Director: Marcelo Mosse

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Nada mais rico e interessante como a possibilidade de " Pensar Moçambique" em momento de campanha eleitoral, entendo aqui por campanha como o 'contrato', namoro, a sedução, o assédio, a troca de mimos e carinhos, os olhos lindos, a exibição de charmes e danças, a busca pela empatia e alteridade entre os políticos e potenciais eleitores, entre os manifestos e os eleitores, entre o debate de 'ideias', entre os partidos com vista a melhor piscar os olhos para os potenciais eleitores, e porque não, entre os propagandistas e as suas capacidades de melhor manipular com recurso as tecnologias de informação aos  potenciais eleitores. 

 

"Pensar Moçambique" já o fizerá Doutor Eduardo Mondlane (1969) no passado, e faz sentido indagar nesta temática em 2019, se sim, como fazê-lo? Pois, o nosso país que se pretende plural carece de reflexões de todas e de todos predispostos em fazê-lo, com ou sem ideologia, com ou sem cores, no final, as lutas dialéticas e epistémicas sobre Moçambique devem ser livres e espontâneas, sem caixas, sem grupinhos e sem donas e donas, até porque as lutas do Doutor Eduardo Mondlane em representação de um grupo plural, que nem sempre foram dentro da mesma panela, continuam presentes e actuais, e hoje com a vantagem de podermos Pensar Moçambique de maneira plural rumo a uma reconciliação, reparem que o silêncio é inimigo não só da paz, mas particularmente da reconciliação.

 

Moçambique é um exemplo natural deste antagonismo, paz e reconciliação. Pensar Moçambique pela sociedade, pela academia, deve ser algo normal, visto que os partidos e os governos não gozam da prerrogativa do monopólio deste debate, até porque a própria cultura de subserviência confundida com respeito pode não ajudar estas duas instituições a procederem e fluírem neste debate. 

 

O desejo e o debate académico 

 

  • Por onde anda a nata e a cereja académica (mais localizada no quotidiano académico)  ou intelectual (mais localizada na sociedade como um todo) moçambicana no espaço dos debates no contexto da campanha?
  • Desejando este grupo pode fazê-lo em segurança?
  • Por onde as 53 Instituições de Ensino Superior (salvo erro), neste momento de barulho construtivo, optaram ou 'optaram' pelo silêncio?
  • O silêncio no lugar da fala em momento de Pensar Moçambique, seria 'normal' ? 
  • Os activistas sociais encontram espaços nas Instituições de Ensino Superior (IES) para Pensar Moçambique?
  • Precisam os debates e as reflexões sobre Pensar Moçambique em época de campanha ter lugar nos hotéis, com tanta infraestrutura boa nas IES?
  • Last, but not least, o que desejam os 'camaradas reitores' face aos debates em prol de uma sociedade autónoma e esclarecida e como reagem os 'camaradas reitores' quando são confrontados por este desejo vindo da nata académica e ou intelectual?

Assumo que o normal e o anormal, assim como a nossa capacidade seletiva depende do contexto e muitas vezes, a geografia do poder tem sido determinante. Mas, em época de campanha ficaria uma luta contra a força do vento tentar justificar a ausência de um 'desejo' por um debate de ideias progressista em prol de Moçambique, não há Moçambique sem ideias, a força braçal tarde ou cedo se ressentirá do vazio de ideias.

 

Os partidos fazem aquilo que melhor conhecem, ou seja, fazem a campanha com base nos nossismos, nos seus euismos, nos seus pessoimos e nos seus meuismos, ou melhor, estão numa panela fechada cheia de ' eu desejo (s)' e como sabem que o mundo deles não procede sem a nossa cumplicidade, entramos numa bola de neve psicanalítica, onde o ' eu desejo' nos é socializado como sendo ' nosso desejo'. 

 

Precisamos desta passividade ' eu desejo versus nosso desejo'? Acredito que esta passividade só ganha espaço com a nossa cumplicidade, visto que a campanha precisa ver vista e percebida não como sinónimo daqueles que fazem política activa, mas e sobretudo de toda e de todo moçambicana\o com interesse em pensar e falar sobre esta temática, respeitando aquelas e aqueles que de forma consciente optam por observar em silêncio, até porque existe uma longa tradição da figura dos ediotes políticos (Grécia antiga). 

