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As eleições de Outubro revelaram outra realidade pungente na democracia moçambicana: a falta de diálogo interno dentro do poder judicial. Duas entidades centrais deste poder, o Conselho Constitucional (CC) e o Tribunal Supremo (TS), entraram em rota de colisão na esfera pública, abandonado a postura de recato e decoro que teoricamente é uma das fontes da sua respeitabilidade. Na berlinda, as eleições de 11 de Outubro e a intervenção dos tribunais distritais, cuja actuação do Conselho Constitucional considerou desmesurada.

No seu polêmico Acórdão eleitoral, o CC reduzia o papel dos tribunais distritais a entidades de mero expediente processual:”o juiz distrital não tem a possibilidade real de verificar se uma votação numa mesa de voto pode ou não afectar a atribuição de um mandato numa lista ou alterar o resultado global da eleição na determinação da lista vencedora para a designação do cabeça-de-lista”.

 

De acordo com o CC, “o juiz eleitoral de distrito goza de poderes de plena jurisdição, limitados a faculdade de: ordenar, condenar ou determinar injunções aos órgãos eleitorais; determinar a repetição de um acto eleitoral-não a votação, mas recontagem de votos numa determinada mesa da/ou assembleias de voto; alterar a constituição das mesas ou mandar credenciar delegados de candidaturas, observadores, sem, por conseguinte, declarar a nulidade dos resultados eleitorais de uma autarquia ou círculo eleitoral”.

 

O que o CC verteu no seu Acórdão, fazendo tábua rasa dos tribunais distritais em matéria de contencioso eleitoral, foi a súmula de uma perspectiva que o órgão já havia deixado claro nas suas deliberações de contencioso eleitoral: a secundarização do papel dos tribunais. Essa secundarização foi mal recebida pelos Juízes Conselheiros do TS.

 

Muito antes do veredito final do CC (a 24 de Novembro), o conclave do TS cancelou um evento (marcado para 31 de Outubro) com jornalistas onde pretendia manifestar sua posição sobre a intervenção dos tribunais judiciais de Distrito, na sequência dos recursos de contencioso eleitoral submetidos no âmbito das eleições autárquicas de 11 de Outubro. O motivo desse cancelamento não foi revelado.

 

Mas, o tom e a substância da entrevista dada à STV nesta semana pelo Juiz Pedro Sinai Nhatitima, porta-voz do TS, leva-nos a pensar que, sua pretensão era a mesma: mostrar, na praça pública, e não em diálogo interinstitucional, sua interpretação distinta da do CC sobre as competências jurisdicionais dos tribunais distritais em matéria de contencioso eleitoral.

 

E o que se viu foi uma radicalização discursiva, alimentando a hostilização ostensiva entre duas entidades do judiciário, cada uma negando a outra, numa crise sem precedentes num momento em que a sociedade vive momentos que apelam para a serenidade institucional.

 

A linguagem de Nhatitima foi um aguçar de facas. “Os tribunais dos distritos apreciam as irregularidades que ocorrem durante a campanha, votação e apuramento. (...) Nós, os tribunais, somos órgãos de soberania. Não somos uma caixa de correio ou de trânsito de expediente. A função de um tribunal é de decidir, não é de expedir documentação de uma entidade para outra”, asseverou ele.

 

E acrescentou: “O legislador positivo é a Assembleia da República. Então, não deve o Conselho Constitucional vir querer clarificar as competências dos tribunais, porque estaria a imiscuir-se na função legislativa. Quem tem que dizer quais são as competências dos tribunais e de outras entidades ou de outros órgãos de soberania é a Assembleia da República e mais ninguém. Não é o Conselho Constitucional”.

 

Este de afiar de facas remete para a ideia de um poder judicial em crise profunda e, sobretudo, incapaz de estabelecer pontes internas para uma postura corporativa em defesa da sociedade. O próprio “Parecer” (de 23 páginas) da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre as eleições de 11 Outubro, foi engavetado a sete chaves, ostensivamente escondido à sociedade, o que não abona a transparência.

