Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI

Blog

segunda-feira, 14 agosto 2023 06:30

Relações África-Europa e seus alicerces!

Adelino Buqueeeee min

“(Item 1): Governar o mundo e controlar as riquezas do planeta - nossa política é dividir e conquistar, dominar, explorar e saquear para encher nossos Bancos e torná-los os mais poderosos do mundo; (Item 2): nenhum país do terceiro mundo é um estado soberano e independente; (Item 3): todo o poder nos países do terceiro mundo emana de nós, que o exercemos pressionando os líderes que são apenas nossos fantoches. Nenhum corpo no terceiro mundo pode assumir o seu exercício; (Item 4): todos os países do terceiro mundo são divisíveis e suas fronteiras móveis de acordo com nossa vontade. O respeito pela integridade territorial não existe para o terceiro mundo; (Item 5): todos os ditadores devem colocar suas fortunas em nossos Bancos para a segurança de nossos interesses. Esta fortuna será usada para doações e créditos concedidos por nós como crédito e ajuda ao desenvolvimento de países do terceiro mundo”.

 

In Carta do Imperialismo, Provisão Geral, Museu Real da África Central em Tervuren, Bélgica.

 

Na minha opinião, os problemas de África e de Moçambique devem ser vistos com base na chamada “Carta do Imperialismo”, concebida em Washington durante o comércio de escravos e negociada na Conferência de Berlim em 1885, aquando da partilha da África, uma partilha, como reza a história, sem os próprios africanos. Desde então, África tem sido aquilo que os europeus querem que seja e a eliminação de dirigentes lúcidos e comprometidos com os seus povos faz parte da estratégia traçada em Washington antes da partilha da África.

 

Quando no Item 5 se diz taxativamente: “todos os ditadores devem colocar suas fortunas em nossos Bancos para a segurança de nossos interesses. Esta fortuna será usada para doações e créditos concedidos por nós como crédito e ajuda ao desenvolvimento dos países do terceiro mundo”, isso espelha a realidade de hoje, em que quase todos os dirigentes africanos têm as suas fortunas nas antigas metrópoles ou em outros paraísos fiscais. A história recente mostra-nos, por exemplo, o destino da elite política de Angola em Portugal. O que lhe aconteceu? E nos outros países do mundo, incluindo Moçambique, a “novela” das dívidas ocultas mostra, igualmente, onde a fortuna de alguns moçambicanos se encontra domiciliada.

 

Também encontramos nessa “Carta do Imperialismo”, no Capítulo do “Regime Político”, Item 6, o seguinte: “todo o Governo e o Poder estabelecido por nós é legal, legítimo e democrático. Mas qualquer outro poder ou Governo que não emane de nós é ilegal, ilegítimo e ditatorial, qualquer que seja sua forma e legitimidade. Já no Item 7: qualquer poder que oponha a menos resistência às nossas injunções perde assim a sua legitimidade e a sua credibilidade. Ele deve desaparecer”. Ora, se dúvidas existiam, com este item sobre a Governação Política da “Carta do Imperialismo”, creio que foram dissipadas.

 

O caso do Níger é o exemplo paradigmático neste momento. Se o Golpe de Estado é legítimo ou não, não deve ser o ocidente a dizer ou a avalizar, é o povo do Níger que se deve pronunciar. Por aquilo que é o carinho que os golpistas recebem do seu povo, pode se assumir que este povo se revê nos militares do Níger. Contudo, tendo em conta o princípio segundo o qual “qualquer outro poder ou Governo que não emane em nós é ilegal, ilegítimo e ditatorial”, aqui temos a prova da aplicação à risca da chamada “Carta do Imperialismo”.

 

Os países africanos mobilizam-se para atacar os militares do Níger com o apoio, claro, da Europa e dizem de boca cheia que o “Golpe é ilegal”. Falta dizer que “não emana da Europa”. Os golpistas pretendem, desde já, verem-se livres das relações neocoloniais da França, seu antigo colonizador, que se retirou das colónias com base no acordo que oferece vantagem à França em detrimento dos cidadãos do Níger.

 

Muitos meus concidadãos não irão concordar, decerto, tal é a forma alienada em que estamos, mas as chamadas “dívidas ocultas”, segundo os contratantes, tinham um fim nobre, que colocava em causa os interesses ocidentais, em particular os que exploram a Bacia do Rovuma.

