Vezes sem conta, ao volante do meu carro ou então em caminhadas para execucação das minhas tarefas do dia-a-dia, encontro-me a observar minuciosamente para as rachas dos edifícios da nossa capital, Maputo. Pergunto-me até quando irão resisitir as estruturas dos nossos edificios, que ja não são recentes e para piorar, apresentam rachas, infiltrações, reabilitações que além de desordenadas e fora de hora, danificam as estruturas da maioria dos edifícos da cidade de Maputo. Será preciso que um desastre aconteça para que os de direito reajam a este fenómeno? Eu sou suspeito a falar, porque resido num prédio de 16 andares, cuja degradação assume cada vez mais cenarios preocuopantes, feliz ou infelizmente, o edificio onde vivo, esta melhor que alguns que vejo. Pensemos! Um edificio de 16 andares tem 32 flats e vivem aproximadamente 200 pessoas, se julgarmos que cada família seja composta por 5 pessoas. Quantas “vidas”, quantas crianças, quantos sonhos, que podem acabar em edificios que podem desabar a qualquer momento. E os impostos prediais pagos a direcção da cidade? Até hoje, nunca me deparei com algum técnico ou engenheiro que fosse avaliar o estado dos edifícios. Quererá isso dizer que o município não está preocupado com a condição e segurança de vida dos municípes? Eu espero, porque confio no seu bom trabalho, que Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hidrícos, Osvaldo Machatine, tenha um plano para esta situação porque como se diz, “é melhor prevenir do que remediar”. E para que não me acusem e nem eu mesmo me sinta culpado por apresentar apenas problemas e não soluções, deixarei ficar algumas das minhas opiniões para possivel resolução ou minimização deste problema:
Afinal, tio Vahanle existe!? Vive aqui mesmo na cidade de Nampula!? E tem ido ao seu gabinete trabalhar!? Tem equipa de trabalho!? Recebe salário pelo trabalho que faz!? Quer dizer, assim como a cidade está tem um Presidente que ganhou eleições para gerí-la!? E esse Presidente tem a sua equipa de assessores, directores, vereadores, técnicos, etecetera!? Verdade...!? Juuuuura!!!
Custa-me acreditar que a cidade de Nampula tem um gestor. Se isto é gerir, então, podemos assumir que Nhongo também está a gerir a região Centro. Na verdade, a diferença entre Nhongo e Vahanle é que o primeiro se esconde no mato e o segundo, na casa protocolar. Nampula está chamuscada. É buraco, é lixo, é cheiro, é vendedor no passeio - aliás, na estrada. As medidas tomadas são "paracetamólicas" para a imprensa registar. Aqueles jardins que Amurane reabilitou e brilhavam já ruíram. Aquelas flores que Amurane plantou morreram de tédio. Até as flores que estavam no próprio edifício do Município murcharam. É uma cidade esquecida. Acho que sem nenhum gestor a cidade podia estar melhor do que está hoje.
Assim, quando ouço que o edil Paulo Vahanle está vivinho-da-silva com sua equipa a trabalharem, fico assarapantado. Estão a trabalhar em quê concretamente!? Afinal, o trabalho deles não é gerir a cidade!? Não é cuidar dela!? Andam pelos bairros urbanos e suburbanos!? Vêem as estradas!? Falam com os munícipes!? Ou pensam que o seu trabalho se circunscreve apenas ao ar condicionado do gabinete e do "fô-bai-fô" protocolar!?
Não é este Paulo Vahanle que sonhamos. Venderam-nos galinha por perdiz. De resto, se estivesse disposto em chamar os bois pelos nomes, diria que Vahanle é a maior burla democrática que já vi. Uma fraude monumental. É lerdo demais. Não vê, não ouve, não fala e não anda. Só respira, come e caga. É com muita tristeza que digo isso. Infelizmente! E parece que os seus assessores viraram acessórios. Os serviços municipais, hoje, são catacumbas de funcionários esfomeados ávidos em encher os seus próprios bolsos.
Ainda não vimos nada que seja trabalho de Paulo Vahanle. Eu, que fui observador eleitoral nas eleições que levaram o Vahanle ao trono, sinto-me triplamente defraudado. Também estou a sofrer "trêji-veji", como Mazamera. Querer que tio Vahanle seja como Amurane é pedir demais. Amurane também exagerava na qualidade. Mas é imperioso saber onde anda a "fórmula do sucesso de Mahamudo Amurane". O que fizeram com a "receita mágica de Amurane"? Deitaram fora!?
