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segunda-feira, 03 junho 2019 08:40

Itália no turbilhão do euro

A Itália aderiu à zona do euro em 1999, com o primeiro-ministro Massimo d'Alema do partido "Esquerda Democrática". Essa participação fatídica, que implicou a completa perda da política monetária independente, é sem dúvida a principal causa do decepcionante desempenho da economia italiana.

 

O PIB do país atualmente está em EUR 1,75 trilhão de euros e suas taxas de crescimento são extremamente anêmicas, atingindo apenas 0,9%. O Produto Interno Bruto (PIB) real per capita, segundo cálculos confiáveis, aumentou no período 1969-1998, em que o país teve sua moeda nacional, a lira, em 104%, enquanto no período 1999-2016, onde o país já havia adotado o euro, caiu 0,75%. Por outro lado, no período 1999-2016, o PIB real per capita da Alemanha cresceu 26,1%, tornando os cidadãos daquele país os mais beneficiados entre as principais economias da zona do euro.

 

A Itália, ao mesmo tempo, tem a terceira maior dívida estatal do mundo, depois dos EUA e do Japão, e, portanto, seu resgate é impossível, já que excede as capacidades dos estados europeus. A dívida do país, como porcentagem do PIB, atualmente é de 132% e em números absolutos de 2,336 trilhões de euros, enquanto em 1999 era de 109,7%. Então, pode-se notar facilmente um aumento significativo.

 

Ao mesmo tempo, desde 1999, o íngreme declive da Itália em termos de desenvolvimento havia começado. A Fiat deixou de dominar o mercado automobilístico europeu e o país perdeu sua posição de liderança como produtor de eletrodomésticos brancos. Muitas fábricas foram fechadas e várias grandes empresas foram transferidas para outros países. Milhões, além disso, as pequenas e médias empresas, que foi baseado na desvalorização periódica da moeda, para compensar as insuficiências do sistema econômico italiano, não podiam mais competir fora da fronteira italiana. Quais são essas inadequações? Problemas do mercado de trabalho, baixo investimento público e privado em desenvolvimento e pesquisa, alta burocracia governamental, sistema judiciário disfuncional, caro e lento, altos níveis de corrupção e evasão fiscal etc.

 

O desemprego é de cerca de 11% da força de trabalho, o quarto mais alto da União Europeia depois da Grécia, Espanha e Chipre. Ao mesmo tempo, o desemprego entre os jovens entre os 15 e os 24 anos, que, segundo as últimas estatísticas do Instituto Estatístico de Istat, representa uma percentagem muito elevada de 30,8%, reflecte de forma clara a profunda crise económica e social. que varre como um furacão o país mediterrâneo do sul europeu.

 

A pobreza atingiu o seu nível mais elevado desde 2005. O último relatório do Istat registou 5 milhões de pessoas em pobreza absoluta em 2017. Numa base percentual, 6,9% dos agregados familiares italianos vivem na pobreza absoluta, ou seja numa situação em que não é possível cobrir a despesa mínima mensal para a aquisição de uma cesta de bens e serviços que, no contexto italiano e para uma família com certas características, é considerada necessária para um padrão de vida mínimo aceitável.

 

Ao mesmo tempo, a Itália tem a maioria das agências bancárias por habitante em toda a Europa, que também são caracterizadas por um modelo de negócio errado, sobrevivendo apenas com juros e empréstimos corporativos. Assim, dado que as taxas de juros na zona do euro são zero, os bancos operam com perdas, tendo acumulado inseguranças (empréstimos vermelhos) que atualmente chegam a cerca de 260 bilhões de euros (15% do PIB italiano), dos quais muito se perde.

 

A economia italiana, a terceira maior na união monetária mal concebida, parece-me esquematicamente, com um cavalo cansado, carregado de dívidas e empréstimos vermelhos, que respira com dificuldade na subida, cheia de pedras e poças, da zona euro, que é um incrível sistema rígido, um espaço entupido de ferros para 19 países diferentes em produtividade, inflação, balança comercial e progresso tecnológico.

