(Ao Reverendo Dom Dinis Sengulane)
Poucos anos após o restabelecimento da paz em Moçambique, na sequência do Acordo Geral de Paz assinado na capital italiana Roma, a 4 de Outubro de 1992, o Reverendo Dom Dinis Sengulane, então Bispo da Diocese dos Libombos, brindou o mundo com a sua incrível imaginação. Em variadíssimas sessões, encontros ecuménicos, reuniões diversas, pedia a todos os participantes para pronunciarem sorridentemente a expressão Olá Paz! Tipo uma confissão de verdadeiro comprometimento, engajamento, entrega desinteressada; ou aquela circunstância em que um homem quando tenta conquistar uma mulher de quem sente uma grande paixão! E todo o mundo pronunciava Olá Paz, com toda a solenidade, sinceridade e do fundo do seu coração, como uma espécie de confissão de amor que se sentia pela paz, ou uma tentativa de atraí-la, conquistá-la e amá-la! Lembro-me de, na sequência, o Presidente Chissano ter comentado agradavelmente e sobretudo agradecido a criatividade de Dom Dinis Sengulane. O país deve muito a este homem!
E a expressão Ola Paz entrou para o vocabulário político e social nacional. No início, com mais ímpeto, maior frequência, depois com menos e, hoje, quase ninguém se lembra dela. Mas, certo é que ao longo deste tempo todo andamos a tentar conquistar a paz, a tentar amá-la e a tentar conservá-la. Ao que tudo indica, sem o conseguir, pois, de tempo em tempo, as matanças e os impedimentos de circulação prosseguiam. Depois de Roma, houve mais acordos, uns quatro outros no total, com nomes rebuscados.
Só que, como diz um ditado xangana, ‘swilo swa ku kala swinga heli swa lhola’, em português: não há nada, mesmo um mal, que perdure para todo o sempre! Conseguimos encontrá-la lá nas matas de Gorongosa e, sexta-feira 16 de Junho, ao invés de assinalarmos o massacre de Mueda, ou o dia do nosso Metical, encerramos a última base e recolhemos a última arma da Renamo, ao que se seguiram belíssimos discursos de ocasião. Intervenções confluentes na imperiosidade da necessidade de conservar a paz conseguida. Todo o moçambicano com acesso aos media e disponível viu aquela cena a partir de Gorongosa. O mundo viu e aplaudiu. Até hoje, as congratulações brotam de todos os quatro cantos do mundo. Parabéns a Moçambique e aos moçambicanos, parece que, finalmente, encontraram a paz! Olá Paz!
Só que, com muito espanto e lamentação, há moçambicanos que entendem que alguém ganhou a guerra contra outrem. Definitivamente, estou com dúvidas se vamos conseguir manter a paz que almejamos, ou auguramos, como gosta de dizer ultimamente o chefe do Estado. Se tivesse havido um vencedor, ter-se-ia imposto: um vencedor não é apresentado, impõe-se!
Estamos todos tão empolgados e emocionados que até nos esquecemos de certas aporias. Esquecemo-nos que aquela arma que Ossufo Momade entregou a Filipe Nyusi, que demonstrou não ser expert na matéria, não foi parar onde estava, nas matas de Gorongosa, por si só: ela não tem pernas, não anda, não se compra a si próprio, não dispara sozinha, ela não mata sozinha. Esquecemos que é uma mente humana que dela se serve/serviu: que a foi comprar onde a comprou, levou-a para onde a levou, fê-la disparar onde e quando bem lhe apeteceu; e fê-la tirar a vida a quem entendeu, ou destruiu os bens que entendeu destruir. Em palavras mais precisas, dela se serviu para a consecução de um determinado propósito!
Mais importante ainda, esquecemo-nos de que a luta não se faz somente de material bélico nas mãos. Mahatma Ghandi fez escola no mundo. ANC fez escola no mundo. Marchas, manifestações, absentismo, greves, paralisações… são também modalidades de luta. Portanto, o facto de a Renamo ter entregue as últimas armas não pode ser tido e entendido como, ipsis verbis, que ela abdicou de lutar pelos objectivos por que se tem batido desde… 1977! Que ficou reduzido a zero! Nada.
