[1975/6 (1986) - 1990/3]
Patrício Langa[1] e Jorge Ferrão[2]
Este é o segundo de uma série artigos que dedicamos à análise crítica e social do percurso sócio-histórico, institucional, ideológico e filosófico do ensino superior em Moçambique e Angola, por ocasião das celebrações das seis décadas desde a instituição formal deste tipo de ensino em Agosto de 1962.
Assim, em forma de decenário, analisámos os processos inerentes à génese e estruturação do ensino superior década a década, com maior enfoque para a realidade moçambicana.
No texto anterior, encerramos a análise do período 1962-1975/6, sugerindo que o estabelecimento do ensino superior foi paradoxal na medida em que visava manter o status quo ideológico do regime colonial.[3]
Por outras palavras, a universidade instalada em Moçambique e Angola, entre 1962 e 1974, não só era reflexo da sociedade colonial Portuguesa como também da ideia de uma universidade europeia exclusivamente dedicada à reprodução da elite intelectual e académica para a perpetuação de uma sociedade desigual de cariz colonial.
Em Portugal, a Universidade de Coimbra era o modelo de universidade não só para aquele país, mas também para a Europa. Coimbra era, para a elite Portuguesa, o que Oxford e Cambridge eram para a elite colonial Britânica. Essas universidades não eram, e em alguns casos continuam não sendo, para as massas ou, como se diz em Moçambique, para o povo.
Assim, a transposição da universidade da metrópole para a colónia, metaforicamente designada de província ultramarina de Portugal nos anos 1960, seguiu o mesmo princípio ideológico ainda que com característica sui generis. A universidade na colónia também não era para o povo, muito menos para o povo indígena, no vocabulário colonial, mas para a elite colonial branca da eufemística província ultramarina, reproduzindo assim a estratificação social de carácter ideológico, político, económico, cultural e racial de Portugal.
Quando os Estudos Gerais Universitários de Moçambique (EGUM) foram estabelecidos pelas autoridades coloniais, em referência ao antigo termo latino-medieval para uma universidade, Studium Generale, a ideia na origem não privilegiava cursos de orientação tecnológica. No entanto, a transposição da universidade para a colónia enfatiza precisamente a necessidade dos cursos de matriz tecnológica com raríssimas excepções para os cursos de cariz pedagógico.
A universidade não visava a reprodução duma massa crítica pensante capaz de questionar o status quo. Pelo contrário, visava a reprodução de tecnocratas para a materialização da diferenciação social e da divisão social do trabalho na sociedade colonial.
Os cursos da EGUM eram introdutórios e, assim que os alunos começavam a especializar-se em uma determinada disciplina, deviam seguir para a metrópole para completarem os seus estudos. Após cinco anos, em 1968, a EGUM foi elevada ao estatuto de universidade e institucionalizada com a denominação de Universidade de Lourenço Marques (ULM), passando a conferir graus académicos sem depender, necessariamente, da validação da metrópole.
A independência e a nova ordem política
A chegada da independência, a 25 Junho de 1975, impôs uma nova ordem político-ideológica e, com esta, uma outra concepção de sociedade e da função do ensino superior na sociedade. A universidade passou a integrar o projecto de construção de uma nova nação e sociedade independente, livre da discriminação com base em ideologias racistas e sexistas, tendo agora como principal função a promoção do desenvolvimento.
Neste artigo, dedicamos especial atenção à segunda década cobrindo o período de 1975/6 a 1990/3. Este período corresponde ao início do novo Estado independente, marcado ideologicamente pela tentativa de implantação de uma República Popular e de uma sociedade de cariz político-ideológica e económica socialista.
Esta nova realidade desenvolvia-se num contexto dominado por uma ordem social global de clivagem política e ideológica devido à Guerra Fria, com dois blocos dominados um dominado pelos Estados Unidos da América (EUA) e o outro pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que se confrontavam pela expansão do seu modelo de desenvolvimento social, político e económico.
O bloco liderado pelos EUA, também designado como Ocidente, seguia e expandia o modelo da democracia liberal, multipartidária, bem como o princípio da economia do mercado como modo de produção económico e social. Por seu turno, o modelo Soviético defendia a via da economia de planificação assente num Estado centralizado e com um sistema político predominantemente monopartidário.
A década em análise tem como característica estrutural esta clivagem global e Moçambique, ao ascender à independência, adopta a via Soviética da economia de Estado centralizada e planificada, bem como um sistema político monopartidário.
Esta via conduziu o país até à derrocada do experimento socialista sinalizado pela adopção da segunda constituição de 1990. A nova constituição altera o modelo ideológico do socialismo para o liberalismo, assente numa economia de mercado e num regime de democracia multipartidária. As mudanças no país continuam consistentes com a alteração da ordem social e política mundial na sequência do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a queda do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha Oriental e soviética, – para onde foram estudar e trabalhar muitos de nossos compatriotas – e a Alemanha Ocidental, de orientação liberal.
Ao concentrarmos a análise em cada década, pretendemos amplificar alguns dos acontecimentos e factos marcantes que consideramos terem concorrido para definição do carácter do ensino superior em Moçambique, até ao momento, quando se celebra o sexagenário desta instituição social. Um reparo metodológico importante é necessário sempre que se tenta demarcar eventos históricos com recortes cronológicos.
O ano de 1975 marca o corte formal com o regime colonial, ainda que a herança cultural e institucional, como a língua oficial, entre outras formas imateriais de património cultural e institucional, transcendam limites cronológicos.
