Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

freddy quelim min
 

A solidariedade para com as gentes de Zambézia afectadas pela virulência do ciclone FREDDY acontece a dois níveis. Como sempre os movimentos de solidariedade nascem das raízes humanas, das pequenas elites tomando iniciativa na ausência do Estado, comum em Moçambique.

 

Na Beira do IDAI foram pequenos grupos de convivas de café no Chamuari que puseram mãos à obra. A solidariedade no IDAI foi um marco indelével: o país mexeu-se e da capital zarpou um navio cheio de mantimentos, chegando a tempo de serem distribuídos enquanto era necessário.

 

O que está a acontecer com a Zambézia neste campo da solidariedade civil!?

 

Eis o que apurei:


Há dois grupos no terreno, cujos membros e coordenação confluem na rede social Whatsapp. O "Zambézia no Coração" é malta de origem espalhada pelo país, seus amigos conectados nessa rede, através da qual fundos são angariados e ajuda em espécie, de não perecíveis, idem.

 

A conta bancária para a recepção de dinheiro é de Edna Namitete, escolhida a dedo por causa de sua alegada idoneidade. O conceituado jurista Abdul Carimo Issa, o Buda, é uma das faces mais visíveis deste grupo, que já tem estado a transferir dinheiro para Quelimane. O movimento está a coletar bens em Maputo mas o dilema será mesmo como transportar para a Zambézia.

 

Para além da "Zambézia no Coração" existe o grupo "Todos pela Zambézia", baseado em Quelimane. Este grupo está a distribuir comida a quem não tem o que comer. São milhares não só em Quelimane e arredores mas também em Mocuba e na isolada Maganja da Costa. O que as pessoas precisam é de comida.

 

Reporta-se que o IGND está a distribuir bens alimentares não confeccionados mas o que as pessoas precisam é de comida, frise-se. De acordo com o INGD na Zambézia, 211.784 encontram-se deslocadas. Cerca de 50 mil pessoas foram recolhidas para em 49 centros de acomodação, onde estão a receber ajuda.

 

O paradoxo é esse mesmo: o grupo "Todos pela Zambézia" serve comida quente e o INGD oferece produtos não confeccionados a pessoas que não têm utensílios para transformar esses bens em comida.

 

O transporte de eventuais ajudas colectadas em Maputo vai ser um problema. Mas a grande dúvida é se a solidariedade maputense vai ser espontânea e robusta como foi com o IDAI. Na altura, março de 2019, o Porto do Maputo abriu dois armazéns que receberam víveres e roupas, que foram enviadas para a Beira através do “Border”, um “combo vessel”, que também tem capacidade para 400 contentores.

 

Os efeitos do Freddy na Zambézia ainda não despoletaram semelhante onda. Dúvida-se que isso venha acontecer, a nao ser que a mobilização reforce sua comunicação.. Há poucas semanas, as cheias no sul de Maputo mobilizaram a solidariedade local, com suas pontes de afectos.

 

Mas os afectos pela Zambézia ainda nao surgiram como uma onda rasgando a indiferença. O facto é que as pessoas estão cansadas. Sobretudo quando não vêm da parte do Estado uma resposta firme.

 

O Porto do Maputo está de plantão à espera...Mas para além dos grupos zambezianos, pouco se vê. Em Maputo, parece que as pessoas estão concentradas no pós-morte do artista com suas azagaias empunhadas.

 

O dilema de transportar o grupo Zambézia no Coração é real. Uma companhia de telefonia terá oferecido 10 toneladas de produtos diversos. Como se trata de emergência, essa oferta devia já estar a caminho da Zambézia, e o ideal seria por via aérea. Há quem sugeriu que a LAM pudesse fazê-lo de noite, com seus aviões comerciais. Mas para isso é preciso que a decisão política saia dos gabinetes. (Marcelo Mosse)

 
sábado, 18 março 2023 10:12

Adeus porta-estandarte do povo

azagaia asas

É claro que, sobretudo como africano, havia muito que conhecia a palavra azagaia, essa lança de arremesso mais ou menos curta e afiada, usada na África Austral para caçar animais. A sua versão masculina – o Azagaia – é que só ouvi falar pela primeira vez em 2007, através de um amigo e colega que à época era fotógrafo da agência Lusa em Maputo. Ao final da tarde desse dia, o Pedro, à mesa do café, disse-me: “Hoje fomos entrevistar um jovem rapper cheio de power. Chama-se Azagaia. Tem uma música [As mentiras da Verdade] com uma letra muito poderosa. É filho de pai cabo-verdiano e mãe moçambicana.” Foi assim a minha estreia com o Azagaia.