 

Moçambique queria se ver livre do sistema de monitoria de segurança montado por eles, que, segundo suas declarações, drenava milhares de USD semanalmente.

 

Também é verdade que usaram a parte fraca de nós moçambicanos, nomeadamente a vontade do enriquecimento fácil e de viver fora dos padrões dos nossos próprios rendimentos e puseram-se a facilitar tudo.

 

Se é verdade que, para a contratação da dívida por um Estado, é imperioso que a sua Assembleia aprove e que essa aprovação faça parte dos documentos a apresentar aos Bancos Europeus, por que razão eles aceitaram fazer a entrega do dinheiro sem que esse requisito fosse preenchido. Mas, no lugar de questionarmos isso, ficamos com vozes roucas, acusando em exclusivo os nossos de corruptos. Onde andam os corruptores? Esta equação tem os dois lados, os corruptos e os corruptores. Entretanto, aqui, mais uma vez, como a segurança marítima a aplicar não era do interesse europeu, teria de cair de qualquer jeito, por bem ou por mal e estamos nós aqui presos e dependentes deles.

 

As companhias que exploram a Bacia do Rovuma retiraram-se num momento crucial para Moçambique, quando tudo indicava que, mais dias menos dias, iria iniciar a exploração de Gás e tudo indicava um encaixe financeiro que pudesse livrar Moçambique da dependência Orçamental. E o que fizeram? Retiraram-nos o financiamento directo ao Orçamento do Estado. Pensavam que Moçambique iria “baquear” através da dívida interna. É verdade que falamos de esgotamento da capacidade de endividamento, mas isso também é normal.

 

Este bloqueio europeu e das instituições das Nações Unidas fez com que o desenvolvimento de Moçambique estagnasse, devido ao elevado custo do dinheiro. As instituições bancárias e outras de carácter de financeiro deram privilégio ao endividamento do Estado no lugar de injectar dinheiro à economia. Duas razões levaram a esta decisão, a garantia de que o Estado mais cedo ou tarde iria pagar os juros altos cobrados aos Bilhetes de Tesouro. Tudo isto foi feito de caso pensado, mas, internamente, aqueles que deveriam raciocinar através do olho de nação parece que ficam do outro lado, do lado dos subscritores da “Carta do Imperialismo”.

 

Como se não bastasse o acima exposto, a “Carta do Imperialismo” tem na sua terceira parte o capítulo que diz: “Tratados e Acordos (Item 8) - não negociamos acordos e tratados com países do terceiro mundo, impomos o que queremos e eles se submetem à nossa vontade”. (Item 9): “qualquer acordo concluído com outro país ou negociação sem o nosso aval é nulo e sem efeito”. No capítulo sobre Direitos Fundamentais, no seu Item 10, diz assim: “onde existem nossos interesses, os países do terceiro mundo não têm direitos, nos países do Sul, os nossos interesses vêm antes da Lei e do direito internacional”.

 

Ora irmãos africanos e moçambicanos em particular! Depois desta leitura, quais são as ilações a tirar desta “Carta do Imperialismo”? Continuamos à procura dos culpados do nosso insucesso ou devemos nos concentrar na fórmula para sair deste ciclo vicioso criado por essa famosa Carta! Continuamos a pensar que a morte de dirigentes africanos é outro infortúnio ou é algo pensado há bastante tempo!? No caso de Moçambique, a Agricultura definida constitucionalmente como sendo a “base do desenvolvimento” não sai do papel por incapacidade ou porque efectivamente estamos manietados. O ocidente, com destaque nos europeus, não quer o nosso desenvolvimento, por isso nos bloqueiam em tudo!

JoaoNhampossanovaa220322

Os contornos da contínua Greve dos Médicos têm revelado falta de capacidades administrativas em respeitar, com transparência e rigor, a Constituição da República de Moçambique (CRM) e demais leis e normas ordinárias, para a efectivação do direito à greve e direitos fundamentais conexos. No mesmo sentido, chama à reflexão sobre a fragilidade das políticas públicas de incentivos aos profissionais de saúde para a melhoria da prestação de serviços públicos de saúde aos principais beneficiários, que são os cidadãos. 