O recorte do fim do segundo decénio também é difícil se atendermos ao facto dos acontecimentos de relevo não respeitarem fronteiras temporais. Em princípio, dez anos após 1975 seria o ano de 1985. No entanto, um dos acontecimentos mais relevantes para o ensino superior neste período, e que merece o nosso destaque, seria o da criação do Instituto Superior Pedagógico (ISP), como a segunda instituição de ensino superior no país, e a primeira após a independência. Logo de seguida, em 1986, nasce a terceira instituição de ensino superior, o Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI).
No entanto, 1976 constitui igualmente um marco histórico por ser o ano no qual, a 1 de Maio, a única instituição do ensino superior foi atribuída o nome de Eduardo Mondlane, em homenagem feita pelo Presidente da República Samora Machel ao fundador da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Machel veio a falecer tragicamente em 1986.
A morte de Machel também simboliza um marco histórico, o da derrocada do experimento socialista, que vem a ser institucionalizado com a adopção da Constituição da República de 1990, inaugurando uma nova ordem política, económica e social de cariz democrática e liberal. Portanto, 1990 como marco histórico-cronológico já não representa um decénio, mas uma quinzena.
Para o ensino superior, em particular, o ano de 1993 simboliza a adopção, pela primeira vez, de uma Lei de Ensino Superior que acaba com o monopólio do Estado como único provedor e liberaliza a oferta de bens e serviços de educação superior através da introdução de operadores privados na lógica da demanda e oferta num mercado do ensino superior no qual o Estado passa a acumular as funções de provedor e regulador.
A universidade pós-colonial
A década em análise aborda o ensino superior numa sociedade em transição para a constituição de um país soberano. Com a soberania surge a possibilidade de criação ou de transformação das instituições consistentes com a nova visão de um país livre, igualitário e cujo substrato ideológico assentaria num entendimento específico de um Marxismo-Leninismo instituído a partir do III Congresso da FRELIMO (então ainda um movimento de libertação).
Neste III Congresso, o movimento libertador transforma-se em Partido Político da Vanguarda Socialista e se assume como o único e legítimo representante do Povo. Neste sentido, todas as instituições do Estado deveriam conformar-se com as directivas do Partido como Guia do Povo.
A única universidade existente até então não foi excepção e teve de se conformar com as directivas do Partido como guia omnisciente do Estado, do Povo e de suas instituições. A visão de uma sociedade e das suas instituições guiadas por uma Parte do Todo, que se entendia como legítimo representante do Todo, de antemão, chocava com alguns dos princípios fundacionais universais da ideia da universidade: a autonomia institucional e a liberdade académica.
FRELIMO: guia da universidade
A ideia de autonomia institucional das universidades e a liberdade académica dos seus profissionais estão no âmago da condição de possibilidade de uma universidade moderna enquanto instituição social global.
No geral, o conceito de autonomia universitária descreve e examina as relações de governação entre as autoridades do Estado (Governos, mas também eclesiásticas) e a universidade tanto ao nível de todo o sistema de gestão do ensino superior como ao nível das instituições, como também ao nível da liberdade individual dos académicos de ensinar, pesquisar e comunicar com a sociedade de acordo com os preceitos éticos e deontológicos emanados da própria universidade.
A ideia de autonomia não só não é inteiramente transposta da universidade da metrópole para a universidade do ultramar como é imediatamente questionada na nova universidade pós-colonial.
A visão da nova administração da universidade, liderada pelo Reitor Fernando dos Reis Ganhão, o primeiro após a independência, surge bem expressa numa entrevista concedida à um jornal da altura:
“O conceito de universidade autónoma e independente é impossível. Isto está intimamente ligado a um sistema socioeconómico e político que não pode funcionar num país que está a construir uma via revolucionária. E não se pode permitir que uma determinada organização absorva verbas extraordinárias e esteja a dar a sua orientação independente”.[4]
O excerto acima sugere que a universidade pós-colonial em Moçambique ressurge confrontada com um desafio existencial na medida em que um dos seus princípios fundacionais consagrados era questionado pelo partido. Por um lado, a autonomia universitária, geralmente entendida como condição sine qua non para que uma instituição reclame à si esse título, era negada à universidade pós-colonial. Por outro lado, a nova universidade renasce sob a égide da gesta libertária, da autodeterminação e para servir as necessidades do ‘Povo’, como articula o Reitor Ganhão:
“E não se pode permitir que uma determinada organização absorva verbas extraordinárias e esteja a dar a sua orientação independente. Esta orientação tem de ser dirigida pelas necessidades do povo e só ela estando realmente dentro desse processo impulsionado pelas massas populares através do partido pode participar no processo revolucionário’’.
Ao lermos estes excertos do pensamento do período revolucionário é importante colocar o texto no contexto e evitar uma análise anacrónica e normativa. Em 2022, aos celebrarmos 60 anos do Ensino Superior e 47 da independência nacional, pode-se ficar tentado a julgar o pensamento de outrora como um erro óbvio. Os termos da análise social não se confundem com os do julgamento.
O que nos parece facto histórico relevante é que a euforia da independência, no contexto ideológico global já descrito, não permitiu que se pudesse conceber uma universidade sob égide de princípios universais de independência e autonomia da universidade como um tipo de instituição. Esse é facto histórico e, não necessariamente, um contra-senso.
Na leitura da FRELIMO, traduzida nas palavras do Reitor Ganhão, parece que existia um paradoxo entre os princípios da revolução socialista e aqueles da independência e autonomia universitária, como se pode ler no excerto que se segue:
“Permitir que uma Universidade de isole, se enclaustre, fique anquilosada, em determinados princípios para defender determinadas tradições de pseudo-independência não creio que isso seja compatível com a via revolucionária’’.
