É comum ouvir de que Moçambique herdou um Estado atrasado e que a culpa fora o azar de o seu colonizador (Portugal) também sê-lo e assim ter obstruído o desenvolvimento. Nesta visão subjaz a ideia de alguma pena em não se ter explorado ainda mais o país e por mais tempo, porventura desde a chegada de Vasco da Gama, em 1498, e não apenas com a ocupação efectiva nos últimos 72 anos da colonização. Para esta visão, a alternativa que traria desenvolvimento é a de um colonizador rico/desenvolvido (Inglaterra). Assim não foi e ao que parece paira alguma mágoa em não ser a língua inglesa, a oficial de Moçambique.
Em 1975, o facto de Moçambique ter herdado um território com o seu potencial ainda por explorar é visto como fatalidade e não como a oportunidade que o país teve para afirmar, e de raiz, um rumo autóctone do seu desenvolvimento. Aliás, no discurso presidencial do passado dia 25 de Junho, a data da independência, os ganhos reivindicados soam trabalho porque o ponto de partida estava bem próximo de zero e o ponto menos próximo de zero não teve a devida continuidade, mesmo que em moldes diferentes, fora devastado. Ademais, a trabalheira de “Escangalhar o Aparelho do Estado Colonial”, caso este fosse o de um país desenvolvido, eventualmente, e nos tempos que correm, ainda seria uma árdua e soberana tarefa.
Do exposto, transcorridos 45 anos da independência nacional, depreende-se que a inferência de que o actual atraso de Moçambique é por culpa do atraso de Portugal é equivalente a de que o país seria uma forte e pujante economia caso Portugal, à época da colonização, tivesse o poderio da Inglaterra, ou este o colonizador, ficando a dúvida se a sorte de Moçambique seria bem diferente e melhor que a do grosso das independentes colónias inglesas, em particular as de África. Todavia, acredito que seja um lapso a leitura de que a colonização é boa desde que sob a égide de um colonizador rico/desenvolvido e de que na sua retirada, deixe desenvolvimento e não o atraso do colonizado. E também acredito, que já é tempo do atraso de Moçambique assumir uma outra paternidade.
PS: Em uma das suas visitas à Moçambique e antes de ocupar a presidência portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, falando da passagem afectuosa do seu pai por Moçambique, na qualidade de Governador-geral, fez um comentário que mereceu, na altura, um raspanete, salvo erro do “Bula-Bula” (a última página do Jornal Domingo). “O meu pai foi um colonialista bom”, cito o comentário de memória. “Como se o colonialismo fosse algo bom”, cito, e também de memória, o dito raspanete.
Tenho dito incansavelmente que a coisa que mais me preocupa nesta nossa juventude é a falta de foco. Não sei se isso é incompetência ou preguiça ou medo ou negligência ou efeito de álcool e narcóticos ou falta de tempo ou sei lá.
Temos consciência dos inúmeros problemas que nos assolam e também temos consciência que somos nós próprios que temos de resolvê-los. A ideia que está nas nossas cabeças é participar dos fóruns de tomada de decisão para mudar o rumo das coisas. Ou seja, lutar para alcançar o poder para poder discutir os assuntos com uma visão mais contextualizada e realística. Do tipo ser como Eduardo Mondlane: ter consciência dos problemas do país, conhecer o inimigo, desenhar estratégias de combate e eliminá-lo. Mas, infelizmente, não é isso que acontece connosco.
Estou muito preocupado connosco. Quando alcançamos o poder a primeira coisa que fazemos é não reconhecermos os problemas que tínhamos assumido antes de ali chegarmos e pelos quais fomos confiados o lugar. Segundo, criamos problemas fantasmas que nos desviam dos problemas reais. Inventamos assuntos para distraírmos os menos atentos. Terceiro, assumimos que somos os mais sábios e inteligentes do que todos os restantes jovens que estão na periferia do poder. Quarto, queremos comer o poder. Ou seja, sermos os primeiros beneficiários do poder. Dinheiro e mordomia. Quinto, prepararmos a nossa própria reintegração. Achamos que já servimos o país o suficiente que já não podemos fazer mais nada. Damo-nos o direito à reforma precoce.
Falta de foco. O Janfar diz que a nossa Ele-A-Eme, a aviação de bandeira, está muito bem, que está a fazer muito dinheiro e que está a concorrer para "miss universo" de aviões. O Gilberto é esse que já arranjou fantasma dele: o problema do nosso futebol é o nome da seleção. Se for Rinoceronte, iremos ao Mundial. Petersburgo é aquele que consegue criar 400 empregos por dia, em plena pandemia de Covid-19, com aquele seu teorema que acordou Einstein e Pitágoras. A mana Eldevina é essa da cultura e turismo, a qual se gratifica com um disco de Eme-Ci-Rodja e um pacote turístico ao Bazaruto a quem conseguir achá-la mais gorda ou magra. Os jovens que estão no parlamento são aqueles que só estão a contar os dias para se auto-reintegrarem.