Paulo Vahanle entrou no Município com largas vantagens em relação aos demais edis. Ele já tinha a "receita mágica" deixada pelo falecido. Cabia ao tio Vahanle trazer os ingredientes (até porque muitos já estavam lá) e montar o fogão. Podia não inovar mais, mas, ao menos, manter o que já tinha sido alcançado. Não precisava ser inteligente como Amurane, mas também não precisava ser pior que Tocova. E, honestamente falando, ser pior que Tocova é uma classificação que desportivamente não existe. Se tiver que existir, vai merecer um prémio. É do tipo ficar atrás do último classificado... perder com quem sequer competiu.
Quem estiver perto do Paulo Vahanle deite-lhe um pouco de água fria à cabeça, e grite: acorda, tio Vahanle!... só tens mais dois anos.
- Co'licença!
Finalmente! Depois de um trabalho aturado, usando as mais recentes tecnologias de ponta, um grupo de cientistas de um consórcio das melhores universidades de Moçambique, descobriu que, afinal de contas, quem anda a destruir Moçambique são as Redes Sociais. A boa nova foi dada a conhecer em primeira mão pelo Chefe de Estado depois de dois dias de Conselho de Ministros ALA(r)GADO que decorreu em Pemba.
Infelizmente, os cientistas não especificaram, concretamente, qual é a plataforma que tem sido obstáculo ao desenvolvimento do país. Não disseram ao Chefe de Estado qual tem sido a rede social vilã do processo de crescimento do país. Não foram precisos nesse ponto. Não foram claros. Mas a verdade é que não são os gatunos, a corrupção, a má gestão, etecetera, que estão a destruir este nosso Moçambique. Não! São as redes sociais... vagamente.
Seja como for, de certeza que não é o "Feicibuque" o mau da fita. É que o Chefe de Estado tem uma página no "feici" que ele usa para interagir com o povo. Um espaço onde ele partilha as suas ideias e realizações esperando colher sensibilidades. E tem recebido muito "fidi-bequi", pelo menos que se saiba.
Aliás, é no "Feicibuque" que o Chefe de Estado encontra os melhores quadros deste país. A título de exemplo, foi aqui onde o Chefe de Estado encontrou um professor e coreógrafo da arte da malcriadez e o nomeou Pê-Cê-A de um parque que se dedica (melhor, devia-se dedicar) à ciência e tecnologia.
De resto, o tal "Pê-Aga-Dê" está a fazer um grande trabalho científico e tecnológico lá. Ele também fez o seu estudo a solo onde concluiu que o jornal "Carta" devia ser encerrado e os seus colaboradores, fuzilados em leilão por estarem a retratar a realidade miserabilista da guerra em Cabo Delgado. De acordo com o seu comunicado de imprensa científico e tecnológico, as Forças de Defesa e Segurança "devem conjugar inteligência e acções enérgicas---mesmo as extra-legais!" contra o jornal e seus profissionais. Só que ninguém entende por que raio a tal "inteligência e acções enérgicas" não são convocadas para acabar com o terrorismo no terreno de uma vez por todas. Parvoíces!
Definitivamente, se o país está a ter problemas, não estão a sair daqui. Aqui no "Feicibuque" não há nenhum stress. Aqui estamos muito bem. Estamos a conviver com os acólitos do sistema de forma muito civilizada como mandam os bons costumes. Aqui debate-se com muita etiqueta. Só as vezes as pessoas se insultam... as vezes mesmo... muito raramente. No "Wati-Sapi" também creio que também não haja problemas relevantes.
Eu acho que, se existe uma rede social onde o governo e o povo não têm interagido bem é no "Eme-Pesa". Esta tem sido, até agora, a única plataforma, ao meu ver, que o governo não tem dado o devido valor para se comunicar com os cidadãos. Há que melhorar muito. Se o governo usasse o "Eme-Pesa" como tem usado o "Feicibuque" para interagir com o povo, hoje nem estaríamos a falar nesse assunto. Se os acólitos do sistema estivessem de plantão no "Eme-Pesa" a exibir a sua estupidez como têm estado no "feici", seria uma harmonia total.
O problema é que na rede social "Eme-Pesa" só conversam entre eles. Depois de trocarem ideias no "Eme-Pesa" aportam no "Feicibuque" para guengarem o povo. E é aqui onde o povo manda os gajos pentearem macacos. Acrobacias aqui, não!
- Co'licença!
