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Nas primeiras duas décadas do século XIX, a ciência conseguiu obter uma quantidade incalculável de conhecimento sobre a psicologia e, convenhamos, sobre a biologia dos humanos. Mas, esse património não está ao alcance da maioria dos cidadãos. Todavia, se por um lado, as elites políticas e económicas são detentoras desse conhecimento e usam-no conforme sua conveniência; por outro, a maioria das pessoas continua alheia e negligenciada. É só observarmos como a neurociência é usada para incrementar as vendas e para influenciar politicamente as tendências de voto e controlar o comportamento humano. É evidente que a ignorância facilita a acção do poder sobre a sociedade.

 

As estratégias de manipulação, em larga escala, têm o pressuposto da manutenção do controle sobre as massas e do poder.  Reduzir, no máximo, a capacidade analítica e crítica e, principalmente, a autonomia da maioria das pessoas. Estas são algumas das constatações de Noam Chomsky, que estuda as estratégias de manipulação em massa.

 

Pensando nestas posturas, nos populismos e populistas, na manipulação de informação, que assolam o mundo, em diferentes escalas e situações, torna-se recomendável reler 1984, um dos mais aclamados livros de George Orwell. Em abono da verdade, este livro é uma narrativa recomendável, tendo sido, inclusivamente, considerado como uma das melhores obras para  entender a manipulação de massas e o controle da vida das pessoas. 1984 não é, apenas, a mais reconhecida, mas uma das mais fascinantes descrições desse fenómeno que se ramificou, um pouco, por todos os quadrantes, nos últimos tempos. Não é por acaso que as edições europeias voltam a publicar hoje, em massa, e a ganhar dinheiro com isso. É porque, em todo o Mundo há aquilo que o filósofo Rob Riemen chama eterno retorno do fascismo.

 

George Orwell, numa espécie de ficção utópica e distópica, reflectiu o que poderia ocorrer numa sociedade altamente vigiada, sobretudo, quando essa obsessiva vigilância transforma-se numa forma de controlar as pessoas e as suas liberdades individuais. Em 1984, o autor descreve um Estado autoritário que impõe um regime de vigilância sobre a sociedade. Para o efeito, foi criado um partido designado “Ingsoc” que impunha essa vigilância à praticamente todas as pessoas. Ninguém ficava imune a essa cerrada vigilância.

 

O lema do partido era “guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é força”. Concomitantemente, existia um Ministério da Verdade, que advogava a infalibilidade partidária, portanto, nunca errava. Depois, o Ministério da Paz, responsável pela guerra, o Ministério da Fartura, responsável pela economia e, finalmente, o Ministério do Amor, cuja responsabilidade recaía no controlo da população através da espionagem.

 

Na descrição, a população vivia em silêncio. Era uma forma de estar, e muito conveniente. Era uma espécie de coragem para o silêncio, que tipifica a maioria das pessoas, que preferem um resguardo do que colaborar com propostas e ideias para fortalecer as suas sociedades e países. Era uma espécie de dar voz ao silêncio, num modelo de silêncio do período da inquisição, quase roçando a cobardia. Esta é postura de muitos que, mesmo querendo dar uma opinião, qualquer que seja, encontram todos os receios para assim não o fazer.

 

A estes silêncios, se juntou uma certa tendência para a paralisia da acção social. Portanto, se consolida uma espécie não de silêncios, mas de uma certa coragem necessária para exercer o direito a voz do silêncio. Exige-se coragem para o silêncio e para a inacção. Paradoxos de um pós-modernismo amorfo.

 

A voz e a coragem do silêncio nos recordam até da razão populista. Quer dizer, redefinir e ressignificar estes silêncios, inactividades e os populismos que usam o discurso democrático com outros propósitos. Estes são os silêncios que não se conseguem opor à manipulação, pois, este transformou-se num método de construção retórica do povo e do político, do inimigo e dos fiéis, enfim, de todas estas construções sociais que poderiam ser designadas por “ideologias” de coragem para os silêncios e para a paralisia à acção social.

 

Cooptamos a liberdade em nome de princípios e regras que só nós mesmos acreditamos e fazemos delas indiscutíveis. Ganhamos crenças de que as nossas teorias são as melhores e as únicas possíveis. Na realidade, falamos muito e escutamos pouco. Nasce aqui este debate sobre a coragem para o silencio, tão necessária como treinamento pedagógico para assistirmos o erro sem ter que falar. Quer o silêncio, como o próprio populismo viraram essa forma complexa de articulação de demandas em determinada formação social e da representação simbólica designada vazio. (X)

A 1500 metros de altitude, nos planaltos orientais do Zimbabwe, abaixo do monte Nyangani, nasce o rio Púnguè que, em escadaria, vai descendo das montanhas e depois de 400 km de serpentear, recolhendo águas de mais de cinco correntes afluentes, sedimentos e minérios das terras montanhosas a montante e resquícios valiosos de todas as populações (humana, animal e vegetal) que habitam a sua extensa bacia, vem desaguar calmo na cidade da Beira ao nível das águas do mar.

 

Este rio protagoniza, periodicamente, enchentes gigantescas que causam perdas enormes às populações, mas também sacia a sede de milhões de pessoas em Mutare (no Zimbabwe), Manica, Dondo e Beira, estando o seu nome, por isso, associado a contraditórios sentimentos de alegria e tristeza, seca e cheia, fartura e fome.

