As histórias de superação de vida, em Moçambique e no mundo, se sucedem. Algumas se mediatizaram, porém, a maioria, continua anónima e reservada. Vencer faz parte do ser humano. A maior beleza da superação tem sido o positivismo, as acções de fé, esperança e a auto-estima. Farida Gulamo, a mulher que veste o rosto e espírito do associativismo, em Moçambique, faz parte desse distinto grupo dos que demonstram tenacidade e sagacidade, muito para além do comum. Uma trajectória de dificuldades e privações, contudo, de requintadas e memoráveis vitórias.
A superação pode ser entendida como uma opção. Não importa o estado de saúde ou físico. As pessoas podem escolher entre dar importância as decepções e enfatizar as falhas e deficiências, vivendo com amargura e tristeza ou, pelo contrário, lidar com os problemas e encarar esses momentos como aprendizagem e tempos de responsabilidade para sua própria felicidade. Assim tem sido a Farida Gulamo. Por vezes, incompreendida e desacreditada, ela tem liderado processos e associações que lutam pela equidade, pelos direitos humanos e pelo respeito institucional, de forma incontestável, ao longo de mais de 50 anos.
Com a história do maior génio do século XX, o criador da teoria da relatividade, Albert Einstein, que foi considerado um mau aluno e completamente inútil, pela maioria dos seus professores, se aprende a lição da persistência, do valor da luta pelos sonhos. Farida Gulamo nasceu no Ilhéu, na primeira capital de Moçambique, naquele célebre hospital que, em 1952, foi tido como a maior estrutura hospitalar da África ao sul do Sahara. Depois, a vida lhe ensinou a lutar pelos seus sonhos, nunca virar a cara à luta, nem depender de quem quer que seja.
O associativismo e a luta pela inclusão social dos grupos excluídos, em Moçambique, certamente, possuem várias motivações e rostos. Alguns, mais visíveis e outros menos. Diferente das histórias das epopeias ou das grandes batalhas, das lutas emancipatórias e das vitórias sobre a dominação estrangeira, o associativismo se respalda em cidadãos de boa vontade, com forte capacidade de liderança, com pendor de agregar valor às suas pretensões e, sobretudo, com essa facilidade mobilizadora, modificando as percepções e os preconceitos.
Tal como os escritores, os principais líderes associativistas transportam, no seu DNA, a responsabilidade de transmitir, à sociedade, valores fundamentais de luta e persistência, bem-estar social, convívio salutar, equidade, igualdade de direitos e a melhoria das condições dos grupos excluídos e minorias. Os nomes por detrás destes movimentos são marcantes e fundamentais nas mudanças de políticas públicas, postura governativa e uma resposta às suas demandas.
A génese do associativismo e da luta pelos direitos humanos e pelos direitos das minorias é diversificada, remonta ao período de ocupação estrangeira colonial que, inclusivamente, condicionou o seu surgimento. Eduardo Mondlane foi associativista e, à semelhança de tantos outros, corporizou os movimentos incipientes, no país. Nos últimos anos, o associativismo abarca, grosso modo, redes de indivíduos e pequenos círculos sociais nas igrejas, escolas e bairros, liderados por jovens. Se é verdade que todos pretendem institucionalizar e obter reconhecimento governamental ou das ONGs, elas são, ainda, dependentes de apoios financeiros de organizações internacionais, apesar de suas agendas e dos grupos que representam.
Farida Gulamo que, em 2020, colheu as suas 75 risonhas Primaveras, esteve na base da criação da Associação dos Deficientes de Moçambique (ADEMO). Assumiu o cargo de secretária executiva e, apoiada pelo governo, expandiu a associação para todos os cantos do país. Fê-lo, na época, 1989, com o apoio de um outro cadeirante, o saudoso Jorge Tinga, persistente e multifacetado, que este ano nos deixou e, com muita saudade. Portanto, eles fazem parte dos anais do associativismo moçambicano.
Farida Gulamo, esta persistente e dotada mulher, destemida e de fortes convicções, tem sido um exemplo de uma activista social que virou referência, obrigatória e incontornável e que contribuiu, de forma abnegada e exemplar, na luta dos deficientes por uma integração e reconhecimento. Ela se desdobra entre os activistas da educação, do género e dos deficientes. Nessa condição, participou em diferentes fóruns mundiais, visitou vários países e ergueu bem alto a bandeira de Moçambique, em conferências especializadas.
Este ano, com sua entrega e de todos seus colegas, voltou a realizar a assembleia-geral da ADEMO, depois de mais de 14 anos de inactividade. Fê-lo em momentos de pandemia da COVID-19, quando o mundo parece ter virado as costas à humanidade. Diante do resguardo e ausência de apoios, ela quis provar aos colegas que a vida tem de continuar e, sobretudo, que eles não estavam esquecidos. Farida veio para o mundo numa condição física normal. Por conseguinte, tem um chip que a faz pensar em normalidade, de forma permanente. Assim, decidiu sair à rua, solicitar apoios e reactivar a ADEMO. Remar na contramão da inactividade e ajustar o seu mindset às novas normalidades. ADEMO terá de funcionar descentralizada, com eleições democráticas dos seus gestores, mas, ao mesmo tempo, com maior diversificação de suas fontes de receita e financiamentos.
Recentemente, ela abriu sua alma e falou-nos nessa trajectória de luta e afirmação de identidade, de sofrimento e exclusão. Reviu os difíceis tempos da Namaacha, onde fez uma das dezenas de formações, como monitora. Não se esqueceu da rigorosidade do Inverno que debilitou ainda mais seus músculos locomotores. Recordou-se de memórias salutares, dos tempos de infância nos quais, mesmo com as muletas, jogava à bola e participava de outras brincadeiras com seus amigos de bairro. Sem exclusão e total solidariedade. Aliás, foi assim como cresceu, como frequentou os liceus, o magistério primário, a faculdade de ciências de educação e outras.
