Hoje está um dia solarento, polvilhado de pássaros diversos que incluem as fugidias rolas, que não se cansam de me visitar nas manhãs e nas tardes, arrulhando parábolas. Minha casa é um porto de chegada, e depois de partida dessas aves, e eu sou o ponto de referência das mesmas. Conhecem o meu cheiro. Mas eu quero sair. Andar por aí à toa sem me importar com os ponteiros do relógio, sinto um desejo ardente de liberdade.
Então, aí vou eu, um andarilho despreocupado, vestindo calções de ganga, uma camisa qualquer tirada da mala ao calha, um par de sandálias de napa, e um chapéu a Pablo Neruda, sinto-me confortável assim. Até porque dentro de mim existem muitos “eus” que me dão sustento na mesma proporção. De graça. Sou eu, o vagabundo da Fonte Azul, que nunca amealhou nada, e pensa que as palavras são bastantes.
Estou em frente à casa de Cassiano Ratagi, mas aqui ao lado viveu o senhor Matias, pai do jornalista Leonel Matias e, ainda encostado aos dois, avultava o Lóngwè, tenaz defesa do clube Beira-Mar, nos tempos em que o futebol em Inhambane era o hino das massas, pela elevada qualidade que assumia. Eu era um fedelho na altura em que estes três personagens reverberavam, cada um tocando a sua nota de piano. E eis que, ao pé da casa onde viveram, sorrio ao recordar-me desses momentos inolvidáveis.
Mas eu estou a caminhar. Ao léu. Sem outro propósito que não seja o de abstrair-me das dores, ao mesmo tempo que desfruto do sol que me vai aquecendo o corpo e o coração. Estou a voar como os pássaros que deixei em casa, e agora encontro-me na rua do Brehemo Guifototo, antigo árbitro de futebol, que será também lembrado pelo seu Peugeot 403. É como se estivesse a vê-lo. À ele e ao seu vizinho, o Giló, um homem distante. Discreto.
Isto é um filme buscado de aquivos de ouro, e eu estou vivendo esse filme ao vivo, como narrador-personagem, pois, se assim não fosse, não me lembraria de nada, como agora que me embrenho nos becos Chalambe em direcção à casa onde morava Vangyane, a mãe da Guegué. É aqui onde vinhamos nos esborrachar com sura, e essas histórias todas fazem-me reviver um tempo que não volta mais. Nem essas figuras que estou evocando, voltarão alguma vez, a não ser por via da memória.
Se calhar estou louco, não sei se faz sentido andar por aí a esgravatar os mortos, mas isso leva-me à lua. Estou na lua, ou melhor, agora estou na zona onde viviam assimilados finos, como Tsungu Maciel (pai do Djako Maria), Daniel Mosse (pai do Marcelo Mosse), Mbalango, Tsungu Teixeira e o célebre Manuelito, esteio e fundador da banda musical Inhambane 70. Eles todos pertencem a uma geração sem réplica nos dias de hoje. E estou aqui para prestar-lhes vénia. Por tudo que fizeram pela cidade de Inhambane. Quem sabe, um dia, eu volte para consagrá-los em livro. À eles, e a outros que não mencionei aqui neste espaço diminuto.
Inté.
Na semana passada, a organização CDD (Centro para Democracia e Desenvolvimento), liderada pelo activista Adriano Nuvunga, organizou uma "webinar" para discutir uma proposta de Lei da Acção Popular, a ser submetida à consideração dos deputados da Assembleia da República. O CDD juntou no evento algumas figuras de relevo dentro do espectro da sociedade civil moçambicana.
Mas, nas vésperas do evento, aconteceu uma coisa inusitada. Jornalistas e actores da sociedade civil foram desencorajados a participar desse evento. Por quem? Pelo ex-político e agora activista Ismael Mussá (que já pontificou na Renamo e no MDM). Porquê? Há poucos anos, Mussá criou uma Organização Não-Governamental, chamada Observatório da Cidadania.
Na semana passada, ele usou “fundos e mundos” para mostrar que o CDD lhe estava roubando a ideia, que a agenda da Acção Popular era exclusivamente dele e da sua organização. Com esta narrativa, ele tentou “sabotar” o evento do CDD. Não terá conseguido seus intentos, mas deixou no ar a penosa imagem de organizações de sociedade se digladiando por uma agenda que pertence ao povo.