 

Mas o interessante e importante é a urgência da classe política perceber que eles devem fazer parte e ser uma força para que o debate académico sobre Pensar Moçambique possa fluir e ser uma prática, libertando assim os ' camaradas reitores' para que estes possam fazer muito bem o seu papel de bem servir rumo a uma academia e sociedade autónomas e com liberdade de expressão. 

 

Existindo académicos e intelectuais com o ' eu desejo social' ou seja, com desejo de debater e pensar em prol do país, imagino que estejam a passar por um conflito interno titânico, uma batalha entre 'falas e silêncios' estruturais e institucionalizados, entre o eu real (silêncio) e o eu ideal (falar). Ouçam, optar pelo silenciamento dos pensamentos, desejos e atitudes, leva as seguintes categorias psíquicas, a saber, 

 

  • Legitima uma forma silenciosa no debate académico e na sociedade;
  • Legitima a cultura do medo;
  • Legitima a cultura de uma sociedade subserviente;
  • Legitima de forma cúmplice que: 1. pensar pode ser perigoso; 2. que pensar diferente pode ser  pecado ou crime; 3. pensar out of the box pode ser um risco;

Estas categorias podem ser vistas de forma societal, ou seja, estrutural (de fora para dentro). Mas na dimensão de indivíduo (de dentro para fora) pode levar aquilo que designamos por desindividualização, e sem deixar de lado os danos na sua psique, a saber: 

 

Vulnerabilidade; Perca de autonomia; Desconfiança excessiva; Passa a agir sempre na reativa; Liberdade muito limitada pelo sentimento de medo e insegurança; Próximo do mundo mental da frustração e ;Consciência inconsistente.

 

Mas no lugar de lutar internamente na mente e com a consciência, o que se pode fazer é criar alianças com aqueles poucos que já passaram por esta fase e valorizam mais a sua consciência do ' eu desejo social'. Não se esqueçam do seguinte, quando nós falamos e somos livres para pensar, encontramos um conforto interno e ajudamos muito a nossa saúde mental. Se notarem, durante os comícios os políticos e os membros, simpatizantes e curiosos trocam muitas gargalhadas, pois, para muitos aqueles momentos são de libertação e de desejos (cruzamos aquilo que ouvimos com os nossos viés).

 

Last, para os 'camaradas reitores' e para os políticos no activo com o martelo da geografia do poder, pensar este momento sem debate seria surreal, pois, para a sociedade, para a academia, não deve existir a seguinte frase 'não é bom momento', para um debate de ideias, sempre é bom momento em prol de um país autónomo e esclarecido. Não há desenvolvimento, não há crescimento sem confronto de ideias e as academias não devem ser vistas como lugares privilegiados do silêncio, o silêncio não deve encontrar espaço nas academias, as mesmas devem ser os verdadeiros celeiros, terrenos, machambas das ideias, estas por sua vez, devem aceitar as culturas dentro delas. Quem trabalha em instituições académicas, deve saber que em momentos de campanha tem uma responsabilidade acrescida perante a comunidade académica e a sociedade em geral. 

 

' As academias não têm cores, nos corações das academias cabem todas e todos '.

 

"Desejo do desejo pelo outro", campanha como desejo

 

A política é uma forma de desejo, que na sua génese se pretende ' eu desejo social'. Os políticos são aqueles que melhores narrativas sabem encontrar para socializar os seus ' desejos ' junto aos membros, simpatizantes e a sociedade como um todo. Pois, a percepção que se tem dos desejos dos políticos e dos seus partidos são importantes neste processo de ' namoro '. 

 

A campanha pode ser percebida como sendo um momento de apetite, um momento de consciência de si que almeja a servidão do outro, um momento onde os partidos políticos querem que eles (comícios, manifestos, músicas, danças) sejam o status quo, onde eles são o centro das atenções. As campanhas necessitam da presença do 'outro ', um outro submisso, obediente, só assim ela alcança os seus intentos, visto que o desejo encontra o seu pilar no outro. Acampanha é um momento de 'dialética' de desejos (Lacan), da reciprocidade (Fanon), ou seja, a busca de ser reconhecido ( Kojéve) e aceite pelas massas. 