 

Portanto, deve ser entendido que a zona do euro é nada mais do que um campo de interesses conflitantes entre os países membros que a compõem. Assim, o que é de grande interesse para a Itália não é interesse em qualquer caso para a Alemanha. No entanto, a reconciliação de interesses ao longo dos anos da moeda comum revelou-se impossível. Isto é porque a Alemanha como a primeira potência econômica conseguiu dominar e governar, usando o euro para seu benefício, enquanto ao mesmo tempo os outros países, em vez de resistir e até colidir, se curvando e obedecendo.

 

No entanto, o custo de adiar a saída da Itália da zona do euro - que até agora evitou pelo menos um aparente temor do sistema político italiano por quaisquer efeitos negativos da saída - acabará por ser muito maior do que o custo da ruptura o início da crise econômica.

 

Α primeira decisão do governo de coalizão do Movimento 5 estrelas M5S e Lega, formado em maio de 2018, de apresentar um orçamento para 2019 com um déficit de 2,4% do PIB foi claramente na direção certa, porque é mais importante o reforço a economia italiana pelo fortalecimento da demanda interna, bem como a prosperidade do povo italiano, e não as rígidas regulamentações fiscais de Bruxelas impostas pela Alemanha e que não permitem isso.

 

A Itália deve finalmente deixar de recuar para os comandos de Berlim e temer a ruptura com a zona do euro alemã, porque é capaz de retornar à lira e assim recuperar sua soberania política, econômica e institucional. Apesar dos problemas atuais, ainda tem a segunda maior indústria da área do euro, depois da Alemanha e a quinta maior do mundo, com participação de 19% no PIB do país. A Itália produz desde aviões, carros, armas, sistemas eletrônicos até perfumes, sapatos e roupas. A Itália também precisa de energia, que é petróleo barato e gás barato, o que não tem. Mas poderia garantir petróleo de sua antiga colônia, a Líbia, e gás da Gazprom. Assim, com baixos custos de produção e uma moeda nacional flexível, ela se tornaria extremamente competitiva.

 

Em suma, a Itália, navegando como um barco abalado no turbulento mar da zona do euro, onde sopram fortes ventos, afundará matematicamente se sua liderança política não tomar, enquanto ainda for o tempo, a decisão inovadora e dinâmica de retornar a sua moeda nacional.

segunda-feira, 03 junho 2019 07:43

Um trabalho árduo e penoso

Olha, pessoal, no mês passado, o Chefe de Estado participou da reunião do Comité Central do seu partido, participou da cerimónia de tomada de posse do seu amigo, inaugurou um banco em Funhalouro, inaugurou um barco em Maputo, foi a conferência de investidores na Beira e aproveitou para fazer um encontro com os membros do seu partido. Poooxa! Quanta carga! Num mês só! 30 dias só! 

 

Agora digam-me vocês se isso não é maningue job?! Viajar de avião daqui pra acolá em uma semana não é fácil. Poxa! Chegar a um distrito para dizer "esse banco é vosso... depositem o vosso dinheiro aqui... e cuidem bem dele" não é tarefa fácil. É um grande job. Entregar um barco que carrega cento e tal pessoas não é qualquer um. É para gajos que pensam. Gênios. É preciso desenhar estratégias da entrega. Por exemplo, você tem que saber se a fita deve ser colocada na entrada do barco ou na cabine da tripulação ou nos bancos dos passageiros. Isso é ciência!

 

Presidente joba maningue, irmãos. Viajar de avião para outro país, andar no tapete vermelho, abraçar outros estadistas e, por fim, ir ver o outro a tomar posse é um trabalho muito difícil esse. Muito trabalho mesmo. "Posse" não é algo de se ver de qualquer maneira. É preciso estar preparado para assistir à sua tomada. Requer muita inteligência. Vocês não imaginam o trabalho que dá participar de uma conferência de investidores. Yuuu... Nem imaginam! Sentar ali a ouvir gajos a falarem de milhões e milhões de dólares que nunca acabam é um trabalhão. Ter de pensar "se fosse meu", em que conta iria depositar a "minha parte" ou o que iria comprar com tanta mola é um trabalho árduo e não é recomendável para fracos. Tem de ter equações quadráticas e muito seno-cosseno e tangente-cotangente no cérebro e ter a coragem de "não usar" (esses nunca pensa em usar dinheiro que não é seu... juro!!! ponho a minha mão no fogo). 