 

Em suma, a questão que se coloca é: a quem interessa este chorrilho de acusações mútuas na praça pública? Quando os Juízes Conselheiros do TS usam o porta voz da instituição para se fazerem ouvir – ao invés de usarem sua associação – o que é que isso significa? O que se passa com o Judiciário? Esta discussão ajuda ao ambiente de reforma do judiciário, que se mostra urgente?

 

E, afinal, até que ponto, realmente, o CC esticou a corda, deliberando um acordo que arrasou completamente a sua reputação, sobretudo por causa dos indícios de que tenha acarinhado uma fraude eleitoral? Quem põe o guizo ao gato? Quem deve ser, e em que medida, responsabilizado em sede de Justica?

 

 

A percepção geral de toda a sociedade é a de que no pano de fundo destas hostilidades no judiciário está um processo eleitoral altamente fraudulento, com evidências demasiado gravosas, as quais numa democracia normal levariam a uma investigação judicial profunda visando a responsabilização de todos os actores que tiveram papel de relevo nessa fraude e sua legitimação, todos sem excepção, desde actores políticos a juízes conselheiros, passando pelos agentes do STAE e membros vogais da CNE a todos os níveis.

 

Por outro lado, qualquer que sejam as respostas a estas perguntas, "Carta" é da opinião que Moçambique precisa de reformas urgentes: dos órgãos eleitorais e dos órgãos de justiça eleitoral. Nesse contexto, é preciso questionar se faz sentido mantermos o Conselho Constitucional como está, com sua composição partidária, suas mordomias pomposas e seu trabalho de sazonalidade? Não será urgente, agora, contemplar a transformação do CC numa secção do Tribunal Supremo?

(Marcelo Mosse)

É provável que sim! 

 

Entre a figura poderosa da sopa madrugadora e o cinzentismo sisudo de um antigo ministro de Nyusi quem mais anda se equipando nas boxes para lançar-se para a grelha de partida da sucessão ao nyussismo? 

 

Não sei não! 

 

Há nomes que ficam “nervosos” quando confrontados com a questão, negando com veemência uma tal pretensão, como o Samito! 

 

Há outros que se escudam com um “nim” a tiracolo e algum sarcasmo, como o CC. 

 

Mas quem mais? 

 

Consta que a lista emagreceu por causa da mensagem de renovação trazida pelo advento do venacismo. Isso foi, no entanto, sol de pouca dura! 

 

Agora com o Venâncio largado ao mar alto com seus marinheiros, resta saber se os putativos voltarão a engordar novamente a lista. Afinal sua missão é o tacho e não uma proposta decente para romper com o nyusismo!

 

Aliás, agora que Venâncio ficou sem a almofada da Renamo onde se recostava envagelicamete, uma passarela vermelha sem espinhos voltou a ser novamente estendida entre a antiga Pereira Lago e a Ponta Vermelha. 

 

O Ossufo Momade é uma nulidade, que só tem valor enquanto o nyusismo vigorar. Com Momade, a Frelimo vai manter a Ponta Vermelha. Sem Momade, a disputa seria “fracticida”…mas a Renamo foi privatizada por interesses de acumulação primária, que trariam as expectativas de milhares de eleitores sem filiação partidária e os zangados da Frelimo.

 

É este o contexto da sucessão ao nyusismo que Alberto Vaquina, antigo Primeiro Ministro de Guebuza, escolheu para fazer a reedição de um livro que não é propriamente uma novidade.

 

A primeira edição de “As Lágrimas do Veterano” foi lançada pelo autor nos anos 1990, antes de ele entrar para a política.

 

Vaquina é o único ex-PM “marginalizado” pelo sistema de que ele faz parte. Não é PCA de nenhum banco nem de nenhuma grande empresa. Depois de ter sido um dos 3 pré-candidatos da Frelimo em 2014, com Nyusi e José Pacheco, Vaquina simplesmente sumiu do mapa.

 

Então, a questão que se coloca é: este relançamento, programado para várias cidades, não é uma chance para ele reaparecer na opinião pública, e sinalizar para os militantes da Freljmo que ele está vivo e pode ser uma opção? Claro que sim!

 

Mas ele terá algum plano político por detrás? É provável! 