 

A greve da classe médica em curso só teve e está a ter lugar depois de várias tentativas insatisfeitas de negociação entre os médicos, através da AMM, e o executivo, particularmente o Ministério da Saúde (MISAU), para a melhoria das condições salariais e de trabalho, conforme apresentado no respectivo caderno reivindicativo, tornado público. A insatisfação da classe médica é real, elevada, abrangente e o processo de negociação com as autoridades competentes para a solução do diferendo já dura há bastante tempo, sem produzir resultado satisfatório. Por isso, os médicos em questão não viram outra saída para além de efectivar o direito fundamental à greve nos termos previstos na CRM e de forma contínua, como forma de pressionar o Governo a resolver o problema.

 

Esta greve sempre foi legítima e legal, mas muito combatida com recurso ao abuso de autoridade e a arbitrariedades. Aliás, a greve chegou a ser suspensa na expectativa de que os acordos alcançados com o Governo seriam devidamente respeitados pelas partes, de boa-fé e nos termos da lei. 

 

Importa compreender que o direito fundamental à greve não carece, necessariamente, de lei específica para ser exercido, uma vez que a Constituição da República não condicionou o exercício deste direito à vigência de qualquer diploma legal, embora o mesmo possa melhor facilitar os seus procedimentos. Assim, a não existência de lei específica sobre a greve na função pública não impede o seu exercício, pois, é um direito fundamental exequível por si próprio, conforme se percebe do disposto no artigo 87 conjugado com o artigo 56, ambos da CRM. E, além disso, é preciso compreender que a Constituição da República está em vigor e não faz depender o exercício dos direitos e liberdades que consagra na entrada em vigor de qualquer lei ordinária, conforme se depreende do disposto no seu artigo 313. A jurisprudência do Tribunal Administrativo sobre o direito à greve na função pública exprime o mesmo entendimento.  

 

O direito fundamental à greve pode ser exercido sempre de boa-fé e por quem tenha legitimidade, desde que se respeite os limites constitucionais previstos nos artigos 56 e 87 da CRM. No caso da Greve dos Médicos, ao faltarem ao serviço para o efeito e nas circunstâncias em que o fizeram ou fazem, os profissionais de Saúde não violam nem a Constituição da República, nem qualquer outra norma infraconstitucional que trate da matéria relativa à greve na função pública. 

 

Logo, o exercício do direito fundamental à greve ou de quaisquer outros direitos e liberdades fundamentais em respeito à Constituição e que impliquem a falta ao serviço deve ser considerado causa justificativa dessa falta ao serviço. Além disso, nenhum cidadão deve ser penalizado ou ameaçado por exercer um direito, dever ou liberdade fundamental à luz do artigo 56 da Constituição.

Faltar ao serviço para o cumprimento de direitos, deveres e liberdades fundamentais dentro do quadro constitucional deve ser, indubitavelmente, considerado causa justificativa bastante da falta.

Contudo, enquanto dura a greve dos médicos liderada pela AMM, o Governo moçambicano tem demonstrado uma conduta conflituosa que se traduz em ameaças e intimidações aos médicos em greve, com destaque para a marcação de faltas tanto para a instauração de processos disciplinares, como para injustamente efectuar descontos nos salários dos mesmos, o que significa dar espaço para o enriquecimento sem causa de quem vai ficar com o valor descontado. 

 

Quanto à possibilidade de instauração do procedimento disciplinar

O procedimento disciplinar deve ser feito à luz do disposto nos artigos 108 e 157, respectivamente, do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE), aprovado pela Lei n.º 4/2022, de 11 de Fevereiro e do Regulamento do Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (REGFAE), aprovado pelo Decreto n.º 28/2022, de 17 de Junho. Este procedimento deve ser resultado de elementos ou indícios factuais bastantes de cometimento de infracção disciplinar. 

Não havendo sinais ou indícios bastantes de cometimento de infracção disciplinar na conduta praticada pelo funcionário ou agente do Estado, não há fundamento legal par dar seguimento a um processo desta natureza, sob pena de se criar espaço para insegurança jurídica, acusações infundadas e colocar os funcionários e agentes do Estado numa situação de vulnerabilidade pela abertura de canais para perseguições através de processos disciplinares sem base legal. Não basta, pois, entender que qualquer conduta possa configurar infracção disciplinar, é preciso que haja indícios objectivos e suficientes que possam levar a essa suspeita de cometimento de infracção disciplinar, caso contrário, a lei não permite que a Administração Pública instaure procedimento disciplinar.