 

O seu nome representa um desafio constante ao génio humano moçambicano, na necessidade e esforço para dominar os rios de planície como o Zambeze, o Limpopo, o Púnguè, o Save, o Incomáti, o Licungo e, em pequena medida, o Lúrio; usar a força das suas correntes para energizar o desenvolvimento; acondicionar as suas águas para saciar a sede de pessoas, animais e plantas; fruir da geo-diversidade prazerosa nas suas bacias que são o esteio para milhares de espécies vivas e são o acolhimento propício para turistas e estudiosos da Natureza. Este desafio constante, sempre presente no subconsciente dos moçambicanos talvez tenha sido a motivação para que, das oito universidades públicas existentes em Moçambique, seis tenham nomes de rios moçambicanos (UniRovuma, UniLúrio, UniLicungo, UniZambeze, UniPúnguè e UniSave). 

 

Escrevi as palavras introdutórias deste texto, as que se leem acima, numa comunicação que saiu ao público junto do livro “Desafios e Possibilidades para o Alcance de uma Universidade de Excelência”, a convite da Universidade Púnguè.

 

Organizado pela Professora Doutora Emília Nhalevilo e seus colegas Edson Raso e Obete Madacussengua, trata-se de uma colectânea de catorze artigos ou capítulos de dezoito autores. Ele pretende ser o marco de partida na previsivelmente longa caminhada desta instituição de ensino universitário no país.

 

A mim, coube a parte de leão: a de falar, em jeito de apresentação, do livro escrito por docentes e amigos da UniPúnguè; do nosso livro. Entendi, das palavras do prefaciador, o ilustre Prof. Doutor Lourenço Lindonde, Vice-Reitor da UniPúnguè, que o título do livro provém de um desafio lançado pela Dra. Luísa Diogo, que escolheu este tema para desenvolver a primeira aula inaugural proferida para a comunidade universitária desta universidade, em 2020.

 

Ela desafiava a comunidade universitária da UniPúnguè a reflectir em conjunto, sobre o assunto, como que a sugerir uma bandhla constitutiva da universidade, para pensar sobre o caminho que a mesma deveria seguir, de modo a se tornar diferente de entre as cinco universidades iguais, irmãs, surgidas da reestruturação organizativa da Universidade Pedagógica de Moçambique. O resultado desta reflexão foi uma conferência subordinada a este tema que trouxe a visão colectiva de docentes e investigadores da UniPúnguè, feita a partir de diferentes perspectivas de análise e domínios científicos.

 

Escrever um meta-texto, que é um texto sobre outro texto, é por si só bastante difícil. Agrava-se isto se o autor do tal meta-texto for também participante da elaboração do texto inicial e vem se exacerbar quando o temário é vastíssimo e desafiador, integrando áreas de gestão, inovação, sociologia, teoria da pedagogia, psicologia, apenas para citar algumas áreas científicas que consegui descortinar.

 

Vou me esquivar do embaraço, usando três artimanhas metodológicas:

 

Primeira artimanha: Não irei apresentar de facto o livro. Até porque acho que seria um exercício fastidioso tendo em conta o excelente prefácio elaborado pelo Prof. Lindonde, veterano do ensino superior e da sua gestão em diversos contextos e que, de forma clara, resume a essência dos 14 capítulos que compõem a obra. A alternativa seria conduzir o auditório por uma leitura longa e enfadonha do mesmo prefácio, numa aula sem brilho e num exercício de plágio académico. Por isso e por muitos mais motivos, recomendo desde já, a leitura completa e crítica do livro, a toda a comunidade universitária.

 

Segunda artimanha: irei fugir de qualquer cronologia editorial e de qualquer lógica ordinal que seja, na discussão de temas sobre o livro, puxando para o caos qualquer leitor organizado e que esteja à priori à espera de um sequenciamento cadenciado de matérias, teorias, utopias...

 

Terceira artimanha: decorrendo da veleidade a que me permiti e que foi acima referida, irei apenas seleccionar três aspectos interessantes, retirados de diferentes partes do livro e divagar num comentário ténue acompanhado de algumas visões por eu considerar que constituem, no essencial, o leitmotif que atravessa esta obra longitudinalmente.

 

Assim, seleccionei as seguintes expressões: “Qualidade, Excelência e Inclusão para Transformação”; “Transição Demográfica” e “Universidade e Interversidade”. Desafio os leitores a encontrarem estas combinações de palavras no livro. Pretendo demonstrar que as três são a mesma expressão.

 

“Qualidade, Excelência e Inclusão para Transformação”. Estas palavras que juntas ou à parte aparecem mais de cem vezes no livro são sem dúvida a principal visão, a utopia que a direcção da UniPúnguè e a comunidade universitária pretendem que ilumine os seus caminhos. Nota-se uma certa identidade nos pontos de vista dos autores quanto à necessidade de qualquer universidade no século XXI ter que se moldar dentro destes parâmetros ideológico-programático-administrativos.