 

Alguém já parou para pensar como é trabalhoso estar numa reunião com milhares de pessoas envergando roupa de mesma cor, com sua foto no peito e cantando alegremente que confiam em ti? É muito job, bradas! Mesmo sabendo, no fundo no fundo, que os gajos não confiam nada: uns são puxa-sacos bem ensaiados e outros foram obrigados a estar ali. É para gajos que marraram maningue. Gajos que leram fichas de "como mandar o mundo pra o car&√π¤".

 

Enfim! A enfermeira de Lalaua o que fez em Maio? Passou a vida a distribuir senhas na bicha, fazer consultas, prescrever medicamentos, aplicar injeções, lavar feridas, a fazer consultas de prê-natal, a medir o tamanho das barrigas das outras, a ajudar no parto, a cortar umbigos de bebés, a pesar e a medir crianças, a dar vacinas, a dar palestras sobre HIV, e coisas tais durante um mês. Salvar vidas só! Isso é trabalho - salvar vidas?!

 

O professor de Nipepe? Só andou a ensinar crianças o mês todo. O polícia? Só garantir ordem e segurança. Coisa de preguiçosos! 

 

Habituem-se com o trabalho árduo do Chefe do Estado. Ainda vêm aí muitas inaugurações fatigantes e de "grande envergadura" até Outubro. Não é fácil! 

 

- Co'licença!

segunda-feira, 03 junho 2019 06:15

Um dia com Craveirinha

Por: Nando Menete/Assis Macaé 

 

Num texto recente (Por onde andas, Kalungano?) partilhei excertos de momentos interessantes de uma reunião com o poeta e político Marcelino dos Santos. Hoje, vou partilhar fragmentos de um dia - e outras circunstâncias – na companhia de José Craveirinha (ou Mário Vieira, José Cravo, JC, Abílio Cossa, Jesuíno Cravo e José G.Vetrinha), o nosso poeta-mor, falecido a 6 de Fevereiro de 2003. Um pequeno gesto para celebrar a data (28 de Maio de 2019) do seu nonagésimo sétimo aniversário natalício.    

 

Para iniciar, uns parênteses: Sempre soube quem era Marcelino dos Santos, a pessoa e a figura pública. O mesmo não era com José Craveirinha: Via-o (pessoa) na cidade e não me passava pela cabeça ou não tinha a certeza de que era o nosso poeta-mor (figura pública). 

 

Nos anos 80, ainda infanto-juvenil, tive os primeiros “contactos” com José Craveirinha em sessões espontâneas e caseiras de êxtase cultural. Nessas memoráveis sessões – composta por uma mescla de gerações de familiares e amigos - cada um mostrava o seu arcaboiço cultural e até científico. A declamação de poemas emblemáticos de José Craveirinha e de outros poetas, antigos e actuais da altura, era o auge das sessões e que nos deixava aos prantos, quiçá pelos dias cinzentos da época. À luz do tempo, e então em vésperas da democracia dos nossos dias, essas sessões foram, para os participantes, os primeiros acordes do associativismo e exercício livre de cidadania. E Craveirinha fez parte dessa aurora, um processo que – até hoje - se vai consolidando, entre sucessos e retrocessos. 

 

Era frequente avista-lo – sempre de boina preta- no bairro da Mafalala quando a malta da “Zona dos Bombeiros” – a que eu pertencia – se deslocava ao famoso bairro para afazeres recreativos (jogar e assistir futebol) e turísticos (assistir sessões de canto, música e dança). A boina preta – sua marca - fez parte da indumentária identitária da “zona dos bombeiros”. Suspeito que tenha sido uma imitação do “style” de Craveirinha. 

 

Outras vezes, no trajecto de ida e volta à Mafalala, cruzávamos com Craveirinha, no portão ou nas redondezas de sua casa, na zona da Munhuana. Desses momentos, retenho o seu ar urbano e contemplativo tal “caçador de clicks” para os seus poemas. Tenho dito, em brincadeira, que eu vi poemas de Craveirinha a serem feitos. Se não, pelo menos presenciei a safra dos ingredientes. 