Do EGFAE e do REGFAE resulta que a instauração de processo disciplinar deve ser resultado do não cumprimento dos deveres do funcionário ou agente do Estado, ou seja, do cometimento ou existência de infracção disciplinar por partes destes. Pelo que, não existindo infracção, como é o caso da Greve dos Médicos por estarem no pleno exercício de um direito fundamental, não é razoável, nem justo e nem legal que se instaure processo disciplinar para sancionar uma conduta que se traduz no exercício de direito fundamental.

O processo disciplinar não deve ser instaurado de má-fé, nem ser contrário aos princípios de justiça e dos direitos humanos, tão pouco deve ser usado como instrumento de intimidação, de ameaça ou de abuso de poder por parte das autoridades, conforme está a acontecer no caso da greve dos médicos.

As disposições legais supra, do EGFAE e do seu Regulamento, trazem consigo requisitos essenciais a que devem ser obedecidos para a legalidade e validade do procedimento disciplinar. É sobre esses requisitos que a AMM se deve concentrar para se defender e exigir responsabilidades das autoridades que abusarem do poder ou praticarem arbitrariedades com vista à instauração de processos disciplinares ou aplicação de sanções e represálias contra os médicos por exercício de direito fundamental.

É importante notar que a Constituição da República consagra como princípio fundamental no nº 1 do seu artigo 248 o seguinte: “A Administração Pública serve o interesse público e, na sua actuação, respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.”

Portanto, a lei estabelece, na Administração Pública, as regras para a efectivação das consequências das faltas injustificadas a que o órgão da Administração Pública em causa deve obedecer. O exercício legítimo e legal do direito fundamental não deve ser objecto de penalização sob pena de limitação do mesmo, fora dos casos previstos no artigo 56 da Constituição, o qual estabelece no seu nº 2 que: o exercício dos direitos e liberdades pode ser limitado em razão da salvaguarda de outros direitos ou interesses protegidos pela Constituição e o nº 3 da mesma disposição determina que: a lei só pode limitar os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição. 

PS:

 

Este artigo constitui também um contributo para o debate público sobre a necessidade de existência duma lei ordinária específica que regula o exercício do direito fundamental à greve na função Pública, no pleno respeito à Constituição e aos Instrumentos Internacionais de protecção dos direitos humanos de que Moçambique é parte, com vista a evitar equívocos de interpretação e má aplicação da lei que possa perpetuar a violação deste direito e outros conexos.  

 

Por: João Nhampossa

Human Rights Lawyer

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

terça-feira, 08 agosto 2023 06:20

Ode à Orlanda Mendes

MoisesMabundaNova3333

Em Dezembro de 2019, com  o meu amigo Pedro Sitoe e as nossas esposas, tivemos que ir a Xai-Xai, para assistir ao casamento da Eunice, filha do  amigo/irmão Vidal Bila. Às nove  horas, lá estávamos nós na igreja que acolhia a cerimónia religiosa, depois o que o Pedro segreda que precisava de ir a uma casa  de banho. Escolhemos ir às bombas da “pontinha”, como se chamam , desde há muito, na zona alta em Xai-Xai. Era perto. Lá chegados,  enquanto o Sitoe ainda estava no carro, eu já pedia a chave da casa de banho ao guarda. Mal ouviu a voz, o guarda, no lugar de me estender a chave, fixou a sua vista em mim e, sem demoras, disparou:

 

  • O Sr. é Moisés Mabunda, o senhor que fala na rádio [RM]! Conheço essa voz, oiço-a há muitos anos. Não perco por nada os vossos comentários [no programa ‘Esta Semana Aconteceu’]. Nunca pensei que um dia viria a conhecer a pessoa do senhor Mabunda. Admiro-o muito!... Muito obrigado!

 

E estendeu-me a chave depois de um aperto de mão; já com o Pedro Sitoe à ilharga, muito curioso.

 

Aquele guarda não se enganara em nada. Sou, de facto, comentador do  programa ‘Esta Semana Aconteceu’ da RM desde o seu primeiro programa, em Fevereiro de 1995. O Carlos Cardoso e eu fizemos o programa inaugural, com a moderação da… Orlanda Mendes!

