Por ocasião dos 136 anos de Maputo, a cidade capital de Moçambique, vulgo a cidade das acácias, que foram celebrados no passado dia 10 de Novembro, o Jardim Zoológico de Maputo (JZM) foi um dos locais que mereceu a visita de alguns citadinos maputenses, das cidades e vilas circunvizinhas.
Na qualidade de anfitrião acompanhei uma família-viente na visita ao JZM. De regresso, já em casa, foi interessante ouvir a criançada a dar o relatório aos que não foram ao JZM. Em uníssono só se ouvia: “Vimos onde ficava Leão”; “Vimos onde ficavam elefantes”; Vimos onde ficavam girafas”, e por ai mata adentro.
No dia seguinte levei os petizes a conhecerem o centro da cidade. De regresso, eis alguns excertos do reporte: “Vimos onde ficavam as árvores”; “Vimos onde tinha parque das crianças”; “Vimos onde tinha passeios e onde passavam comboios”.
Depois do jantar, e no momento da planificação do programa de visita para o dia seguinte, um dos petizes pergunta: “Tio, amanhã podemos visitar a cidade das acácias?”
Nando Menete publica às segundas-feiras
Daqui a pouco, por causa das festas de Natal e fim-do-ano, será o ram-ram numa cidade vocacionada ao tédio e falta de crença no futuro. Nem o turismo, que seria a gazua, a transforma, talvez porque os interesses dos que detêm os cordelinhos sejam outros. Não há nada por aqui, quase absolutamente nada, que seja resultado da economia do turismo e que benefecie as populações. Propala-se demais, promovem-se seminários, gastam-se nesses encontros, dinheiros que nem sequer provêem da área, e os resultados serão escassos.
Vem sendo assim desde que se implantaram as instituições que lidam com o turismo. Fala-se e discute-se nos papeis e nas salas montadas a propósito. Bebe-se muito café e no fim promovem-se jantaradas abastadas com camarões e lagostas e peixe da primeira, tudo isso regado com bom vinho, mas a cidade continuará na mesma. Sem colher os frutos de uma sementeira falsa.
É falácia vir cá fora dizer que o turismo cria empregos, não só na cidade, como em toda a extensão da província de Inhambane. Se calhar pode ser verdade. E ainda dizem mais, “com esses empregos os jovens conseguem colocar pão à mesa das suas famílias”. E eu pergunto, que pão! Quanto é que recebem esses jovens? Com que dignidade são tratados como empregados e como pessoas! Quantas horas trabalham por dia?
Esta será a parte mais dolorosa e condenável que devia preocupar as estruturas competentes, como o Ministério do Trabalho e o Ministério da Cultura e Turismo, se efectivamente houvesse interesse em que o Turismo trouxesse benefícios aos moçambicanos. Mas são eles, os investidores, que ganham, explorando os moçambicanos. E não escondem a sua actuação, provavelmente porque têm protecção de alguém que está pouco se lixando com o tratamento dado aos seus compatriotas. Então eles podem fazer as coisas a seu bel prazer.
Na orla marítima, desde Zavala até Inhassoro, estendem-se lodges sem fim, muitos deles explorados por estrangeiros. Ganham dinheiro, sobretudo em tempos de pico. Abrem espaço aos que podem desfrutar desses lugares de lazer, independentemente de ser ou não daqui, e nem é sobre isso que estamos aqui a falar. A questão é, quanto é que eles pagam de impostos para desenvolverem o seu trabalho? Para onde vai esse dinheiro que pagam? E não há sinais de que haverá amanhã outra direcção de desenvolvimento com base no turismo.
De que vale termos um turismo que não nos beneficia? De que vale termos um Ministério vocacionado, se o crescimento que se regista não traz valor concrecto às populações? De que valem os discursos oficiais do tipo “Temos vários investidores que estão a trabalhar no nosso país e dão emprego aos jovens”, se a cidade de Inhambane em particular e o país no geral ganha quase nada? É claro que Moçambique está aberto aos investimentos, e eles vêm em catadupa, sabem que não vão pagar quase nada de impostos. Fala-se muito de incentivos fiscais que vão atrasando o nosso país em benefício de poucos, para a manutenção da nossa desgraça.
Urge mudar urgentemente de paradigma. É preciso colocar o turismo na catapulta do desenvolvimento como se faz noutros países, e Moçambique tem potencial soberbo para fazer girar a roda. Mas enquanto as palavras e os pomposos discursos prevalecerem, continuaremos assim: na pindaíba!