Parece paradoxal que os receios de uma universidade autónoma expressos pelo Reitor em 1975, até certo ponto, ainda se mantêm, não obstante as mudanças ocorridas no decurso de quase cinco décadas. Ainda que as universidades, em particular as públicas, tenham formalmente em seus estatutos a autonomia como um princípio fundamental, a materialidade da experiência sugere limites à autonomia que carecem de análises mais profundas do modus operandi, bem como do grau e consequências do seu cerceamento.
Do ensino superior da FRELIMO à FRELIMO do ensino superior
A FRELIMO celebra este ano o seu 60º aniversário, data que coincide com a da celebração da independência nacional a 25 de Junho. Moçambique tem na FRELIMO o seu ADN. A análise do pensamento da FRELIMO, e de seus membros, enquanto movimento e indivíduos movidos pela gesta libertária, é fundamental para compreender a formação social das instituições do país.
O que se tornou ensino superior nos primórdios da independência é, grosso modo, reflexo da (di)visão do mundo da FRELIMO. É legítimo, por isso, conceber o ensino superior, nesta fase, como sendo o da FRELIMO. O produto desse ensino superior, por seu turno, gerou não apenas uma nova FRELIMO, isto é, aquela que resultou da formação no ensino superior, como também uma nova sociedade moldada pelas políticas públicas e acção governativa dos diferentes governos da FRELIMO.
No período em análise, o Governo da FRELIMO foi, maioritariamente, liderado pelo seu segundo Presidente, Samora Machel, desde 1975 até sua morte a 19 de Outubro de 1986, num fatídico acidente de aviação nas colinas de Mbuzini, na vizinha África do Sul. Graça Machel, esposa de Samora Machel, foi quem dirigiu, neste período, o Ministério da Educação no qual as políticas públicas eram formuladas.
A Universidade Eduardo Mondlane (UEM), até então única instituição do ensino superior, a qual se vieram juntar o ISP, em 1985, e o ISRI, em 1986, era tutelada pelo Ministério da Educação de onde emanavam as directivas para a governação da instituição.
O ensino superior da FRELIMO, podemos concluir, foi produzido nos primeiros anos da independência quando a FRELIMO era o único guia da universidade e do país. Essa FRELIMO produziu os primeiros quadros nacionais através das suas políticas de formação ao nível nacional e internacional, por via dos acordos de cooperação que viram vários compatriotas seguirem para formação no exterior, em particular nos países do leste de orientação socialista.
Desde a ‘sacrificada’ geração 8 de Março – cujo perfil académico e profissional foi directamente afectado pelas políticas de afectação nas áreas de estudo e de trabalho consideradas prioritárias pelo governo, subalternizando os sonhos e escolhas individuais – até à adopção da Constituição de 1990, podemos falar de um ensino superior da FRELIMO. A FRELIMO era o Guia do Povo.
A FRELIMO do Ensino Superior surge, a posterior, do impacto das ideias e acções dos quadros que a FRELIMO formou, sobre a própria FRELIMO como organização, mas também sobre o sistema do ensino superior e da sociedade no geral. As duas faces, a do ensino superior da FRELIMO e a Frelimo do ensino superior, são objectos de estudo importantes para compreendermos a relação entre o ensino superior e a sociedade moçambicana passadas seis décadas.
Afro-moçambicanizar a universidade
Os novos governos africanos herdaram instituições coloniais que não tinham a confiança do público. Essas instituições eram vistas como instrumentos de opressão. Com a independência, as instituições de ensino superior, nos países africanos, procuraram reformar-se de modo a responder ao que entendiam ser a nova missão no contexto de um país soberano.
Após a independência, a universidade além da função da formação de quadros foi concebida como instrumento para a construção de uma nova nação moldando nos jovens de todo o país uma nova identidade nacional e um processo de africanização da universidade até então concebida como instrumento de dominação colonial europeia.
No caso de Moçambique, a política do ensino superior da FRELIMO visava a moçambicanização da universidade, começando pela atribuição do nome do fundador da FRELIMO considerado o arquitecto da unidade nacional dos moçambicanos, Eduardo Chivambo Mondlane.
Como outras universidades africanas, o principal papel da UEM era o de contribuir para a construção da nação moçambicana através da formação de quadros nas diversas áreas de saber para os diversos sectores de actividade, particularmente no aparelho do Estado.
Moçambicanizar a universidade, portanto, significava não somente alterar a sua denominação, visão e missão, mas também a sua função social e, como diria Severino Ngoenha, nosso filósofo-mor, o seu estatuto axiológico. Iniciou um processo de reformas da universidade a todos os níveis, sobretudo a nível organizacional, funcional, curricular e cultural, de modo a continuar com a tarefa de forjar uma nova identidade nacional.
Todo este empreendimento iria requer da universidade e do governo um esforço gigantesco em termos de recursos materiais, financeiros e de pessoal qualificado. Tudo isto numa altura em que o ensino superior em África entrava para uma das suas maiores crises existenciais, como iremos abordar a seguir.
A crise dos anos 1980s
Em 1986, o Banco Mundial reuniu-se, em Harare, com Reitores de universidades africanas. A mensagem era clara, aconselhar aos Reitores que fazia sentido económico encerrar as universidades nos países africanos recém-independentes e delegar a formação dos seus recursos humanos às universidades no ocidente.
Por razões que se pode descortinar, uma vez que tal medida tinha implicações directas para os próprios Reitores, que deixariam seus cargos pomposos, estes prontamente se recusaram a acatar a recomendação. Incapaz de convencer aos Reitores e governos de seus países a encerrar as universidades, o Banco Mundial mudou de táctica e introduziu uma nova estratégia de passar a condicionar a ‘ajuda’ (na verdade um presente envenenado) às reformas do sector. A receita passou a ser a liberalização, a privatização e até a mercantilização do ensino superior, com consequências estruturais profundas até à actualidade.