A par de jubilarmos, interessa agora decifrar o propósito que levou a que aquela arma fosse adquirida onde foi adquirida, trazida e usada para matar compatriotas. Uma oportunidade soberba de, com muita solenidade, seriedade e sinceridade, esmiuçarmos as razões que nos leva(ra)m a diferenças que conduziram a matanças, destruições e retrocessos no nosso desenvolvimento.
Todos os discursos apontaram para a necessidade de reconciliação e reunificação da família moçambicana. Há que traduzir estes conceitos em acções concretas. Falaram da necessidade de inclusão, de democracia genuína, de liberdades de facto, de boa governação, séria; pois, é chegado agora o momento de se decifrar o conteúdo de inclusão e implementar no concreto. Se não formos capazes de tudo isto e persistirmos na exclusão ou rejeição ao outro, a cercearmos as liberdades, a trapacearmos a democracia que escolhemos, continuarmos a praticar nepotismos, a patrocinar a corrupção, não terá valido nada todo o esforço despendido para chegarmos à paz. Voltaremos à estaca zero, àqueles ou outros bang-bangs!
E convém dizer uma coisa: nós não chegamos à paz! Chegamos, sim, a entendimentos sobre a paz. Como alguém disse e bem, a paz não é algo consumado, tangível; é, sim, um processo, um estado que precisa de muito cuidado e rigor na observância, conservação e manutenção das suas premissas. Como um jardim. A paz advirá dos actos que doravante formos a praticar. O que conseguimos é um momento em que dizemos: “ok, vamos recomeçar”! Tudo dependerá do que todos os moçambicanos forem a fazer daqui em diante, sobretudo aqueles que dirigem, decidem e orientam.
Olá Paz!
ME Mabunda
O aniversário da independência é um apelo para reflectirmos profundamente sobre o legado de luta que herdámos. A independência conquistada há 48 anos não pode ser vista como uma conquista definitiva: ela foi apenas o começo de uma caminhada incessante em busca de uma verdadeira emancipação. Ainda há muitas e árduas batalhas a serem travadas em prol de uma sociedade mais justa, igualitária e livre.
Não podemos satisfazer-nos com as conquistas passadas e permitir que as adversidades actuais nos acorrentem. Não podemos permitir-nos cair na complacência ou na apatia, nem permitir que as amarras invisíveis do conformismo nos aprisionem.
A corrupção, a desigualdade social, a pobreza e as divisões étnicas ainda assolam o nosso país. Por outro lado, o mundo em que vivemos é um terreno fértil para novas formas de opressão, um campo minado onde os poderes dominantes podem florescer.
Moçambique enfrenta desafios que permeiam a trama das nossas vidas. Precisamos de permanecer vigilantes, despertos e dispostos a enfrentar as complexidades contemporâneas que desafiam a nossa liberdade. Não podemos dar-nos ao luxo de ceder às circunstâncias adversas ou de nos resignarmos.
Não podemos acomodar-nos, não podemos permitir que o desalento nos encontre.
Abdicar de Moçambique seria trair a nossa história, hipotecar o nosso presente e futuro, negar a nossa própria existência. Renunciar a Moçambique seria entregar o destino nas mãos daqueles que não compartilham dos nossos ideais, que não compreendem a urgência de uma nação livre e justa. Abdicar significaria entregar o destino do nosso povo àqueles que não têm interesse em promover o bem-estar de todos os moçambicanos. Seria permitir que a corrupção e a desigualdade se aprofundassem, que os mais vulneráveis fossem esquecidos e as vozes dos mais fracos silenciadas.