 

Estava eu já chefe de redacção do semanário Domingo e nas vésperas do relançamento dos programas de informação, recebo uma chamada da RM a dizer que a Sra. Orlanda Mendes queria falar comigo. Anui ao convite, a pensar que eventualmente fosse para retomar um assunto antigo…

 

É que comecei a minha carreira jornalística na RM, na Direcção Central de Informação, Departamento de Noticiários, em Fevereiro de 1987. O chefe era Tiago Viegas, a Orlanda Mendes era a directora adjunta e o director Marcelino Alves. Volta e meia, a Orlanda estava no sector dos noticiários e, muitas vezes, a dar orientações e indicações. Certa vez, ela própria, a partir de fora, ligou para os “Noticiários”, era prática, e eu fazia parte do turno de serviço, atendi ao telefone e ela orientou que eu devia tomar notas ipsis verbis de uma informação que ia ditar. Ditou-me e eu passei-a à letra de forma e foi para o ar. Principiante que era, alguma coisa não terei posto bem e, quando chegou de onde estava e depois de ouvir o produto final no ar, veio logo para o Departamento e caiu-me em cima muito mal, mas muito mal mesmo, de tal forma que passei a ter medo dela… Passados quase seis meses, o curso de jornalismo, o primeiro envolvendo estudantes com nível médio, começou na Escola de Jornalismo e eu tive que interromper o trabalho no sector dos Noticiários e ir à formação. Quando um ano depois terminou a formação, como não tinha contrato com a Rádio Moçambique, era colaborador, não me senti obrigado a voltar. Escolhi o órgão do meu coração, o Domingo… não me apaixonei pelo jornalismo radiofónico porque pensava - e ainda penso - que não tenho boa voz para tal…

 

Quando a Orlanda soube que eu tinha rumado para a Sociedade Notícias, mandou-me chamar e tive que me ir explicar diante dela, todo acabrunhado e amedrontado. Disse-lhe que eu gostava mais do jornalismo escrito e que no radiofónico provavelmente não iria longe. Ela não gostou, disse-o claramente; conforme apontou, devia ter ido falar com ela. De modo que, quando veio aquela chamada, pensei que fosse a retomada deste assunto!

 

Mas não. Era para me comunicar que um novo programa ia arrancar e ela contava comigo como comentador, semanalmente. Era o nascimento do ‘Esta Semana Aconteceu’ - e a minha duradoira colaboração com a RM. Não me estava a pedir, estava a comunicar, pelo que não tinha como dizer fosse o que fosse, até para não lhe contrariar uma vez mais. Mas, receios eram muitas na minha cabeça, sendo o primeiro aquele de me não considerar com boa voz para rádio; o segundo, não ser eu um bon vivant… e o terceiro, que eu ainda tinha que andar muita estrada para ser comentador; não seria em seis anos de carreira que ia passar a… comentador! Mas ela vira o que vira em mim e estava bem cismada, aliás, ela era muito forte nas suas convicções. Cerca de duas semanas depois, ligou-me para ir ao programa. Convoquei os espíritos matxangana - switatikomba koseyo (há-de se ver lá) -, cerrei os punhos e lá fui…

 

Se já estava medroso, nervoso e a tremer, imagine-se como fiquei quando encontro na cabine como contraparte no debate o… Carlos Cardoso! Um dos maiores e melhores jornalistas que o Mundo teve. Era como que me porem a jogar contra Messi ou Ronaldo. Claro que eu era fã do Cardoso. Admirava/admiro-o incondicionalmente. Não sei como correu o programa, mas, semana seguinte, lá estava a Orlanda Mendes de novo ao telefone… outras semanas ainda e com o Salomão Moiane como contraparte… e assim foi durante estes longos anos até hoje, mesmo depois de ela se aposentar.

 

Palavras faltam-me para agradecer à Orlanda Mendes; mas estou eternamente grato a esta senhora, uma das grandes jornalistas do mundo! Penso serem as palavras certas estas: Orlanda Mendes foi a mentora/coach do Moisés Mabunda comentador hoje conhecido na rádio e nas televisões. O primeiro incidente com ela serviu e bem para eu aprimorar o rigor e o zelo jornalístico, profissional e na minha vida pessoal. Extremamente rigorosa como ela era! O convite aos debates no ’Esta Semana Aconteceu’ desafiaram-me a melhorar e aprimorar a forma de aprender os assuntos e a ir e a estar num debate. Não fossem estes autênticos empuranços para as águas profundas, provavelmente não haveria nenhum nadador aqui. 

 

Muito khanimambo, Coach Maria Orlanda Mendes! Descanse em paz!