 

Eu, que nunca me interessei especialmente pela cultura Hip Hop, dei por mim a ouvir Azagaia e as tais letras poderosas que as batidas tornavam-nas ainda mais poderosas. Aliás, o próprio me confessou, numa entrevista que lhe fiz em 2014 sobre a história do rap moçambicano, que as letras lhe fascinavam muito mais do que a batida. “Sempre gostei de poesia, o rap é uma forma de literatura”, disse-me.

 

O seu amor à poesia levou-o, com apenas nove anos, em 1994, a escrever a primeira letra, logo a seguir às primeiras eleições multipartidárias. Chamava-se “Já pariu o ventre democrático”. Falava das eleições, da democracia, da esperança mas também da dependência externa e dos problemas da pobreza endógena. Nestas primeiras letras, embora adaptadas ao momento, sentia-se ali Craveirinha, Noémia, Nogar.

 

Azagaia procurava, sofregamente, conhecer o seu país, na sua multidisciplinaridade. A história, a literatura, a poesia, a música, a dança, o povo e a sua essência. Só assim, achava ele, conseguia a plenitude das suas letras, tocando todos os pontos fraturantes da sociedade moçambicana. E o povo - de onde ele emergiu e do qual, apesar da fama, sempre fez parte - via-se ao espelho de uma forma como nunca tinha acontecido.

 

Azagaia escolheu, desde o início, o seu lado da barricada. Com a sua música, montou uma trincheira e disparou, sem cessar, contra os inimigos do povo, não aqueles inimigos do povo do imaginário soviético, mas sim contra os que atropelam diariamente a sua dignidade. Azagaia é produto do verdadeiro povo, aquele que todos os dias se ensardinha na lata de um my love; aquele que sofre na carne os desmandos e o autoritarismo da polícia; aquele que diante de uma chuvada tem de dormir em cima da mesa; aquele que quando o pão sobe volta a dividir o indivisível; aquele que não tem dinheiro para o refresco que apressa o atendimento no hospital; aquele que é frequentemente enxotado para a berma quando os importantes desfilam nos seus carros de luxo; aquele que veste capulana e camisete com o rosto dos “senhores” não por gosto mas por necessidade.

 

Azagaia foi, permanentemente, o porta-estandarte deste povo em sofrimento. E, por isso, o povo, reconhecido, ocorreu em massa para lhe prestar a derradeira homenagem na passada terça-feira, no coração do poder autárquico. Pelo menos nessa manhã, o Povo esteve no Poder. Os corruptos, os bandidos, os assassinos estiveram fora, cumprindo-se, por umas horas, o sonho de Azagaia.

 

*Opinião estritamente pessoal.

JoaoNhampossanovaa220322

Os cidadãos, fãs e seguidores do Azagaia, considerado herói do povo, decidiram organizar uma marcha nacional agendada para o dia 18 de Março, que, em princípio, terá lugar em todas as capitais provinciais, em homenagem ao rapper, ícone do hip hop lusófono.

 

No entanto, há bastante tempo que, do ponto de vista prático, os cidadãos não são permitidos exercer o direito à liberdade de manifestação, sobretudo os do tipo marcha, na via pública. Aliás, para o efeito da denegação dessa liberdade aos cidadãos, o governo de Moçambique, recorrentemente, através da sua força policial, impede ilegalmente o exercício do direito à manifestação pacífica pelos cidadãos ou grupos sociais, seja por via de ameaças, intimidação, detenções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para além de argumentos infundados nos termos da lei, de que a manifestação não foi autorizada, quando a realização da manifestação não carece de qualquer autorização pelos órgãos da administração pública. Neste quesito, a Ordem dos Advogados de Moçambique elaborou e publicou um caderno sobre o exercício do direito à liberdade de manifestação que muito bem explica os cidadãos os passos legais para o seu exercício e limitação pelas autoridades.