Abdicar de Moçambique significaria negar o futuro das próximas gerações, privar os nossos filhos e netos de um país com oportunidades, educação de qualidade, serviços de saúde acessíveis e uma sociedade justa. Abdicar seria um acto egoísta e irresponsável, condenando-os a um legado de desigualdades e limitações. Abdicar seria permitir que interesses externos se apropriassem das nossas riquezas em detrimento do nosso povo e do futuro das próximas gerações.
Abdicar seria sucumbir diante das adversidades, permitindo que a desesperança tomasse conta dos nossos corações. Abdicar seria rendermo-nos ao comodismo, à resignação diante dos desafios que enfrentamos. Significaria entregar as nossas aspirações, os nossos direitos e a nossa dignidade nas mãos daqueles que não têm empatia ou compromisso com o bem-estar do nosso povo.
Desistir seria permitir que as nossas riquezas fossem exploradas de forma predatória, beneficiando apenas alguns em detrimento da maioria. Seria uma traição aos nossos valores de equidade e sustentabilidade. Abdicar significaria permitir que interesses estrangeiros determinassem o nosso futuro, explorando os nossos recursos sem consideração dos impactos sociais e ambientais. Abdicar seria negar a responsabilidade que temos, como cidadãos, de moldar o destino da nossa nação e ser agentes activos de transformação, engajados na construção de uma sociedade mais justa, onde os direitos sejam respeitados e a voz de todos ouvida. Desistir seria trair o nosso passado de luta e comprometer o futuro das próximas gerações.
A abdicação representaria um retrocesso histórico, um triste episódio em que abriríamos mão do progresso conquistado com tanto esforço. Seria entregar a nossa soberania a forças estrangeiras, ao retorno do colonialismo.
Não temos o direito de abdicar de Moçambique. Pelo contrário, é nosso dever incontornável perseverar, resistir e trabalhar incansavelmente pela construção de um país melhor.
Moçambique merece mais do que o silêncio cúmplice diante das injustiças. Merece que vozes corajosas ecoem nas esferas do poder, exigindo mudanças reais, lutando pela igualdade e pelo progresso de todos os moçambicanos.
A independência não é uma conquista final, mas um compromisso contínuo que exige vigilância constante.A independência que conquistámos é um legado que deve ser protegido e fortalecido a cada geração que surge. A luta pela liberdade e independência é um processo que requer a nossa persistência e engajamento constantes.
Cada um de nós tem a responsabilidade de ser o guardião da nação e de lutar pelos direitos e liberdades de todos os moçambicanos.O dia do aniversário da independência deveria servir para reafirmarmos o nosso compromisso de seguir em frente, juntos, como um povo determinado a moldar o nosso próprio destino; compromisso de jamais abdicarmos de Moçambique, não importa quão desafiadoras sejam as circunstâncias.O tempo é implacável e a nossa janela de oportunidades se estreita a cada dia.Mas não podemos, em hipótese alguma, desistir de Moçambique.
*Filósofo. Reitor da Universidade Técnica de Moçambique
Ainda na ressaca da celebração dos 60 anos do ensino superior em Moçambique – que foi uma soberba oportunidade para radiografarmos os descaminhos e os caminhos, sobre os quais assentaram as trajectórias do nosso, ainda, incipiente e descaracterizado ensino superior – revisitamos, igualmente, o ethos universitário, os caminhos do seu futuro e o papel do Estado, pedra angular do sistema de educação em Moçambique, considerando a força e tendências neoliberais (de privatização, mercantilização, cortes orçamentais e redução do financiamento público, dentre outras) que tentam, amiúde, aproveitar as crises institucionais e de identidade, do nosso ensino, para o tornar irrelevante e desnecessário.
A nova visão do ensino superior para 2030, advogada pela UNESCO e, por arrasto, por todas as instituições de Bretton Woods, do qual somos signatários cegos, e seguimos, de forma tão obediente, todas as cartilhas, defende que, neste mundo em profundas transformações e transição digital, no que Yuval Noah Harari (2023) designa por “mundo dos algoritmos”, as instituições de ensino superior apenas sobreviverão para as pesquisas em inteligência artificial, big data, robótica, e a internet das coisas.
