Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
Nando Menete

Nando Menete

segunda-feira, 11 maio 2020 07:46

Pós-pandemia: voltar à normalidade?

No final da II Guerra Mundial, numa reunião a propósito do futuro da Alemanha derrotada, Josef stalin, o líder soviético/russo, questionou aos seus homólogos, britânico e americano, de que Alemanha se tratava, pois, para ele, a Alemanha, do final da guerra, não passava de uma mera noção geográfica. Depois de um puxa-puxa, os três líderes, das potências vencedoras, acordaram de que que se tratava da Alemanha do dia anterior em que iniciara a guerra. E para o caso, o dia 31 de Agosto de 1939. Vêem-me o episódio, a reboque dos apelos ao regresso à normalidade face a anormalidade à volta da COVID-19. E à moda de Stalin, pergunto: de que normalidade é tratada? Ou ainda: qual é a data referência? 

 

Para o mundo, o que significa o regresso à normalidade? Será a normalidade da data anterior à declaração da COVID-19 como uma pandemia global? Ou a da data anterior ao reconhecimento da China que a COVID-19 existe? Ou ainda a da data anterior ao diagnóstico do primeiro caso na América? E em Moçambique? Serão as mesmas ou outras datas como a anterior ao início do estado de emergência ou a anterior ao anúncio das medidas iniciais contra a COVID-19? Até ao momento, ainda não ouvi, quer globalmente quer localmente, sobre a data da normalidade que se quer retomada. Contudo, é estranho que se queira o regresso ao passado. Terá o mundo deitado a máxima milenar de que para a frente é que o caminho? E, em Moçambique, a máxima “Avança não há recua” terá sido revogada? Não sei, não!

 

E para si? A normalidade devia ser considerada a partir de quando? E, a propósito da pergunta, fiz alguns telefonemas (na normalidade teria ido ao bar) sobre a data de regresso à normalidade. Eis algumas das respostas: “A data anterior ao meu casamento”; “A data anterior à criação da FRELIMO”; “A data anterior à indicação de Armando Guebuza para candidato presidencial da Frelimo”; “A data anterior ao primeiro ataque dos insurgentes”; “A data anterior à criação da Renamo”; “A data anterior ao fim da venda informal na via pública” e por ai em diante e cada um com a sua própria data de referência.

 

Todavia, na pós-pandemia, se o regresso à normalidade (do passado), a dita reabertura, for o entendimento mundial, então, o mundo não passará de uma mera noção geográfica que exigirá um pacto mundial para uma reabertura, mas que seja virada para o futuro. Assim foi com a Alemanha, no final da guerra, em 1945: desta não emergiu a Alemanha anterior ao dia 01 de Setembro de 1939, a data do início da II Guerra Mundial. Do mesmo jeito: o mundo pós-pandemia da COVID-19 não pode ser igual ao mundo anterior à pandemia (a tal normalidade), em particular na Pérola do Índico.

Pouco antes do Presidente da República (PR) prorrogar o Estado de Emergência e por mais 30 dias, quase que apostava que ele não o faria. Estava convicto de que o PR usaria os mesmos motivos (grosso modo o fraco cumprimento) para não prorroga-lo ou, no mínimo, que o fizesse por menos tempo, e, em simultâneo, endurecesse as medidas. Destas, apostando, por exemplo, no uso obrigatório da máscara e no recolher obrigatório que fosse combinado com um ajuste do horário laboral (comércio, serviços e indústria) para horas (mais cedo) cujo efeito fosse o desejado no combate ao novo coronavírus, a COVID-19.

 

Não obstante ter sido, mais uma vez, contrariado pelo PR, embarquei na sua decisão e com a notável ajuda de um meu professor (finlandês) de Física do secundário. Este professor levantara, na altura, a hipótese de que o problema da reprovação de estudantes na sua cadeira estava na carga horária e não na inteligência, pois observara que os estudantes que reprovavam transitavam com distinção no ano de repetição. A solução, segundo o professor, passava pela duplicação da carga horária que era de duas ou três aulas por semana. Assim, duplicando a carga horária, incluir-se-ia, num único ano, a carga horária de dois anos. Ainda concordo com ele.