É um facto que há pouco mais de um ano, o Observatório da Cidadania, juntamente com outras organizações, entregou na Assembleia da República uma proposta de Lei da Acção Popular, da iniciativa de um grupo de cidadãos. A iniciativa do Observatório deve ser elogiada, pois insuflou mais oxigênio numa demanda legislativa que serve à democracia e não a qualquer ONG em particular.
No entanto, a primeira tentativa de se fazer aprovar uma lei semelhante não pertence à organização de Ismael Mussá, muito menos ao CDD de Adriano Nuvunga. Eis os principais factos históricos.
Em 2001, o Dr. João Carlos Trindade, Juiz Jubilado do Tribunal Supremo, era o diretor do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Ele, o Dr. Carlos Serra Júnior e outros colaboradores do Centro elaboraram a primeira proposta de Lei da Acção Popular, a pedido da própria Assembleia da República. O documento foi entregue em 2001 ao Secretariado da AR, que o guardou num canto poeirento.
Mas, em 2004, uma revisão pontual da Constituição da República (CRM) foi pretexto para se introduzir o princípio da Acção Popular na Lei Mãe. Esse princípio está lá. Como? O legislador nada mais fez do que escarrapachar “ipsis verbis” um artigo da lei proposta, mas arquivada. E o princípio permaneceu na CRM.
Quatro anos depois, uma nova tentativa de fazer passar a Lei da Ação Popular foi engendrada pela antiga Unidade Técnica de Reforma Legal (UTREL), sob a liderança do Dr. Abdul Carimo Issá. A UTREL fez uma revisão enriquecida da anterior proposta e entregou-a ao Ministério da Justiça para que o Governo se apropriasse dela e a submetesse à Assembleia da República.
Foi por volta de 2008. A proposta fazia parte de um pacote legislativo anti-corrupção (onde o CIP participou no aprofundamento da legislação anticorrupção), que incluía uma revisão da Lei de Combate à Corrupção, a reforma do quadro legal sobre o Habeas Corpus e a Lei da Probidade Pública.
O Governo, em 2008/2009, deixou passar a Probidade Pública e a reforma da Lei de Combate à Corrupção, mas arquivou a reforma do Habeas Corpus e a introdução da Acção Popular. Na semana passada, quando o CDD trouxe o assunto à baila, tratou-se de um novo fôlego nos esforços para que a acção popular fosse legislada. Esta lei é cada vez mais importante.
O actual quadro legal em Moçambique permite apenas que se litigue sobre conflitualidades de natureza individual, deixando de lado a litigação no quadro dos Direitos Difusos, através da acção popular e visando a proteção da sociedade em casos de violação nas áreas, por exemplo, dos direitos humanos, dos direitos do consumidor ou a protecção ambiental.
Ou seja, a Lei da Acção Popular é propriedade da democracia, do povo, e ninguém, nenhuma ONG em Moçambique deve reivindicar que é seu dono. Por outro lado, quanto mais organizações estiverem advogando no sentido da sua aprovação melhor. Viva a democracia! (Marcelo Mosse)
Nyusi fala gritando sobre o combate a corrupção (bom eu prefiro a noção de "controlo", que implica um sector judicial forte e altos padrões de ética na esfera pública, incluindo de estruturas semi-públicas como os Partidos Políticos), mas seu discurso é ocioso. Em vésperas de Congresso, a Frelimo podia dar um exemplo, elevando alguma fasquia de moralidade interna.
Mas nada! Tal como o discurso vazio de Nyusi em termos de anti-corrupção, a Frelimo está longe ser uma alavanca comportamental em termos de probidade pública. Seu SG Roque Silva está em Tete e lá o partido está escolhendo um novo Secretário Provincial. A figura na calha já foi Administrador do Distrito de Chiúta, Gonçalves Gemuce. Ele transitou neste ano para secretário interino da província mas levou na sua bagagem um processo judicial onde é acusado de corrupção quando estava em Chiúta.
O caso continua na PGR em Tete e as evidências são inabaláveis. Mesmo assim, a Frelimo precisa da "expertise" do camarada Gemuce. A expertise da improbidade! A Frelimo teima em se manter nesse lodo que carcome o bem público. É a sua opção, uma cartilha engolida acriticamente pelos seus membros. No caso vertente, até conta com a ajuda da PGR. Há semanas, quando "Carta" escreveu sobre o caso de Gemuce, designadamente sobre um primeiro secretário de Tete apanhado nas malhas da corrupção, a PGR reagiu prontamente "clarificando" que se tratava do Administrador de Chiúta, omitindo até o nome de Gemuce.