 

Um outro local de avistamento era no Grupo Desportivo de Maputo, seu clube de coração. Neste clube, e como todos sabem, calculo, Craveirinha, em tempos idos, foi um atleta ecléctico e até à morte adepto ferrenho. Ele era uma presença assídua nas instalações do Desportivo quer a acompanhar treinos e competições, quer em singelas cavaqueiras. Certo dia – o que inspira o título deste texto - realizou-se um torneio interno da escola de minibásquete do Desportivo. A minha equipa (Bola ao Cesto) foi uma das finalistas. Os jogos decorriam de manhã e a tarde e José Craveirinha presenciou-os desde a fase de grupos até a final.  

 

Quando terminou o Jogo da final, Craveirinha veio ter comigo. Puxou-me para um canto e lá fez as habituais perguntas de adultos. Após o aturado inquérito passou para a sessão de conselhos, na verdade onde ele queria chegar. Entre outras coisas, recordo que me aconselhou a não só “chutar” - eu só apostava em lançamentos à distância e certeiros (risos) - mas que devia procurar e soltar mais a bola, aproximar e “brigar feio” no garrafão. Estava a ouvir Craveirinha pela milésima primeira vez. As outras mil foram nas sessões culturais dos nossos primeiros “contactos”. 

   

“Faça isso, rapaz!”. Assim despediu-me Craveirinha. Depois de um “Tá bom, tio!” fui a casa e num ápice - já noite - voltei para assistir ao jogo dos seniores. Era o habitual duelo dos eternos rivais e vizinhos: Desportivo vs Maxaquene. À entrada do pavilhão do Desportivo, pelo portão lateral direito e no compasso para ver alguém conhecido ou localizar um bom lugar disponível, deparo-me com uma mão levantada. Era o meu “conselheiro” a sinalizar que tinha um para mim. José Craveirinha estava sentado na dobra da bancada e mais acima. Aproximei e ele afastou-se, abrindo uma brecha entre ele e um seu amigo. Sentei-me, bem apertadinho, entre os dois e pouco depois a partida iniciou. 

 

O jogo não corria bem para o Desportivo e uma vaga de apupos era direccionada ao treinador, António Azevedo. A dada altura, o amigo de José Craveirinha levanta-se e toca a chamar nomes ao treinador, terminando com um sonoro “seu careca!”. Em seguida, o ilustre amigo de Craveirinha - enquanto procurava encaixar devidamente a bunda na bancada, tal era a enchente no pavilhão - veio-lhe à consciência, perdida por alguns instantes, que José Craveirinha (sempre sereno e tranquilo) também era careca. 

 

Ultrapassado o tempo suficiente de espera, já composto e comportado, o amigo de Craveirinha desculpou-se e desprendeu um melódico: “Oh! Zé Craveirinha, tu és diferente. És um careca intelectual!”. No momento caiu-me a ficha. Afinal o meu “conselheiro” era nada mais nada menos que José João Craveirinha, o poeta-mor e nacionalista moçambicano. 

 

Anos depois, numa entrevista, a propósito da sua “galardoação” com o Prémio Camões (1991), o mais prestigiante da literatura em língua portuguesa, Craveirinha lamentou que o valor monetário do prémio encontrou-lhe a “dobrar a esquina”, aludindo, creio, à idade que lhe fugia. 

 

Infelizmente, nunca mais estive “cara-a-cara” com o poeta-mor e meu “conselheiro”, José Craveirinha. Acho que pesou o facto de eu ter passado para o outro lado da fronteira (Maxaquene) poucos dias depois do jogo a que assistimos, sentados, na dobra da bancada - à direita - do Pavilhão do Desportivo. Saravá, Mário Vieira! 

quinta-feira, 30 maio 2019 09:44

Psiu, coloca-me ali. Faz favor…

Ele olhou para mim, aflito, como se me conhecesse. Eu estava atrasado nesse dia (minto, quase todos), por isso não lhe dei ouvidos quando num tom agudo vibrou:

 

- Psiu!, coloca-me ali.