Ainda condoídos pela lastimável partida de Pierre Bourdieu, já na eternidade, mas sem nunca abandonar o mundo, fica a recusa tácita de que o ensino superior deixará de ser relevante, pois, qualquer que seja a transição tecnológica, terá que assentar em princípios humanistas e sociais.
O mundo não é feito de robôs, mas de emoções, sentimentos, sonhos e ambições. Em suma, seres humanos. Portanto, não são os jovens que se distanciam do ensino, e do ensino superior em particular, mas, são os próprios Estados que cedem terreno às pressões do FMI e do Banco Mundial e às teorias draconianas de desinvestimento nos sectores da educação, saúde pública, cultura e demais áreas sociais. Não nos esquecemos da célebre nota oferecida pelo Banco Mundial, numa reunião com dirigentes do ensino superior, em Harare, no ano de 1986, onde afirmara que o ensino superior em África era um luxo, sugerindo que as instituições do ensino superior em África deviam ser fechadas e os seus estudantes enviados à Europa para formação!
Desde o advento da independência, em Moçambique, em 1975, e considerando até todas as aporias e vicissitudes que tipificaram este período, Moçambique dedicou o melhor do talento e esforço económico aos diferentes subsectores da educação. As políticas da época, sobretudo, convergiam na diversificação de oportunidades com o apoio do mundo ocidental, oriental e dos países não-alinhados.
Não foi por mero acidente de percurso que os moçambicanos beberam das experiências dos Estados Unidos, das academias da França, Alemanha e Suíça, das escolas superiores de Moscovo, Hungria, Cuba e Bulgária, das conceituadas universidades da Suécia, Reino Unido, Portugal, e até das universidades solidárias do Brasil, da Argentina, da Austrália e, mais recentemente, do Japão, da China e da Coreia do Sul.
Este conhecimento permitiu que o ensino superior público estruturante tivesse corporizado as principais necessidades económicas do país e do seu desenvolvimento, minimizado os desequilíbrios regionais e, sobretudo, criado um modelo de ensino. Um ensino que busca identidade, relevância e ethos.
Ainda temos presente como, nos últimos 30 anos, o desinvestimento feito nas escolas primárias públicas conduziu à mercantilização do próprio ensino primário, ditando a subsequente morte da qualidade desse ensino público. As escolas privadas cresceram à custa dos professores das escolas públicas, que abocanharam os gestores e, até, alguns espaços físicos que anteriormente serviram ao Estado.
Há cerca de 20 anos, assistimos, impávidos e serenos, à criação de escolas secundárias privadas, por vezes, até associadas ao ensino superior, que causaram a mesma erosão junto das escolas do Estado. O fenómeno se repetiu com o aliciamento aos principais gestores e docentes, e, em muitos casos, ao material pedagógico, como livros e outros, que outrora pertenceram ao sector público.
Se tivéssemos que elaborar um ranking das principais escolas no país, notaríamos que as escolas primárias e secundárias privadas se encontram há anos-luz das escolas públicas. Esta, infelizmente, tem sido a tendência que se verifica em outros Estados de natureza neoliberal ou que aspiram a esse estatuto. Todavia, em qualquer um desses países, o que sucede é que os estudantes vão para as escolas privadas almejando um lugar nas universidades públicas. Têm a consciência de que os melhores professores, os melhores laboratórios e as melhores pesquisas continuam sob a responsabilidade do Estado.
Ao revisitarmos a lei no.8/2021 – a Lei do Sistema de Segurança Social Obrigatória dos Funcionários e Agentes do Estado, que estabelece uma reforma compulsiva para os funcionários públicos com mais de 60 anos – assistimos, de alguma forma, o mesmo filme bem conhecido que se repetiu com o ensino primário e secundário. Com efeito, esta saída de professores, programada, porém, compulsiva, englobando, grosso modo, 450 docentes e investigadores de todas as instituições públicas de ensino superior, sugere um desinvestimento intelectual, financeiro e moral cujas consequências serão imprevisíveis.