Introdução
Os partidos libertadores desempenharam um papel significativo na formação do cenário político de vários países africanos. Resultantes de lutas históricas contra o colonialismo e a opressão, estes partidos emergiram como defensores da libertação nacional e do desenvolvimento socioeconómico. No entanto, uma tendência desconcertante emergiu nos últimos anos, à medida que muitos partidos libertadores – como o caso moçambicano – se orientaram para uma liderança autocrática ou mesmo um regime autoritário. Este artigo de opinião aborda a complexa dinâmica que rodeia a ascensão dos autocratas nos partidos libertadores.
Contexto histórico e quadros ideológicos
Os partidos libertadores, como é o caso da FRELIMO, têm as suas raízes na luta do continente pela independência das potências coloniais. Estes partidos surgiram como uma resposta ao regime opressivo e à exploração por forças estrangeiras, reunindo as pessoas em torno de um objectivo comum de libertação e autodeterminação. Em termos de ideologia, os partidos libertadores adoptam frequentemente uma mistura de nacionalismo e socialismo, procurando abordar as disparidades socioeconómicas herdadas da era colonial. Prometendo igualdade, justiça e capacitação económica, cativam as massas com as suas promessas de um futuro melhor.
A ascensão do autoritarismo no partido libertador
No entanto, o que antes era uma causa nobre evoluiu, gradualmente, para a ascensão de uma liderança autocrática dentro destes partidos libertadores. Muitos fundadores destes movimentos, como é o caso da FRELIMO em Moçambique ou ainda do MPLA em Angola, inicialmente aclamados como heróis, consolidaram-se no poder, recusando-se a abdicar do controlo e perpetuando o seu governo através de meios não democráticos. Estes líderes autocráticos apresentam frequentemente características comuns, tais como o desrespeito pelas normas constitucionais, um enfraquecimento dos pesos e contra-pesos e uma supressão de vozes dissidentes. A sua vontade de consolidar o poder à custa dos princípios democráticos mina os próprios ideais pelos quais outrora lutaram.
Erosão dos valores democráticos: supressão da oposição, sociedade civil e abuso de processos eleitorais
À medida que a liderança autocrática se torna mais predominante nos partidos libertadores, conduz inevitavelmente à erosão dos valores democráticos e à supressão da oposição. Os opositores políticos são confrontados com intimidação, assédio e, por vezes, até prisão, criando um ambiente de medo e silenciando a dissidência. Além disso, as organizações da sociedade civil, que desempenham um papel crucial na promoção da democracia e na defesa dos direitos dos cidadãos, enfrentam ameaças e restrições crescentes. A recente proposta, ainda em discussão, sobre a regulamentação das organizações da sociedade civil em Moçambique é disso um exemplo. A liberdade de expressão é restringida à medida que os meios de comunicação social são censurados ou coagidos à autocensura, dificultando o fluxo de informação e o discurso crítico. O novo pacote legislativo (em discussão) sobre a comunicação social tende a ser um exemplo prático em Moçambique. Em conclusão, o fenómeno dos partidos libertadores para o caso moçambicano ganha tendências em que se passa a ter dirigentes autocratas, o que não deixa de ser um motivo de preocupação. O que começou como um movimento pela independência e igualdade foi contaminado pela ascensão de líderes autoritários que minam os valores democráticos e suprimem a oposição, pois isso é crucial que as sociedades africanas examinem criticamente e abordem esta questão, uma vez que tem implicações de longo alcance para o futuro da democracia no continente.
Dentro do contexto das eleições autárquicas de 2023 em Moçambique, marcadas por irregularidades eleitorais irrefutáveis, toma-se como exemplo que os partidos incumbentes têm recorrido frequentemente à manipulação de processos eleitorais para consolidar o seu poder. Isso inclui tácticas como intimidação de eleitores, gerrymandering e fraude eleitoral. Ao minar a integridade das eleições, estes partidos autocráticos asseguram o seu domínio contínuo e suprimem quaisquer ameaças potenciais ao seu governo. Este abuso dos sistemas eleitorais mina os princípios básicos da democracia e nega aos cidadãos o direito de escolherem livremente os seus líderes.
Dados preliminares do processo eleitoral autárquico de 2023 em Moçambique foram acompanhados de ondas de manifestação e descontentamento do processo, o que chama à tona a questão de que os partidos libertadores autocráticos também exercem controlo e influência sobre instituições-chave para solidificar o seu poder. Eles sobrecarregam o Judiciário com juízes leais, permitindo-lhes moldar decisões jurídicas a seu favor, mesmo que tal dessa vez parece ter tomado rumo diferente. Da mesma forma, manipulam os meios de comunicação social, principalmente públicos (TVM e Rádio Moçambique), sufocando a dissidência e controlando a narrativa para manter o apoio público.