 

A existência do CNAQ como autoridade reguladora da qualidade, aqui definida de forma bastante objectiva como sendo o cumprimento de certos critérios e indicadores de desempenho, pode ser vista no mesmo âmbito de colocação de balizas bem tangíveis e mensuráveis a que Emília Nhalevilo chama de “universidades movidas por factores que evoluíram para universidades movidas por eficiência” e que, de alguma maneira resumem, do ponto de vista administrativo, o desiderato de qualidade, àquilo que os ingleses descrevem melhor por compliance.

 

A excelência, do mesmo modo, pode ser vista como um estágio de “qualidade máxima”, passando obrigatoriamente pelas fases mais baixas da busca da qualidade através do cumprimento dos indicadores e sempre almejando um nível mais alto de reconhecimento por algum sistema nacional ou internacional de ranking de universidades. O cliché completo que se usa é o de “centro de excelência” que caracteriza uma universidade ou unidade dentro da universidade exibindo uma organização administrativa excepcional, um desempenho dos recursos humanos formidável, um apetrechamento infraestrutural invejável, um acesso e uso de recursos extraordinário, para além de um reconhecimento transnacional.

 

Conhecem estes superlativos?

 

A inclusão, o termo mais recente neste trinómio, decorre das tendências sociais globais de democratização, reconhecimento das diferenças entre pessoas, participação, liberdade de opinião e etc., que constituem uma conquista do movimento da sociedade civil de todo o mundo e são muito aceites na praxis discursiva política da actualidade, mesmo que ainda representem um desafio para toda a humanidade assumi-las.

 

O segundo grupo de palavras, “Transição Demográfica” representa um conceito ultramoderno pois pode ser extrapolado para uma série de mudanças nos meios e factores de produção que devem ser feitas no âmbito desta mesma transição demográfica.

 

Encerrando em si, strictu sensu, a necessidade de mudança das pessoas que no dia-a-dia entram no campus universitário, na verdade podemos entendê-la como a abertura da universidade para alunos de todas as raças, tribos, géneros, crenças religiosas, posses económicas, portadores de qualquer diferença, acompanhado por uma diversidade e rejuvenescimento da comunidade universitária.

 

O termo da “transição demográfica”, porém, rima com outras “transições” sendo a mais importante delas, a “transição energética”, de que muito se falou muito recentemente em Glasgow na COP, uma reunião mundial sobre o ambiente.  Os desafios para atingir a transição energética para a neutralidade em relação ao carbono, irão implicar não apenas a mudança da matriz energética do ponto de vista de planificação para combustíveis mais limpos, mas também a mudança na filosofia da vida de toda a Humanidade, do padrão de consumo, dos conceitos básicos de riqueza e necessidades básicas, de desenvolvimento, etc.

 

A inércia deste sistema é grande. Esperem encontrar também. Igualmente, grande resistência para a transição demográfica.

 

O terceiro grupo de palavras, é o trocadilho “Universidade e Interversidade”. Ele chama atenção pelo antagonismo do “uni” e “inter”. Se o “uni” quer expressar o facto de as universidades terem que ser instituições monolíticas, com regras de existência bastante rígidas (acreditação, graduação, reconhecimento e validação, peer-review, currículos clássicos, laboratórios típicos, metodologia estanque de ensino), já o “inter” quer significar uma mescla entre instituições que são diferenciáveis (veja o “inter-nacional” é algo entre nações).

 

Esta necessidade de ser universidade e interversidade ao mesmo tempo, igual às outras, mas diferente de todas, local mas global (ou glocal) é abordada com rigor por Diogo, Nhalevilo e Uthui.

 

Diogo chama a atenção para a necessidade de o nome UniPúnguè ter que ultrapassar o nível de um nome (um nome atribui-se) para passar a ser uma marca, pois a marca conquista-se. Nhalevilo chama a atenção à necessidade de as universidades conquistarem a sua relevância junto da sociedade através da inovação e do reconhecimento de que small is beautiful, ou seja, pode-se inovar sem se estar dentro de laboratórios caros e com equipamento de ponta, desde que se preste atenção apenas às necessidades das populações (ao exemplo do inventor africano Mahomed Abba).

 

Numa outra parte, exploram-se os conceitos de diversidade, glocalidade e marca universitária da seguinte maneira (e passo a citar):

 

“A milha extra (extra mile)

 

Na nova imagem corporativa, o logotipo da UniPúnguè destaca a imponência do embondeiro, a firmeza da terra e o profundo azul das águas do rio. A grande árvore simboliza a solidez do conhecimento tradicional e da cultura dos povos destas terras e o dourado da terra – as riquezas do solo e subsolo. Já o leito do rio, desaguando em splash na árvore, desenhando os contornos de um grande livro, é o símbolo inequívoco do conhecimento positivo a ser gerado também pelas culturas, tradições e saberes dos povos que povoam a extensa bacia do Púnguè e têm a sua sobrevivência associada aos caprichos do grande rio.

 

A junção semiótica dos três sinais da natureza simboliza, para mim, a visão partilhada na nova universidade, de trazer o conhecimento tradicional para ajudar na geração de conhecimento universal, sempre de forma aberta (o livro aberto induz a esse sentimento), receptiva e dialógica entre os dois conhecimentos, uma teoria filosófica moderna para o caminho de desenvolvimento a seguir na época da globalização: a glocalidade (Castiano…).