De algo podemos ter a certeza. As instituições privadas, que até representam já quase o dobro das instituições públicas, são as grandes beneficiárias de todo o investimento feito na formação de capital humano pelo Estado, à custa de muitos sacrifícios e de uma visão de futuro por parte de todos os sucessivos governos deste país.
Nem a indicação de que estes docentes e intelectuais, ora em desligamento, podem ser substituídos, servirá de solução perante a derrocada eminente do ensino superior, pois, não se substitui a experiência e, muito menos, a maturidade. Para se atingirem os níveis mais altos da carreira docente são necessários alguns decénios. Os processos de substituição vão exigir alguma serenidade, acompanhamento, rigor e um sistema de promoções mais célere. Mesmo assim, o argumento de racionalidade financeira, de modo a promover eficiência na contenção da despesa pública é questionável, uma vez que, indirectamente, os reformados continuarão a receber as suas pensões (de fundo diferente, mas ainda assim!) e os seus “substitutos”, os vigorosos graduados da geração da viragem, tornarão ainda mais pesada a despesa pública.
As apostas do Estado moçambicano, ao longo dos seus 48 anos de independência, podem até não ter surtido os melhores efeitos para todo o sector da educação, mas garantiram a funcionalidade do sector público, do empresariado nacional e, sobretudo, da estabilidade das instituições.
Não questionamos o mérito ou o demérito das dezenas das instituições de ensino superior que foram criadas, e o local onde elas funcionam ou foram instaladas. Uma forma de conferir robustez a estas instituições foi a criação do Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade (CNAQ), celebrando agora 15 anos, que estabeleceu os princípios e normas que regem as instituições de ensino superior. Paradoxalmente, o CNAQ tem princípios que podem até comprometer as instituições do próprio Estado, uma vez que com a aposentação destes professores, elas deixarão de ter as exigências mínimas para suportar os seus cursos de pós-graduação.
Existe uma expectativa de que as duas mais antigas instituições de ensino superior de Moçambique – a UEM e a UPM – se transformem em instituições de pesquisa e de pós-graduação. Esta é a recomendação dos seus planos estratégicos para os próximos anos. A erosão de capital humano de que deverão sofrer voltará a transformar essas instituições em apenas locais de ensino, e nunca de pesquisa ou de extensão universitária. Este poderá ser o desmoronamento de um sonho de colocar o ensino moçambicano com a relevância que o mundo globalizado exige. Temos já muitos exemplos de estudantes do sector público que brilham em diferentes academias do mundo. Deveríamos ter o dobro ou o triplo destes talentos. Porém, estes desideratos poderão sofrer um sério abalo e poderemos inclusivamente não colocar à disposição do Estado as ferramentas teóricas e conceptuais sobre as quais deveria assentar o nosso desenvolvimento social, cultural, tecnológico e industrial.
Estejamos claros sobre o que significará, nos actuais moldes, a reforma obrigatória de docentes universitários. Por um lado, perder-se-á imenso em capital humano, experiência e conhecimento epistemológico, uma vez que os professores visados possuem ímpares qualificações e competências em áreas de especialização, e a sua saída afectará, irreversivelmente, a qualidade do ensino universitário. A sua saída repentina poderá, igualmente, ameaçar a continuidade dos cursos e programas académicos de pós-graduação sob sua responsabilidade ou monitoria. Adicionalmente, as universidades ficarão, repentinamente, com escassez de especialistas em determinadas áreas, muitas delas sensíveis aos desafios de desenvolvimento nacional.
Mais grave ainda, a saída compulsiva de docentes poderá impactar, grandemente, a produção científica nas universidades onde vinham prestando serviço, afectando seriamente a sua reputação e relevância. Aliás, um efeito imediato desta medida vai ser exactamente esta: a perda imediata dos lugares nos rankings africanos e globais do ensino superior. Contudo, como dito antes, o ensino privado continuará a ser o maior beneficiário desta medida, pois estes quadros, no auge da sua produção científica, juntar-se-ão à projectos já estabelecidos ou criando novos, formando assim verdadeiros conglomerados que tenderão a monopolizar o acesso ao ensino superior, tornando-o elitista, tal como aconteceu com outros subsistemas de educação.