 

Neste contexto, extrapolando a proposta do meu professor, a prorrogação do Estado de Emergência corresponde a repetição da sua cadeira, simbolizando que desta vez (com a prorrogação) o povo passe para a categoria de bom estudante e por direito seja aprovado. De toda maneira, caso tivesse tido a oportunidade de assessorar o PR, na primeira leva do Estado de Emergência, teria o aconselhado a decidir de acordo com a sugestão do meu professor de Física, evitando assim a repetição do Estado de Emergência. Assim não foi e assim também não foi na decisão para a prorrogação. Nesta, teria o sugerido que o prorrogasse por 15 dias e que a carga das medidas fosse duplicada.  

 

Contudo, nem sempre quem repetisse a classe ou a cadeira transitava. É a tal (e sempre) história de não haver regra sem excepção. E numa situação de reprovação pela segunda vez e sucessiva, o aluno era tratado por bi-repetente o que significava uma prescrição automática, materializada com a interdição do direito à matrícula/educação por dois anos. Nesta matéria o Estado era implacável.

 

Dito isto e findos os 30 dias da prorrogação do Estado de Emergência o que se espera em caso de mais uma reprovação do povo? Será feita uma segunda prorrogação? A partida, seguindo os ditames da prescrição automática, o povo sofreria uma suspensão por dois anos. Porém, em Moçambique, para a sorte ou azar do seu povo, a prescrição automática foi abolida e no seu lugar foi introduzida a passagem automática. Assim, a fechar, fica apenas por se aferir se a passagem automática é também aplicável na passagem da pandemia da COVID-19 pelo país.

 

segunda-feira, 04 maio 2020 06:39

A Itália do período “Rossi-Roma” em Maputo

As notícias que nos chegam da Itália e relativas a pandemia do novo coronavírus, a COVID-19, remexem a minha memória, sobretudo, a que retenho da presença da Itália em Moçambique, concretamente em Maputo. Falo do período que apelido de “Rossi-Roma”,  meros marcos e não necessariamente o ponto de partida e o de chegada. O Rossi, Paolo Rossi, foi um jogador da selecção italiana no Mundial de Espanha de 1982 e que levara a sua equipe à conquista do torneio. E Roma, a capital italiana, que fora, em 1992, a cidade anfitriã do Acordo Geral de Paz, mediado pela Itália e assinado pelo Governo moçambicano e a RENAMO. É deste período que me embala a memória  abaixo.

 

Em 82, a Itália - a boa e a má - entrara na casa dos maputenses através da televisão. Em rigor, entrara nos bairros, pois, na altura, a TVE (anterior TVM) era vista ao ar livre nos Círculos dos bairros. E o Paolo Rossi foi um dos responsáveis pela entrada. Dele, fora um bom jogador e grande goleador - o lado bom - ele era um condenado da justiça italiana por conta do seu envolvimento com a máfia - o lado mau - na manipulação de resultados do campeonato italiano. Aliás, um arranjo jurídico oficial tornara possível a redução da sua pena e daí a sua participação no mundial. E assim, menos ou mais, a Itália se apresentou ao país e que o filme “O Padrinho” tratou de aprofundar o resto da apresentação.

 

Neste diapasão – de boa e má coisa – e entre as várias nacionalidades de cooperantes, os italianos marcavam a diferença na proximidade social, no bom gosto (vestuário e gastronomia) e na “pilhagem” dos recursos femininos nacionais cujos escândalos, à mistura, fizeram manchete social, destacando “o caso dos 33 andares” e de outros, sobretudo, na época da presença militar italiana no quadro da missão da ONUMOZ (1992-1994/5), então liderada por um simpático italiano. Deles, e como professores, também retenho a quebra do “cinzentismo” das regras ao se apresentarem de calças “Jeans”, camisa fora das calças, rabo-de-cavalo e de brinco de ouro na orelha. A outra lembrança é a das farras (festas) nas suas residências cujos “apetrechos de desenvolvimento” atraiam a cobiça de assaltantes.