 

Curiosa e estranhamente, são apenas permitidas as manifestações que visam exaltar ou bajular o governo do dia, especialmente o Presidente da República e o partido no poder.

 

Perante essa situação, preocupa a “vista grossa” que fazem as instituições de justiça relevantes nesta matéria, com destaque para o Ministério Público, entanto que garante da legalidade, sem, no entanto, ignorar o papel da Comissão Nacional de Direitos Humanos e o Provedor da Justiça que, pelas suas atribuições e competência em matéria de direitos humanos e realização da justiça, deveriam ser mais interventivos e incisivos com vista a garantir o respeito pelo exercício da liberdade de manifestação nos termos da lei.

 

A morte e o legado do Azagaia, conforme ficou notório pela enchente e manifestação de diversa natureza no seu funeral, abriu uma grande janela senão uma grande porta mesmo para o despertar do povo relativamente à salvaguarda dos seus direitos e liberdades fundamentais, bem como para o efectivo exercício dessas liberdades contra a má-governação, abuso de poder, opressão, corrupção, discriminação e violação dos direitos humanos em busca da almejada justiça e bem-estar social de todo o povo.

 

Assim, amanhã, dia 18 de Março, será o primeiro grande teste dos cidadãos face ao combinado com o Azagaia: Povo no Poder! Todavia, será que este povo há muito intimidado pelas autoridades terá a coragem de levar a cabo a marcha nacional em homenagem ao seu herói, independentemente de autorização da marcha pelas correspondentes autoridades, o que não é condição legal para o efeito? E se for impedida a marcha sem fundamento legal, será que esse povo está preparado para demandar sobre várias formas a administração pública em causa e exigir responsabilidades em tempo útil? Será que os cidadãos que pretendem marchar pacificamente amanhã em homenagem a este ícone do hip hop lusófono têm a necessária coragem deste para não se deixar intimidar em lutar pelos seus direitos e liberdades fundamentais?

 

Azagaia morre e deixa riquíssimos ensinamentos de revolução e combate contra a opressão num contexto de excessiva limitação do espaço cívico, de violação dos direitos humanos e de perseguição dos activistas sociais, dos críticos da má-gestão do bem público e da prática cada vez mais acentuada do discurso de ódio contra as organizações da sociedade civil e liberdade académica.

 

Portanto, pela euforia popular e vontade de colocar um basta nos abusos de direitos e liberdades, bem assim no cada vez mais empobrecimento dos mais pobres, Azagaia torna-se numa espécie de Jesus que morreu para nos salvar. Será que temos mente liberta bastante para perceber o sentido e o alcance do princípio constitucional de que a soberania reside no povo e assumir esse poder? Veremos no teste de amanhã…

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

terça-feira, 14 março 2023 10:21

Adeus Azagaia, Moçambique chora-te!

Adelino Buqueeeee min

“Nenhum Moçambicano, depois de Mondlane e Samora, viu seu ideário de combate político, de verticalidade e cidadania, ser reconhecido no estrangeiro, tornando-se fonte de inspiração de novas lutas contra a opressão e a marginalização dos povos. Só Azagaia. Ele tornou-se no terceiro grande símbolo da moçambicanidade. Quando a história deste País for reescrita, esta verdade será registada”

 

In página de Marcelo Mosse

 

“No (Debate da Nação) da STV, um jovem questionou sobre a forma como os músicos moçambicanos são tratados, referindo que alguns almoçam com o Presidente da República, fruto das suas intervenções musicais e outros são convocados para a PGR – Procuradoria-Geral da República. Salvo melhor entendimento, o convocado para a PGR eras tu Azagaia, fruto das tuas músicas de intervenção social, fruto da tua verticalidade e de nunca te vergares perante o poder político. Hoje, parece-me que esse poder político pretende, a título póstumo, reconhecer o valor das tuas intervenções. Nunca é tarde, o teu corpo será velado no Município de Maputo, na capital de Moçambique!”