Há poucos dias, compulsando caixotes de arquivo, achei o original do livro “O Processo Histórico” de Juan Clemente Zamora que prometera oferecer a Marcelino dos Santos, histórico nacionalista, poeta e político moçambicano. A decisão de oferta foi em resposta a curiosidade dele em conhecer a minha biblioteca, manifestada durante uma de duas longas reuniões em que eu participara com ele e outros convidados no mês de Janeiro de 2007. Recordei-me da promessa no texto “Por onde andas, Kalungano?” escrito e publicado, em Maio de 2019, por ocasião da celebração do seu 90º aniversário natalício.
Na publicação do texto, um dos comentários dizia: “Há que saldar igualmente a promessa oculta” (oculta no sentido de que Marcelino não sabia de tal promessa). Confesso que me arrependo por não tê-lo feito e hoje, 11 de Fevereiro de 2020, com a sua morte, a dívida - fazer chegar “O Processo Histórico” a Marcelino dos Santos, também Kalungano, Lilinho Micaia ou ainda “Dôs Santos”- ainda continua por saldar. Segundo Óscar Monteiro, outro nacionalista moçambicano, o “Dôs Santos” era o toque francês pelo o qual o mundo chamava a Marcelino dos Santos nos corredores das conferências internacionais.
Enquanto penso numa alternativa à física para a entrega do livro e fora os episódios dos “meus encontros” com Marcelino dos Santos, narrados no texto a que me referi acima, vêem-me à memória outros momentos e circunstâncias, não tão importantes, mas interessantes, que têm em Marcelino dos Santos o foco central.
Nos preparativos das duas e longas reuniões citadas anteriormente, o interlocutor destacado por Marcelino dos Santos contou-me um episódio de ambos quando da participação de Marcelino dos Santos - como convidado e orador - numa conferência internacional em Paris, França, algures em meados da década de 2000. Creio que foi por ocasião da celebração cinquentenária de um encontro internacional da nata intelectual de nacionalistas e poetas africanos, e não só, que se realizara igualmente em Paris no qual Marcelino esteve presente. Aliás, nessa celebração ele seria um dos ainda vivos participantes desse memorável encontro. Na preparação do discurso, o interlocutor conta que Marcelino dos Santos estava relutante em usar uma certa frase por si recomendada, mas no final aceitou-a. Na apresentação, essa frase foi muito apreciada o que levou Marcelino dos Santos a comunicar ao interlocutor que ele, o interlocutor, passaria a citá-lo quando a empregasse.
Numa recente viagem a Angola, visitei, em Luanda, o Majestoso Mausoléu Agostinho Neto, nacionalista e 1º presidente de Angola. Na sequência de fotografias emblemáticas que passam numa tela gigante vi o inconfundível “Dôs Santos” nos tempos passados e de esforços nacionalistas para as independências africanas. Emocionado, enchi-me de orgulho e ao virar para os lados por pouco dizia aos outros visitantes: aquele é meu “amigo, meu camarada, meu líder!”.
Muitos países africanos exaltam os seu líderes históricos. O Senegal, Gana e a África do Sul aclamam Senghor, Nkrumah e Mandela, respectivamente, e Moçambique aclama Marcelino dos Santos, correligionário das mesmas andanças nacionalistas. Nelson Mandela, o líder histórico sul-africano, um pouco depois de ser liberto (por coincidência no dia 11 de Fevereiro de 1991) perguntara por Marcelino dos Santos num dos primeiros encontros que tivera com delegações moçambicanas. Aliás existem fotografias que testemunham um encontro de Mandela com “Dôs Santos” antes de Mandela ser encarcerado por 27 anos e até da Frelimo ser criada em 1962.
Fora as recordações habituais de ocasião , Marcelino dos Santos também deixa outras facetas para serem lembradas. Uma delas, a de temido dirigente, foi eternizada na sua passagem pela Beira, na qualidade de Dirigente-residente/Governador da Província de Sofala. Há poucos dias, essa faceta foi recordada a reboque de um suposto recrutamento militar à moda da temida “operação tira-camisa”, atribuída a ele nessa passagem pela Beira nos anos de 1983 à 1986 .
Uma outra faceta que retenho era a sua veia desportiva e solidária. Ir a um recinto desportivo , fosse qual fosse a modalidade, e cruzar-me com Marcelino dos Santos era tão normal que passou a ser uma regra. Uma das vezes, nos anos 80, num domingo de futebol, não me cruzei com ele, mas senti inveja de adolescente por causa da sorte de um amigo que pedira e apanhara boleia de Marcelino dos Santos no seu carro protocolar, do centro da cidade até ao Estádio da Marchava.