O mercado de emprego mais exigente, sobretudo, as multinacionais e não só, poderão passar a contractar exclusivamente graduados destas instituições privadas, se não quiserem correr o risco de contractar graduados do público, de qualidade questionável nessa altura ou ainda reduzir os seus planos de expansão por falta de capital humano, como já tem estado a acontecer.
Por outro lado, o argumento do ajustamento financeiro que justifica a reforma compulsiva parece ser, por sua via, fundamentalmente contraditório. Com efeito, ter na porta de saída um número significativo de docentes implica um igual ou maior esforço de investimento com novos contratos e em capacitações. Isso exigirá excepcionais recursos financeiros e programas de formação.
Outro assunto, ainda não devidamente lançado a debate, é o do impacto da reforma nas relações profissionais e interpessoais dentro da comunidade académica – a implementação de uma reforma obrigatória pode gerar insatisfação e ressentimento entre os docentes afectados, com implicações imprevisíveis no ecossistema universitário e tornando pernicioso tanto o engajamento como a colaboração intergeracional, entre os docentes mais novos e os mais experientes.
Estes exemplos com o ensino superior podem ser apenas uma ponta de um iceberg que atingirá a saúde, a segurança e áreas sociais afins, sob a capa de se fazerem ajustamentos financeiros e devidos balanços nas folhas salariais, nesta tentativa de redução da massa salarial do sector público que é pesada por outros motivos, mas que não tem, a rigor, nada a ver com os investimentos que ainda precisam de ser feitos em áreas sociais como as da educação e da saúde que, pelo seu estatuto soberano, deviam ser preservadas.
A educação é um produto de construção contínua, colectiva e, embora sujeita à reformas, é o garante da identidade de um povo. África e Moçambique perderam muito com a colonização, onde sua identidade intelectual foi brutalmente assassinada e substituída. Com as independências, tentou-se resgatar algo, em especial, o orgulho de se ter um espaço de produção científica nativa, com os seus respectivos desafios. Temos a responsabilidade de garantir este sonho de Mondlane.
Por fim, uma verdadeira e sistemática renovação do corpo docente se faz por via de reinstituição de entradas por via de monitores porque estes vêm do acompanhamento dos professores com experiência acumulada. Por outro lado, a saída honrosa mas, também, proveitosa para a universidade que despede, se faz por via da figura de professor emérito, uma figura que continua a servir e a honrar a universidade, para além da reforma.
Não me canso de escutar a extraordinária música de Wazimbo (Nwahulwana), é como se tivesse sido composta em função de mim, mas já é tarde demais para entendê-la. Mesmo que eu quisesse voltar atrás, o sinal está fechado para mim e agora só me resta ruminar as feridas que andei a plantar na vida inteira, sou uma escória. O pior é que nunca juntei nada na perespectiva de que a estiagem é infalível, então passo estes últimos dias da vida ouvindo de longe a gargalhada das hienas.
A princípio - influenciada por outras mulheres - a escolha que fiz parecia luzidia, voltava para casa de madrugada e colocava comida à mesa, e isso dava-me a sensação de que a vida é bela. Envolvia-me com três/quatro homens por noite e eu aguentava, era jovem. Mas não passou muito tempo, percebi que tinha-me metido no escuro e o caminho de volta não se vislumbrava. Aliás, nem sequer cheguei a pensar em voltar ao princípio, o dinheiro era mais forte que a dor, e eu o tinha todos os dias.
Porém a minha beleza enganou-me durante todo este tempo, toda a vida. Os homens encantavam-se com o meu corpo, com a minha candura, e nunca dei em conta que afinal estava caminhando nas trevas onde no fim serei recebido pelos mabecos que irão devorar-me viva. Como agora, que os últimos sabujos disputam o meu coração que ainda bate, mas o corpo já não serve para as orgias infinitas em noites indescritíveis. Tudo aquilo era um escárnio, os homens abusavam-me.