Pedro Guiliche, um promissor cientista político moçambicano, lançou, no âmbito das celebrações dos 60 anos do ensino superior, uma obra na qual disserta sobre a intervenção do Banco Mundial no ensino superior em Moçambique e as consequências perversas das suas políticas no sector. O valor da obra de Guiliche, mais do que criticar as políticas do Banco Mundial como quase todos o fazem, reside no contributo que faz ao campo de estudos do ensino superior no país, por nós fundado e, por isso, ainda numa fase bastante incipiente. Guiliche analisa as consequências desmobilizadoras da acção endógena da política pública e a subordinação a uma agenda externa com carácter de determinismo tecnocrático que despolitiza a acção dos actores locais e torna o sistema um objecto de intervenção externa para correcção de patologias diagnosticadas pelo próprio jargão conceptual do Banco Mundial.
Mergulhados numa crise económica sem precedentes, a seguir à crise petrolífera dos anos 1970s e 1980, os países africanos sucumbiram aos ditames do Banco Mundial e abriram o sistema do ensino superior ao jogo do mercado guiado por princípios de um neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan sem precedentes, que vêem na educação um bem-privado, em termos de investimento e benefícios, e uma mercadoria passível de ser regulada pelo princípio da mão invisível e pelas leis da procura e oferta do mercado.
O fim do experimento socialista
O fim do experimento socialista do ensino superior em Moçambique é, legalmente, marcado pela aprovação da Lei n.º 6/92, de 6 de Maio, que procedeu ao reajustamento do quadro geral do sistema educativo e aprovou os principais objectivos e estrutura do Sistema Nacional de Educação na República de Moçambique. A Lei n.º 1/93, de 24 de Junho, regula a actividade do ensino superior na República de Moçambique. Foi a partir destes dois instrumentos legais que se criou o espaço para o surgimento de entidades privadas provedoras de serviços e bens educacionais ao nível do ensino superior que serão objecto do próximo texto, combinando o período 1993-2003.
(Série: Continua)
[1] Sociólogo, Professor de Estudos de Ensino Superior
[2] Pesquisador Socioambiental, Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo
[3] Vide: https://cartamz.com/index.php/blogs/item/9719-o-decenario-do-ensino-superior-mocambicano-1962-1972-5-6-da-genese-ideologica-do-status-quo
[4] Entrevista de Areosa Pena com Fernando Ganhão, 17 Janeiro de 1975, Jornal Kapital. Disponível Online: https://www.mozambiquehistory.net/education/higher_education/19750117_frelimo_sera_guia_da_universidade.pdf
Desde o fim do apartheid em 1994 até aqui, África do Sul já teve cinco Presidentes. Destes, apenas Nelson Mandela é até agora o único que conseguiu completar o mandato e sair sem retirada do apoio do ANC. E Kgalema Motlanthe teve apenas um ano como PR. Outros dois foram forçados a sair e o actual está a beira de seguir o mesmo caminho.
1. Nelson Mandela (Nasceu em 1918 em Mvezo, Cabo Oriental): Foi o primeiro Presidente da África do Sul de 10 de maio de 1994
a 14 de junho de 1999. Teve um mandato pouco questionável. Conseguiu unir o país que estava estruturalmente dividido;
2. Thabo Mbeki (nasceu em 1942 em Idutywa, Cabo Oriental): Presidente da África do Sul de 14 de junho de 1999 até 24 de setembro de 2008, quando renunciou por falta de apoio do ANC. Não concluiu o segundo mandato;
3. Kgalema Motlanthe (nasceu em 1948 em Joanesburgo): Presidente da África do Sul entre 2008 e 2009. Estava apenas a concluir o segundo mandato de Thabo Mbeki que foi forçado a renunciar em 2008;
4. Jacob Zuma (nasceu em 1942 em Inkandla): Foi Presidente da África do Sul de 9 de maio de 2009 a 14 de fevereiro de 2018. Renunciou em 2018 por suposto envolvimento em casos de corrupção (tinha cerca de 800 acusações). Mesmo depois de sair do poder nunca teve paz devido aos vários processos ligados à corrupção;
5. Cyril Ramaphosa (nasceu em 1952 em Joanesburgo): É Presidente desde 15 de fevereiro de 2018. Primeiro para concluir o mandato do Jacob Zuma que foi forçado a renunciar e no dia 22 de maio de 2019 iniciou o seu primeiro mandato apos a vitória do ANC nas eleições gerais. Pode não conseguir concluir o seu primeiro mandato;
Anotações:
- Nelson Mandela é o único que exerceu um mandato por inteiro e saiu sem perder apoio do ANC;
- Thabo Mbeki e Jacob Zuma conseguiram segundo mandato mas foram forçados a abandonar pelo ANC;
- Cyril Ramaphosa está a beira de sair do poder sem concluir o primeiro mandato;
- Nenhum destes presidentes conseguiu governar África do Sul por 10 anos, ou seja por dois mandatos completos;
- O ANC enfrenta uma crise desde o fim do apartheid. Nelson Mandela conseguiu governar o país mas não conseguiu resolver os problemas do ANC;
- Nas eleições autárquicas de 2021 o ANC teve o seu pior resultado eleitoral, tendo obtido apenas 46 porcento;
- O surgimento do partido Freedom Fighters (EFF) de Julius Malema é um sintoma da crise do ANC. Malema era líder do braço juvenil do ANC;
- Esta crise do ANC tem afectado negativamente o funcionamento do Estado (com recorrentes acusações de corrupção e interrupções de mandatos dos seus presidentes). África do Sul tem registado ondas de manifestações populares violetas de forma mais frequente muitas vezes ligados a problemas de governação;
- O Presidente da África do Sul é nomeado pelos membros do Parlamento, sendo, geralmente, o líder do partido com maior número de assentos no parlamento. No caso, desde 1994 tem sido o ANC o partido com maior número de assentos;
- O Presidente exerce o mandato em nome do partido, pois ele não é eleito directamente pelos eleitores. Perdendo o apoio do partido que o apoia o mesmo pode ser convidado a se retirar de forma voluntária, como aconteceu com Mbeki e Zuma e agora pode acontecer com o Ramaphosa.