Estou a imaginar, se estivéssemos na década de 1960, em Tanganhika, imbuídos do sonho nacionalista de libertar o pais. O que seria de nós? Estaríamos a dizer que o país está muito bem, a desenvolver e o povo a gozar de muita liberdade e paz. Estaríamos a dizer que a escravatura e o xibalo é uma forma mais criativa e avançada de ginástica acrobática para o bem da saúde física e mental. Estaríamos a dizer que o problema do país é o nome Moçambique... porque dizer "Môôô" é uma forma tradicional de assustar crianças. Estaríamos a dizer que o nome Moçambique é muito ingénuo porque começa com "MOÇA" e moça é adolescente... só se for RAPAZmbique. Estaríamos a procurar um nome em extinção, protegido e que vende. Os que venceram na frente de Tete já estariam a se reintegrar e não aceitariam passar à frente de Niassa.
Foco é tudo. Não teríamos malta Josina, Marina, e companhia, porque muitas guerrilheiras estariam a fazer selfies na casa de banho do quartel ou, então, a procurarem xixi de macaco. Não teríamos Samoras, Manyangas, Mondlanes, Guebuza (não, este teríamos) porque muitos guerrilheiros teriam se perdido no mato a procura de gonazololo. Sem contar com aqueles historiadores, físicos nucleares, advogados, e quejandos que se teriam especializado em escovar as botas de Eduardo Mondlane. Nada de sacrifícios, só mordomias. Na hora de atravessar o rio Rovuma, íamos querer sentar na classe executiva da canoa.
Estamos sem foco e os nossos reais problemas desapareceram. Somos uma geração sem problemas.
- Co'licença!
A “Política do Manípulo” é uma das formas de pressão que é utilizada entre nações, e não só, de modo a prevalecer os superiores interesses de quem a recorre. A Rússia é o exemplo paradigmático, aplicando-a com o contrato de fornecimento de gás no seu relacionamento tenso com a Ucrânia. Por cá, ela não é estranha e baste que se lembre da empresa EDM (Electricidade de Moçambique), sobretudo quando o assunto é a manutenção de equipamento, o de clientes com facturas atrasadas, e também, e é recente, em casos incomuns como foi o de um jovem que escalara (por amor?), na Matola, uma das torres de transporte de energia.
Do intróito está claro de que ficar “às escuras” e por força da “Política do Manípulo” é também uma forma de resolução de problemas. E se ainda sobra alguma dúvida, notadamente em relação a sua eficácia, reforço a aclaração com mais dois exemplos, sendo um desportivo e outro eleitoral. No desporto, e cito o basquetebol, quem não se lembra de algumas das suas noites memoráveis às custas do recurso ao manípulo do quadro eléctrico do Pavilhão do Maxaquene e, creio, em algum momento, o da EDM. Nas eleições, particularmente na contagem de votos, consta a ocorrência sincrónica do milagre da multiplicação, e de invejar à Jesus Cristo, com o corte cirúrgico no fornecimento de electricidade.
Contudo, o recurso à “Política do Manípulo”, embora pareça sólida, nem sempre é a solução acertada para os problemas. Assim é, e há mais de três meses, com a pandemia da Covid-19. Sucede que depois que fora accionada a posição “OFF” do manípulo, não se acautelara um conjunto de procedimentos – os ditos esforços nesse sentido -, que propiciassem uma resposta adequada e equilibrada aos problemas que determinaram o apagão, e de que só depois é que se accionaria a posição “ON”. Com o desespero à vista e havendo a necessidade de libertar alguma energia para certas áreas, o Presidente da República, no quadro da 3ª prorrogação do estado de emergência, accionou o manípulo geral, deixando alguns disjuntores na responsabilidade dos timoneiros das respectivas áreas. E aqui, em algumas das áreas, e de tanta escuridão, já ninguém sabe onde localizá-los ou de quem é a responsabilidade por accioná-los e nas condições que se acharem criadas.
Em suma, a fechar, fica o alerta de que trilhar pela “Política do Manípulo”, consciente ou não, nem sempre resulta e o seu recurso, mormente no processo de governação, fora caro, é para quem pode e não para quem quer. Por enquanto, a avaliar o acalorado debate sobre o regresso ou não às aulas, resta-me apenas apelar à calma que a procissão ainda vai no adro.
