O edil de Quelimane, Manuel de Araújo, por alturas da sua primeira filiação ao partido RENAMO, salvo erro nos anos de 1998/99, concedeu, a um dos semanários da praça, uma entrevista na qual explicava as razões da sua decisão.
Para o efeito, ele recuara aos seus tempos infanto-juvenil de peladinhas futebolísticas e contara que sempre que se atrasasse a uma partida, e antes que entrasse em campo, procurava saber “Quem está a perder?”. Em seguida tomava a decisão de reforçar a equipe que estivesse em desvantagem. Assim foi quando se filiou à RENAMO
Esta terça-feira, durante a transmissão do segundo dia da retomada do Julgamento sobre as “dívidas ocultas”, que decorre na cadeia de máxima segurança, vulgo B.O, lembrei-me deste procedimento metodológico, que o classifico, para efeitos de teorização, como o “ Princípio de Manuel de Araújo”. Um princípio que é aplicado no processo de tomada de decisões sobre a escolha a fazer, entre equipas em jogo.
Sucedeu que a dado momento da sessão de julgamento, dera por mim a imaginar o edil de Quelimane, que de regresso do exterior, em mais uma viagem pela sua edilidade, desembarcara no “Ringue da B.O” em pleno clímax da peleja jurídica.
Ainda ofegante, e enquanto procura por uma cadeira, sinaliza sorridentes cumprimentos a uma data de presentes. E antes que decidisse, entre os sujeitos (processuais) em combate, o lado em que ficaria, o ora edil, visivelmente apressado, pergunta ao saudado mais próximo: “Quem está a perder?”
O seu interlocutor, sem pestanejar, responde: o árbitro! Porventura, porque este, eventualmente, e por força do vapor da troca de argumentos, dera sinais que tomara partido de uma das partes em confronto. Aliás, é amiúde comentado de que sinais nesse sentido transparecem desde o início do jogo.
Todavia, temo que nos termos do “ Princípio de Manuel de Araújo” a resposta não proceda. Face a dúvida, e quanto antes, o melhor é que se procure saber, se nas peladinhas futebolísticas dos seus tempos infanto-juvenis, ele não tivera que reforçar a equipe de arbitragem.
Enquanto isso, e voltando ao “Ringue da B.O”: uma vez que o árbitro principal dispensou os serviços dos árbitros auxiliares (Juízes eleitos), faz ainda falta um “VAR” (Vídeo Árbitro) que em tempo útil, e distante do calor das sessões, possa avaliar, e em seguida validar ou invalidar, os lances que se mostrem problemáticos.
Um certo encarregado de educação, que depois de monitorar as habilidades de escrita e de leitura do seu educando, concluiu que este estava aquém do mínimo para a classe, sobretudo em vésperas de exames, e decidiu ir à escola para cobrar. No caminho, uma manhã de chuvisco, e ainda distante, deu para ele reparar que as aulas decorriam ao relento e os alunos sentados no chão.
Achada a “sala-árvore” do seu educando, a professora, que já adivinhava o assunto, agradeceu a visita e pediu-lhe a melhor metodologia de ensino-aprendizagem que se ajustasse às condições (in) existentes. O encarregado respondeu-a de que apenas viera para confirmar se o seu educando havia comparecido, uma vez que saíra amuado de casa por conta do raspanete que levara na noite anterior.
O episódio vem a propósito da insurgência terrorista que, desde 2017, assola a província de Cabo Delgado, causando um movimento de deslocados cujo destino seguro, entre outros locais, tem sido a cidade municipal de Pemba. Consta que esta cidade já tenha acolhido deslocados em número (acima de 170 mil) que se aproxima ao dos seus residentes (pouco mais de 200 mil) o que a coloca, entre os seus pares municipais, como do top 5 ou 6 em termos de população.