 

Em Moçambique, para as Eleições Gerais de 15 de Outubro de 2019, concorrem quatro candidatos às Presidenciais e vinte e seis Partidos Políticos às legislativas e provinciais, que significado têm estes números no desejo do desejo pelo outro? Desejam coisas diferentes para o povo moçambicano? Temos clareza sobre o que eles desejam? Podem estes desejos fluir sem debates inter-candidatos e partidos?

 

No mundo dialético dos desejos, onde o desejo (auto-consciência) reconhece que precisa do desejo do outro (eleitor), para o caso moçambicano, cada candidato presidencial funciona dentro da consciência de si (desejo pelo centro das atenções), com seus manifestos e os quatro precisam da figura e presença do outro para que este seja dominado e satisfaça os seus desejos. Pois a consciência de si necessita da outra consciência, consciência de si mediante o outro e estas consciências interagem, uma como ' senhor' e outra como ' escravo'. 

 

Campanha como desejos deve prever primeiro e acima de tudo um continuun entre o desejo dos potenciais eleitores e os desejos dos partidos políticos (e seus cabeças de lista), significa que estes desejos de forma ética e saudável devem fluir e comunicar. Esta dialética entre os desejos dos eleitores e dos partidos políticos não deve funcionar na lógica " Do Senhor e do Escravo ", onde a relação de dependência em benefício do ' senhor', que sabe que não sobrevive sem a presença do 'escravo'. Mas uma relação com base num continuun entre o senhor e o escravo ou melhor, com base num continuun entre o escravo e o senhor, onde o escravo saiba que ele é o centro das atenções e o senhor tenha consciência de si como um bom servidor. Para tal é necessário vencer o sentimento de medo e o silêncio. 

 

O ' Senhor ' pode funcionar como sol, mas não deve esquecer nunca que o ' escravo' é o protetor solar. O desejo do desejo do outro deve ser humanista e saudável, no lugar de desejos tóxicos. 

 

sexta-feira, 27 setembro 2019 08:09

Vampiros do asfalto

O inverno no planalto de Chimoio confere uma brisa fria mesmo ao meio dia, por isso muitos citadinos andavam já armados para se protegerem do abaixamento da temperatura que se ia agudizando a medida que o tempo passava.

 

Consegui uma boleia que me levou até a terminal interprovincial de autocarros. Não andei dez metros quando um angariador de passageiros abordou-me, questionando se ia viajar para Beira, quando anui ele logo encaminhou-me para um autocarro que supostamente estava prestes a partir.

 

Antes de embarcar averiguei o preço da passagem que concordei, protestando somente pelo preço que cobravam pela bagagem que não achei nada justo, para cada trouxa cobravam o mínimo de cem meticais, assim o passageiro pagava quase a metade da passagem por pessoa no trajecto Chimoio-Beira.

 

A minha contestação não foi assimilada, logo tive que submeter-me. Embarquei, tomei o lugar que me indicaram, o pequeno autocarro que parecia ter uma lotação de quarenta passageiros estava quase lotado, as bagagens ficavam na parte traseira do interior e a que lá não cabia ficava no corredor, quando os assentos laterais ficaram ocupados, os gestores do machimbombo abriam então os diminutos assentos do corredor que quase descansavam por cima da trouxa dos viajantes.

 

O angariador a cada vez que trazia um passageiro e o acomodava largava uma suposta piada:

 

- Não vale comer sua sardinha com mandioca, sem servir ao seu colega senão o seu vizinho vai-lhe desejar mal.- ai gargalhava ele mesmo.

 

Percebia-se que tentava amainar a impaciência dos viajantes que estavam aborrecidos pela demora e largavam suas justas reclamações.

 

Por fim o machimbombo arrancou.

 

- Até que enfim. – desabafou um dos passageiros.

 

A atapetada via permitia que o veículo deslisasse ganhando velocidade, algumas janelas abertas permitia-nos desfrutar de uma frescura que aliviava o cansaço que nos consumiu durante longas horas de espera. Ainda pela janela divisava moitas verdejantes que constituíam a bela paisagem resguardado por um sol luzidio conferindo uma coloração espetacular ao céu.

 

Trinta minutos depois da partida e com toda a animação que desfrutávamos eis que me apercebo da desaceleração empreendida pelo motorista, esquivo os corpos que obstruíam a minha linha de visão e procuro descobrir pelo vidro para-brisas o empecilho que causava o afrouxamento.