 

A presença de uma estratégia muito clara e destacada neste plano de desenvolvimento institucional, realçando a forma como as ricas culturas dos povos da bacia do rio Púnguè podem ser trazidas para o diálogo privilegiado universitário, com outras muitas culturas mundiais, partilhando um espaço próprio que possibilite seu desenvolvimento, sua afirmação e divulgação, nas diversas áreas de saber como medicina, música, religiosidade e sistema de crenças, língua, história e estórias,  pode constituir o extra mile para este plano e desde já expressar o compromisso da liderança com a glocalidade.”

 

Comprem e leiam o livro!

 

Rogério Uthui

 

3 de Dezembro de 2021

terça-feira, 30 novembro 2021 16:50

África levanta, já passou da hora

Quando o COVID-19 chegou ao mundo e as inúmeras restrições e lockdowns emergiram, escrevi sobre ser uma óptima oportunidade para África se reorganizar e se reestruturar para que quando as coisas “voltassem ao normal”, África pudesse estar mais preparada e independente.

 

Para além do que escrevi na altura, imaginava que com as restrições ao acesso aos serviços de qualidade do primeiro mundo, principalmente a saúde, ficaria claro para os dirigentes africanos que estamos todos no mesmo barco, pelo menos enquanto os lockdowns existissem, e que dever-se-ia trabalhar na providência de serviços e infra-estruturas de qualidade para todos, forçando a melhoria da capacidade produtiva africana. Mas porque sabemos sempre arranjar formas para benefícios de uma minoria, ainda em lockdowns, jatos privados serviam de meio de ligação com esses lugares mais organizados para os nossos líderes serem bem tratados, e doutro lado aqui em nossa terra, empresas faliam, o povo no desemprego, estávamos incapazes de controlar o vírus porque não tínhamos testes suficientes, nem condições de serviços de saúde para atender a demanda causada pelo vírus.

 

Enquanto isso, o primeiro mundo repensou (não sei se bem, mas repensou), novas formas de tratamento do ecossistema natural surgiram, COP 26 é um grande exemplo desse repensar (não irei fazer nenhuma análise critica sobre o mesmo neste artigo), novas formas de produção, de trabalho e tratamento dos trabalhadores também surgiram, cada vez mais o famoso “work-life balance” torna-se uma realidade e África a reboque tenta implementar tais soluções impostas pelos outros mas que podem não funcionar devidamente por aqui porque a estrutura não está preparada para receber essas soluções.

 

Sempre esteve claro que o mundo não parou porque os Africanos foram afectados pelo Covid-19 mas porque o ocidente tinha sido afectado. As economias por lá já estão em recuperação, África não foi vacinada o suficiente por incapacidade técnica e financeira para produzir ou comprar vacinas, por isso, e principalmente pelos motivos não declarados, o mundo vai isolar África (ou se preferirem África Austral). E dependendo das acções que forem tomadas pelos africanos, continuar com o modis operandi que já nos habituamos pode ser caótico para uma economia que passou por tanto nestes últimos tempos e que quase não tem reservas para se aguentar sem o resto dos continentes.

 

Em ciência, em economia, evita-se falar de Deus (o arquitecto do universo, a força por trás de tudo ou outro conforme quiserem chamar) sob o risco de sermos descredibilizados. Entretanto, trago aqui a sua presença por ser através dela que a maioria das pessoas se sente na “obrigação” de serem justas, de serem éticas e de fazerem o certo e principalmente por se acreditar que não se vai contra a vontade de Deus.

 

Ora, andamos em corridas desmedidas atrás de riqueza e poder, e, por conseguinte, a natureza sofre por ser demasiadas intervenções sobre ela e os efeitos são os que se vêm com as mudanças climáticas; sofrem também os humanos que já não têm direito a descanso porque o trabalho já não tem hora nem lugar; a preocupação pelo outro e pelo bem comum torna-se raridade... Se olharmos pela lógica divina, com o Covid-19, Deus deu ao mundo uma oportunidade de se repensar e reorganizar para cuidar melhor deste mundo e dos seus, e enquanto estavámos em lockdowns, os ecossistemas naturais restauraram-se e provaram que a actual presença humana é nociva a sua sobrevivência.

 

O primeiro mundo já pensou e adoptou novas estratégias de funcionamento com base na experiência do covid-19 e provou mais uma vez que o que eles pensam não é com objectivo de termos um mundo justo e igual para todos, e por isso África vai ser isolada. Se voltarmos para lógica divina, vamos ser também isolados porque não estamos a fazer o que devemos.

 

Será que já paramos para analisar que neste período (Covid-19, Instabilidade em Cabo Delgado, insegurança alimentar e conflito armado na Nigéria, a instabilidade na Etiópia, etc.) mais a nossa falta de organização, quantos cidadãos ficaram sem emprego, quantas famílias ficaram sem sustento, o nível de inflação, aumento do custo de vida, empresas falidas, desinvestimentos, desunião, egocentrismo, etc? O que isto significa para nós a médio e longo prazo?