Ainda no campo das múltiplas e conhecidas facetas de Kalungano , uma a registar é a de boémio. No livro “O meu coração está nas mãos de um negro: uma história da vida de Janet Mondlane”, escrito por Nadja Manguezi , uma das passagens se refere a essa particularidade. A propósito testemunho que as noites de Maputo não eram indiferentes para ele. No início dos anos 90, numa dessas noites e na febre das festas nas flats, cruzei-me com Lilinho Micaia. No decurso da festa e a pretexto de apanhar ar, eu procurava, no espaço comum do prédio, um lugar recatado para trocar algumas palavrinhas. Feito o diagnóstico e enquanto me aproximava, oiço uma voz poética e familiar pronunciando: “Olha para o outro discreto”. Foi bem baixinho, mas o suficiente para que eu ouvisse e partisse para uma outra freguesia.
Com a sua morte - a partida de Kalungano, Lilinho Micaia, “Dôs Santos” - acredito que o vazio que deixa será preenchido por inúmeros testemunhos que imortalizarão Marcelino dos Santos. Um Homem cuja dimensão e trajectória a História deve o seu registo do mesmo jeito que me cabe ainda cumprir a promessa oculta: oferecer a Marcelino dos Santos o original do livro “O Processo Histórico” de Juan Clemente Zamora.
O dia 11 de Fevereiro de 2020, será apenas o de partida terrena de Marcelino dos Santos. Em jeito de despedida, chamar à colação uma das suas célebres frases: “Enquanto houver revolução por refazer, não há tempo para morrer!”. E a propósito da frase e da pergunta “Por onde andas, Kalungano?” o país inteiro responde: “Estou aqui!”
Saravá, “Dôs Santos”!
Sempre tive um fascínio intenso pelo entardecer. Arrebata-me o vermelho-amarelado espalhado pelo pôr sol, na zona onde, por limitação de óptica, o céu parece terminar. Toda aquela grandiosidade faz-me acreditar em novas auroras. Também porque é ao fenecer do dia que os cânticos dos pássaros retumbam, deixando-nos com a sensação de que é possível recomeçar depois das derrotas.
O Presidente Nyusi disse-me, ao telefone, que a entrevista – há muito desejada - podia ser feita ao fim da tarde de Domingo, na Ponta Vermelha, e eu saltei de alegria, não propriamente porque finalmente iria ser recebido pelo Chefe de Estado, mas porque o encontro vai acontecer ao fim da tarde. Ainda por cima de domingo, depois de me apetrechar com a Palavra de Deus.
Foram buscar-me no Hotel Radison Blu, onde estava hospedado com todas as despesas pagas, suponho eu, pelo herário público. Do meu bolso seria impensável sustentar aquele fausto, onde na casa de banho os chuveiros funcionam com sensores, e há uma garrafa de champanhe aqui na banheira, embutida num pequeno balde com gelo.
Alguém ligou para o meu celular e disse assim, o senhor está a ver um carro preto da marca Toyota Prado aqui na entrada? Eu disse que sim. E ele voltou a rosnar, “venha até aqui”. É daquelas máquinas que chamam a atenção pela pintura luzidia e os vidros escuros que não nos deixam ver absolutamente nada lá dentro.
Cheguei perto e a porta da traz abriu-se. Tremi. Pensei por uns instantes em desistir, por medo, porém não podia fugir porque o Presidente da República, inteiro, está a minha espera. E de um Presidente não se foge. Ou seja, eu já tinha entrado na rede de emalhar, e as probabilidades de sair dalí eram por demais ténues. Mas quando me lembrei que era final da tarde, o meu coração ora descompassado, estabilizou-se. Entrei e sentei-me no lugar onde estaria acomodado, em passeio discreto, o próprio Nyusi. Senti-me presidente da República, um posto que nunca almejei por todas as consequências que isso acarreta, incluíndo levar um balázio dos próprios guarda-costas.
Deslizamos suavemente pela marginal, num percurso que me permitia desfrutar da espectacular paisagem que incluiu as Ilhas Xefina e Inhaca, e ainda a Ilha dos portugueses. Mesmo assim senti-me um prisioneiro nas mandímbulas de um corcodilo, que me vai levar pela última vez a apreciar a beleza da terra, antes de me puxar para a sinistra toca onde vai-me executar. Mas é fim de tarde, e eu vou ser protegido por esta muralha que já se tornou meu amuleto.
“Fizemos” a rotunda da Praça Robert Mugabe e subimos na marcha derradeira para a Ponta Vermelha, onde me espera um homem vulgar, agora investido de poderes invulgares. Não tenho medo dele, mas a Lei obriga-me a respeitá-lo como símbolo do poder. Nyusi é o nosso Presidente, “querendo como não”.