Consequências Económicas
Os partidos libertadores que são dirigidos por autocratas apresentam frequentemente uma má gestão económica, levando a consequências terríveis para os seus países. Eles priorizam os ganhos de curto prazo e o enriquecimento pessoal, em detrimento do desenvolvimento de longo prazo e do bem-estar dos seus cidadãos. Como resultado, o crescimento económico estagna, as infra-estruturas deterioram-se e os serviços básicos como os cuidados de saúde e a educação sofrem. A falta de responsabilização e transparência dentro destes partidos perpetua a má gestão económica, conduzindo à pobreza e à desigualdade generalizadas.
Os autocratas usam as suas posições de poder para beneficiarem a si próprios, aos seus familiares e ao seu círculo íntimo, em vez de servirem os interesses da nação – o clientelismo prospera. Os fundos públicos destinados a projectos de desenvolvimento são desviados ou canalizados para ganhos pessoais – ascensão do neopatrimonialismo. Esta cultura de corrupção corrói a confiança no governo, dificulta o progresso económico e agrava a desigualdade social. Também dificulta o investimento estrangeiro e priva os cidadãos de oportunidades de crescimento e prosperidade.
Mauro TSANDZANE – Mestrando em Relações Internacionais – Sciences Po Grenoble (França)
Novembro 2023, Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Na semana passada, o Governo autorizou o Ministro da Saúde, Armindo Tiago, “a celebrar e assinar contratos para a instalação de Unidades de Hemodiálise em modelo de Parceria Público-Privada”. Não consta que tenha havido qualquer concurso público para o efeito.
O Governo autorizou também um “ajuste directo à Renal Care SA, para, em regime de concessão, executar os trabalhos de construção, gestão, operação, manutenção e devolução de instalação dos Serviços de Hemodiálise no Hospital Central de Quelimane, a ser efectuado pelo Governo da República de Moçambique”.
O Governo não forneceu qualquer dado adicional sobre estas Parcerias Público-Privadas. No primeiro caso, não se conhece o grau de propriedade dos activos e das despesas de capital que serão investidos pelos parceiros privados. Nem a dimensão da partilha de riscos.
No segundo caso, depreende-se que seja uma BOOT (Build, Own, Operate and Transfer). Ou seja, a Renal Care vai construir, possuir e operar os Serviços de Hemodiálise do Hospital Central de Quelimane, por um período não especificado, no fim do qual os serviços serão devolvidos ao Estado. (O modelo BOOT é geralmente usado em grandes projectos de infra-estruturas públicas e tecnológicas, muitas das vezes, porque o Estado não dispõe de recursos para implementá-los).
Esta nova abordagem entra, no entanto, em contramão com a mais recente perspectiva governamental na provisão e expansão do serviço no país. (NE: A hemodiálise é o procedimento através do qual uma máquina filtra e limpa o sangue, fazendo parte do trabalho que o rim doente não pode fazer. O procedimento retira do corpo os resíduos prejudiciais à saúde, como o excesso de sal e de líquidos. Sua demanda quer no sector público como no privado moçambicano tem vindo a aumentar).
Dados de 2019 mostram que a unidade de hemodiálise do Hospital Central de Maputo assistia, em média, 70 pessoas e outras 35 encontravam-se numa lista de espera (ver estudo de Márcia Manhique e Carla Braga: “Este é o corpo que as máquinas me dão: hemodiálise e (re) conceptualização do corpo”, UEM, 2018).
A capacidade desta unidade era na altura insuficiente para a demanda. Ainda é. O serviço foi inaugurado e entrou em funcionamento em Dezembro de 2008. Na altura da sua inauguração, de acordo com o estudo de Manhique e Braga, a unidade tinha como capacidade instalada 12 máquinas e assistia em média 54 a 60 pacientes distribuídos em dois turnos diários, o da manhã e o da tarde.
“Entretanto, devido ao tempo de uso, dez anos depois, isto em 2018, algumas máquinas já começavam a apresentar problemas técnicos que, de acordo com um funcionário da Unidade de Hemodiálise, em entrevista: “(..) implicaram na redução de doze para oito e, às vezes, com alguma sorte, ou nove máquinas funcionais e, por consequência, implicava na necessidade de redefinir os dias de tratamento e alocação de alguns pacientes para outros dias”.
Para além desta unidade pública, Maputo e Matola têm também uns tantos (poucos) centros de hemodiálise no sector privado. Com a demanda crescente por estes serviços (centrada sobre a unidade do Hospital Central de Maputo), o Governo vinha respondendo à medida das suas capacidades, numa perspectiva de desanuviar a pressão sobre Maputo, mas também “descentralizar” a oferta pública.