 

Deixa-me dizer que, neste período nem tudo foi desgraça, o país (Moçambique) introduziu a prestação de serviços públicos por via de canais digitais; com a utilização do digital e da internet ficamos mais próximos de todo o mundo; a utilização de forças tarefas e providencia de informação continua sobre o estado da nação foi experimentado. O potencial económico resultante da riqueza turística, mineral, de produção agrícola, demográfica, entre outros permanece aqui (Moçambique e África). E com mais esta chance que o primeiro mundo nos dá (que eu prefiro pensar que é Deus, e não eles) de enquanto estivermos isolados, repensarmos e organizar todo esse potencial que temos, gerar empregos, melhorar a qualidade dos serviços, a produtividade, nos tornarmos autossustentáveis, independentes, unidos e justos, devemos fazer agora e não noutro tempo, porque depois pode ser tarde, fazer um lockdown para pensarmos e cuidarmos da nossa tão querida África – e porquê não de todo o universo.

 

Só para terminar, escrevi este texto porque gostaria de ver os jovens africanos, principalmente os moçambicanos, a entenderem que somos cada vez mais chamados a contribuir para a nossa liberdade. Parem por um momento esses posts de #ricariatodahora #avidaéumalife #estamosemfestas #riquezade1000pessoasestouacarregarsozinh@ e x, y e z e vamos buscar estratégias de transformação do nosso continente, do nosso país, e quiçá do mundo, e do nosso ser enquanto humanos.

 

Se não quiserem fazer por nós, e pelos vossos filhos, pelo menos façam pelo amor que têm por Deus para que a sua vontade de ver a sua bela criação próspera seja feita.

 

#africapleasestandup

segunda-feira, 29 novembro 2021 09:26

Duas pandemias?

No dia em que a Europa interditou os voos de e para Maputo, Moçambique tinha registado 5 novos casos de infeção, zero internamentos e zero mortes por COVID 19. Nos restantes países da África Austral a situação era semelhante. Em contrapartida, a maioria dos países europeus enfrentava uma dramática onda de novas infeções. 

 

Cientistas sul-africanos foram capazes de detetar e sequenciar uma nova variante do SARS Cov 2. No mesmo instante, divulgaram de forma transparente a sua descoberta. Ao invés de um aplauso, o país foi castigado. Junto com a África do Sul, os países vizinhos foram igualmente penalizados. Em vez de se oferecer para trabalhar juntos com os africanos, os governos europeus viraram costas e fecharam-se sobre os seus próprios assuntos.

 

Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização que agora somos sujeitos vai agravar o terrível empobrecimento que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia.

 

Mais uma vez, a ciência ficou refém da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão.  Uma vez mais, o egoísmo prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceite com naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto, a Europa discute a quarta e quinta dose, a grande maioria dos africanos não beneficiou de uma simples dose. Países africanos, como o Botswana, que pagaram pelas vacinas verificaram, com espanto, que essas vacinas foram desviadas para as nações mais ricas.

 

O continente europeu que se proclama o berço da ciência esqueceu-se dos mais básicos princípios científicos. Sem se ter prova da origem geográfica desta variante e sem nenhuma prova da sua verdadeira gravidade, os governos europeus impuseram restrições imediatas na circulação de pessoas. Os governos fizeram o mais fácil e o menos eficaz: ergueram muros para criar uma falsa ilusão de proteção. Era previsível que novas variantes surgissem dentro e fora dos muros erguidos pela Europa. Só que não há dentro nem fora. Os vírus sofrem mutações sem distinção geográfica. Pode haver dois sentimentos de justiça. Mas não há duas pandemias.

 

Os países africanos foram uma vez mais discriminados. As implicações económicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.

 

Mia Couto

 

José Eduardo Agualusa

Por: Jorge Ferrão[1] e Patrício Langa[2]

 

Em 2022, o ensino superior em Moçambique completa 60 anos. Com efeito, foi a através de um decreto-lei 44530 de 21 de Agosto de 1962, que foram criados os Estudos Gerais Universitários em Moçambique e de Angola. Surgiam assim as primeiras instituições do ensino superior (IES) nos países africanos de língua oficial Portuguesa.

 

Seis décadas passadas podem representar um tempo histórico significativo para um país fundado em 1975, mas incipiente para o ensino superior como instituição milenar competindo apenas com a igreja em termos de antiguidade. O termo ensino superior, aqui, é tomado como se referindo a todas as formas de educação terciária, pós-secundária, incluindo a do tipo universitária, e politécnico. De facto, se nos atermos a história do ensino superior antigo, a África pode até reclamar-se o berço deste tipo de educação antes de mesmo de Cristo, com a Academia de Alexandria no Egipto fundada em 331 AC. 

 

As famosas Universidades de Timbuktu, no actual Mali, fundada em 1100, a Universidade do Cabo, na África do Sul, fundada em 1829, mas também as universidades de Cartum, no Sudão (1902), Makerere no Uganda (1921), Ibadan (1948) na Nigéria, e Nairobi (1956) no Quénia são a evidência de que o ensino superior nos países de expressão Portuguesa fora de Portugal (PALOP) ainda esta no seu despontar.

 

Com a excepção do Brasil, cuja historia indica que a primeira instituição de ensino superior foi a Escola de Cirurgia da Bahia, criada em 1808 e a posterior as faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, em 1827, os PALOP tiveram que esperar até ao inicio da década de 1960 pelo ensino superior.