 

Intrometeu-se na via um sujeito que pelo traje era um agente da polícia de trânsito, o pequeno machimbombo parou por completo e o motorista fintou os passageiros e as bagagens para poder desembarcar levando consigo uma pequena pasta plástica do formato a4 que com certeza possuía no seu interior os documentos do veículo. Levou perto de cinco minutos e voltou a tomar o seu lugar e então reembarcamos.

 

As conversas voltaram a animar a viajem, escutava uma e outra mas a paisagem que se oferecia confiscava o meu ser e a minha atenção.

 

A única variante rácica no autocarro era um jovem asiático, talvez de origem paquistanesa, comerciante com certeza, este debatia com o seu colega de assento sobre a religião onde dizia com convicção que para a sua religião Jesus não era filho de Deus mas sim um simples profeta. Este debate captou minha atenção.

 

Um infante chorou e a progenitora calou-lhe pousando o seio na sua boquinha, voltamos a ouvir o som do motor e cada um voltou a embarcar em suas divagações. Já não ouvia o debate, não sei se era pelo som potenciado pelo machimbombo ou se já tinha cessado.

 

Uma nova desaceleração, não levei muito tempo para conferir um chui de trânsito que quase perdia a sua presa por distração, mas foi a tempo de precipitar-se para o meio da estrada e sinalizar triunfante a paragem do veículo. O mesmo procedimento foi executado pelo conformado motorista.

 

Foram somados mais cinco interregnos por conta dos agentes da autoridade de trânsito e cada um tinha o cunho de subtração empreendida pelos demónios de azul e branco que sugavam a receita do transportador.

 

Um refrão de descontentamento soava pela voz dos passageiros cada vez que a nossa viajem era interrompida pelas autoridades de trânsito.

 

Uma pequena insurreição estava prestes a iniciar e se não aconteceu foi porque não surgiu um potencial líder.

 

Continuamos a viajem agastados pela atitude oportunista dos agentes de trânsito que nos atrasavam a cada paragem autorizada pela sua ganancia.

 

- São uns verdadeiros sanguessugas uniformizadas e autorizados pelo estado. – quase gritou um passageiro – pronto estava encontrado o potencial líder. 

 

- Barriga alimentada pelo dinheiro do povo – conferiu outro – pronto o adjunto também estava encontrado. Faltaria talvez a eleição por voto directo.

 

Alcançamos finalmente município de Dondo e o pequeno autocarro continuou rolando com uma velocidade média e só reduzia quando a placa de limite de velocidade para dentro de localidade mostrava 60km/h.

 

Solicitações de paragem foram encomendadas amiúde e descia um e outro passageiro.

 

Adentramos para a área de jurisdição do distrito da Beira.

 

- Cobradura¹ paragem Inhamissua - anunciou humildemente o cidadão asiático.

 

Gargalhamos todos, até o pequeno infante soltou momentaneamente o seio da mãe e mostrou uma careta alegre.

 

cobradura- corruptela do português paquistanês para dizer cobrador

quinta-feira, 26 setembro 2019 10:43

Os embrulhados

Houve tempos em que, por estas alturas, estávamos a debater a nossa história e o nosso futuro como nação. No dia 3 de Fevereiro discutiamos sobre os contornos da morte de Eduardo Mondlane; no 25 de Junho, sobre os ganhos da nossa independência; no 25 de Setembro, a génese da luta armada e o título de propriedade do primeiro tiro e por aí fora.

 

Nessa altura haviam jovens jornalistas irreverentes que fizeram história. Jovens que se preocupavam em entender, por exemplo, como é que o primeiro presidente da FRELIMO - doutor Eduardo Chivambo Mondlane - morreu numa explosão de uma encomenda armadilhada (um livro), no seu gabinete de trabalho, sozinho e só; se ele não tinha secretário ou não haviam outros funcionários por perto que pelo menos se feriram na explosão; se o presidente abria pessoalmente as correspondências; e coisas tais.

 

Foi graças a estes jovens "confusos" que o mundo ficou a saber que o camarada Eduardo Mondlane não morreu no seu gabinete, morreu na casa de praia onde vivia a sua secretária. Há uns dois ou três anos, um combatente confessou numa imprensa da praça que no tal fatídico dia ele estava no gabinete a espera do presidente para irem à uma missão. Ou seja, já não há dúvidas que a estorieta do gabinete era ficção.