 

Enquanto andava, apressadamente, descompassado, uma perna duas vezes a frente da outra, como que a pular galhos, voltei-me para trás a fim de testemunhar o tal lugar que o coitado ansiava se ver colocado. Vi, não fui contado: era uma verdadeira guerra matinal. Segundo contou o fulano há muito aquele cruzamento é palco de combate entre as tropas ferrenhas do General Alexandre dos Santos e egoístas do Major General Carlos Mondlane. Quase que nunca alcançam consensos. Já houve, inclusive – segundo conta – bombardeamentos e algo pior, sobretudo àquela hora: entre às seis e quase perto das sete horas.

 

Olhei para o sujeito, com um ar sarcástico, mas o meu pescoço declinou quando notei que jamais o alcançaria as fuças e, claro, temendo represálias disse apenas aos meus botões algo que ele exigiu ouvir sem reservas. Aí que chutei:

 

- Como dois generais terão mesmo que se entender? Como se faz isso, ora? – Já nem parecia estar carregado de pressa, deixei a trouxa da urgência cair ali mesmo, sem medir a gravidade, e olhei para onde a minha vista chegava no sujeito e descarreguei: - onde viste tu, em que parte do Globo, Generais baixarem a guarda. Viste como foi titânica a luta entre Guebuza e Dhlakama – zombei – aquilo é de gurus, gajos com patência, esses não dão tréguas.

 

Inclinado, quase a torcer a coluna para fixar seus olhos de três cores no meu metro e setenta, ouvia espevitado: - ah!... – retorquiu. Ganhei pujança: - com Chissano, um diplomata, não foi assim. Até o mecânico provou ser bom de lábia e tolerância. Já o tenente-general conhece as palavras da guerra: espingardas e granadas.

 

- Verdade… - consentiu, com um ar maculado.

 

Voltei a olhar para aquele rebuliço entre as tropas dos dois generais. Nós os civis, para atravessarmos aquele cruzamento precisamos, antes, orar. Alguns clamam a Deus, outros aos seus ancestrais para poder se verem noutra margem. Aquilo é um verdadeiro atentado à saúde do peão, que incansavelmente contribui para as contas do Estado com o seu sacrificado imposto. Mas, na hora de ir quer ao serviço ou à escola – pelo menos naquela parcela de Maputo não sabe dizer se vai chegar são noutra margem da estrada.

 

As balas passam mais depressa que o próprio vento. Atravessam o ar até assustar as folhas e os pássaros. Não há qualquer tranquilidade. Há, até, umas lombas por ali, uma espécie de barreira para as balas, mas de nada servem. Tanto as tropas de Carlos Mondlane (também conhecidas como Dona Alice) ou de Alexandre dos Santos (para quem vai às Mahotas) ficam entontecidas e muitos desconhecem as regras de trânsito naquele lugar. E que regras valem para gente que só pensa no seu próprio umbigo!?...

 

O mais grave nota-se quando os alunos querem se fazer a escola. Esperam horas a fio para poder ter a outra margem nos sapatos. E nos dias de testes ou exames? Os meninos ignoram os projéteis a eles apontados como se de criminosos se tratassem e tomam o trajecto que lhes é merecido ao encontro do futuro. Aí, uma manada de berros – à buzinadelas –  fustiga a paz da manhã.

 

Vezes há que o trânsito é cortado, pois houve tombos, raspagens e outras infelicidades. E nem um polícia, aquele que acho que o meu bom amigo me confunde, está para apaziguar os ânimos.

 

Pensei tudo isso olhando para aquela lufa-lufa. E pensei mais: o maldito Simango, aquele que veio com esta boa ideia de alargar a cidade, criando vias de acesso e de escape, não pensou nestes dois generais astutos que não dão trégua mesmo quando já é depois das quinze? Claro que não pensou, resolvi-me. Como não pensou numa data de obrigações: eliminar de vez a lixeira de Hulene, que por sinal a Major General Carlos Mondlane dá para lá, ou terminar aquela estrada que vai dar a Praça dos Combatentes saindo da família Guebuza, no Albazine, ou mesmo retirar os vendedores ambulantes à sério [como tenta o fazer o economista (agora) de volta onde não deveria ter saído] e não colocando cães raivosos nos nacos dos nossos irmãos.

 

Ele (o meu bom Simango) não sabia mesmo que esta história de cruzar dois Generais não ia terminar com um final feliz? Um professor de Português que se preze (como ele) desconhece os desfechos dos enredos? Ah, sei: julgou que aquela rampazinha, tranquila, pudesse travar a sede das tropas belicistas em chegar ao centro da cidade à horas. Quanta ingenuidade!