 

Nos casos de Moçambique e Angola o percurso inicia com um processo respaldado na mudança da política colonial em relação às colônias, a crescente demanda dos colonos e assimilados, associada a pressão inestimável das Nações Unidas que apelava a criação de mais condições de ensino, nas então colónias portuguesas do ultramar. Ainda assim, o ensino superior nestes países nasce com o pecado original da exclusão dos nativos. Pecado este cujo legado, seis décadas depois ainda se procura redimir.  

 

Assim, celebrar seis décadas de ensino superior constitui em si um acto de regozijo, particularmente, quando se faz num contexto de independência política do jogo colonial relativamente consolidado. Não obstante, os avanços, os desafios são reflexo de um subsistema da educação ainda emergente, num país que ainda busca seu rumo no concerto das nações. Em 60 anos em média criamos 6 novas universidades a cada década. Os desafios que temos em seis décadas muitas vezes olvidam que se equiparam as mesmas aspirações de sistemas nos quais cada década nossa equivale a um centenário. Alias, no Hemisfério Norte, de onde nos inspiramos e herdamos a ideia moderna do ensino do superior, as IES são até milenares. Sem ser cáusticos, precisamos ser condescendentes em qualquer que seja a avaliação das seis décadas. Até porque mais do que a própria avaliação é dos critérios que mais precisamos nos ocupar para análises concernentes a projecção das próximas décadas. 

 

Os desafios do ensino superior incluem um sistema que procura definir o seu caracter, com IES com maior pendor para o magistério em detrimento da pesquisa, corpo docente em processo formação, necessidade de estudos específicos sobre o desenvolvimento do subsistema, e melhoria dos processos de formulação de políticas públicas mais assertivas, entre outros. Tal como Angola, não admira, pois, que tenhamos percorrido a mesma trajectória, experimentando desafios muito semelhantes e, fundamentalmente, que o processo de consolidação se mostre, ainda, muito distante do seu final.

 

Sendo que o ensino superior se caracteriza não só pelo ensino, mas também pela pesquisa, extensão e inovação para a produção de conhecimento com impacto na sociedade, a comemoração dos 60 anos deste subsistema em Moçambique é uma oportunidade ímpar para se repensar o subsistema, as instituições e o seu papel na transformação da sociedade. Nesse repensar, cabe um debate profundo sobre as políticas do ensino superior, o lugar da pesquisa e extensão na formação dos estudantes, a formação de docentes, que, conjugados, e num contexto de inovação, concorrem para a qualidade almejada neste subsistema.

 

Entre avanços e retrocessos, desafios e oportunidades o ensino superior passou por diferentes processos de continuidade e rupturas. O esforço e empenho de jovens académicos, com todas as limitações, esteve sempre presente e tem sido o garante das mudanças, aprimoramentos e paradoxalmente dos problemas correntes. Não existem dúvidas e nem reservas que as IES nacionais foram as grandes responsáveis pela formação da maior parte do capital humano em Moçambique, que providencia e garante serviços essenciais ao Estado, sector privado, familiar e noutras esferas económicas, culturais e até na manutenção dos serviços dos ecossistemas.

 

Todavia, prevalecem questões estruturais, de governação e coordenação do sistema, atitudes autocráticas e de poder discricionário dos gestores, tanto nas IES públicas como nas privadas.  Os investimentos em infraestrutura, planos temáticos e curriculares são fundamentalmente desenquadrados, o tempo de formação questionável, esquemas de corrupção, e, coincidentemente, a ascendência e precedência da política sobre a academia ou, por outras, a politização da academia que desvirtua o sentido da autónima “real” (e não apenas no papel) das IES que, noutros contextos, paradoxalmente tende a ser protegida pelo Estado. 

 

Apesar dos avanços em termos de acesso ao ensino superior, com a expansão numérica e geográfica de IES um pouco por todo país, fruto da visão de política pública dos diferentes Governos, a base de conhecimento que sustenta os processos decisórios sobre o ensino superior assenta em convicções fortes, com princípios normativos – do dever ser – em contraste com a fraca evidência produzida através de estudos de base. 

 

Os quadros normativos e reguladores do sistema revelam um problema fundamental dum sistema político descentralizador apenas na retórica, mimético (do Copy & Paste) de modelos exógenos mal re-contextualizados, mas também com tendências centralizadoras e autocráticas na prática.  Com efeito, trata-se de um sistema que emula a sua insciência na medida em que se desenvolve num ciclo vicioso de relatórios técnicos comissionados e produzidos por agências de consultoria generalistas e profissionalizadas, que subcontratam, a preço rendeiro, académicos cuja autoridade e legitimidade radica do simples facto de advirem das IES e conectados aos circuitos do lóbi da consultaria.  

 

Assim, documentos estruturantes da Governação do sistema são produzidos através de esquemas em cima do joelho, com um teatro das auscultações no Norte, Centro e Sul, dos parceiros, apenas para legitimação politica do processo, e com o beneplácito de agências de financiamento que justificam a sua existência através da reprodução da nossa mediocridade enquanto nos endividam. Sim, é, do algoz Banco Mundial e entidades congéneres que concorrem para a reprodução da incapacidade interna de produção de política pública das próprias instituições do Estado através de seus projectos de desenvolvimento de capacidade e assistência técnica. É um sacrilégio para o ensino superior que em pleno 2021, os Planos Estratégicos e outros documentos directores sejam produzidos em esquemas de consultoria, que promovem a exploração de académicos moçambicanos por empresas parasitárias que dominam os espaços do lóbi das consultorias, relegando as próprias IES ao mero papel de entidades auscultadas.