 

Foi também nesta mesma época de dois mil e picos que jovens historiadores irreverentes começaram a desmentir o Bê-I do partido FRELIMO. Um desses jovens afirmava categoricamente que o partido FRELIMO não era cinquentenário coisíssima nenhuma. O jovem historiador convenceu-nos que, afinal de contas, o partido havia herdado a idade da "Frente" onde nasceu, como um filho que anda com os documentos do pai para "djekar" festas de adultos.

 

Não sei porquê, mas, nessa altura de dois mil e poucos, havia muita irreverência juvenil e intelectual. Aliás, só para que conste, foi nesse tempo que se agudizou o debate sobre a autoria do primeiro tiro, que culminou com a quase-confissão do antigo dono desse mesmo tiro dizendo que também tinha reservas sobre a propriedade do mesmo. E foi assim que a famosa bala ficou órfã.

 

Foram bons tempos aqueles! Temos de agradecer a irreverência daqueles jovens advogados, sociólogos, jornalistas, antropólogos, economistas, médicos, historiadores e mais. Haviam bons e muitos tomates naquela altura. Hoje, nem por isso. Alguns tomates foram colhidos e vendidos em hasta pública.

 

Hoje em dia todos querem ser políticos ou viraram sentinelas de partidos políticos da posição, da oposição, da disposição, da imposição ou da sobreposição. Alguns desses jovens - outrora irreverentes - têm sido vistos embrulhados em mantos encarnados desta vida.

 

Hoje alguns desses jovens especializaram-se em insultos públicos de grande magnitude nas redes sociais. São a própria oposição da irreverência juvenil e intelectual emergente. Foram embrulhados. Foram embrulhados pela história recente deste pedaço de chão com alcunha de bijuteria e depositaram o seu encéfalo numa estante algures na Pereira do Lago até "sine die".

 

Hoje, num dia como 25 de Setembro, estamos a debater a burrice de uma cantora afrodescendente brasileira, enquanto aguardamos ansiosamente para que uma ex-donzela daqui da banda pendure a bandeira do seu país no rabo de novo. Hoje em dia as datas não passam disso mesmo - datas.

 

- Co'licença! 

quinta-feira, 26 setembro 2019 08:31

Sando Lodge: tristeza e desolação

Na verdade este lugar entristeceu-se.  Feneceu. Perdeu todas as molécolas da cumplicidade que se foi enraizando na amizade desinteressada da juventude. E de nós, os sexagenários, já no fim da caminhada, levados para ali pelo contágio da alegria. Sando Lodge era o cântaro em si. Um pote puro. Uma espécie de palco onde todos cantavam e dançavam por dentro, deixando o resto  por conta das emoções. Aqui residia o sinónimo mais profundo da liberdade. Mas o que sobra agora, para o nosso desespero, são os fiapos da última luz deixada pelo entusiasmo de viver.

 

Sando Lodge fica aqui perto da minha casa, ao longo da baía de Inhambane. Já sem as sonoridades do bem estar que nos proporcionava no seu sossego. Sem a brancura das areias, ora pejadas da escória devolvida pelo mar à nossa ignorância. Tudo aquilo que nos dava paz e desejo de estar ali, sucumbiu: o espaço livre  e limpo, agora ocupado por desgraçados casebres, cujos ocupantes sofrem em tempo de marés enquinociais.

 

E se você quiser conhecer o testemunho de toda a poesia tecida ali, no roçagar dos corpos, depois dos copos, esse testemunho somos nós. Que não queriamos mais nada para além da brandura do tempo que nos embalava entre os braços da areia branca  e o peito das águas tranquilas do mar. Era isso que nos movia para o Sando Lodge. E bastava-nos.

 

Agora ninguém procura o lugar. Pior do que isso, ninguém fala dele. Nem o próprio Santana, o jovem tornado eixo pela simplicidade e humildade. Santana era, lado a lado com o Sando Londge, ou por detrás  disso, o mote para todo o júbilo. Agora ficou sozinho, ruminando a nostalgia do tempo que pode não voltar. Jamais. Até os flamingos já não passam perto para  estabailizarem a pressão do coração que se vai esvaindo. E para agravar a tristeza, aí estão as almadias quedadas em maré vaza.

