma vacina para sempre desmentir tudo que fosse pelo rebanho de investigadores da Capital. Morria-se em Cabo Delgado, mas no jantar morria a fome com lagostas, polvo guisado, nhede, arroz legume, camarão e outros pratos maravilhosos. Uma mesa repleta de whiskies, vinhos, cervejas e refrigerantes caros e raros aos olhos dos escribas que tanto trabalham e pouco ganham; o acordo já tinha sido selado: minimizar o drama humanitário que a população vive.
Desta vez, não foram moedas que atraíram os seguidores da seita de Judas Iscariotes, mas sim descompromisso com a missão do escriba, talvez para não seguirem as pegadas de Mbaruco, Abubacar, Adriano, Valoi ou outros que a "media intriguista" não reportou.
Na grande ceia, escribas como Mosse, Guente, Omar, Nhantumbo, Lima, Tom, Nhamire, Beula e os analistas de plantão foram julgados e condenados sem direito a um advogado; afinal era a grande ceia. As epístolas emanadas não eram passíveis de contestações e muito menos de questionamentos.
Nunca falei com esta mulher, jamais ousei aproximar-me de um vulto tão profundo e tão desconhecido e tão vulcânico. Na verdade já estive variadíssimas vezes perto dela, no mercado, onde quase todos os dias nos cruzamos e quase nos roçagamos, mas é só assim, sem nenhuma palavra. Eu sempre senti-me pequeno demais para um empreendimento que de longe supera todas as minhas capacidades. Não porque a desejasse, no fundo o que eu almejava era ser um simples conhecido de alguém que parece um felino, uma bela gata.
Pode ter ultrapassado o limite dos sessenta, e nessa idade o corpo, todo ele por inteiro, começa a secar e sobram poucos fios capazes de nos atrair e lembrar-nos de que estamos vivos. Porém, apesar dessa tragédia inevitável provocada pelo tempo, esta obra do Altíssimo ainda reverbera. Tudo nela parece intacto, incluindo o olhar fugidio, frequente em donzelas que transportam nos gestos as tenazes armadilhas da paixão.
Chama-se Genoveva Chacassane, um nome que parece resumir toda a estrutura de uma criatura que em si só já é um vendaval que não pára de criar o caos no seu percurso. Anda invariavelmente vestida de capulana e lenço de cabeça e chinelos e um cesto pendurado no braço, tudo novo, o que me leva a pensar que ela tem um baú interminável. Aliás o outro pormenor que a destingue é o colar de ouro que dança no peito farto, e as várias pulseiras, também de ouro, adornando os braços. Nos dedos não tem nenhum anel.
Há dias em que vou ao mercado só para ver a Genoveva Nhacassane, que brilha para além dos diamantes. Conheço a hora dela, não falha. Por vezes saio decidido a dizer-lhe qualquer coisa, nem que seja um disparate, mas quando chega a hora da verdade, vacilo como os mabecos humilhados pelos grandes predadores. Tremo de alto a baixo e volto para casa envergonhado pela minha incapacidade. Tento de novo outro dia e... nada! Bebo uns copos para ver se o álcool ajuda-me..... também nada!
Genoveva Nhacassane se calhar nem sabe que eu existo. Pior do que isso, provavelmente sabe e não me vê como nada. E na verdade pode ser este caso onde sou um personagem secundário, dispensavel, porque sempre que chego perto dela, sinto-me um nenhumano. Fico com medo perante tanta beleza chocante.
Genoveva Nhacassane é uma jazida de vários metais preciosos, já me apeteceu dizer isso para ela ouvir, mas as palavras nunca foram para além dos meus sentimentos, até ao dia em que tudo se revelou como o dia clareando a favor da nossa liberdade.
Partilhamos pela primeira vez o mesmo autocarro, num trajecto de cerca de dez quilómetros, de Guiúa (onde tinhamos ido fazer compras na feira agrícola das sextas-feiras) à cidade de Inhambane onde moramos. Estamos sentados lado a lado no mesmo banco, e eu pensar que seria aquele o momento para pelo menos dizer qualquer coisa, talvez um bom dia... qual! Encolhi-me na concha da minha derrota.
Genoveva significa “mulher branca como a espuma do mar”, e eu preparei-me várias vezes para dizer isso a ver se ao menos vai passar a conhecer-me, e nem isso consegui. Não tenho coragem. Agora não vejo outro caminho senão continuar a ir ao mercado, apenas para contemplá-la. Para contemplar esta linda gata que me mata aos pedaços.
Não sabemos se foi em wuhan, se foi por algum alimento, que isto começou. Primeiro julgamos o profeta por não ter previsto e sequer conhecer a cura; seguimos pensando que era falsidade dos governos, querendo apoio; exigimos além da idade do caso confirmado, o nome e a localização, precisávamos ver para crer; a seguir julgamos a medicina mundial por não descobrir a cura ou vacina contra isto antes das mortes; pensamos que a máscara irritava, apertava a respiração; lavar as mãos não tinha nada a ver, fechar barracas não era a solução porque vivemos disto.
Agora tudo está desorganizado!
O polícia agora anda nas ruas da cidade a controlar as pessoas para não se comportarem mal. Banalizamos tudo no começo, mas custa acreditar que a meta para 2021 é acordar vivo no dia seguinte. Isto está nos conseguindo! Nunca a morte esteve próximo de nós como está hoje. Nos falta até o tempo de prestar as devidas condolências, enquanto lamentamos esta, aí vem outra morte.
Essa sucessão de mortes quebrou em nós um ritual africano. Cá entre nós, quando se morre sempre se sabe quem é o culpado. Agora estamos a ser civilizados à força, acreditamos nos relatórios médicos sobre a morte dos nossos parentes, o que nunca foi cultura. COVID-19 está quebrando com a nossa cultura de chorar as mortes, o feitiço do tio mais invejoso, da vizinha complicada, daquele subordinado que quer a "cadeira", por esses dias ignoramos. Covid-19 ganhou o espaço de destaque, já não há feiticeiro entre nós, até que há, pode estar atrelado a isto, mas não mais interessa falar dele.
Se há uma coisa que a vida tinha que reduzir é a própria velocidade, se há alguma coisa que devia se adiar é a morte, nem que fosse injustiça aos já tombados que não se beneficiariam desta proclamação, ao menos daqui para frente eu e tu não passaríamos pelos murais com a legenda RIP! RIP/DEP, os telefones de alta correcção na grafia já sabem bem dessas três letras, pressiona o R, logo sai RIP, estamos no segundo mês de 2021, em termos de mortes já estamos longe, se a morte continuar flutuando de certo que encontrará a mim e você também...
Faltam ainda 10 meses para o ano acabar. Iremos na lógica de Berthold Brecht no seu raciocínio indutivo no intertexto sobre os negros levados. Hoje corona levou a elite, amanhã o vizinho, e isso não te toca porque a ti resta apenas o recurso de te vestires de preto (como dizia caveirinha), mas amanhã, quando ficarmos sozinha corona vai levar a nós. Nas eleições fazemos campanha e a propaganda ganha espaço desde a indumentária, mídias e em tudo, hoje estamos na campanha da morte, partilhamos o corro da desgraça, o obituário, necrologia é o texto mais partilhado por esses dias, é doloroso morrer assim.
E agora, se nós dois estamos aqui e no meio temos este texto?
Lavemos as mãos, usemos a máscara, distanciemo-nos socialmente, desinfectemos os nossos espaços. Não seremos imortais por isso, mas teremos feito a nossa parte.