 

terça-feira, 08 agosto 2023 06:13

A minha geração

Helio Guiliche

A minha geração simboliza uma matriz jovem. Em termos estratégicos presumo que já deveria estar mais exposta e engrenada no processo governativo para o tão desejado take off.

 

É uma geração jovem. Muitos dos integrantes desta geração tiveram a oportunidade de viver a ressaca de 1975, e a impetuosidade samoriana das décadas de 70 e 80. Sem dúvidas, anos de muita sagacidade e de grande fulgor a vários níveis.

 

A minha geração está amuada (se me é permitido dizê-lo) - pois ao abono da verdade ela está incomodada com certas tendências e com o rumo que o país escolheu trilhar. Os sintomas não são de hoje. Foi-se empurrando com a barriga ao ponto de a barriga ficar pequena para tantos problemas.

 

É uma geração que, na sua esmagadora maioria, frequentou o ensino público da altura - por sinal muito bom e de reconhecida qualidade, apesar das carências e deficiências típicas do período que atravessávamos. Hoje, paradoxalmente, quase toda ela, tem os seus filhos inscritos no ensino privado, por acreditar que oferece mais possibilidades por um lado, e por ver a lástima grotesca que se tornou o ensino público por outro lado.

 

A minha geração apresenta sinais evidentes de desgaste. Sente-se enganada, usada e frustrada. Quem conduziu a minha geração a este estado de desanimo? - Pergunta que o meu texto deixará em aberto.

 

A minha geração olha para trás hoje e vê que pela frente tem muitos desafios e poucas oportunidades. Vê que provavelmente assistiu o comboio passar-lhe em frente. Os últimos e poucos vagões que restam, estão quase todos ocupados.

 

Quem terá ocupado os vagões? Prefiro deixar em aberto também.  

 

Somos uma geração que se especializou em ser generalista na análise dos problemas e que peca no diagnóstico aprofundado dos mesmos. Uma geração que, no seu largo espectro faz apologia a “tudologia”. Por consequência não consegue identificar a raiz dos problemas e acaba prescrevendo soluções superficiais e tapando o sol com a peneira. Talvez parte da frustração que advogo esteja aliada a esta incapacidade tácita de gerar soluções. Mas talvez não!!!

 

Uma geração que, fruto do tempo, da conjuntura e das circunstâncias em que está inserida aprendeu a valorizar mais o ganho fácil em detrimento do trabalho; o escovismo à coerência e meritocracia; aprendeu a glorificar e exaltar o mais espertinho e a ficar do lado da história contada pelos malandros - àqueles que escrevem a história - mesmo quando essa história de glória apresenta fragmentos, incongruências.

 

Aprendeu também a acreditar que o mais forte é o que tem mais poder material e mais bens, e assim, foi paulatinamente escangalhando valores primordiais e essenciais para edificação de uma sociedade ética, justa e mais humana.

 

A bolada e a nhonga tomou conta do país da marrabenta, da capulana, do sol e da terceira maior baía do mundo.

 

Hoje, acusamo-nos, subjugamo-nos e de tudo um pouco fazemos para encobrir e justificar os nossos fracassos pessoais e colectivos;

 

Os antigos referenciais estão a desaparecer paulatinamente; e os novos referenciais são os que associam o valor ao dinheiro – numa legitimação do utilitarismo económico. Os novos referenciais são e estão rotulados de bosses por onde quer que passam; vestem roupas de marca, e “rebentam” grandes máquinas nas nossas longas estradas esburacaras.

 

Entre a essência, a existência e a visibilidade, hoje parece que é vivo quem é vistoso. Recorrendo a Rene Descartes na sua célebre máxima (cogito ergo sum – penso, logo existo), parte da minha geração adoptou o “aparento, logo existo”.

 

A minha geração é campeã em debates isolados nos grupos de WhatsApp e de outras redes sociais, e lá, destilam todo seu pretenso conhecimento, seu saber, suas teorias, suas posições, seus ideais, e suas teses. Mas a mesma se coíbe de ser um activo útil na participação e transformação do país de todos nós - da nossa pátria amada. Parece que se caiu numa armadilha do tempo e que o tiro nos está a sair pela culatra.

 

Se no artigo anterior “a demissão do povo” trouxe uma reflexão sobre o status quo do povo, outrora demitido, aqui no texto “a minha geração”, acrescento que a minha geração se apartou do seu papel activo nos processos de construção do país. Nós estamos a desistir de ser e dar esperança às gerações que estão por vir.