 

O que dói é perceber que apesar do amor que alimentamos durante longo tempo, entre nós e as águas que se despejavam serenas nas areias brancas do Sando Lodge, já não há nada que nos liga. Ninguém quer saber do outro. Nem as noites de luar, que eram uma maravilha observadas a partir dali, nos afagam a dor de termos perdido um dos lugares mais prazerosos da baía de Inhambane. Nem as luzes que cintilam do outro lado, do lado da Maxixe, chegam para espantar a desolação.

 

Talvez um dia alguém cante uma música em homenagem ao Sando Lodge. Quem sabe!

terça-feira, 24 setembro 2019 06:43

Mortes assombram campanha eleitoral

Os políticos moçambicanos opinam que a campanha eleitoral é um momento de festa, mas a presente tem sido tudo menos festa. Ela já provocou mais de 30 mortos. Grande parte das mortes resultam de acidentes aparatosos  de  violência eleitoral, o que significa elas podiam ter sido evitadas.

 

Dez pessoas morreram pisoteadas após um comício no dia 11 de Setembro, em Nampula. O passado fim de semana também foi trágico: mais militantes e simpatizantes morreram num  acidente de viação em Songo, Tete, a regressar de um outro comício - é verdade que até aqui os acidentes limitaram a bater as portas da Frelimo, mas isso pode acontecer com qualquer outro partido.    

 

Antes do início da campanha, a PRM anunciou que estava pronta para garantir a segurança durante o processo eleitoral. Daí que, se perguntar não ofende, como é que a corporaçao tem estado a  garantir a segurança dos membros, simpatizantes e seguidores dos partidos políticos nas campanhas?

 

Tenho em mim que a tarefa de garantir a segurança e protecção dos membros, simpatizantes e seguidores dos partidos políticos não é apenas da PRM. Sendo que, como é que os partidos políticos organizam a sua logística de protecção e segurança? Ou será que o fazem na perspectiva de apenas garantir a protecção e segurança dos seus líderes?

 

De todas as formas, tanto a PRM como os partidos políticos devem  nos dizer como é que a protecção e segurança dos seus membros, simpatizantes e seguidores  é feita. Os políticos não devem pensar em apenas encher os recintos onde vão realizar comícios. Devem também saber como controlar as multidões. Devem também garantir o transporte dos membros e simpatizantes com toda a segurança necessária.

 

Todos os que organizam eventos sabem que existe uma série de requisitos a se ter em conta, relacionados com a seguranca dos presentes, sejam os oradores/artistas/ ou o publico/particantes.  Temos visto a  polícia a acompanhar as marchas e passeatas no sentido de garantir o cumprimento dos mesmos requisitos. Sabe-se que há entradas/saídas em caso de emergência.  No caso dos camiões, sabe-se que não estão apropriados para transporte de pessoas, dai o Estado ter criado o infame My Love II.

 

Mas mais do que isso, essas mortes todas parecem simptomáticas de um Estado onde a vida e dignidade humana são precárias. Precariedade implica viver socialmente, isto é, o facto de que a vida humana está sempre nas mãos de uma outra; implica uma dependência em relação à pesoas conhecidas e desconhecidas, e principalmente, ao Estado. O que quer dizer que é responsabilidade do Estado, dos partidos políticos, garantir a segurança e protecção das pessoas sob sua guarrida.

 

Sendo que, dizer que uma vida é precária, o que é verdade para a maioria dos moçambicanos, é dizer que a possibilidade dela ser sustentada depende fundamentalmente em condições sociais e políticas. Que políticas de protecção e segurança da vida humana existem no país?

 

Por isso, não podemos continuar a medir palavras. Há que assacar responsabilidades. Não me simpatizo com o discurso de pacto de sangue que está a dar de falar nas redes sociais. Esse discurso tem o condão de isentar quem de dever de qualquer responsabilidade nessas mortes evitáveis. Por exemplo, quem foi que fez transportar pessoas de cerca de 150 quilometros do local do comício? Quem era o motorista e para quem trabalhava? De quem é a responsabilidade moral e social de garantir que os mortos tenham funerais condignos, que os feridos tenham tratamento condigno, de que as famílias enlutadas sejam recompensadas devidamente?