 

AB

 

Quando em vida, não somos capazes de reconhecer as pessoas que muito fazem para que tenhamos uma sociedade melhor, não creio que qualquer homenagem valha a pena. Quando o sistema político te considera pessoa “inconveniente” e, porque faleceste, procura a todo o custo elevar o teu nome a um patamar de quem muito fez pelo País, simplesmente, porque se apercebe que tu eras importante para a maioria, essa acção pode roçar a ridículo!

 

O músico Azagaia, muitas vezes, foi mal interpretado, devido às suas músicas de intervenção na sociedade. Azagaia cantava o País real e, muitas vezes, incómodo para os políticos, sobretudo, políticos no sistema de governação. Mas para o músico Azagaia, todos os políticos eram “farinha do mesmo saco” procurando, sempre, tirar proveito da sua posição. Na verdade, quem não sabe que a oposição na Assembleia da República chumba quase tudo, mas quando se trata de debater sobre suas regalias, a aprovação é sempre por unanimidade. É a isso que se referia ou parte disso. De facto, os políticos são iguais, diferem somente na filiação partidária!

 

O músico Azagaia não cantava para receber elogios dos políticos ou do Governo. Nas suas músicas, Azagaia dava a voz aos pobres, aqueles que, sofrendo bastante no seu dia-a-dia, não sabiam como fazer chegar o choro desse sofrimento a quem de direito. Azagaia foi e será sempre porta-voz desse cidadão, cidadão pobre, analfabeto, subjugado pelo sistema político e sem beira e nem eira. Por isso, o povo chora a partida prematura do músico Azagaia, que nos deixa aos 38 anos de idade, uma fase em que ainda tinha muito para dar ao País.

 

Azagaia! Tu não morrerás jamais. Tu fazes parte do pequeno grupo de gente que pura e simplesmente não morre porque a semente que deixaste na terra é de tal sorte boa e alto grau de germinação que, não tardará, dará frutos e, no caso do Azagaia, os frutos esperados é o sentido de que a LUTA DEVE CONTINUAR até que haja justiça em Moçambique. A Luta deve continuar até que os recursos de que Moçambique é prenhe sirvam para todos os moçambicanos e não para meia dúzia de pessoas que se acham donos de Moçambique!

 

Moçambique é de todos nós, as suas riquezas, quer do solo ou do subsolo, pertencem a nós todos e por isso deve haver justa distribuição da mesma, através da criação de condições básicas para o desenvolvimento do País. Vista na perspectiva individual, a semente que deixaste irá germinar e dela colheremos bons frutos. Os jovens não irão aceitar a pobreza como destino “divino”, os jovens não irão aceitar a subjugação porque já sabem os seus direitos. Mais do que exigir emprego, irão exigir que a exploração de recursos naturais de Moçambique seja justa, transparente e distribuída de forma equitativa. A sua semente é prolífera Azagaia e de alto poder germinativo!

 

Hoje, terça-feira, 14 de Março de 2023, o povo irá despedir-se de ti, no Paços do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, local onde, eventualmente, nunca foste bem recebido e bem tratado como cidadão. Entretanto, a cedência desse lugar para a última homenagem mostra que os seus detractores se vergam perante si, aqueles que um dia te prenderam, hoje, sentem-se, eles próprios, pequenos perante a sua imagem e suas palavras. Aceite um Adeus Azagaia, Moçambique chora-te, mas o melhor choro será imortalizando as suas ideias, transformando-as em actos objectivos e concretos, a bem da sociedade e por uma sociedade onde o homem não explora o outro homem. Como dizia Samora Machel, “abaixo exploração do homem pelo homem” independentemente da sua origem, raça, classe social, religião etc. Adeus Azagaia.