Face a este súbito e célere crescimento demográfico, e numa cidade que já apresentava sérias dificuldades de funcionamento que são apadrinhadas, pelo que se acompanha, por crónicos défices de recursos humanos, materiais e financeiros, a corrupção e ainda por dívidas que a sufocam, não custa imaginar qual tem sido a sorte diária dos seus residentes.
Felizmente, e é uma boa notícia, se assiste a um movimento solidário de apoio aos deslocados, e no caso aos acolhidos em Pemba. A imprensa e as redes sociais têm divulgado as cerimónias de entrega do apoio e ainda do inevitável marketing social e político em torno delas.
Infelizmente, e salvo melhor informação, ainda não se assiste a um idêntico e dinâmico movimento dirigido à instituição Município de Pemba, no sentido deste poder minimizar as suas carências e fortalecer a sua capacidade para estar à altura dos desafios da actual situação, e não só.
Havendo quem saiba de uma constatação contrária, por exemplo, a de que mostre que o governo central, através do Ministério da Economia e Finanças, incrementou substancialmente a verba que aloca anualmente à Pemba. O mesmo para exemplos análogos de outros organismos públicos e privados, entre nacionais e estrangeiros.
Entretanto, e não é de admirar, é provável que representantes desses organismos, que por força das suas actividades correntes, passem regularmente por Pemba, mas, por outro lado, também transparece que a passagem seja ainda para as poses de marketing social e político das cerimónias de entrega de apoio aos deslocados. Naturalmente que existem excepções, mas estas, e já se sabe, não fazem a regra.
Por enquanto, e para fechar, a solidariedade com o Município de Pemba – ou de um outro local na mesma situação – lembra o episódio do encarregado de educação, que depois de ter presenciado as condições de ensino-aprendizagem da escola do seu educando e que até comprometia o futuro da sua família, não tugiu e nem mugiu. Aliás: chegou, viu e partiu!
Depois de ter vivido grande parte da vida acima da atmosfera, gozando do mel e leite, o diabo tratou de trazê-lo cá a baixo onde teria o fel como alimento. Tinha um carro da marca Volkswagem station, num tempo em que poucos da sua raça negra, ousariam adquirir uma viatura pessoal. Fazia parte, ainda, da sua colecção de bens, uma moto de 250 cm3 com dois tubos de escape. Era um janota que se destacava entre os seus, mas tudo isso, sem que ele próprio desse conta, escorregou das mãos e passou a levar uma vida de rastejante.
Voltou para Inhambane depois de longos anos, andando de província em província como oficial de primeira classe do Estado colonial português. Era respeitado, não apenas pela sua formação académica, mas também porque detinha uma postura de gentlman com vasta cultura, possuía fina educação. Nunca vociferava, mesmo quando perdesse as estribeiras. Mas tudo isso diluiu-se a partir de um determinado momento.
Ao pisar a sua terra, de regresso, depois de mais de quarenta anos, o choque que teve é que ninguém se recordava dele. Ninguém o conhecia. A casa onde nasceu estava abandonada, as paredes ruiaram, e o tecto esparramou-se sobre elas. Não havia vizinhos próximos quando ele partiu, agora tem casas novas e modernas à volta, cujos donos são desconhecidos. Estranhos. Como é estranha toda a cidade, para um homem que já não tem muito a oferecer. Perdeu tudo o que a vida lhe havia provido.
Agora, depois de perceber que não terá nenhum ponto por onde recomeçar, ou a partir do qual irá continuar o sofrimento, a única esperança que parece existir, reside no recolhimento à ruína deixada pelos pais, onde vai conviver com a bicharada. Ganhou a consciência de que o sol para ele jamais irá renascer, para lhe lembrar a música que gostava de ouvir no reprodutor do seu carro. Mesmo assim, sabendo que do escuro não vai sair mais, não tem medo. Olha para os chacais de frente.