 

 Enquanto humanos entramos num contrato com o Estado de modo a garantir-nos protecção. Neste sentido, como é que o Estado deve agir para garantir que os direitos dos cidadãos que pereceram e ficaram feridos nesses trágicos acidentes sejam ressarcidos? O que a Procuradoria Geral da República está a fazer? Já intentou algum processo com vista a criminalização dos envolvidos? Para onde se dirigem as famílias enlutadas e os feridos para serem ressarcidas?

 

Acidente é acidente, dirão alguns. Mas enquanto humanos temos que nos preparar ao máximo para os evitarmos, minimizar os seus danos, e assacarmos responsabilidades junto dos culpados. Para já, devíamos ter vergonha de descrevermos as nossas campanhas eleitorais como momento de festa. Outrossim, até prova em contrário são um momento de dor e luto.

terça-feira, 24 setembro 2019 06:34

Não tomarás em vão o nome de Afonso Dhlakama

Parece que está na moda, ultimamente, invocar a memória de Afonso Dhlakama para justificar os fracassos e a desorganização dentro do partido RENAMO. As zangas de comadres na RENAMO terminam com desabafos que encontram no nome de Dhlakama um calmante.

 

O mais estranho é que as pessoas que hoje "desenterram" o general Afonso Dhlakama são figuras proeminentes do partido, até familiares, que muitas vezes tinham oportunidade de privar com ele ainda vivo. São pessoas que tiveram oportunidades soberbas de ouvir, na primeira pessoa e "in loco", os conselhos e a sabedoria do malogrado. São pessoas que hoje deviam estar a exibir muita inteligência herdada do general.

 

De certeza que Afonso Dhlakama terá dito em algum momento que, um dia, ele iria partir para o eterno repouso. E deve ter dito, com certeza, que depois que ele partir os seus familiares que militam na RENAMO serão vistos como simples membros e militantes como tantos outros que se encontram neste vasto Moçambique e fora. Certamente que terá dito que a RENAMO não era uma empresa familiar.

 

Quero eu acreditar que Afonso Dhlakama terá dito aos seus militantes mais próximos, e principalmente aos seus familiares, que a vida era um festival de hipocrisia. Que a vida estava cheia de falsos amigos. Que as pessoas só são leais quando ainda se respira.

 

Afonso Dhlakama era um exímio estratega militar. É certo que ele sabia que nem todos RENAMISTAS eram, de facto, leais à filosofia do partido. Ele sabia que, para uns, o que contava eram os dinheiros e as mordomias que recebiam do partido. Ele sabia - aliás, até dizia vivamente - que na RENAMO haviam gajos que o queriam acotovelar para abocanharem o partido com suas próprias filosofias.

 

Então, fico sem perceber as lamurias que tenho estado a ouvir hoje sobre pessoas que têm vergonha de pronunciar o nome de Afonso Dhlakama. Fico sem entender quando membros influentes da RENAMO dizem "se fosse com Dhlakama, isto não iria acontecer", "se Dhlakama estivesse vivo, não iriam fazer isso connosco", etecetera, etecetera, etecetera.

 

Afinal, essas pessoas não beberam nada de Dhlakama? Não era suposto estarem hoje a dizer "Dhlakama nos ensinou assim" ou "Dhlakama fazia as coisas assim"? Não era suposto o Nhongo ser gerido como Dhlakama o geria? Então, Dhlakama "dele" que dizem que era um grande líder não deixou ensinamentos? Foi-se com toda a sua sabedoria?

 

Se em plena campanha eleitoral já se chamam cobras e lagartos, imagina então, quando ganharem as eleições e terem que formar um governo? Não vão nascer outros Nhongos e Juntas?

 

Invocar hoje a memória de Afonso Dhlakama é pura cobardia. Deixem o general desfrutar do seu mais do que merecido descanso! Se a RENAMO desaparecer, não será por sua culpa. Ele já fez o que devia fazer. Se não passaram apontamentos dos seus ensinamentos, é por culpa vossa. Deixem o velhote curtir a sua eternidade na paz do Senhor! Deixem Dhlakama usufruir o que nunca lhe demos em vida: descanso! Lutem, se esganem, se piquem no olho, se furem os rins, mas não tomem o nome de Afonso Macacho Marceta Dhlakama nas vossas brigas. Não pronunciem em vão o seu nome. Não mencionem o líder nas vossas lamurias.

- Co'licença!