 

Da Itália também a lembrança de grandes obras. E delas o ruído irritante de máquinas da empresa SIETTE durante a instalação de cabos telefónicos em Maputo. Desse trabalho, as estradas ficaram tão esburacadas que os maputenses passaram a referir que a sigla SIETTE significava “Somos Italianos Esburacamos Todo o Tipo de Estradas”. Outras obras, para citar algumas, foram as das barragens dos Pequenos libombos e de Corumana, registando que os italianos foram  vítimas - na fase de construção - do conflito armado que assolara o país nesse tempo. Um outro tipo de obras foram as do campo social e desportivo, destacando o apoio multifacetado, institucional e individual, em tempos difíceis do país.

 

Hoje, em tempos difíceis de um mundo abraços com a pandemia da COVID-19, a Itália – tão devastada pela pandemia – ainda se faz presente na vida dos maputenses através de uma das formas de prevenção da COVID-19: lavar as mãos. Aliás, a Itália estará sempre presente enquanto a água que jorra nas torneiras dos maputenses for a proveniente da Barragem dos Pequenos Libombos e de Corumana, um legado do período “Rossi-Roma”. E quem sabe se entre os que partiram da COVID-19 na Itália não esteja um dos que torna(ra)m possível os maputenses lavarem as mãos e assim repelirem a COVID-19. Esta é a Itália solidária que a conheci no período “Rossi-Roma”. À ela, Itália: il mio abbraccio fraterno!

 

PS: Numa recente visita à cidade de ChóKwè (Gaza) e à conversa numa esplanada, um Cota (mais velho) local contara-me que o presidente Samora Machel manifestara, na altura/anos 80, alguma preocupação com a presença de sul-africanos (em referência aos refugiados do ANC) porque estavam a ensinar o povo moçambicano a fazer candonga (contrabando). Perguntei-o sobre o que os italianos terão ensinado aos moçambicanos. O Cota, depois de passar um olhar de esguelha pelos arredores, respondeu de que os italianos ensinaram aos moçambicanos a fórmula de um país ficar anos sem um Governo em exercício. E quem terá ensinado o pagamento de comissões (os famosos 10%)? “Conto, um outro dia” foi a pronta resposta e final do Cota. Infelizmente, nunca mais eu tive notícias dele.

O recente bate-boca em torno do “saque” ao erário público para remunerar os custos da dignidade do estatuto do deputado (não necessariamente da pessoa beneficiária – um outro assunto) é recorrente. Para os do contra é “um valor altíssimo” e para os favoráveis é “um valor baixíssimo”. Os do contra não concordam que se pague tanto por dormidas no parlamento. Os favoráveis consideram que os ministros (que também dormem quando vão ao parlamento) recebem muito mais e ninguém toca no assunto. Por onde ficamos?

 

A partida é pacífico que se remunere dormidas em serviço de Estado (e na hora de expediente)  desde que não se exagere na remuneração cujo  cálculo – ao que parece - é inspirado no das  Ajudas de Custo em viagens de trabalho: quanto mais dormidas/diárias fora , maior é o bolo do per diem (valor por dia). Agora, se a dormida remunerada é barulhenta (a dos deputados)  ou silenciosa (a dos ministros)  depende da  manta que é usada. Nas sessões do  Parlamento a manta (mais para lençol) é transparente e nas sessões do Conselho de Ministros ela  é bem espessa, um autêntico edredom.