O seu sonho foi sempre de seguir medicina. Mas, os condicionalismos forçaram a seguir a carreira de educação. De uma família de enfermeiros, teve dois irmãos e três filhos, um deles já falecido. Trabalhou em diferentes instituições e províncias. Ministério da Educação e no Instituto Nacional de Desenvolvimento de Educação (INDE), em escolas em Quelimane, Inhambane, Chokwé e Maputo. Sua luta tem sido a de não aceitar a discriminação e o preconceito. Este é o sentimento que passa aos seus colegas e amigos, de todo o mundo. Ela levanta, com orgulho, a ADEMO e todas as associações de cegos e amblíopes de Moçambique.
Uma das suas maiores alegrias pode ter sido à de chegar a independência deste país, que ama, já com 30 anos de idade, amadurecida e com sonhos. Sonhava num novo estágio na sua vida. Sonhava com um país sem discriminação e com tolerância. Um país de oportunidades, de paz e de fraternidade.
Ainda vai viver para ver um novo arco-íris e, sobretudo, um país reconciliado e com uma educação moderna e utilitária, uma juventude responsável e com empregos, casa e com seus direitos respeitados. Um país sem fome e onde todos serão tratados da mesma forma e com o mesmo respeito. Um pais de todas as utopias e reconciliações. Estes são os sonhos de uma sonhadora militante. (X)
No entanto, seu conteúdo não vincula a empresa.
M´saho é essa grande festa dos chopes, organizada anualmente para esconjurar os espíritos que têm trazido ventos infaustos por aqui. O próprio mwenje, árvore de onde se vai extrair a madeira para produção da timbila, está sendo varrido por poeiras invisíveis que se instalaram em mãos humanas para destruir. De ano para ano a sensação que nos fica é de que o remoinho provocado pelo toque e dança e canto desta tribo do sul de Moçambique está a desvanecer. E para agravar o cenário sombrio, veio a COVID-19 impedir a realização – que teria sido em Agosto – do festival cujo palco entra em consonância com as Lagoas de Quissico.
Warethwa! (Cuidado!). Na verdade quando a xipalapala retumba, é preciso ter-se cuidado com o que vem das mãos e do corpo inteiro dos chopes. Da alma deles. Inabalável. Revolta. Insaciável. Quer dizer, Quissico - o vilarejo eleito - ressurge. Engrandece-se. Embevece. E é projectado para o mundo inteiro, de onde depois traz as pessoas do planeta para este lugar insignificante na sua geografia. Todos querem estar aqui para se embebedarem com a loucura da timbila. Delirarem com as diabruras esvoaçantes da mathchatchulani, que vai parecer uma gazela dançando livre nas savanas, nas manhãs, agradecendo à Deus pelo sol que raia com esplendor no crepúsculo..
Mas hoje em dia eu não sei se o M´saho ainda tem verve. Não sei se esta festa continua a resguardar o unguento dos tempos para amassajar as almas sedentas da secular música vertiginosa dos chopes. Não sei! Tenho as minhas dúvidas. Parece ser urgente e inadiável que se tenha em grande consideração o facto de estarmos perante um Património Cultural da Humanidade. Não que não haja esse respeito, mas a sensação que tenho é de que está-se a fazer pouco, começando pelo palco que acolhe as orquestras. Ou seja, para quem chega antes de começar o M´saho, e antes de chegarem as pessoas da assistência, regra geral o que se vê são pequenos sinais como dísticos apelativos com pouca chama em termos de imagem. E pior do que isso, olhando-se para o palco, a pergunta que vai surgir imediatamente será: é aqui onde vamos assistir às loucuras dos chopes? Na verdade o palco instalado não é de forma alguma digno de receber uma manifestação de tão elevado porte cultural.
É aqui provavelmente onde começa, ou se agudiza a contrariedade. Talvez a decepção. Os executantes são acolhidos naquilo que tende mais para um alpendre carrancudo, do que propriamente para um palco. Quem construiu aquilo provavelmente não tem sensibilidade sobre o que é um festival desta dimensão, sobre a grandeza da timbila no mundo. Não só temos na obra os irritantes pilares múltiplos, como também o tecto atarracado, sufocando os artistas e aqueles que estão sentados nas bancadas.
Em conversa oportuna com Filimone Meigos (director do ISARC) e Rufas Maculuve, músico e professor de música na mesma instituição, eles também indignaram-se com o palco que deve ser repensado urgentemente para os próximos festivais. O lugar tem um tesouro invejável que são as Lagoas de Quissico, esplendorosas, algo que não pode passar despercebido durante o evento. As Lagoas de Quissico devem fazer parte do Festival. E fazer com que aquela paisagem seja pertença do M´saho, passa necessariamente por repensar o palco.
É imperioso e urgente levar as coisas mais a sério, porque aqueles que vão à Quissico pelas alturas do M´saho, querem ver a beleza em si estampada em todo o lado. Os estrangeiros em particular, vão para ali porque já ouviram falar desta manifestação cultural e sabem que é Património Cultural da Humanidade. Sabem que a festa da timbila é elevada, então os organizadores precisam de corresponder à todas as expectativas, tornando o festival num importante eixo que deve passar também pela capacidade de fazer a comunicação e imagem. O Marketing. E espreitar aquilo que se faz noutros eventos pelo mundo fora, porque o M´saho tem dimesão mundial. E em tendo uma dimensão universal, é preciso fazer algo que justifique isso.