 

A cerimônia de lançamento vai ser elucidativa! Fiquem atentos!

segunda-feira, 27 novembro 2023 09:10

Izidine Malache: um “velho lobo” ao pôr do sol

Apesar de estar a viver numa cidade por demais pacata como Inhambane, Izidine Malache passa despercebido, como a lua numa grande metrópole onde quem reina é o néon. Naturalmente que já não vai aos campos de futebol submeter-se aos intensos delírios das massas, com a grande responsabilidade de ajuizar os lances, indicando com o estridente apito os sinais dos jogos, mas ele anda por aqui, mantendo a postura física de quem viveu segundo as regras de um desportista disciplinado.

 

Izidine Malache pertence a uma tribo de árbitros da primeira água, que brilhavam e mantinham ordem nos relvados e nos pelados nas décadas de 80 e 90, quando o futebol que se praticava era de topo, então, eles também – os árbitros – não podiam estar à baixo dessa bitola. Era à volta da sua órbita que gravitava toda a classe suprema dos jogadores. E Malache destacava-se na elite da arbitragem moçambiana.

 

Passou a vida inteira em Maputo, a partir de onde viajava por todo o território nacional a arbitrar jogos dos inolvidáveis campeonatos nacionais, por tudo que nos ofereciam, tendo como actores principais, futebolistas muitos deles injustiçados por lhes ter sido vedado o caminho da glória, por políticos que jamais vão perceber que o desporto ergue a nossa bandeira. E nesse fervor que acontecia do Rovuma ao Maputo, Izidine Malache destacava-se pela competência e serenidade e humildade.

 

Há 25 anos que está em Inhambane, um lugar que entra em consonância com o caracter de um homem feito para não empurrar as pessoas. Investe o seu tempo numa escola de condução onde é gestor, e é admirável a manutenção da sua condição física que parece de um jovem de 20 anos. Ele caminha a pé nas ruas da cidade, e já me disse uma vez, “andar de carro numa cidade tão pequena para quê!”.

 

Pois é! Izidine Malache não reivindica galhardetes. Nunca falou disso nos momentos em que nos encontramos e nos saudamos como velhos conhecidos e falamos de pequenas coisas, mas na despedida nunca vai faltar a lembrança de uma memória dos grandes tempos em que pressão do público era avassaladora. O árbitro precisava de “nervos de aço” para aguentar aquilo, e Malache sempre teve os “badalos” no lugar, até hoje, que não se atrapalha com os desconhecidos, mesmo que estes se aproximem dele prescrutando-o com o olhar, sem dizer nada.

 

Mas se calhar a cidade de Inhambane, composta maioritariamente por jovens, que não acompanharam os tempos áureos do nosso futebol, ainda não percebeu que tem no seu seio um “velho lobo” que anda pelas ruas livremente sem chatear a ninguém. E esse “velho lobo” chama-se Izidine Malache, cujo nome está nos escaparates de ouro da arbitragem moçambicana. O resto ficará por conta da história.

Um amigo, por sinal de infância, que esteve na proclamação dos resultados das sextas eleições autárquicas segredou-me que a sensação que tivera à saída da sala onde decorrera o evento, na UEM, foi igual a que tivera à saída do jogo dos “Mambas” contra a Argélia, no Zimpeto, no pretérito final de semana. Para ele, nas duas situações, o país merecia ter ganho.

 

De toda a maneira, a esperança de que nos próximos jogos os “Mambas” a sorte será outra, pois ficou demonstrado contra a Argélia de que é possível. Quanto aos pleitos eleitorais, a unanimidade de que nos próximos pleitos a sorte será a mesma, pois ficou demonstrado nestas sextas eleições autárquicas de que não basta meter golos.

 

Quando o perguntei “E agora?”, respondeu-me de que a solução para este país passava pelo recurso ao método do “Zero a Zero” que o invocávamos na infância quando a confusão se instalava durante uma partida de futebol ou de qualquer outra modalidade ou brincadeira.