 

Adelino Buque

 

JoaoNhampossanovaa220322

Uma excepcional escola de democracia e activismo de urgente implementação 

 

Das letras das músicas do Azagaia e das suas posições públicas nas entrevistas que concedeu sempre ficou claro que este ícone do hip hop da lusofonia tinha claro conhecimento e domínio dos objectivos fundamentais do Estado consagrados no artigo 11 da Constituição da República, quais sejam:

  • a) a defesa da independência e da soberania;

 

  • b) a consolidação da unidade nacional;

 

  • c) a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos;

 

  • d) a promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país;

 

  • e) a defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei;

 

  • f) o reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual;

 

  • g) a promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz;

 

  • h) o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica;

 


  • i) a afirmação da identidade moçambicana, das suas tradições e demais valores sócio-culturais;

 

  • j) O estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade e cooperação com outros povos e Estados.

 

Dúvidas não restam de que os objectivos fundamentais do Estado supra mencionados foram muito bem interpretados e divulgados por Azagaia através das suas letras musicais, com base em linguagem simples e directa pela crítica contra a má-governação e injustiça social.

 

Em boa verdade, Azagaia cantou no quadro do Estado de Direito Democrático e foi combatido pelo poder público por praticar a democracia e respeitar a Constituição da República. Foi concebido pelos “vampiros” como uma espécie de criminoso e antipatriota por alertar toda a colectividade para não ignorar o princípio fundamental de que a soberania reside no povo, conforme sua célebre proclamação musical “Povo no Poder” entanto que lema que visa democratizar e libertar a consciência do cidadão para não ser injustamente explorado e de qualquer forma oprimido.

 

As músicas de intervenção política e social de Azagaia constituem uma verdadeira e excepcional escola de democracia e de exercício da cidadania para a realização da justiça, respeito ao próximo, tolerância e boa gestão do bem público. Por isso, há necessidade de perpetuar a sua visão e activismo através de um processo bem estruturado e institucionalizado de ensino e aprendizagem para a actual e futura geração. Contudo, só os amigos do Azagaia e o povo que o venera e que o declarou seu herói podem e devem concretizar a instituição Azagaia.  O poder público tem a oportunidade de humildemente render-se ao legado do Azagaia para a prossecução do interesse público, apanágio do Estado.

 

O trabalho do Azagaia problematiza o tradicional e convencional estabelecimento da heroicidade em Moçambique e sobre onde efectivamente devem jazer os heróis do povo. Pelo seu activismo corajoso, sobretudo, a bem da justiça social e, particularmente, por conseguir dar esperança ao povo de um Moçambique melhor e de inclusão face aos abusos dos três poderes do Estado – Judicial, Executivo e Legislativo, incluindo os abusos perpetrados pelos Municípios - Azagaia foi declarado herói do povo pelo próprio povo.

 

Nesse contexto, ressaltam actualmente questões como: Será que é imperioso ser declarado herói por decreto ou lei para ser considerado como tal, num contexto em que o povo pacificamente e por consenso assim considera? Será que é obrigatório que o herói jaze na cripta da Praça dos Heróis para que fique chancelada essa qualidade quando o povo que reconhece essa heroicidade não tem acesso à Praça dos Heróis?

 

Trata-se, pois, de um debate interessante que nos permite reflectir sobre o tratamento a dar a um herói escolhido pelo povo por consenso com evidências claras de actos de coragem e abnegação no activismo pela justiça dos moçambicanos de forma honesta, consistente, coerente e pública. No mesmo sentido, embora seja um debate antigo, permite reflectir sobre a utilidade da Praça dos Heróis, considerando que em termos práticos está fechada a uma elite partidária tanto para os que lá jazem como para os que visitam aquele local que devia ser histórico cultural normalmente aberto ao público.

 

Ora, desde que Azagaia pereceu fisicamente a sua estátua está a ser erguida em todas as praças públicas de Moçambique e em alguma praça pública internacional com destaque para os países da lusofonia, onde se tornou ícone do hip hop. Não há, pois, como negar a implementação da escola Azagaia no sistema de ensino nacional e nas artes e cultura em especial, uma vez que a sua grandeza transcende as cores partidárias e exalta a moçambicanidade nas várias dimensões: política, social e cultural.