 

Dito isto – sobre quem dorme e recebe mais -  talvez o foco do argumento da corrente dos favoráveis, onde pontificam deputados em exercício e fora dele, passasse por defender uma lei que obrigasse que as sessões do Conselho de Ministros fossem públicas a par das do Parlamento. Se assim for, temo que a corrente dos favoráveis tenha razão e uma das evidências são as elegantes dormidas dos membros do Conselho de Ministros  nas idas ao Parlamento.  Uma outra evidência é a do mobiliário. Baste que repare nos confortáveis assentos da nova sala do Conselho de Ministro que até fazem inveja aos da Business Class das melhores companhias aéreas.  E quem já viajou nessa categoria que testemunhe a qualidade da soneca proporcionada.  Aliás, os próprios  ministros podem certificar a veracidade.

 

Para a corrente do contra, lembrar que a dormida parlamentar pode também significar um sinal de trabalho árduo. Pois, entendo, que quando o deputado chega às plenárias é o culminar de uma longa caminhada de trabalho nas comissões, visitas ao terreno e ao estrangeiro, trabalhos em grupo,  elaboração de relatórios/discursos, entre outros afazeres.  O mesmo para a dormida governamental. Contudo, também é válido que a dormida pode significar desorganização/falta de planificação. Que o digam os estudantes (e os docentes que confirmem)  que fazem um  trabalho de investigação de dois meses no dia anterior ao da sessão de entrega.  

 

Enfim. É a democracia da Pérola do Índico no seu melhor. Avisos não faltaram e por aqui ficamos com   um (aviso) deles, e prévio,  dado, na altura da introdução do multipartidarismo (anos 90), por Joaquim Chissano, então Presidente de Moçambique. O aviso  de Chissano-  direccionado ao Ocidente (salvo erro à Margaret Thatcher, a Ex-Chefe do Governo do Reino Unido)  – alertava para o facto da democracia ser um sistema extremamente oneroso. E desde então, nunca vi -  só para fechar -  um aviso a ser  levado  tão à letra e dolosamente quanto este. E isto é extremamente penoso. 

quinta-feira, 23 abril 2020 06:51

Volte e não saia de casa

Tenho acompanhado pela comunicação social que Portugal, a antiga metrópole colonial de Moçambique, constitui um exemplo no que tange a tomada de medidas contra a propagação da COVID-19. O seu povo é elogiado por acatar as medidas do Estado de Emergência, sendo o “Fique em Casa” a mais notável. Palpito que o facto do fim da ditadura portuguesa  ser ainda recente (pouco menos de 50 anos) produz, no imaginário dos portugueses, o medo da autoridade repressiva de um Estado ditador, operando assim como um dos factores dissuasores para o cumprimento generalizado das medidas.

 

Por arrasto, na Varanda do Índico, era suposto que os tempos da ditadura portuguesa – via colónia – e os que se seguiram logo após a independência, mais os tempos em curso da pandemia, fossem suficientes para duplicar o medo de quem queira sair de casa. Nem tanto. Alguns dirão “Porque sair de casa ainda não é literalmente proibido”. Será? E no caso de barracas (aglomerados, notadamente, de venda e consumo de álcool), cuja abertura é proibida, o seu encerramento é literalmente observado?

 

Há uma semana do fim do Estado de Emergência (30 dias), igualmente decretado por força da COVID-19, quer me parecer que para quem cumpre com a medida (e fica em casa) e para quem abre ou encerra a sua barraca - ou outro tipo de estabelecimento similar enquadrado na mesma proibição – o medo da repressão da autoridade, incluindo a extorsão e o excesso de zelo, está subjacente na decisão. Aliás, ciente desse facto, quem abre ou finge que fecha a sua barraca e os clientes criam e articulam condições alternativas para que a provisão e o acesso aos serviços prestados  ocorram de forma oculta.