P.S: A propósito do recurso à “Política do Manípulo”: nos tempos do “Apartheid” na África do Sul e da “Guerra dos 16 anos” em Moçambique, enquanto a EDM emitia “Avisos de Corte” aos seus clientes devedores, a África do Sul fazia “Cortes de Aviso” no fornecimento de energia à Maputo. Tenho de memória esta situação e creio que mereceu, na altura, uma carta do leitor.
Por Luís Loforte
A partir do entendimento quase generalizado de que a mão externa aproveita-se das dissensões internas para os seus desígnios, fácil será entender o ponto de vista do João Bernado Hon'wana. Quem viveu o colonialismo e observou com atenção algumas das suas tácticas, há-de ter observado que os estigmas tribais foram fomentados pelo fascismo com o fito de "dividir para reinar". É um jargão, sim, mas era esse o objectivo.
No Sul e no Centro também abundam esses estigmas sociais. E, como sabemos, os estigmas conduzem sempre à marginalização. Aqui, falo do que julgo saber. No Sul, os estigmas foram sendo esbatidos pelas transferências massivas de funcionários públicos para o Centro e Norte, onde, num meio inicialmente estranho, as famílias foram desenvolvendo sistemas de solidariedade entre elas. Se rongas e manhambanes execravam os changanes, e estes vilipendiavam manhambanes e rongas (que estes até se casavam entre si sem problemas), os encontros no Norte e Centro foram aplacando e silenciando os ânimos. Tendo vivido em Cabo Delgado por muitos anos e à província me liguei para sempre por laços de sangue, posso com toda a segurança dizer que as dissensões entre macondes e mwanis estão a ser amplamente aproveitadas pela mão externa: no tempo colonial, o maconde era o "imundo inculto", e este, hoje (após a Independência), é a expressão da vingança. Só faltava o fósforo!
De resto, nem sempre negociar significa falar em volta de uma mesa, com mediadores ou sem eles. Só gastamos dinheiro com essas mediações!
Na minha modestíssima opinião, "negociar" passaria por implantar um ensino sério e profissionalizante, acabar com a polarização das oportunidades (quem não sabe a que mãos cai sempre toda e qualquer riqueza que por lá se descubra?), desfamiliarizar, despartidarizar e destribalizar as instituições, promover eleições sérias e convincentemente transparentes. Doutra forma, estamos a enganar-nos uns aos outros. Será isso que o João Hon'wana quis dizer?
Já não me lembro exactamente em que termos, mas foi mais ou menos isto que a brigada do primeiro recenseamento da população em Moçambique, em 1980, em Mocímboa da Praia e por mim chefiada, escreveu no relatório a que fomos obrigados escrever. A pobreza, o cansaço mental, a impaciência, a distribuição desigual, a concentração dos poderes nos mesmos, que se reproduziam, já eram, por então, sinais de que um dia seriam o combustível da insurgência. Em 2017/2018, posso ter concluído, exactamente, a mesma coisa, mas agora em fase bem avançada. Posso estar errado! (Luís Loforte)
Eu nunca quis escrever-te esta carta. Fui relutante todo este tempo, com receio de avivar as feridas abertas em todo o meu corpo. Acordava nas manhãs decidido a sentar-me diante do computador e dizer-te tudo o que sinto na minha dor, e não conseguia alinhar as palavras que saíam das teclas silenciosas. Vacilava perante o teu rosto que ressurgia, reflectindo-se no ecrã como lâminas a percorrerem-me toda a anatomia, e eu tremia de medo e de sofrimento. Parecia que tu próprio tinhas medo de qualquer coisa, e isso assustava-me. Os teus olhos sangravam no rosto aterrorizado, aterrorizando a mim também.
Mas já não podia suportar o padecimento de incubar as palavras que iam explondindo uma por uma para dentro de mim, por isso hoje decidi escrever-te, e não me importo com as consequências, nem que venham a ter o efeito de boomerang. O que dói é perceber que toda a aurora que andaste a alinhavar nas noites ecuras sem fim, ficou contigo, e com os filhos que saíram do ventre amaldiçoado da tua mulher. Isso é que me castiga. Mentiste para nós, e para ti próprio, dizendo que lutavas pela libertação do povo inteiro, porém o que vejo é a bazófia dos teus dias abastados.
Passei toda a noite em atalaia, arrotando o sangue das sílabas que desejavam ardentemente a liberdade. Fechava os olhos e via crianças com máscaras de papelão apanhado na gandaia, como se fossem foliões, pedindo-te com os olhares despedaçados, as migalhas de pão que sobra todos os dias dos teus banquetes. Elas têm os pés descalços, enrijecidos pelas pedras do caminho que lhes leva a opacidade. Estão nuas, ou na melhor das hipóteses, usam saiotas de farrapos, e as barrigas avantajadas murmuram de fome.