Dércio Alfazema
Há muitos drogados e prostitutas nesta cidade que já perdeu o estatuto de “ A mais sossegada do país”. E ladrões, que em muitos casos não esperam pela calada da noite para violar residências e roubar, fazem-no a descarada. É uma onda, ou melhor, são várias ondas compostas por jovens que podem estar completamente frustrados. Desesperados. Desnorteados. Então perderam o medo e a vergonha, e agora partem rumo a violência gratuita, com o objectivo aparente de encontrar qualquer coisa alheia que será depois transformada em elemento de troca. Eles têm que alimentar o vício e matar o tédio que lhes rói.
Já não há sossego em todos os bairros da urbe, os munícipes não sabem o que lhes pode acontecer durante a noite enquanto dormem, contrariando os tempos em que você podia recolher aos aposentes sem precisar de trancar as portas. Os bandidos entram por via de arrombamento, rebentam as grades e surripiam o que encontram, sem que os donos da casa se apercebam de algum movimento estranho, e tudo isso já se tornou cíclico. Todos os dias há notícias de assaltos, como nunca antes houvera.
No locais onde se vende aguardente, vulgo thonthontho, ou sura (seiva de palmeira), há jovens frequentadores desses lugares que ficam desde o amanhecer até a altas horas da noite. Não trabalham e a pergunta que subjaz é: onde é que eles encontram o dinheiro para pagar a bebida! Mas eles bebem a rodos. Todos os dias. Estão numa saga de autodestruição e nas condições em que se encontram, com os rostos tumefactos, podem estar a incubar a doença do fígado. Perderam o hábito saudável de beber água.
Mas há um outro grupo que se entrega diariamente a um tipo de droga que ultrapassa a mera cannabis. Se calhar são entropecentes pesados de diversas variantes. Muitos desses jovens são conhecidos pela comunidade, que vive entre o medo e a dor de ver seus filhos na orla do abismo. E é sabido que não trabalham, então o dinheiro usado na sustentação desse vício vem de onde? O pior é que estão a degradar-se, autoflagelando-se. Eles perderam completamente o controle e meteram-se num beco que pode não ter saída. Estão espalhados em todos os bairros.
Outro fenómeno novo na cidade de Inhambane é a prostituição explícita, no sentido de haver lugares para esse efeito, que serão, indiscutivelmente, galerias do diabo. Nunca houve antes esses escaparates, embora se saiba que sempre houve esta prática na cidade, mas de forma discreta. Era tudo feito no silêncio. Hoje não! As miúdas escancaram-se em “oásis” conhecidos e prontas a serem abusadas. Já não se escondem e eu não tenho moral de chamar a isso falta de pudor. Apenas estou a narrar factos existentes. Tristes e dolorosos.
A verdade é que a cidade de Inhambane já não é a mesma. Já não é tão segura, nem de dia nem de noite. E a sensação é de que as coisas estão de mal a pior.
Dispõem alguns dicionários da língua portuguesa que ‘tabefe’ é uma “pancada (leve) desferida com a palma da mão com o objectivo de desmoralizar a pessoa que é atingida. Sempre funciona, mas pode sofrer retaliações agressivas.”
E o ‘tabefe’ veio justamente do distrito do Lago, naquilo que a história registou nalgum momento como a esquecida província de Niassa. Os líderes locais, outorgando estarem a falar em nome da população local, interpelaram a governadora provincial que lhes ia apresentar o quarto administrador num espaço de um ano! Alto e em bom tom, tête-à-tête, a população, representada pelos seus líderes, foi clara, concisa e directa: não a mudanças constantes e abruptas de administrador do distrito! Essa prática, segundo argumentaram, compromete a governação e influencia negativamente a agenda de desenvolvimento, porquanto criam descontinuidade rítmica do desempenho na implementação dos programas do governo. E pediu mais: que doravante se lhes explique as razões porque tiram determinado administrador e se lhes consulte no processo de nomeação de outro. Como quem diz: pedimos respeito, consideração e humanidade!
Justíssimo.
Há uns bons meses, chamava eu atenção, neste espaço, sobre o (des)tratamento que dispensamos à figura e posição de administrador de distrito. Primeiro, fazia notar que, aparentemente, a indicação de administradores de distrito não seguia regras claras, coerentes e conhecidas, dependia muito da disposição e boa vontade dos portentores das canetas - o dia em que acordassem mal dispostos, riscavam num papel e… pimba, e assim decidiam pela exoneração e indicação de um administrador de distrito. Outro dos aspectos que levantava é que, no actual esquema, um administrador tanto pode durar… quatro meses (como o do Lago), como pode ficar anos a fio!… Mais importante ainda, observava eu que, muitas vezes, são nomeadas pessoas sem as qualidades fundamentais desejadas para o nosso contexto histórico e temporal: serem campeãs/promotoras/instigadoras de desenvolvimento!; sem liderança, sem capacidade de gestão, sem conhecimentos essenciais e sem experiência ou obra conhecida.