 

Procurei perceber as circunstâncias que justificam o risco. Um dos argumentos, e o predominante, prende-se com a imprescindível renda de sobrevivência de quem vive do negócio da barraca. Mas este argumento não cola para quem vai à barraca gastar a sua renda e se expor à pandemia. A menos que quem assim procede ainda não tenha voltado à casa desde o dia 31 de Março, data anterior ao da entrada em vigor do Estado de Emergência. Neste caso, e numa eventual prorrogação do Estado de Emergência, proponho que se adicione o "Volte e Não Saia de Casa" nas campanhas de sensibilização para a contenção da COVID-19.  

segunda-feira, 20 abril 2020 09:07

Tempos de crise, tempos do padeiro

Por estes dias tenho ido objectivamente à padaria (e não sob pretexto) e acredito que em menos de um mês fui mais vezes à padaria do que em um ano no passado. Falo de um passado recente, pois do mais recuado, fui um assíduo nas idas à padaria. E ontem, enquanto cumpria a única fila para a compra do pão, veio-me à memória os tempos (e de crise) das bichas/filas da padaria, marcadamente nos anos oitenta. Dessas bichas, guardo um e outro episódio do poder do padeiro em tempos de crise.

 

Um dos episódios foi numa padaria próxima de casa. Havia uma bicha (curta) de pão para cooperantes (trabalhadores estrangeiros, grosso modo de raça branca) e uma outra (bem cumprida) para moçambicanos. Nesta fila, uma e outra vez, não me deixavam ficar, alegando que a minha era a outra: a dos cooperantes/brancos. Às zangas de criança lá ia à fila indicada, formada na sua maioria por russos e outro pessoal do leste. O padeiro, na hora da compra do pão, questionava-me: “Desde quando mulato é cooperante/branco?”. E assim - voltar com o pão para a casa - dependia do padeiro do dia: este é quem decidia se eu era cooperante/branco (estrangeiro) ou moçambicano.

 

O outro episódio prende-se com um detalhe: algumas das beldades que circulavam com o saco de pão – já recheado – não eram vistas na padaria. Mais tarde, percebi a razão do fenómeno quando um dos padeiros arrendou uma dependência (anexo) próxima da padaria, respondendo, deduzo, a duas exigências: uma de trabalho e outra de ordem feminina. A de trabalho, por conta dos turnos, sobretudo o nocturno. A feminina, era justificada pelo entra e sai de beldades de tirar o fôlego a qualquer outro profissional e até de áreas tidas de prestígio. Sobre isto, já diz um amigo próximo: “Em tempos de crise o padeiro é uma profissão de poder e prestígio e até superior às tradicionais ”.

 

Voltando à fila de pão de ontem: na hora do meu atendimento o padeiro demorou um pouco mais do que o habitual e foi atendendo outros clientes. Por coincidência foram duas beldades da terra e um senhor de raça branca que me pareceu estrangeiro. E pouco antes que eu recorresse à alguma forma de protesto, o padeiro pediu-me imensas desculpas, pois ainda aguardava por dinheiro trocado. Por algum tempo, temi que ele não me fosse vender o pão. Em tempos da pandemia COVID-19, e da crise acoplada, tudo pode voltar (a acontecer) e o poder do padeiro, não seria, de certeza, uma excepção.   

quinta-feira, 16 abril 2020 07:51

O passe não é mal feito, é mal recebido

A frase do título é atribuída a Pelé, antigo e renomado futebolista brasileiro e mundial. Faz tempo que a tomei de empréstimo para olhar a política. A mesma filosofia para uma outra frase e pertencente ao ex-Presidente americano, George Bush (filho) que a transcrevo de memória: “Um dos maiores fascínios como presidente foi a tomada de decisões e para tal, dos meus assessores, procurava saber se a decisão era legal e se era ética”. E eu acrescentaria, na assessoria, se a decisão seria aplicável, obviamente, com o devido contexto observado. E por falar em contexto, referir que estas frases levam-me ao avança e recua no que toca às decisões sobre as medidas do Estado de Emergência em Moçambique.     