É este o quadro de dor que nos ofereces no teu cinismo, desmentindo Samora no auge do poder, as crianças são as flores que nunca murcham! Claro que isso não é verdade, estas crianças penduradas no caudaloso estendal da miséria, já nasceram murchas, sem o leite que não vai sair dos seios esfomeados das mães sem perspectiva. Elas foram vomitadas para a desgraça, e tu, meu caro antigo combatente, habitas em mansões erguidas por cima de todas essas chagas. Insensível ao clamor slencioso de quem não tem nada.
Pois é, eu já queria dizer-te estas palavras que me engasgavam, mesmo assim não me sinto livre. Sei que és indiferente a todas as poeiras que levanto na minha revolta. O pior é que ainda tens a coragem de te dirigires às crianças famintas, com essa garrafa de água mineral que trazes nas mãos, e bebes à frente delas sem remorsos, enquanto o espampapanante carro aguarda-te para te devolver ao palacete, onde vais megulhar nas poltronas adquiridas a custa da miséria dos petizes.
Era só isto que eu queria dizer-te, meu caro antigo combatente. O resto está nos olhos dos meninos, e no vácuo das suas vidas. Um forte abraço!
O Conselho Nacional da Juventude (Cê-Ene-Jota) recebeu cinco milhões de Meticais do Instituto Nacional da Juventude (I-Ene-Jota).
- I-Ene-Jota: esperamos que este valor seja usado correctamente e de forma transparente e que a prestação de conta seja atempada.
- Cê-Ene-Jota: sim, sim, sim! Já ouvimos. Vamos usar esse dinheiro de forma muito transparente e vamos justificar logo logo.
- I-Ene-Jota: uma parte desse dinheiro usem para realizar a vossa assembleia geral e a outra usem no que vocês bem entenderem.
- Cê-Ene-Jota: tá bom, tá bom! É isso aí! Falô, broder!
Quando se diz "monólogo" é isso. Solilóquio. Na oratória ou no teatro, monólogo é um diálogo de um personagem consigo mesmo. Falar com o seu próprio "eu”. O monólogo é bonito e atraente quando é feito artisticamente. O melhor monólogo que já vi e me excitou bastante foi interpretado por Dadivo José. Não me lembro do título, mas é outro nível. Já este monólogo que vi ontem é bastante enjoante. É que no fundo fundo, o Cê-Ene-Jota é o mesmo que o I-Ene-Jota. Não há diferença. Um é o outro e o outro é um. É a mão direita dando dinheiro a mão esquerda... da mesma pessoa.
Na verdade, a questão é: o que é que estas duas instituições juvenis fazem em concreto em prol da juventude deste país? Fora os delírios, sonhos e burla de expectativas, o que fazem na vida real? Deixando de lado notícias do tipo "Cê-Ene-Jota realiza assembleia geral", "Cê-Ene-Jota elege novo presidente", "Cê-Ene-Jota satisfeito com desempenho do governo", "Cê-Ene-Jota condena os ataques no centro do país", Cê-Ene-Jota pensa em construir habitações para jovens", "Cê-Ene-Jota recebe 5 milhões do governo", "Cê-Ene-Jota e Ó-Jota-Eme unidos na mesma cama", etecetera, etecetera,... o que é que o Cê-Ene-Jota faz de concreto no seu dia-a-dia? Desculpa, a pergunta nem devia ser essa! Seria: o que é que o Cê-Ene-Jota já fez de palpável nessas quase três décadas de existência? Usar de forma transparente esses cinco milhões é como?
E este tal de I-Ene-Jota o que é que faz na vida real? Fora entregar dinheiro ao Cê-Ene-Jota, o que mais fez antes? É uma instituição que sempre existiu ou foi criada ontem mesmo só para entregar dinheiro ao Conselho? Tem termos de referência? Tem plano? Tem orçamento? Tem funcionários?
Como dizia, este foi o pior monólogo que já vi na vida. Convidar jornalistas para verem uma mão lavando a outra e as duas lavando a cara. Petersburgo esteve no Cê-Ene-Jota e não consigo ver algo de prático que tenha feito. Agora, é a vez do Formiga, que também não consigo ver nada de concreto, senão promessas de construir habitações que nunca se concretizam. Será que os jovens desta Pérola precisam mesmo dessas duas instituições? Muda alguma coisa, se elas não existirem? Ou estamos a gostar desses monólogos sem fim?
O que acabou de ler é um monólogo também... de um apóstolo da desgraça... para reflexão.
- Co'licença!