O que a população do distrito de Lago pediu não é algo de outra galáxia. Como disse acima, é justíssimo. Em sociedade onde se cultiva a ética, boa governação, moralidade e respeito pelo humano, é assim mesmo. Não se nomeia uma pessoa para determinada posição, qualquer que seja, incluindo, ou sobretudo, a de administrador de distrito, só por se nomear, porque detemos a prerrogativa de nomear! Não se nomeia alguém somente por ser família, amigo ou amiga. Não se nomeia alguém hoje e, passados quatro meses, ou três ou seis, tira-se-lhe! Também, muito importante: não se desnomeia alguém sem se indicar as razões de tal exoneração ou demissão; em respeito não somente ao nomeado, como também e sobretudo à sociedade!
Nomeia-se alguém por se lhe reconhecer competência e dedicação suficientes e necessárias para essa posição. Pessoa com capacidades de gestão e de liderança, com conhecimentos necessários e suficientes para a posição em causa. Pessoa dedicada ao trabalho, com experiência suficiente em determinada área. E pessoa com valores humanos apreciáveis, ética, boa conduta moral e social.
Pode ser ou não família, amigo ou amiga! Se nós que detemos a faculdade de nomear observássemos seriamente aqueles critérios científicos, certamente que nos pouparíamos à vergonha de termos de desnomear aquela pessoa que nomeamos quatro meses depois. E de termos de apresentar quatro administradores em um ano!
Se calhar deve ser doloroso para quem detém a caneta, mas não devia ser. É uma questão de respeito ao semelhante, de boa educação, de ética e de boa governação que, quando se exonera alguém, apontarem-se as razões porque é tirado de onde estava. Isso, ao contrário dos que pensam que é humilhação à pessoa em causa, libertava o desnomeado de especulações, de boatos, ou de mero desprezo social. Se se disser claramente porque o tiramos, tanto a pessoa visada, como a sociedade, ficam sabendo da verdade e… ficamos todos aliviados! Limpamos as nossas mentes e vamos para outros desafios.
Mas voltemos à figura do administrador de distrito. Há que valorizar o distrito, na letra e no espírito, na lei e do ponto de vista econômico e financeiro. Esta prática de três a quatro administradores em um ano, de mudarmos abruptamente sempre que acordarmos mal dispostos, ou de nomearmos familiares, amigos e amigas sem as competências exigidas, mostra exactamente o contrário. Não estamos a valorizar. Tivemos, há uns anitos, um bom slogan que hoje definhou - Distrito, Polo de Desenvolvimento! Abandonamo-lo. E hoje não dizemos quase nada: os slogans têm a função galvanizadora, muito importante no desenvolvimento dos processos. Nalgum momento, demos sete milhões de meticais aos distritos, o que era excelente (podíamos aprimorar a operacionalização). Descontinuamos. E os distritos voltaram a viver dos… três milhões e seiscentos mil meticais ano!
Que pode um administrador fazer com três milhões de meticais ano? Que pode um distrito fazer com três milhões de meticais ano? Que condições temos, damos ao administrador e ao distrito? É por isso que as direcções distritais (hoje serviços distritais) vezes sem conta são de uma palidez de bradar os céus…
Vamos ser sérios e valorizar a posição de administrador de distrito. Mas vamos, acima de tudo, respeitarmo-nos como humanos!…
ME Mabunda
No décimo mês de confrontação no Podzol ucraniano, com a União Europeia totalmente de rastos para manter a Ucrânia em pé de igualdade no campo de batalha e a Rússia encurralada politica e economicamente, os credores da guerra já têm assegurado o retorno da sua ajuda financeira. Seja com contratos de lend-leasing, ou pacotes de sanções feitos à medida da inutilidade do papel da ONU e suas agências especializadas, agora é tempo de se discutir a gestão dos proventos da guerra, no break-even criado pelos recursos financeiros congelados da Federação Russa.
Cai por terra o argumentum ad nauseam Europeu da ameaça do totalitarismo ao seu estilo de vida impoluto, para se livrar do espartilho energético russo e do colete de forças de mão-de-obra chinesa, quando se assiste ao ocidente em corrupio pelo mundo afora, assinando tratados com estados não menos totalitários e corruptos, em condições financeiras pouco favoráveis e risco sistémico, encarecendo os custos das suas cadeias de produção.
Joe Biden tem contudo muitos motivos para sorrir e acreditar na reviravolta económica dos EUA face ao ameaçador papão chinês que lhe ameaçava tirar o almoço. Conseguiu numa assentada tudo o que queria. Derrotou os adversários políticos internos e externos. Arrumou com a rebeldia económica da Alemanha e da França por muitos anos. Transformou a Grã-Bretanha num novo Estado Associado dos EUA. Vergou o bicentenário falso moralismo nórdico com a teoria do Medo. E – o mais importante - convenceu o seu eleitorado das intercalares que a velha fórmula da política da canhoeira está viva e recomenda-se, quando se sabe esperar e se tem como aliado idiotas úteis endinheirados, instantaneamente paridos pela Quarta Revolução Industrial.
Sem surpresas, produziu-se uma imediata inflexão no habitual tom exaltado do comediante de Kiev. Fala-se agora de paz. Mas pouco se sabe ainda o preço que todos estaremos dispostos a pagar por ela. Porque os termos actuais dos credores da guerra, não encontram ainda o eco do lado de Moscovo. E com isso, as hipóteses de descarrilamento das boas intenções podem se confirmar depois do Inverno, com outros actores e consequências imprevisíveis.