E hoje estou aqui. Magoada, não pelo passado de violência, mas pelas lembranças do meu comportamento, da minha incapacidade de escutar os sinais que recebia ainda em casa quando minha mãe me perguntava, “vais para onde assim esta noite, minha filha!” Eram palavras de súplica. Minha mãe ia até a varanda e pedia, “minha filha, volta para casa, é noite!” Mas eu já não a escutava, estava determinada a sentir as esporas do diabo e embrenhava-me no néon.
Agora estou aqui despedaçada. Sentada num dos bancos do anfiteatro da imaginação, ouvindo a minha mãe cantando os versos que me ressurgem em cada pensamento: “vais para onde assim esta noite, minha filha”! “Minha filha, volta para casa, é noite”! Mas já é tarde demais para voltar. Tarde demais para seguir Nwahulwana, profundamente interpretada por Wazimbo.
Fumo desesperadamente sem parar em lugares imundos onde se bebe aguardente caseira partilhada no mesmo copo, que vai girando em bocas exalando hálito horrível. Não tenho como recusar esta imundície, não tenho dinheiro. A minha pele está flácida, perdeu a graça, ninguém a aprecia a não ser estes jovens frustrados que depois da pinga encostam-me num canto qualquer e ejaculam toda a merda dentro de mim., porra!
Quando desperto estou molhada de ignomínia. Cuspo a minha saliva espessa para o chão com desdém e raiva, mas depois do banho vou para lá de novo, com fome, pronta a ser achincalhada a troco de um petisco e do mesmo copo nunca lavado. É assim a minha vida, depois de tudo o que fiz em desobediência à minha mãe, “minha filha, volta para casa, é noite!”
Depois de um prolongado sono, este ano, ou mais precisamente, de há uns três, quatro meses, acordamos e logo queremos mandar à reforma obrigatoriamente cerca de 19 mil funcionários e agentes do nosso aparelho do Estado! O que consta, bem, bem, nem, é que no processo de migração dos 400 mil funcionários e agentes do Estado para a nova plataforma electrónica de gestão de recursos humanos, descobriu-se que esses cerca de 19 mil têm 60 ou mais anos de idade e por lei devem ir à aposentação! A notícia não especifica quantos funcionários exactamente irão à aposentação compulsiva por sector. Aqui e ali, vamos ouvindo que, entre os tais, há duzentos professores doutores da UEM, “muitos” médicos especialistas, quase todos os diplomatas (sobretudo embaixadores) nos Negócios Estrangeiros e… uns tantos magistrados!
Quando é que, como país, vamos ter um sistema nacional de estatística profissional, sério, moderno e à altura da “Sociedade de Informação” que vivemos. Não consigo perceber como é que é difícil termos estes dados - ou está
-se a ocultar deliberadamente -, quando estamos a falar que 400 mil funcionários foram integrados na nova plataforma electrónica de gestão dos recursos humanos, na sequência da nova tabela salarial única. A estatística é o método científico fundamental para a compreensão racional de qualquer empreitada, assunto ou situação. Sem ela, dificilmente se percebe o que se pretende.
De toda a forma, é com estes dados pobres com que temos de viver e formarmos as nossas percepções. O primeiro sapo que não aceita ser engolido é: porque será que só no processo de migração para a nova plataforma electrónica de gestão dos recursos humanos é que se descobriu que há 19 mil funcionários em idade de reforma? Antes disso não se sabia? Como? Não deveria ser o processo de o funcionário ir à reforma um processo normal em que, anualmente, ou de tempo a tempo, alguém aqui e ali vai à reforma ou porque atingiu a idade limite, ou o tempo de serviço? Tenho a impressão que se tivéssemos feito isso, não estaríamos a ser acordados com 19 mil que têm que ser aposentados obrigatoriamente dentro de 15 dias; ou serem barrados dos serviços! Quem não cumpriu a sua parte e porquê? Não cumpriu a sua parte e hoje empurrou o país para uma situação desastrosa destas! Em regiões sérias, haveria responsabilização!