 

A minha geração é um poço de contradição (as vezes):

 

É a primeira que fala sobre a necessidade de combater a corrupção - e a primeira a dar o famoso refresco ao tio polícia ou por embriaguez, ou por falta de documentos ou por alguma outra irregularidade.

 

É a primeira que fala de promoção da transparência, e a primeira a chegar-se em frente com subornos quando se trata de vaga de emprego, melhoria de rendimento académico e mais.

 

Estamos numa crise existencial onde sabemos do certo, do desejável e do aceitável mas prevaricamos por escolha própria – Argumento: todos fazem; isto está mal; não começou comigo; é cultura do país.

 

Somos nós mesmos que vestimos capa de ambientalistas de dia, e plantamos árvores, mas de noite urinamos nas mesmas árvores. (…) E nem é sobre árvores este último trecho.

 

Enfim, quem nos vai resgatar deste desânimo? Quem nos vai acudir?

 

É proibido não ter esperanças. É inútil escamotear sonhos

 

A Luta continua!!!

segunda-feira, 07 agosto 2023 07:44

Sou o esqueleto desprezado

AlexandreChauqueNova

Chamo-me campo de Futebol do Ferroviário de Inhambane, o antigo desaguadouro dos rios que vos correm por dentro. Sou eu, o testemunho das vitórias e derrotas registadas na memória do tempo, mas sobretudo o lugar sagrado das euforias transmitidas pelos aplausos e gritos que transbordavam até aos bairros vizinhos e outros lugares distantes como Mucucune.

 

Muitas vezes tornei-me pequeno, mesmo assim recebia-vos, lembrando o versículo bíblico segundo o qual, na Casa do Senhor há lugar para todos. Sentia-me orgulhoso em ter-vos no meu bojo assistindo com angústia às pelejas asfixiantes derimidas por jogadores elegidos, os quais não exigiam dinheiro para cintilarem. O brilho das estrelas não se paga, oferece-se. De graça.

 

Então eu estava ali para isso, para  vos dar o meu chão. Ficava profundamente emocionado ao pisarem-me o ventre na procura do  golo nas balizas guarnecidas por guarda-redes escolhidos entre os melhores, eram tempos áureos. Em todos os domingos preparava-me esperando pela vossa adrenalina. Delimitavam-me com linhas brancas para que os jogadores evoluíssem apenas dentro de mim e eu ficava bonito e pronto à espera das cascatas que saíam das vossas fontes, da vossa necessidade de alimentar o espírito. É tudo isso que dava sentido à minha existência, eu exultava.

 

Agora sou um mamarracho, esqueceram-se do contributo que dei durante anos sem fim. Ignoram que fui um dos pulmões mais importantes da cidade, lutando para que as pessoas se juntassem e se unissem e se apertassem, tornando-se várias pétalas numa única flor que dava valor e cor à vida. O futebol será vida para sempre.

 

Na verdade hoje sou um esqueleto desprezado, estou completamente abandonado, sem perespectiva de quando é que voltarei a ganhar veias e carne e pele para cobrir o meu corpo e ter alma de novo. E enquanto esse dia não chega, continuo aqui humilhado por muitos passantes, mas também olhado com compaixão por aqueles que me conheceram e me amaram. Os meus ossos estão à mostra de toda a gente desde que passou por aqui o Dineu, e parece não haver ninguém que faça qualquer coisa para eu voltar aos delírios.

 

O pior é que os meus irmãos vizinhos (os dois campos de salão) que eram o ponto de encontro da juventude em noites efervescentes, também estão na mesma situação que eu, são escombros! Tornando um dos lugares mais importantes da urbe, em sombra sombria. Mas é aqui onde os jovens se socializavam, abraçando-se em claques saudáveis, cada um puxando pela sua equipa em noites empolgantes.

 

É isso, dói ser um esqueleto tratado desta maneira, como se quisessem apagar da história tudo o que eu fiz em prol do futebol inhambanense. E não me admira que amanhã vá aparecer aqui alguém a remover meus ossos e mandá-los de vez para as tumbas e erguer sobre as minhas cinzas, algo que não tem nada a ver com a vida do desporto. Essa será a minha dor mais profunda e inacabável, pois ninguém terá memória de mim.

Pág. 53 de 310