 

Por outras palavras, em miúdos, a combinação da jogada de Pelé e Bush resulta que a bola é a decisão (política), o passe é a comunicação da decisão e a recepção do passe, a sua aplicação. E nessa linha, penso que já se foram os tempos em que a qualidade da liderança mundial marcava a diferença. Os tempos em que - tal como como Pelé, no trato da bola, espalhava magia por todo o campo até ao golo – os líderes tomavam decisões depois do devido enquadramento (legal), ajustamento (ético) e garantias (aplicabilidade) de sucesso (resultados/golo). Em regra: a qualidade iniciava na partida, contagiava o caminho e alojava na chegada. Porém, a excepção não é descartada.

 

Em contramão, a actual geração de líderes não possui a necessária habilidade para enfrentar os problemas e os desafios que se impõem de momento. E o resultado disso – quanto ao processo de tomada de decisão, sua comunicação e a respectiva aplicação - é bem visível no estado de incerteza em que se encontra a humanidade, sobretudo com a acção da COVID-19. O mesmo para o futebol: Já não se encontra um “10” que se compare aos níveis da performance do Pelé.

 

Entre portas, na Pérola do Índico, um dos indicadores da deterioração da qualidade de liderança foi o recente decreto/regulamento de medidas atinentes ao Estado de Emergência (EM), que mal fora aprovado e entrara em vigor foi logo alterado. Aliás, sobre o EM, já alguém, por coincidência também EM (Elísio Macamo, académico) escrevera da trapalhada linguística na respectiva justificativa/preâmbulo no texto da lei/decreto presidencial.

 

Contudo, nem tudo está perdido. Vi excertos de uma entrevista televisiva do Ministro da Saúde e pareceu-me com pleno domínio da comunicação. O mesmo para a da Justiça e o vice, passando pelo pessoal da saúde que presta informes regulares sobre o estágio da pandemia em Moçambique. Entretanto, embora haja sinais de uma certa qualidade de passe/comunicação, subsiste um défice em relação a qualidade da bola/decisão que é passada, deixando dúvidas e a ponto de dificultar/atrapalhar a recepção/aplicação da bola/decisão pelos destinatários. A menos que se confie que os destinatários, quiçá de tão exímios, façam a sua parte/diferença.

 

Neste contexto, ainda que sem uma adequada bola (decisão/medida), mas com um bom passe (comunicação) e com uma notável ajuda dos destinatários (aplicação) é possível que o país faça bonito nos resultados, sobretudo os do combate à COVID-19. Aliás, Pelé não costurava bolas, mas fazia passes de extrema qualidade e também os recebia com a mesma ou com uma outra, distinta e superior, qualidade.

segunda-feira, 13 abril 2020 08:47

Corta Mabjaia

De três ou mais amigos recebi - no meu WhatsApp - a comunicação do falecimento de Elias Mabjaia (1954-2020), simplesmente Mabjaia ou Capitão Mabjaia, o temível defesa central locomotiva (Ferroviário de Maputo) dos anos oitenta, em particular. Retribui a uma das mensagens com a seguinte: “…aí vai…atenção…o remat…CORTA Mabjaia!”. De certeza que este excerto lembra um relato dos jogos de futebol das tardes de domingo na Machava (Estádio) e que até podia ter sido extraído do arquivo da Rádio Moçambique.

 

Essas tardes de domingo quer na Machava quer em casa, tinham o sabor dos cortes de Mabjaia e, alguns deles, na leva, o adversário. Nesta matéria - fica a bola ou ambos - a dupla com o Zabo, outro e saudoso central locomotiva - não deixava os adversários sossegados. Fora os cortes, o potente remate na marcação de livres, e à boa distância, era também a sua marca. E um dos remates, em 1981, ainda roça-me no ouvido – então infantil - o som de golo da gritaria do relatador. Foi o golo de empate (1-1), nos últimos minutos do jogo contra o Têxtil de Punguè, numa das tardes (e triste) de domingo e desta vez, no caldeirão do Chiveve, cidade Beira.  