 

O ensino superior vive, portanto, copiosas encruzilhadas. Por um lado, a pressão das demandas duma sociedade cada vez mais ciente e crente dos benefícios do retorno do investimento no ensino superior, apesar duma apreciação e avaliação baseada no bom senso, informada por uma visão redutora e instrumentalista do ensino superior como o trampolim da mobilidade social através do emprego formal, no Estado, e nas Organizações não Governamentais (ONGs), mercado preferencial para a transação da reputação dos títulos e credenciais académicas. Por outro lado, a saturação prematura dos lugares de emprego, particularmente, no aparelho do Estado, mas também nas ONG com maior proeminência, que prematuramente desfazem a ilusão da empregabilidade, dos graduados, num sistema cuja taxa de participação entre Jovens dos 18 aos 24 anos não atingiu sequer 10% em sem mil habitantes, reforça o estado de crise do sistema. Este paradoxo gera a ilusão da escassez, mobiliza empreendedores educacionais a criarem novas IES, por razões adversas a educação como bem-público, mas funcionam na propalada lógica neoliberal da mercantilização e co-modificação da educação, abordada por um de nós (PL), noutros escritos.

 

As IES, e, em particular a universidade, no conceito mais genérico, sempre tiveram um sentido de utopia e de um espaço de encontro de tradições e quebra de horizontes do conhecimento humano. A universidade é, igualmente, um espaço onde se cultivam a sociabilidade com a diferença de pensamento, com o pluralismo democrático, e igualmente, a esperança da humanidade. Esperança porque a sociedade deposita confiança nos processos deliberativos associados ao pensamento crítico, em principio, que radica da formação superior.

 

Assim, as universidades seriam, também, ao longo destes 60 anos, parte do projecto de consolidação da nação com representatividade dos diferentes grupos sociolinguísticos, suas tradições e utopias. As IES constituem espaços convencionais onde a expectativa seria a criação do designado ‘bildung’, quer dizer, à preparação da pessoa humana visando produzir cidadãos responsáveis, maduros, autônomos e capazes de refletirem sobre os seus próprios problemas, e da sua sociedade.

 

Este exercício constitui o lançamento de um repto. O repto que ocasião que se aproxima da efeméride do sexagenário nos oferece para repensar o etos ensino superior no país. Lançamos o repto neste mês de novembro, demasiado simbólico e representativo para o ensino superior, quando celebramos o dia mundial da ciência e o dia dos estudantes, que enfrentam as vicissitudes de um sistema de ensino superior emergente. O impacto da pandemia que escancarou, em 2020, as fissuras e fragilidades do sistema diante das restrições, incapacidade e outras aporias que provaram o quão longo será o caminho a percorrer na edificação de um ensino superior robusto.

 

No entanto, mas do que lamentar a ausência do óbvio, que a pandemia apenas veio desnudar, este tempo oferece-nos a possibilidade, de outras possibilidades, isto é, da reinvenção. Sim falta tudo para muitos, e há tudo para poucos, mas há também a oportunidade da ausência do padrão, da tradição, pois tudo se tornou experimental e não há espertos (experts) em matéria de sobrevivência melhor que nós. Portanto, se a inclusão digital parece ser um problema de fundo, não poderemos negligenciar o potencial da reinvenção social. Se existe algo para o qual poderíamos prestar atenção só celebrar o sexagenário é a capacidade recreativa, inventiva, dos Moçambicanos, mesmo em condições adversas.

 

Ao celebrar os 60 anos do ensino superior teremos de, entre outras, pensar que tipo de ensino superior queremos para que tipo de sociedade. Celebrar estes 60 anos tem de assumir um papel bem mais profundo e incisivo. Redefinir o papel e a função do ensino superior num contexto de múltiplas necessidades sociais e humanas, para que as IES continuem impondo-se e respondendo aos desafios da sociedade com recurso ao pensamento crítico tão caro a sociedade.

 

Não poderemos continuar dissociados dos adventos que movimentam o mundo da quarta Revolução Industrial, do advento da ciência artificial, da robótica e nem a redefinição da grelha de cursos que mais condicentes com as novas profissões. Não podemos ser apenas vitimas de mudanças climáticas, sem que sabíamos debater suas origens e consequências diferenciadas. Estes tempos apontam para cenários verdadeiramente desafiadores, e que obrigarão Moçambique a repensar na direcção do seu ensino superior de forma geoestratégica e mais estruturada.

 

Nos próximos anos, os desafios serão acrescidos. Os impactos das sociedades de conhecimento colocam competências tecnológicas e digitais como activos ultra importantes. Seguir as novas tecnologias e os efeitos da revolução cientifica e tecnológica, evitará que sejamos marginalizados e esquecidos pelo tempo. (X)

 

[1] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo

[2] Sociólogo, Faculdade de Educação, da Universidade Eduardo Mondlane

Ao longo da vida, tenho sido galardoada com alguns prémios. Não questiono  as suas dimensões, as organizações que as outorgam, ao mérito e seu alcance geográfico. O mundo sempre encontrou formas de expressar  reconhecimento e apreciação. Porém, sempre assumi, de forma muito consciente, que estas menções honrosas são dedicadas e atribuídas, em primeiro  lugar,  aos moçambicanos e a todos que têm um compromisso para com este povo. A experiência me ensina a discernir o simbolismo e o realismo de qualquer premiação. Não importam as circunstâncias, existe sempre uma mensagem por detrás de qualquer premiação.