O ponto de partida é saber se os EUA estarão dispostos agora a abdicar da doutrina Wolfowitz, que faz da Rússia um inimigo eterno que deve ser esmagado económica e politicamente pelo ocidente, no limbo de uma confrontação nuclear. A questão ucraniana mostra que a corda já esticou até ao limite aceitável pelas partes, logo os tortuosos caminhos para paz devem ser pensados com a cabeça fria.
Em primeiro lugar, há que discutir os termos de um Tratado de Paz com garantias geopolíticas suficientes para acalmar os receios da Rússia. Parece óbvio que a aproximação geográfica da NATO ao perímetro de defesa russo se adensou com o conflito ucraniano, tanto no Báltico, como no Mar Negro, não ajudando a resolução do conflito por meios pacíficos. Sendo assim, nada mais resta a Moscovo do que se preparar para uma longa confrontação militar na Ucrânia, que a maioria dos países da NATO não deseja prolongar.
Por isso, o estatuto neutral da Ucrânia, similar ao que alguns países nórdicos então abraçaram é o ponto de partida para qualquer negociação, nem que isso tenha de ser equilibrado com a devolução dos territórios ocupados por Moscovo ao arrepio dos tratados internacionais que, apesar tudo, ainda são a única bússola orientadora que nos resta no meio da tormenta. Esta necessária cedência russa daria vazão a posição ucraniana em ver preservada sua integridade territorial nos limites herdados da ex-URSS em 1991.
No entanto, a resolução do problema tem de ser encontrada com paciência e de maneira construtiva. Existem casos precedentes no Direito Internacional que podem servir de base para um putativo acordo conducente a paz, por exemplo, atribuir a Crimeia um estatuto que resvale entre Guantánamo e Hong-Kong.
O caso Guantánamo é aqui trazido à colação para relembrar como a Emenda Platt levou um estado soberano latino-americano enfraquecido pela ajuda internacional, hipotecar a sua independência politica em favor de interesses geopolíticos dos EUA para se libertar do jugo da potência colonizadora europeia, com um contrato de arrendamento vitalício de uma base militar. E a resolução do problema de Hong-Kong parece ser útil para se entender como uma futura superpotência, então derrotada militarmente por uma potência colonizadora global, concorda em adiar por século e meio a discussão da sua integridade territorial até ao momento em que a geopolítica estivesse alinhada com a sua economia.
Por outras palavras, a devolução da Crimeia pela Rússia antecedida de um tratado de aluguer das instalações militares estratégicas que Moscovo actualmente mantém naquele território por 50 anos, tal como hoje se verifica no cosmódromo de Baikonur no Cazaquistão, é uma boa hipótese de trabalho que as partes poderiam explorar, pois daria tempo suficiente para Moscovo refazer sua politica de defesa militar em relação a NATO e a maturidade politica para a Ucrânia se movimentar no concerto das nações.
Em segundo lugar, temos a questão do Donbass e outros territórios recentemente incorporados na Federação Russa, onde também é legitima a pretensão ucraniana em reavê-los sem restrições, mas não menos é o anseio dos seus habitantes nativos em preservar tradições religiosas, culturais e linguísticas seculares. E aqui a ONU deveria ter tido um papel mais actuante e não servir de mera caixa de ressonância dos interesses geopolíticos do ocidente. Sem querer falar de possível genocídio pelo volume de morte e destruição que se assiste desde 2014, é incompreensível que às autoridades de Kiev seja dada carta branca para expurgar tudo que seja russo dentro e fora das suas fronteiras, abrindo a caixa de Pandora no desporto, cultura e até na ciência. Os fait-divers da qualificação europeia e a tentativa de substituição do Irão pela Ucrânia no Mundial de Futebol no Qatar, são exemplos refinados desta hipocrisia politica.
Esta postura xenófoba de Kiev não tem paralelo senão nos anais do Holocausto Judeu ou nas famigeradas bulas papais do tempo da Inquisição. Quando as pessoas comuns são multadas por falar russo. Ler livros em russo. Ou simplesmente escrever a Letra Z para soletrar Zubaida. Então perde-se a essência da causa.
E isto está evidenciado no Diário Oficial daquele país a quem a União Europeia promete acolher de braços abertos no metafórico Jardim de Josep Borrell. Esta mesma Europa, que tanto se indigna nos fóruns internacionais com as atrocidades no Afeganistão, no Myanmar ou no Irão. Imagine-se o que não faria se estes países multassem os seus cidadãos por falar Inglês em público.
Com tanto extremismo exacerbado no leste Europeu, o precedente da Bósnia-Herzegovina ganha corpo na futura organização politica do estado Ucraniano, que se deveria transformar num Estado federal, com as liberdades religiosas, linguísticas e culturais fosse preservadas por leis aprovadas por seus próprios concidadãos. Nada obsta que o ucraniano se torne naturalmente numa língua franca disseminada pelo Donbass pela ordem natural das coisas. Sobretudo quando este país se unir cada vez mais a União Europeia, pela imensidão de recursos humanos e materiais relativamente baratos que possui, que certamente estarão na linha da frente para contrapor o expansionismo económico chinês.
Com as vantagens socio-económicas daí advindas, grandes investimentos da União Europeia e dos EUA vão ser guiados por factores sociológicos e antropológicos, onde o ucraniano terá precedente em relação ao russo como língua de trabalho. O mais provável é que os ucranianos do Donbass se tornem bilingues ou trilingues. O caso dos EUA – que não tem nenhuma língua oficial federal - e de Hong-Kong também, mostra como a adopção de um idioma oficial pelos habitantes nativos se faz mais pela necessidade financeira e integração social, do que por meras disposições judiciais e incitação do ódio travestidos de patriotismo.