É óbvio que a PGR faz o jogo do partido, uma perversa coalizão. Gemuce vai mesmo ser eleito. Parabéns camarada! Seu CV de Chiúta é glorioso, glamouroso, elucidativo, triunfal, vitorioso, carismático, indelével...e exemplar.
“Hoje, mais do que nunca, o sector Privado deve unir-se para fazer face ao desafio lançado pelo Presidente da República, no dia 09 de Agosto de 2022. A procura de protagonismo individual por Associação ou suas lideranças pode minar o sucesso que se espera e criar descrédito do Sector. Mais ainda, o Sector Privado deve procurar um relacionamento são com as lideranças da sociedade civil, parceira na implementação deste PACOTE” .
AB
Depois do anúncio, pelo Chefe do Estado Moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi, das medidas contidas no pacote para a aceleração económica, depois de as Associações empresariais, algumas claro, terem reagido com enorme satisfação em relação ao mesmo, à medida que nos afastamos do dia 09 de Agosto de 2022, data do anúncio, os Empresários Privados parecem cada vez mais divididos com relação as mesmas, o que pode constituir um revés para a sua implementação.
De acordo com Filipe Nyusi, PR, as medidas ora anunciadas colocam no centro o Sector Privado e a Sociedade Civil, sendo que ao Governo é reservado o papel de facilitador. Vem daí que cada um dos três poderes tem algo a fazer para o sucesso deste PACOTE de vinte medidas. Na minha opinião, se os três poderes têm tarefas para cada um, não seria de tudo mau que o Sector Privado e a Sociedade Civil sentassem e se debruçassem sobre o papel de cada uma das partes.
O reconhecimento de que o Sector Privado e a Sociedade Civil são o centro de implementação destas medidas não surge por acaso, o Governo, hoje em dia, não possui um sector empresarial capaz de ajudar a implementar estas medidas. Mais do que isso, Filipe Nyusi foi mais longe, ao anunciar que o Sector Empresarial do Estado será reestruturado e as Empresas Públicas que fazem concorrência desleal ao Privado devem desaparecer e manter aquelas que são estritamente necessárias.
Filipe Nyusi deu exemplo da LAM “porque não privatizar a LAM?” Mas “se os Aeroportos de Moçambique estão a dar problemas e existe um Sector Privado com capacidade e conhecimento, porque não entregar a gestão?” Com estas palavras, Filipe Nyusi mostra absoluta abertura para que o PACOTE ora anunciado tenha sucesso.
Na verdade, as medidas anunciadas pelo PR, no dia 09 de Agosto de 2022, vêm responder àquilo que foi sempre inquietação da CTA – Confederação das Associações Económicas de Moçambique, organização que congrega as Associações Empresariais, Câmaras de Comércio, Federações Económicas e Empresas de grande dimensão. Esta abertura do Governo de Moçambique deve ser capitalizada pelo Sector Privado, juntando, cada vez mais, sinergias para que a sua implementação tenha sucesso. No acto de implementação, o Sector Privado poderá levantar as questões que inquietam a cada membro que, como é obvio, não são as mesmas.
Se o Sector Privado mostrar-se dividido em relação a este anúncio e cada associação reivindicar aquilo que se deve fazer para si, sem se aperceber, o Sector Privado estará se “partindo” numa altura bastante crucial, em que o Governo se mostra “rendido” às questões que há muito não dava valor no diálogo público-privado! Na minha opinião, o momento não é para isso, o momento é de união em torno dos interesses do Sector e não de cada Associação. As preocupações da Associação reflectir-se-ão na Matriz a produzir entre o Sector Público e o Sector Privado.
O protagonismo individual, de cada Presidente da Associação ou seus representantes, pode minar o sucesso do conjunto. Neste momento, seria de sugerir que o Sector Privado convidasse a Sociedade Civil, através das suas representações para a união de esforços para dar corpo ao desafio lançado por Filipe Nyusi. De contrário, aquilo que parecia a abertura para o verdadeiro espaço de economia de Mercado, não se fará sentir.
Adelino Buque