 

- Hei! – cutucou-me o homem nas alturas.

 

Dei por mim o atraso já se tinha acelerado. O que vou responder a este coitado?, indaguei-me. Passo apenas por um cidadão inconformado, não tenho quaisquer truques de ali o deixar. Vi, de repente, um carro a piscar a minha esquerda. Reconheci aquele uniforme e lá fui abrir a porta pesada. Bem que queria o ter ajudado, mas a minha boleia não podia esperar eu inventar truques. Prometi resolver o seu desejo. Antes da viatura partir, embora as rodas já semeassem covas nos pavês, perguntei: - qual é o teu nome, amigo?

 

- Porquê? – já irritado.

 

- Hei-de falar com alguns amigos do Município. Tenho lá um tipo na Comunicação, também é escritor , quem sabe possa mexer algum pausinho.

 

Ficou cabisbaixo. Como se o Município não lhe confiasse esperança. Mas quando notou que já me distanciava, gritou com todas as letras, até seus três olhos acenderam ao mesmo tempo:

 

- Semáforo.

Conta outra, ó Julião! Você e o seu comparsa Gustavo foram os primeiros moçambicanos que defenderam as dívidas ocultas e combateram a Kroll em nome de uma pseudo-soberania. Você mesmo dizia que aceitar a auditoria da Kroll era o mesmo que deixar que alguém baixasse a calcinha da sua mãe e mostrasse o rabo dela ou lhe abrisse as pernas em público. Esqueceu ou "tá-sa-fazer"?! Espanta-me que hoje esteja a insinuar que malta Guebuza está a financiar os ataques terroristas de Cabo Delgado, os mesmos terroristas que até uns dias atrás você dizia que eram uma paranoia nossa. Ó Julião, pare de brincar de pensar! Pensar é coisa muita séria. Não se ache mais patriota que os outros... Não pense que você tem mais gema que nós. 

 

Se Guebuza enganou o povo, foi graças a vocês puxa-sacos que o rodeiavam e o assessoravam. Se Guebuza era avesso à crítica, foi por causa de vocês lambe-botas que o aconselhavam desta forma e faziam uma cortina de ferro à sua volta. Se Guebuza propalou falsos discursos de combate contra a pobreza, foi graças a vocês aduladores que o ajudavam a difundir esses slogans. Se Guebuza enriqueceu ilicitamente, foi graças a vocês kiwistas que o ajudavam a comprar mais balalaikas com mais bolsos e fundos. Se Guebuza parecia inteligente, foi graças a vocês académicos-fosfóricos que o atribuíam "honoris-causa" em desenvolvimento de algo-que-só-vocês-sabem. Se Guebuza nos f*deu, foi graças a vocês culambistas que pegaram no mangalho do velhote e enfiaram-nos cú adentro. Se Guebuza está a financiar os Al-Shabaab, então aprendeu convosco... É que vocês foram o primeiro grupo terrorista que ele criou. 

 

São vocês, membros do Gê-40, que repetiam o refrão de "visionário" e de "filho mais querido" até nos esgotos. São vocês que fizeram com que Guebuza pensasse que era o nado vivo mais esperto desta pátria. São vocês que tinham "privatizado" toda a imprensa estatal para promover o ódio e cantar aleluias ao Guebuza. Se Guebuza é um lesa-pátria, vocês o ajudaram nessa empreitada. Vocês são os padrinhos das dívidas ocultas e de outras falcatruas. Não venham hoje dizer que Guebuza deve pedir desculpas ao povo. Não! Quem deve pedir desculpas ao povo são vocês. O problema de Guebuza foi ter confiado em dementes. 

 

Parem com esse cinismo esquizofrénico! Não adianta se fazerem de bonzinhos. Quando começamos a escrever sobre as dívidas ocultas, diziam que eramos lacaios do Ocidente. Quando começamos a escrever sobre os ataques em Cabo Delgado, diziam que eramos mercenários pagos para semear terror no nosso próprio país através das redes sociais. Quando chorávamos Cistac, vocês festejavam o abate de um "ingrato". Quando orávamos por Macuane e Salema, vocês alimentavam o discurso do "ajuste de contas". Aliás, muito recentemente o físico-nuclear veio dizer que "quem morreu com o ciclone IDAI quis morrer". É o mesmo que hoje está a celebrar o regresso do Chang sob resguardo de um interesse nacional selectivo e obscuro. Um mentecapto por vontade própria! 