Em terceiro lugar e como consequência directa das questões anteriores, há o aspecto económico que está na génese do presente conflito. Sendo irreversível a integração da Ucrânia na União Europeia, será necessário revisitar as causas que estão na base da crise económica que debilitou o então regime pró-russo de Yanukovich e culminou com a revolução da praça Maidan. Que é o efeito plano inclinado que a chamada Zona Franca da UE criou no primeiro momento em que a Ucrânia teve de alterar o seu quadro legislativo para se aproximar economicamente de Bruxelas. Criou-se uma situação em que o fluxo de bens e serviços europeus transitavam livremente para o mercado russo isentos de taxas, mas o percurso contrário oriundo da Rússia era bloqueado pelas imposições europeias.
Ninguém acredita que com a paz novamente instaurada naquelas paragens, as fronteiras e os negócios com a Rússia permaneçam fechados. Pois se houver alguma legitimidade da ONU em apelar ao pagamento de indeminizações pela Rússia por causa do presente conflito, então que se faça também com investimento russo igualmente na Ucrânia, em termos aceitáveis nos tratados da OMC e não guiado por proteccionismo económico da União Europeia ou da OCDE.
Porque não interessa ao ocidente que este imenso país da Eurásia se vire definitivamente para a Ásia. E nem que espere que Moscovo se conforme com a adesão ucraniana a Europa sem entendimentos prévios sobre o levantamento progressivo das sanções económicas e futuras alterações aos estatutos da ONU, particularmente, na quadro de actuação do FMI, Banco Mundial e OMC, face ao papel das emergentes potências regionais do BRICS na arquitectura de segurança mundial. Nada será como antes.
Sem estas medidas cautelares, serão letra morta quaisquer “linhas vermelhas” que as partes contendoras vierem a estabelecer para a preservação da paz na Ucrânia, incluindo a não proliferação nuclear, cibersegurança, preservação do meio ambiente e outros tópicos não menos importantes.
Ricardo Santos
A Procuradoria-Geral de Angola emitiu um mandato de prisão contra a empresária angolana Isabel dos Santos por suspeita dos "crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro que, de acordo com a referida nota, a Empresaria “lesou” o Estado Angolano em 200 milhões de Euros entre os anos de 2015 e 2017 quando esteve na Administração de Sonangol, veja abaixo o extracto da publicação da VOA Citando a Lusa.
“De acordo com o mandado de captura internacional, Isabel dos Santos terá prejudicado o Estado angolano nos montantes totais de mais de 200 milhões de euros, cometendo crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócio e branqueamento de capitais.
Segundo o documento a que a Lusa teve acesso na quinta-feira, entre 2015 e 2017, a empresária angolana criou mecanismos financeiros "com intenção de obter ganhos financeiros ilícitos e branquear operações criminosas suspeitas”, através de "informação sobre dinheiros públicos do Estado angolano" que conseguiu na qualidade de administradora da petrolífera estatal Sonangol”.
In VOA Citando a LUSA
Mas, de acordo com as mesmas publicações, incluindo a Reuters, a Empresária diz não estar a par desse mandato emitido pela PGR e tão pouco da Interpol, contudo, não seria de estranhar, a atitude das instituições estatais de Angola, neste caso da PGR, pois, na minha opinião, chegou a hora de vingança de João Lourenço pelo mau período que passou em tempo de campanha eleitoral que não desembocou em “banho de sangue” porque Adalberto Júnior não seguiu os conselhos dos seus apoiantes.
Na verdade, as recentes eleições Angolanas ainda têm muito por que se diga. Os resultados divulgados pela Comissão Eleitoral Angolana sobre a vitória do MPLA e seu candidato João Lourenço são poucos credíveis, mas, como era de esperar, de políticos como o Presidente João Lourenço, a caça à família dos Santos retomou e a questão que coloco é: o Partido MPLA não tem espaço para desaconselhar essas práticas a João Lourenço?!
Sim, porque, para qualquer um que esteve a acompanhar a par e passo o processo eleitoral, desde a morte e a procura de extradição do corpo de José Eduardo dos Santos, com forte oposição familiar, desembocando com a extradição e o “ignorar” da chegada do corpo pelas autoridades Angolanas, não restam dúvidas que estava preparada a “hora de vingança” em caso de vitória do MPLA.
Para mim, causa-me alguma estranheza que um partido como MPLA paute por atitudes desta natureza por parte dos seus dirigentes, MPLA é um partido libertador a par da UNITA em Angola. A sua direcção deve estar mais lúcida e clara sobre os objectivos de luta e da independência. Os dirigentes do MPLA não podem ficar indiferentes perante o desvio da linha política do MPLA, sobretudo quando o referido desvio visa um dos seus carismáticos dirigentes, o José Eduardo dos Santos.
O mandato de prisão internacional contra Isabel dos Santos não passa de um expediente que visa a família de José Eduardo dos Santos por tudo que representa para Angola e particularmente ao MPLA. Pretende-se colocar o nome de José Eduardo dos Santos no lamaçal de modo a emergir outros nomes, mas as coisas não são bem assim, cada nome emerge em função do seu contributo real e não por expedientes.
Eu, como pessoa, começo a ter receio destes partidos libertadores porque, no lugar de serem aqueles que mantêm a linha política coerente com as causas libertárias, parece que passam a servir de espaço para o enriquecimento e vinganças pessoais. Entristece-me ainda saber que vários quadros do MPLA estão a colocar-se numa posição de indiferença, talvez devido a ganhos financeiros do seu silêncio. Triste isto!
Adelino Buque