 

Desse jogo, a memória de que o Ferroviário devia ter ganho para assegurar o título de campeão, mas o mesmo acabou ficando com o Têxtil de Punguè. Entretanto, no ano seguinte, Mabjaia e companhia, treinados ainda por Mário Coluna, uma lenda mundial do futebol, levaram o título – o primeiro na história locomotiva do período pós-independência - para a sede do clube, na baixa da cidade de Maputo, enchendo de júbilo os seus adeptos, e destes, inclui o autor destas linhas.  

 

Há poucos meses, vi o Mabjaia à porta (e saída em seguida) de uma unidade hoteleira e com ares de alguma aflição.  Ainda sem entender o que se passara, aproximei-me do porteiro - bem jovem para a função – e perguntei-o se conhecia o senhor que saíra à pouco e o que ele queria. A resposta foi a de que não o conhecia e de que ele pedira para usar os sanitários. Em seguida, perguntei-o se conhecia o jogador Piqué do Barcelona. De forma categórica, não só, respondeu de que sim como também enumerou uma lista de outros bons e famosos defesas de gabarito mundial. No final, disse-lhe: “Acabas de impedir a entrada de um dos jogadores dessa lista, ainda que não o tenhas citado, porque, acredito, não o conheces”. E porque entendera que ele não engolira, recomendei-lhe que perguntasse ao “barman” – bem mais velho - quem era o Capitão Mabjaia.

 

Por coincidência, nessa mesma unidade hoteleira, vira pela última vez e pouco antes da sua morte, uma outra lenda locomotiva e nacional. Falo de Joaquim João, o também capitão e conhecido por JJ, que fora, por alguns anos, a par de Mabjaia, a dupla de centrais da defesa locomotiva. Entrelinhas e desses avistamentos, o recado: rezo para que não volte a ver ou a cruzar, na  unidade hoteleira que me refiro, com nenhuma outra velha-glória do nosso futebol ou de outra modalidade. E caso aconteça, nesse dia, serei o jovem porteiro. 

 

Com a partida de Mabjaia, a História desportiva moçambicana fica a dever - e ainda em dívida com Zabo, Joaquim João, Mário Coluna e outros tantos e grandes desportistas nacionais - as páginas doiradas do seu livro. Às famílias Mabjaia e Locomotiva, as sinceras e  sentidas condolências. Saravá, Capitão Mabjaia!

 

quinta-feira, 09 abril 2020 06:10

Moçambola, Unidade Nacional e a COVID-19

O debate sobre a “Unidade Nacional” em Moçambique fora inacabado, e talvez por isso, é um assunto espinhoso, pois agita muitas sensibilidades e algumas delas altamente inflamáveis. À distância, e sem que vá à fundo, entendo a “Unidade Nacional” como o sentimento de pertença à uma nacionalidade e para o caso, a moçambicana. A realização do campeonato nacional de futebol, vulgo “Moçambola” (sobretudo nos moldes clássicos de todos contra todos), é apontado – e até nos círculos do poder - como uma das vias da consolidação da “Unidade Nacional” e desse entendimento são mobilizados fundos e mundos para assegurar a sua periódica concretização anual.

 

Confesso que nunca engoli que o “Moçambola” fosse (merecesse) assim tanto. E porque gosto de Basquetebol (até podia ser uma outra modalidade), sempre exigi o mesmo tratamento. A resposta é de que este desporto não movimenta massas (muita gente). Aliás, nenhuma outra modalidade desportiva no país movimenta massas como o futebol e talvez por isso, a justificação do reiterado carinho do Estado ao “Moçambola” e em detrimento das outras actividades desportivas que movimentam menos massa e assim, e já agora, com menor ou nulo potencial para contribuírem para a “Unidade Nacional”.   