 

Chega de paspalhices! Não me venha com essa de "pede desculpas públicamente, para o povo mudar a opinião errada que tem a teu respeito!" (sic). ACORDA!!! Pare de fumar gonazololo ao mata-bicho! Não queremos desculpas de Guebuza nós. Dispensamos! Se você quer acertar as contas com ele, que não seja em nosso nome. Se existe alguém a quem Guebuza deve pedir desculpas é à vossa quadrilha que esperava "um-algum" vindo da Ponta Vermelha. Não se apoie em nós para cuspir suas frustrações. Isso é cobardia! É hipocrisia! E para seu governo, a opinião que temos a respeito de Guebuza não é errada. A nossa opinião é certa, muito bem certinha, e sempre dissemos que estávamos certos a respeito desse "visionário". A nossa opinião a seu respeito, ó Juliãozinho, também é certa: você é um lerdo que pensa que pensa. 

 

Vá trabalhar! Chega de truques para comer de borla! A nós você não engana e nunca enganou. Não vamos cair nessa armadilha de missivas públicas ao seu parente adoptivo. Pare com essas orgias intelectuais! Reconcilie-se com o seu diploma!

 

- Co'licença! 

terça-feira, 28 maio 2019 05:43

Carta do povo moçambicano à Fátima Mimbiri

O que nos faz acreditar em ti é o teu peito aberto permanentemente entregue às balas. Aos verdugos atentos à tua volta, prescrutando-te os pensamentos. E nós temos as baquetas preparadas para o rufar dos tambores, porque a certeza de que tu representas o amanhecer que ainda vem, assim nos diz. Se assim não fosse teríamos sabido. Sentiríamos isso nas palavras que dão luz à tua clarividência. À tua saga.

 

Há muito que esperávamos por uma mulher como tu, desafiando a fúria das orcas no meio da tempestade. E agora estás aqui sem  a menor possibilidade de retrocederes. Estás exposta sem escafandro para te protegeres do fogo que te cerca, e nós estamos debaixo da terrível ansiedade. Sem a menor capacidade de libertar o tigre da nossa revolta. O nosso tigre és tu, FátimaI. Aliás, a única coisa que podemos fazer é seguir-te.

 

Eles estão com medo de ti. Tremem em todo o ser quando falas e olhas para arrogância deles de frente. Dizendo-lhes sem vacilar que o tempo “ruge” na luta da juventude que tu representas. És o nosso instrumento de medida. Cada vez que apareces na televisão, a nossa esperança aumenta. Concentramo-nos todos diante dos ecrãs porque a Fátima Mimbiri vai falar.

 

És o nosso depósito de géneros. O nosso arauto que corre seguro ao encontro da luz, nestas trevas implantadas despois das armas que anunciavam a liberdade na epopeia das matas.  Recusas-te a ficar na popa deste imenso barco navegando à deriva no oceano Índico revolto. Estás na proa desmentindo todas as falácias. É a ti que cabe a descontrução das palavras dos manhosos, que urdem diariamente as naus do desespero para atravessarem o fosso que eles próprios construíram. E tu olhas para eles com desdém.

 

Na quinta-feira, na STV, só queremos ouvir a ti. Eles também ficam ansiosamente à espera desse dia. Sabem que o nosso combustível és tu. Tremem quando pensam em ti. Bóiam nas discussões que tentam manter contigo. E no lugar de serem eles a encurralar-te, tu é que os cercas com a rede de emalhar das tuas palavras. Lúcidas.

 

Esta carta é da lavra dos nossos sentimentos mais profundos. Representa a necessidade urgente de cura das nossas feridas dolorosas. E tu, Fátima, recebeste a missão de ser a nossa enfermeira. É a ti que recorreremos em todos os momentos para nos indicares o azimute que devemos seguir. E enquanto isso, continuaremos na longa espera com as orquídeas mais lindas para ti.