 

O método era simples: na falta de consenso, a unanimidade pelo recurso ao “Zero a Zero” que consistia em recuar tudo às condições existentes no início da partida, incluindo o resultado. No caso em apreço – o rescaldo das sextas eleições autárquicas - o que consistiria o “Zero a Zero”?

 

A pergunta esta no ar, mas vai uma proposta de partida: no mínimo que se levantassem/interditassem os nomes e símbolos da FRELIMO, RENAMO e MDM. Que estes partidos para os próximos pleitos eleitorais procurassem novos nomes e símbolos. Que tal?

 

Nando Menete publica às segundas-feiras

 

PS: Para quem viu a novela brasileira “O Clone”: é de doer ver o nome que trouxe a independência do país “a ser arrastado na Medina”.

sexta-feira, 24 novembro 2023 09:00

Dois pesos e duas medidas

Segundo a nossa enciclopédia virtual nos dias de hoje, Google - quão abençoadas não estão os que se iniciam neste capítulo de investigação e escrita!… tudo na palma da mão, basta saber o que quer e formular devidamente e, apenas, ter megas; no nosso tempo de iniciação, a mais pequena coisa tinha que se ir a bibliotecas e muitas vezes sair de mãos a abanar -, a máxima ‘dois pesos e duas medidas’ é “uma expressão popular utilizada para indicar um acto injusto e desonesto, algo feito parcialmente. Normalmente, está relacionada com situações similares [mas] tratadas de formas completamente diferentes, seguindo critérios diferentes e à mercê da vontade das pessoas que as executam”. A expressão oficial “dois pesos e duas medidas” foi registada inicialmente na bíblia sagrada, no livro de Deuteronômio (25:13-16), nos seguintes termos: “Não carregueis convosco dois pesos, um pesado e o outro leve, nem tenhais à mão duas medidas, uma longa e uma curta. Usai apenas um peso, um peso honesto e franco, e uma medida, uma medida honesta e franca, para que vivais longamente na terra que Deus vosso Senhor vos deu. Pesos desonestos e medidas desonestas são uma abominação para Deus vosso Senhor."

 

Vem esta breve peroração a propósito do que nos foi dado a assistir esta semana na vida sócio-política da nossa bela pérola do Índico!

 

Pois bem, nos últimos dias, testemunhamos dois actos extraordinários; um bastante raro, e outro mais ou menos inédito na nossa governação toda. O não inédito, mas raro: é o de um dirigente que foi exonerado em tempo recorde, sem sequer ter tomado posse. Um vice-ministro de desportos que o foi por menos de dois dias, no consulado de Joaquim Alberto Chissano. Foi nomeado para o cargo num dia e, em menos de 24 horas, exonerado. É claro que em ambos os consulados, de Chissano e de Armando Guebuza, fomos tendo dirigentes que pouco duraram, um a dois anos. Mas foram muitas raridades!

 

O mais ou menos inédito, ou inédito mesmo: o de um chefe máximo que cedeu a uma pressão pública para a exoneração de um dirigente. Tanto Chissano, quanto Guebuza sofreram em diferentes momentos muita pressão para exonerarem este ou aquele governante e não deram o braço a torcer. Muito pior quando a pressão fosse pública. Lembremo-nos da enormíssima pressão popular feita na altura para Joaquim Chissano exonerar Manuel António, então ministro do Interior, mas nunca cedeu. Tirou-o quando bem entendeu, até para mostrar que não era por pressão popular. Mas sabemos que, imensas vezes, muitos caíram por força de pressão de certos sectores sobre o dirigente máximo. Os nossos boises não acolhem bem que certos sectores sociais façam pressão pública, julgam que estão a ser apequenados, seus poderes e sobretudo saberes postos em causa, que esses sectores acham que as ideias deles são de somenos inteligência, daí a tenaz resistência.

 

Esta semana que corre, vimos o nosso amigo dos tempos do “Ler e Escrever”, a defunta página literária do jornal domingo, a ser exonerado de funções em menos de um ano de exercício. Embora, como nunca, não se tenham apontado as razões da exoneração, está mais do que claro que ela decorreu da pressão popular que cerca de cem organizações da sociedade civil exerceram sobre o chefe do estado para o apear. Não há como não estabelecer uma correlação neste caso! Pelo menos não foi apontado o contrário, não se desmentiu em nenhum momento esta relação causa-efeito, embora momentos oportunos para tal não tenham faltado.