A primeira diferença que notei ao entrar no sumptuoso lugar que acolhe o alto magistrado da Nação, é que os pavões estimados pelo ex-chefe de Estado Armando Guebuza, já não estão lá. Foram substituídos por rolas e pombos brancos que esvoaçam livres pelas árvores frondosas, e poisam levemente por sobre a relva cuidada, que expõe um verde brilhante.
Permaneci dentro do carro, estacionado de forma aparentemente negligente, à espera que me dessem instruções. Desceu o homem que ia à frente, ao lado do motorista. Logo a seguir saíu o condutor, ambos indivíduos rudes. Fiquei sozinho. Tranquilo. Porque é final de tarde. Ainda por cima de um domingo que começara da melhor forma.
Vejo o Presidente Nyusi a vir na minha direcção, naquele seu estilo meio cambaio, talhado não exactamente para dançar mapiko, mas para qualquer coisa indecifrável, sabido que homem baixinho é imprevisível. Traja um fato de treino vermelho e pareceu-me que acabava de fazer a barba, por isso estava com o rosto fresco. Jovial.
Ele próprio abriu a “minha” porta e disse-me assim, naquele sotaque misturado entre o ximaconde e swahili, seja bem vindo irmão! Desci para saudá-lo. Apertei-lhe a mão e senti que ele treimia. Eu não! Puxou-me para debaixo de uma sombra onde nos sentamos, “tête a tête”, o Presidente e eu, ouvindo a música das rolas e dos pombos.
Nyusi disse assim, depois de beber um gole da água mineral importada da Birmânia, não é bonito ouvir o cântico das rolas e dos pombos? E eu perguntei-lhe assim, senhor Presidente, por que é que nós os moçambicanos não cantamos assim, em uníssomo, como estes pássaros?
* Texto imaginário
O carro parava, uma senhora abria uma das portas e Marcelino surgia pouco a pouco como uma semente brotando da terra. Primeiro pingava o pé direito metido em uma meia preta e depois a esquerda, as mãos, o tronco e o corpo de Marcelino completava-se fora do carro. Às vezes, antes dos pedaços de Marcelino saírem, a senhora entulhava a blusa no antebraço e estendia o braço a Marcelino para usá-lo como corrimão dos dois degraus da viatura.
Marcelino descia do carro, olhava para os lados e levantava-nos a mão. E nós gritávamos "vovô Marcelino du Santo". E ele sumia-se pela porta da casa da mãe. Marcelino já tinha a coluna meio curvada e na cabeça a calvície já era regada por pingos de cabelos brancos.
Uma empregada com um avental igual ao lenço que trazia na cabeça abria a porta a Marcelino; e ele sumia-se aos pedaços. A mãe de Marcelino era uma velha mulata que passava as tardes na varanda. Encostada na sua cadeira de rede, com as veias do pescoço desenhando-se a cada respirar e com os pés enterrados num manto xadrez. De quando em quando entravam, naquela casa, senhoras com bacias de frutas. Ora era o homem da electricidade que batia duas vezes na porta e enfiava, da folga da porta e do chão, a factura mensal. E há vezes que a casa enchia-se de jovens mulatos e todos parecidos com a velha.
Talvez Marcelino chegava à mãe, chorava nos seus braços e uma vez mais deitava-se no seu peito como uma criança. As mães são almofadas com um tecido que não se gasta. Quanto mais envelhecem mais macias ficam. Tenho a certeza que a velha passava a mão sobre cabeça calva de Marcelino e tornava-lhe uma vez mais um menino.
Depois a mãe de Marcelino morreu. A rua da sua casa ficou cheia de folhas secas na porta, nunca mais fomos ver Marcelino e a cadeira de descanso na varanda ficou vazia. Passo por lá, todos dias, e espreito para ver um mínimo sinal da mãe de Marcelino; mas a varanda contorce-se de vazio e a poeira dos cantos das paredes tem teias de aranhas que caçam moscas, a voz de Marcelino chorando no peito da mãe e a velha mulata do manto xadrez.
E nunca mais vi Marcelino no Chamanculo. Vi-lhe pela última vez arrastando passos num andador de alumínio, parecia um bailarino exausto e prestes a fazer a vénia a plateia; Marcelino a cada passo abria os seus braços como se quisesse, uma vez mais, regressar a Chamanculo correndo e abraçar a sua mãe guardada na gaveta sem chave da morte.