Não estou a imaginar o que é mandar para casa de uma só vez 19 mil funcionários e agentes de Estado, entre os quais professores doutores, médicos especialistas, diplomatas, magistrados, docentes, enfermeiros e muito mais! Ao fazer isso, o nosso Estado estará a autofragilizar-se, a autocondenar-se a um paupérrimo desempenho no ranking das nações. Não tenhamos dúvidas. Estamos a dizer que o rácio médico-população é dos mais baixos do mundo… a estatística de 2021 dizia que temos 2500 médicos para 30 milhões de habitantes, o que perfaz o rácio um médico para 12 mil pessoas! E nós estamos a mandar médicos para casa! Há ainda muita falta de enfermeiros e outro pessoal hospitalar nas unidades sanitárias… e nós queremos mandar justamente aquelas pessoas para casa! Anualmente, há défice de professores em todas as províncias e em todos os níveis do nosso ensino, primário, secundário, médio, incluindo nas universidades! E nós vamos mandar docentes para casa! O que pretendemos mesmo?
A outra questão: afinal formamos para quê? Para mandar à reforma? É que para termos um especialista, seja médico ou não, um cientista de verdade, um magistrado de categoria suprema, um diplomata de categoria, precisamos de bom tempo; só se chega à tal posição já numa idade adulta. E nós já estamos a mandar reformar todas essas pessoas. Não engulo o rato ou ratinho de que há “professores doutores cujo desempenho é muito baixo e é desses que o sistema pretende livrar-se”! Se os há, os culpados são os gestores/o sistema no seu todo que não estabelecem indicadores de desempenho razoáveis para essa categoria, exigir o seu rigoroso cumprimento e sancionar no caso de inalcançabilidade! Assim, poderia separar-se o trigo do joio.
O outro rato que não entra é a ideia de que mandando para casa 19 mil funcionários, vai viabilizar-se a TSU. Vai-se sim sobrecarregar o sistema de pagamento de pensões e condená-lo à falência técnica… já não bastam os falaciosos milhares guerrilheiros da Renamo? O que vai viabilizar a tabela salarial única é a produtividade do país no seu todo, um sistema de cobrança de impostos eficaz e incorrupto, uma gestão incorrupta da coisa pública, uma governação racional, não esbanjadora, nem esbulhadora e um combate sério à corrupção. Enquanto a cobrança de taxas e impostos tiver dois pesos, duas medidas, tipo aquele empresário que importa carrões sem pagar um centavo; duplicação de instituições, tipo dois governadores e governos provinciais, ministérios a mais, esbanjamento e roubalheira do erário público, governação erante danosa e corrupção na sua melhor, tipo 500 milhões para em quatro meses se estabelecer um novo sistema de gestão municipal… não sairemos nunca da situação de solavancos no pagamento das remunerações aos funcionários e agentes do Estado.
Dá a ideia de que alguém nos está a sabotar. Não conhecendo esse alguém, registo aqui que estamos-nos a sabotar a nós mesmo!
ME Mabunda
Graças a Frelimo e a Samora Machel… a definição clara de quem era o inimigo durante a luta de libertação: o colonialismo português e não o cidadão branco.
E depois da Independência, a narrativa firme e a disseminação, para efeitos de socialização primária e sedimentação de uma cidadania moçambicana através da secundarização das pertenças raciais: negros, brancos, mulatos, indianos foram tratados em pé de igualdade.
Moçambique continua uma sociedade de convivência inter-racial.
Diferentemente da África do Sul. Morreu o apartheid e emergiu um racismo anti-branco e sequelas profundas da anterior política de segregação racial.
Se há racismo em Moçambique, ele não é necessariamente de convívio social, muito menos decorre de política governamental. É um racismo que germina nalgum sector laboral privado, negativamente discriminatório contra os jovens negros, o que é de combater.