 

O crime do nosso amigo foi ter sugerido uma reflexão séria sobre a questão das uniões prematuras, dando como exemplo a Maria que teve Jesus com 14 anos! Esta é, sem dúvida nenhuma, uma questão bastante complexa, melindrosa, bicuda na nossa sociedade (não só em Moçambique, mas também em alguns países africanos), que requer mesmo uma… reflexão profunda! Basta lembrar que, em nossas sociedades, existe a prática de ritos de iniciação a meninas e meninos de 12, 13, 14 anos, onde, justamente, uma das coisas que se ensinam com maior acuidade é a sexualidade! Basta lembrar igualmente que a maioria dos nossos líderes tradicionais, esteios para o combate a esta prática, todos eles a praticam de uma ou de outra forma. Basta lembrar igualmente, ainda, que as famílias a que pertencem estas meninas têm, muitas vezes, uma não pequena quota de responsabilidade no processo dessas uniões prematuras!… cumplicidade de algum jeito, que inclui colaboração activa, passiva ou inação ou ainda omissão!

 

E, então, é crime apelar a uma reflexão profunda?… alegando exemplos factuais históricos?… Não estamos em defesa do exonerado secretário de estado de Manica, nem temos mandato para tanto, apesar de termos uma relação de alguma amizade de décadas.

 

Seja qual for o posicionamento de cada um de nós, o que parece, aqui e agora, é que este caso enquadra-se perfeitamente, ipsis verbis, como uma luva, no exemplo do dito secular introdutório ‘dois pesos e duas medidas’!

 

Não muito tempo atrás, e em recorrência, o Ministério da Educação cometeu das piores asneiras que um ministério de educação de um país pode cometer para com uma sociedade. Haverá grande diferença entre o procedimento do nosso MINED e o acto praticado por Dick Kassotche? Claro que há uma grande diferença! Colossal!

 

O nosso Ministério da Educação não apelou a nenhuma reflexão profunda. Praticou actos, ou tem praticado acções bastante lesivas à sociedade. Praticou. Condenou toda uma geração a uma ignorância colossal nociva tal que hipoteca sem limites o futuro de uma sociedade inteira. Os erros - todo o tipo de erros, históricos, científicos e linguísticos - nos livros escolares são de uma gravidade que em nada se compara com um apelo a uma reflexão profunda sobre determinado assunto! Reflectir é crime? É nociva à sociedade? O caso MINED é apenas um exemplo.

 

Pediu-se a cabeça da ministra! Nada. Até hoje! Dois pesos e duas medidas. Quid júris?

 

ME Mabunda

Apesar das mudanças profundas na área económica, com efeito a partir do ano 1987, com o PRE – Programa de Reabilitação Económica e com a entrada em vigor da nova Constituição da República em 1990, que advogava o multipartidarismo e a economia do mercado, Carlos Cardoso manteve a sua veia socialista, ou seja, não se aproveitou da posição privilegiada que tinha, para o locupletamento indevido, antes pelo contrário, denunciava esse enriquecimento fácil de muitos “camaradas” e expunha as formas como isso acontecia e muitos não gostavam da nova forma de estar de Carlos Cardoso.

Conheci-o e com ele privei, graças ao meu colega Belmiro Baptista, a quem Cardoso recorria para se consultar sobre assuntos de natureza económica. Hoje, 23 anos depois do seu bárbaro assassinato, quero, através deste pequeno trecho de reflexão, homenagear aquele que considero um dos grandes ícones do Jornalismo Moçambicano. Aliás, Carlos Cardoso merecia que o Sindicato Nacional de Jornalistas de Moçambique organizasse um Simpósio para homenageá-lo. Espero que um dia se lembrem. Bem haja Cardoso.
 