Com efeito, no primeiro semestre de 2018, o MISAU abriu duas unidades de hemodiálise, uma na cidade da Beira e outra em Nampula. Na altura, o Ministério da Saúde anunciou que o custo do equipamento foi de 40 milhões de meticais (550 mil USD), cada. E, em finais de 2017, foram formados 28 profissionais, entre técnicos e pessoal administrativo.
A perspectiva deixada na altura, e publicamente, pelo MISAU foi a de que, depois de Nampula e Beira, o próximo investimento em serviços de hemodiálise numa capital provincial seria na cidade de Quelimane. Em Janeiro de 2018, a imprensa citava vastamente o antigo Director Nacional de Assistência Médica, Ussene Isse, garantindo que Quelimane era o alvo seguinte. Passados quatro anos, a promessa dessa infra-estrutura não foi concretizada.
Mas…em 2019, poucos meses depois das unidades de Nampula e Beira começarem a operar, um novo actor entrou em cena. Trata-se da Renal Care, S.A. com um capital social, integralmente subscrito e realizado em dinheiro, de 1.000.000,00 Mts. Seu contrato de sociedade é datado de 23 de Maio de 2019.
No seu objecto social, a Rena Care propõe-se realizar as seguintes actividades: prestação de serviços de consultoria; prestação de serviços médicos e de análises clínicas; formação profissional; gestão de participações sociais; produção de reagentes químicos usados em tratamentos médicos e/ou análises clínicas; comercialização de equipamentos e consumíveis médicos e manutenção de equipamentos médicos, entre outros.
É a esta firma, completamente nova no mercado, a que o Governo adjudicou, em ajuste directo, a montagem de serviços de hemodiálise em Quelimane. Quem são os seus donos? Ninguém sabe. E como a informação fornecida pelo Governo é escassa, é fácil inferir que a instalação de unidades de hemodiálise em regime de PPP vai para além de Quelimane.
Só pode. Em Maputo, a situação é caótica. A demanda é tão grande que a unidade do HCM não está a admitir novos pacientes para beneficiarem de hemodiálise. Duas razões são apontadas. 1) lotação esgotada; 2) falta de consumíveis. Em termos gerais, actualmente, a unidade do HCM funciona assim: um paciente internado tem direito de fazer 21 sessões gratuitas de hemodiálise e só no final delas é que, se o paciente não melhora, ele passa a pagar 6 mil Mts por sessão (12 mil Mts em duas sessões semanais).
“Carta” apurou que, presentemente, a lista de pacientes na fila de espera da Unidade do HCM é grande e, para que seja admitido um novo paciente, outro tem que morrer. Ou seja, muitos utentes não têm acesso ao serviço público, devendo recorrer ao sector privado. Mas se uma sessão custa 6 mil Mts no sector público, quanto custa no privado? Numa ronda, feita ontem, por alguns hospitais privados de Maputo, constatamos que a oferta do sector privado custa por sessão não menos que 9 mil Meticais. E na unidade do HCM, das 12 máquinas inauguradas em 2008, apenas duas estão a funcionar, disse uma fonte interna sob anonimato.
O cenário é propício para a entrada em cena de uma PPP visando apenas o lucro. É o que está acontecendo em Moçambique. (Marcelo Mosse)
Numa madrugada de final de semana, caminhava desinteressado com um grupo de amigos quando um pouco depois da esquina das avenidas Eduardo Mondlane e a Tomás Nduda, na direção norte e junto a uma árvore, deparamos, na escuridão, com um casal (comercial) em plena intimidade. Diante da nossa interpelação, o interpelado pediu que o deixássemos acabar o processo, que depois tomaria tempo para se pronunciar.
Na TV, acabo de ouvir algo parecido. Da boca do ex-presidente da República, Joaquim Chissano, ouvi que ele falará sobre o “11 de Outubro” logo que o Conselho Constitucional se pronunciar sobre a validação dos resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições. Uma posição que até que faz jus ao seu estilo de governação presidencial, tendo, por isso, sido apelidado de “deixa-andar”.
Estes dois casos, lembram o que um dia dissera o então e falecido presidente norte-americano, Ronald Reagan, sobre a política e a prostituição: "… a política é a segunda profissão mais antiga, e eu percebi nos últimos anos que ela tem uma grande semelhança com a primeira”
Nos dois casos, o “deixa-andar” e o “deixa-…”, e diante de flagrantes acontecimentos na esfera pública, a semelhança da resposta é gritante: ambos -os interpelados - remetem os respectivos pronunciamentos para o fim do jogo.
“A política, Seu Dirceu!”. Já ensinara o perfeito Odorico Paraguaçu, da novela brasileira “O Bem-Amado”, quando questionado - pelo seu secretário, Dirceu Borboleta - sobre a ética e a moral das suas ações.
Nando Menete publica às segundas-feiras