Com um palmarés assinalável, tecido ao longo de 40 anos, que se completam precisamente este ano (participação em mais de 20 Exposições Colectivas, 2 Individuais, 2 Prémios de pintura e 2 Menções Honrosas, para além da ilustração de um livro infanto-juvenil), depois de prolongada hibernação (a sua última apresentação ao público verificou-se em 2000, na província de Nampula), eis que o Marcos P’fúka e regressa ao nosso convívio, para nos vir perturbar na doce modorra em que existimos, e nos vir assombrar esta vida ronhosa que levamos, assistindo passivamente à encenação que desfila neste palco que é a vida. Por isso, ele desperta a “A ave contra o sossego” monocromático em que nos mantemos, e vem questionar cada um de nós: ”Quem tu és neste mundo”, para que não nos esqueçamos de que “Contribuiremos com sangue para a Globalização” e que sermos assistentes ou actores do teatro da nossa vida, é uma escolha que é feita por cada um de nós, e que, são essas escolhas, juntas, que engendram o nós que é a sociedade. Porque se há uma vertente da arte que pretende não ter outro conteúdo e outra finalidade que não a estética pura, há aquela outra que está comprometida com a vida, que nos desperta, que nos estimula, que nos incita mesmo, através dos dons da estética, a sermos sujeitos do nosso próprio destino, e não meros observadores passivos, ocupados apenas em lamentá-lo. Essa é a escola do Marcos P’fúka. Diz o ditado que “Uma imagem vale por mil palavras”. Ao ouvirmos isto, somos geralmente levados a pensar numa fotografia, que fixa e perpetua no tempo todos os detalhes de um momento, alguns dos quais escapariam, necessariamente, à mais elaborada descrição feita por palavras. Esta forma de expressão a que nada escapa tem, todavia, uma restrição: está limitada ao registo daquilo que existe, naquela exacta fracção de segundo em que um dedo hábil, guiado por um olhar sagaz, dispara o comando da máquina. Mas não se pode fotografar o passado, nem o futuro. Nem o que habita nos dois extremos do espectro da luz visível. Nem aquilo que está tão longe de nós que o olhar não o alcança, ou que está tão perto de nós que nos penetra. Tudo restrições que à pintura não manietam. Porque se à fotografia pertence o reino dos factos, à pintura pertence o império da fantasia, em que reina a imaginação. E, como disse Einstein, “A imaginação é mais importante que o conhecimento”. Porque sem imaginação, sem projecção daquilo que é invisível, o conhecimento seria limitado às cores, sons e odores directamente perceptíveis, essa ínfima ponta do imenso iceberg que é o Universo. E muitas das criações humanas jamais teriam ocorrido. Esta é a inigualável qualidade que a pintura possui. Ela confunde-se com a magia, ao permitir-nos transcender o tempo, ressuscitar o passado, e inventar o futuro. Tal como nos permite acordar os monstros que nos habitam, libertando-os, assim, de nós. Ou, talvez, libertando-nos a nós deles, desnudando-os e permitindo-nos encará-los, e domá-los. E um monstro domado, transforma-se. Num amigo. Com quem podemos trocar pinceladas coloridas sobre o mundo e sobre a vida. Este é o potencial letárgico desta arte, que só desperta quando um Marcos P’fúka e, sacudindo a poeira da tela com a perícia dos pincéis, liberta o génio dentro de si, para deleite de todos os que o queriam contemplar, concedendo-lhes tantos desejos quantos peçam. E, com essa capacidade de os ressuscitar, a pintura, porventura, a mais ancestral e perene forma de arte – assim o sugerem as pinturas rupestres que tatuam o planeta - transforma os marcos da vida, que, de outro modo, sempre passageiros, se diluiriam no tempo, em marcas que não devem morrer. Torna-as eternas. Possam as obras do P’fúka perdurar no tempo para que os humanos do futuro se possam encantar com os passeios e os devaneios presentes da sua imaginação sobre um futuro distante que, a seu tempo, se tornará um passado remoto.
(06 de Março, das 18 às 21Hrs na Fundação Fernando Leite Couto)