 

Portanto, com o seu nacionalismo e exercício da cidadania suis generis, Azagaia conseguiu sobrevir a sua própria morte e com a sua alma continuar a conscientizar os moçambicanos sobre o que combinaram após a sua morte: Povo Poder!

 

PS: Texto baseado numa conversa de facebook com Emerson Chiloveque sobre a grandeza do Azagaia e a atribuição de título honorífico de herói da República de Moçambique.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

AlexandreChauqueNova

Chegou aqui ainda sem formação sólida no seu sangue de juventude, era imberbe. Confiava no tacto que no princípio criou-lhe receios numa cidade onde não conhecia ninguém, mas em pouco tempo pisou os pés com firmeza quando percebeu que poderia receber, nesta terra estrumada, mesmo que fosse a longo prazo, bons frutos, pois a semente que trazia não deixava dúvidas, era de um grande poder germanativo.

 

Mário dos Santos Pompeu - de seu nome completo - é um professor de educação física competente. Apesar de ser homem de amizades restritas, perto dele vamos sentir a afabilidade, a honestidade e a lealidade. Mora dentro dele a abertura de alguém educado, um profissional responsável com muita sede de ver os seus alunos voarem ao encontro da luz, como ele, que até hoje continua a planar sem qualquer desejo de aterrar. Ele quer se manter no cosmos.

 

Foi formado na década de oitenta, na catadupa de jovens que tinham uma missão sagrada de formar os outros para a luta continuar, e e ele – depois do curso - seria lançado à terra dos bitongas de onde nunca mais saíu, e nem quer ouvir falar dessa ladaínha de “sair ou não sair”. A sua vocação é o atletismo, é por isso que sorriu abertamente quando lhe apresentaram a pista “Sete de Setembro”, onde trabalhou com denodo ao longo de muitos anos, ao mesmo tempo que dava aulas na Escola Secundária,  fazendo acompanhamento aos talentos que ia descobrindo, alguns deles levados aos “nacionais” em representação da província de Inhambane.

 

Nunca abandonou a pista desde o primeiro dia que a pisou, mesmo vendo que aquela “catedral” ia  desmoronando aos poucos e poucos, mas a responsabilidade de restaurar este lugar desportivo não é do Mário dos Santos. Até porque já o dissemos muitas e não nos cansaremos de repetir isso até ao fim, “se um dia alguém pensar em homenagear este manhúngwè (natural de Tete), as cerimónias devem acontecer na pista “Sete de Setembro”, é aqui onde vai borbulhar grande parte do sangue do Santinho, como os amigos lhe tratam.

 

Hoje porém, passados cerca de quarenta anos após desembarcar um jovem vindo de uma distância de 1500 km sem nada nas mãos para além de uma sacola leve pendurada no ombro, este homem deixou para trás o testemunho dos quatrocentos metros, o dardo, a fasquia, as barreiras, o disco e o colchão de espuma sobre o qual ele mesmo caíu várias vezes na demonstração para os seus alunos. A pista inteira. É isso que fazia viver Mário dos Santos, um ser humano respeitado por todos no bairro onde mora e em toda a cidade, pela sua simplicidade e humildade. Ele é um exemplo de trabalho e de como se deve viver numa sociedade.

 

Hoje está aposentado, com poucas probabilidades de voltar à pista que lhe ajudou a moldar e fortalecer a sua personalidade, o seu carácter.  Mas mantem os mesmos seus amigos de convívio restrito, com os quais vai renovando a tecelagem da vida, mostrando que podemos continuar a viver com jovialidade de espírito perante as pedras do caminho, trazendo para o presente todas as coisas boas que fizemos. É isso que catapulta este homem,  este professor de educação física talhado para o atletismo, cujo perfume que ele aspergiu em toda a pista “ Sete de Setembro”, jamais deixará de vibrar na parede da memória.

Pág. 84 de 320