 

Pessoalmente, mesmo sendo avessa a estas premiações, assumo o  princípio de que todos merecem um reconhecimento pelo trabalho que realizam. Reconhecimento e condecoração sempre foram o factor mais importante da condição humana. Eles ocorrem e podem ser entendidos como elogio por tarefas bem-sucedidas ou valores pessoais. Mas, tem de ser, sobretudo, sinónimo de identificação com uma causa e a aceitação de que seguimos causas correctas e justas, que estimulam um engajamento naquele que acreditamos ser o caminho a seguir.

 

Reconheço, ainda assim, que esta indicação tem um sentido diferente; não apenas por ter sido a primeira nesta categoria, mas, e fundamentalmente,  porque retoma as questões essenciais, nesta fase crítica do planeta e da humanidade. Investir na humanidade não pode significar apenas uma alusão ou apanágio. Tem de ser assumido como um propulsor cujos retornos são, por si só, apropriados, úteis e ajustados aos diferentes desafios contemporâneos. Testemunhamos momentos dramáticos no planeta; a nossa própria existência parece estar em jogo. Da pandemia, que continua ceifando vidas de milhões; das mudanças climáticas, que devastam a esperança de dias mais seguros; dos conflitos sociais e militares; das crises económicas, de governação e de lideranças, parece que cavamos a nossa própria sepultura, a cada dia e ano que passam.

 

O meu pensamento, neste momento, e ainda com esta condecoração em mente,  continua dedicado às mulheres e crianças do meu país. Para elas, em particular, dedico as minhas energias para que elas possam desfrutar e sonhar com um Moçambique que lhes seja acolhedor, amigo, seguro e de sonhos.

 

Tenho acompanhado o retorno às aulas presenciais, os esforços sobrenaturais para que se ofereça um ensino que diminua as profundas desigualdades educacionais neste Moçambique em que estamos imersos. Sigo, a rigor, as condições das infra-estruturas educacionais, o reduzido número de horas lectivas, enfim, a sempre debatida atractividade da carreira de professor, com salários insuficientes e jornadas fragmentadas, que tornam o processo de ensino pouco efectivo. Eu não tenho dúvidas que com o advento da Covid-19, as desigualdades educacionais e a insuficiência de aprendizagem se aprofundaram. Muitos dos alunos ficaram isolados, sem acesso às plataformas e outros meios digitais menos afluentes. E reverter estas desigualdades exige um esforço gigantesco de toda a sociedade.

 

Seria injusto pensar, apesar de tudo, somente nos alunos, excluindo, deliberadamente, os seus principais condutores e mentores: os professores, sobretudo, aqueles que são os mais engajados e comprometidos, mais esforçados e que não se deixam influenciar por práticas corruptas e nepotismos. Existem muitos que são sérios e que merecem um reconhecimento e uma vénia. Professores que, com acções mais proactivas,  formam a linha da frente e asseguram a transmissão mínima de conhecimento e de valores, princípios e regras de sã convivência e disciplina. 

 

Portanto, que este prémio humanidade, do Instituto de Iniciativa de Investimento Futuro para a Humanidade, seja, igualmente, um reconhecimento generalizado para todos os que auxiliam na transformação equitativa e qualitativa da educação, na sua relevância e na abordagem que transforma a aprendizagem na ferramenta que abre os caminhos para uma vida digna, honesta e solidária. Esse tem de ser o caminho da educação. Uma escola onde se aprende e se ensina, um espaço onde se sonha, se pode ser feliz e se caminha de mãos dadas rumo ao humanismo.

 

Não queria terminar sem deixar uma palavra de apreço à outra premiada, a  cantora americana Gloria Gaynor, uma personalidade comprometida com o humanismo. O galardão reconhece sua distinta e brilhante carreira, o seu  empenho exemplar no bem-estar do seu povo e, naturalmente, no próprio  progresso e impactos positivos na humanidade. Gloria Gaynor, com a sua “I will survive’, uma das minhas canções favoritas, tem sido um exemplo inequívoco para os artistas e o para mundo. Não é por acaso que a sua canção mais famosa tem sido recriada por dezenas de cantores de diferentes gerações.

 

Recebi, por estes dias, entusiásticas felicitações de amigos, colegas, conhecidos e até pessoas anónimas. Não podendo retribuir para todos, da mesma forma, aproveito para  agradecer humilde e sinceramente à todos que acreditam e que fazem de tudo para ajudar na estabilidade deste país, se empenham para que Moçambique seja desenvolvido, respeitador dos direitos das mulheres, das crianças, dos direitos humanos; aos agentes e instituições que promovem o bem-estar social, as artes e cultura, enfim, à todos cujo esforço e empenho têm impactado esta trilha do progresso e esta jornada mais sustentável e brilhante para a humanidade. (X)

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