Nas manhãs levantava-se e vai à gandaia, de onde traz, quase sempre, algo para comer e recolhe na sua pequena cabana feita de papelão no meio dos escombros. Não pede nada a ninguém. De vez em quando anda pelas ruas da cidade sem que ninguém o cumprimente, sem que ninguém olhe para ele de forma particular, ou se alguém o olha, fá-lo com desdém. Porém, não se importa com as pessoas, o que ele quer é a liberdade de poder caminhar na memória do tempo em que vivia na lua.
Surpreendentemente, enquanto eu esperava um amigo meu na esplanada do Hotel Inhambane, na véspera do Natal, vejo o homem andrajoso vindo na minha direcção, com um ramo de buganvília na mão. Pensei que vinha pedir-me qualquer coisa para comer, mas não! Chegou perto de mim, estendeu-me o ramo de buganvília sem flores e disse: é teu presente de Natal.
Tremi de medo ao receber o presente, e ele foi-se embora, sem dizer mais nada, depois de me focar com um olhar cheio de esperança.
No dia 27 de Dezembro de 2021, o governo indiano doou duas embarcações enormes à Marinha de Guerra das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) posicionada no Teatro Operacional Norte (TON). Espera-se que as embarcações e o material bélico doado possam reforçar a vigilância marítima e interceptar rapidamente as rotas usadas pelos terroristas e outros forasteiros.Sucede que, vendo aquela oferta dos homens de Mumbai, veio-me à mente um longo debate que travei com o Coronel Koy – um alto patriota que há mais de quatro décadas jurou defender a bandeira e os valores supremos desta pátria.
O Coronel Koy contou que, nos anos 2010 a 2014, participou em várias reuniões com alguns masterminds que hoje estão a contas com a justiça moçambicana. Durante as reuniões, defendeu o Coronel Koy que por tantas vezes alertaram que aquelas embarcações adquiridas não tinham nenhuma serventia para a principal razão da sua aquisição. Exaltado e zangado sobre o assunto, o Coronel Koy assim disse – nós alertamos sobre aqueles barquitos que eles compraram, mas ignoravam-nos! Tratavam-nos como imbecis, mas eu sou formado na matéria.
Cheguei a dizer que embarcações do género tinham que ter dimensões maiores e uma velocidade que vai acima dos 300 km/h. As embarcações que estão atracadas em Maputo e Pemba não chegam a levar cinco homens fortemente armados e munições, enquanto embarcações do género devem ter espaço para levar um batalhão, porque as operações contra a pirataria, por exemplo, são uma guerra declarada, e os militares devem seguir para a operação com tudo preparado e organizado.
"Fomos burlados! Aqueles veículos operativos nunca chegariam a servir. Porque o que nós pretendíamos era uma embarcação, enorme e modernizada. Um veículo operativo actual e preparado para tudo e não barquinhos" – desabafou o Coronel. Jovens, aquelas pessoas brincaram com a nossa soberania. Levaram tanto dinheiro de libanês para fazer negociatas, por isso quando assistimos aquilo que está a acontecer na B.O. percebemos hoje quais eram as reais motivações daquilo que faziam connosco nas reuniões.
Na altura chegamos de apresentar várias alternativas, mas como não tínhamos poder, éramos tratados como crianças. Chegava a irritar, sabe! Deixar família em casa, para ir ser desrespeitado por pessoas que pensavam que eram donos de tudo e todos – foi difícil e penoso! É pena que vocês hoje estejam a assistir aquilo na B.O., o lado sinistro de algumas pessoas que tinham o país na mão, a contarem coisas que só são normais nas cabeças deles!
É chocante ver que hoje estamos a receber embarcações por doação e, por outro lado, estamos a julgar pessoas que lideraram uma contratação de uma dívida com o intuito de adquirirem embarcações para guarnecer a nossa costa, integridade marítima e territorial – que situação, nem? "Precisamos de aprender de uma vez por todas com todo este enredo, para que não voltemos a assistir aquela vergonha na tenda da B.O" – afirmou o Coronel Koy (nome fictício).