AB

“Os anos 90 trouxeram a paz para Moçambique, mas também uma profunda reestruturação económica e um programa de privatizações. Carlos Cardoso acompanhou, com incredulidade, o emergir de uma classe que enriquecia devido ao seu acesso privilegiado aos antigos recursos estatais. E, ao que parece, a sua determinação em expor as ilegalidades desse processo acabou por lhe custar a vida”.

In BBC para África, o mais mediático Julgamento de Moçambique


“Iniciou a actividade jornalística em 1975, no semanário Tempo. Continuou na Rádio Moçambique e na Agência de Informação de Moçambique (AIM), onde foi director por dez anos. Durante vinte anos exerceu o jornalismo como uma forma de contribuir com o seu país.

O jornalista também se dedicou às artes plásticas e realizou sua primeira exposição de pintura no ano de 1990, na cidade de Maputo, denominada de "Os habitantes do forno".

Depois de vários anos trabalhando em órgãos de imprensa do Estado (os únicos que existiam em Moçambique até à abertura política), Cardoso foi membro fundador da primeira cooperativa de jornalistas, a Mediacoop, proprietária do semanário "Savana" e do diário Mediafax, em 1992. Em 1997, fundou o seu próprio diário, também distribuído por fax, o "Metical" que, tal como o nome indica (Metical é a moeda de Moçambique), era virado essencialmente para questões económicas”.
In Wilkipedia.

Conheci o jornalista Carlos Cardoso e com ele privei por algum tempo, durante a minha iniciação na publicação de artigos que abordavam assuntos de natureza social e económica para os Jornais. Cheguei a publicar nos meios em que esteve envolvido, como é o caso do Mediafax, Savana e Metical. Não me lembro de ter publicado nenhum artigo nos órgãos de comunicação estatal. Carlos Cardoso era exigente do ponto de vista de fontes do que se escrevia e, sempre que possível, procurava informar-se da veracidade, no caso de implicar alguém.

O meu convívio com Carlos Cardoso também se deveu ao facto de ser colega do Belmiro Baptista, na altura, Director Geral da Empresa Nacional de Comercialização EE. Na verdade, Carlos Cardoso encontrava-se muitas vezes com o meu colega, para se consultar sobre matérias relacionadas à economia e factos que Carlos Cardoso precisava de aprofundar mais. Encontrava no meu colega uma fonte segura para se informar. Nessa altura, também se falava de política, sobretudo, devido à falta de confiança que Cardoso começava a ter pelos membros da Frelimo, o partido a que se dizia ser “membro sem cartão”.

Pessoalmente, admirava Carlos Cardoso pela forma directa e destemida como abordava os assuntos políticos e económicos. Lembro-me que, nas eleições de 1999, depois da votação, na companhia do meu colega, encontrei-o próximo do Restaurante Madjedje e, quando questionado sobre o que achava das eleições, disse sem papas na língua: “O Presidente pode ganhar estas eleições, mas a Frelimo não”. Justificava a sua afirmação com o facto de no seio dos membros da Frelimo ter-se perdido o princípio de humildade, que os membros da Frelimo se tinham tornado numa elite de burgueses e não respeitavam o povo.

A área predilecta de Carlos Cardoso no jornalismo foi o jornalismo de investigação. O Banco Comercial de Moçambique e o Banco Austral terão sido, provavelmente, a razão do seu assassinato. Vale lembrar aos mais novos que o julgamento das “dívidas ocultas” não é o primeiro a realizar-se na cadeia de máxima segurança, vulgo B.O. Trata-se do segundo caso. O primeiro foi o caso Carlos Cardoso, por isso Carlos Cardoso marcou, de forma indelével, a vida dos moçambicanos e de Moçambique, sobretudo, daqueles que se batem pelo uso correcto do bem comum.

Os jornalistas moçambicanos, sobretudo o Sindicato Nacional de Jornalistas, parece-me estarem em dívida com Carlos Cardoso. Não faz sentido que um dia como hoje, 22 de Novembro, dia em que foi assassinado Carlos Cardoso, passe sem nenhuma actividade relevante da classe, ainda que fosse somente para uma conversa sobre a vida e obra deste ícone de jornalismo Moçambicano. Algo não está certo na classe. Devemos reflectir.

Adelino Buque

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