 

Neste contexto e com o impacto da pandemia COVID-19, a não realização do “Moçambola” não será uma ameaça para a “Unidade Nacional”? Por força ou não da COVID-19 a sua não realização não constitui nenhuma ameaça, pois julgo que o “Moçambola” não é e nunca foi um factor de “Unidade Nacional”. Para mim, e para citar um de tantos de índole desportivo, um exemplo de factor de unidade nacional – o sentimento de pertença a uma nacionalidade (moçambicana) – foi o gerado pela Lurdes Mutola quando conquistou a medalha olímpica de atletismo, que é, a propósito, uma modalidade que não movimenta massas no país.

 

Como ameaça, a COVID-19 é apenas para o “Moçambola” e não para a “Unidade Nacional”, pois, fora o uso quotidiano da máscara e outros, a COVID-19 deixará como legado da sua passagem o facto de ter desmascarado a utopia de que o “Moçambola” é um factor de “Unidade Nacional” e daí a luz verde para o assalto aos parcos recursos das empresas e do Estado. Ademais, e a ser uma ameaça, provavelmente fosse contra um outro tipo de unidade e para o caso em questão (futebol), a passional.

 

E a fechar, nem tanto a ver, e pelo que se consta dos meandros da bola e com uma certa naturalidade e tradição, não fica bem que o Estado insista em drenar recursos em algo conotado, entre outros, com a alta corrupção, tráfico de influências, sonegação de impostos, falsificação de documentos, lavajem de dinheiro, pancadaria, racismo e o tribalismo. Isto sim: talvez atente contra a “Unidade Nacional” e como prevenção, rezo que não falte muita água e sabão, um outro legado da COVID-19 para o “Moçambola” e não só.

sexta-feira, 03 abril 2020 06:25

O país da última hora

O jornalista Marcelo Mosse escreveu, recentemente, algo parecido com a falta de prontidão e desorganização na resposta à emergência que a COVID-19 impõe ao país. Será que era expectável o contrário? Infelizmente, e dói ter que afirmar, uma das marcas “Made in Mozambique” e parte do ADN da Pérola do Índico é a “Última Hora”. Ou seja: deixar tudo para o fim.

 

E nessa linha, e à hora da refeição, um moçambicano que se preze, deixa o melhor pedaço de carne para o fim. Na escola, o trabalho de investigação é entregue no último dia e até em casos de prorrogação do prazo. Na vida adulta não se difere tanto, conforme os casos - a título de exemplo - da ida ao médico e ao posto de recenseamento eleitoral e ainda no momento de pagamentos às finanças e do manifesto automóvel. Contudo, uma excepção e de ouro: o pagamento de “comissões” (os famosos 10%) que é - sem prejuízo para o infractor - efectuado de forma antecipada. 

 

Neste diapasão, e deveras preocupante, temo, em relação à pandemia COVID-19, que se esteja a confiar em estratégias que fazem também parte do ADN da Pérola do Índico. Uma delas e dos idos tempos infanto-juvenil é o jogo “às escondidas” em que o último escondido, desde que não tivesse sido apanhado, goza de plenos poderes para salvar os apanhados assim que tocasse o ponto da contagem de partida para o esconderijo. A outra estratégia, e das lides do futebol, é o recurso a uma “arma secreta”, que é um jogador que entra nos derradeiros momentos do jogo como a solução final para a vitória.  

 

Dito isto, seria expectável o contrário? Ou não estarão os acontecimentos a desenrolar dentro do quadro lógico do Modus Operandi da “Última Hora” e num cenário - para agravar - em que se desconhece o último dia da acção da fulminante COVID-19. É caso para dizer que os contornos patológicos da dupla pandemia, a COVID-19 e a “Última Hora”, constituam matéria de estudo para a nossa academia, a menos que esta seja uma outra e circunscrita pandemia.

Pág. 17 de 22