O mês da folia, coincidência, chegou e, por arrasto, transportou consigo a celebração de uma das mais preciosas pétalas de Moisés Manjate. As risonhas 100 primaveras e o centenário de uma vida e, de outras dezenas de canções e milhares de emoções. Moisés, esse lendário e originário da família Manjate, com o vigor da sua musicalidade e a graciosidade do seu talento, recriou as geometrias da dança e dos compassos da Marrabenta, esse som urbano-rural que incorporou, sem reticências, as magias e os acordes do Xingombela, Zukuta e da Magica.
Velho Moisés, bem no estilo e no ritmo de quem procura a terra prometida, beijou o sol e o mundo, pela primeira vez, no longínquo ano de 1920. Sua terra natal, Mafalala-xilunguine, cidade que tem alterado de nomenclatura, ao longo das décadas, porém, não deixa de ser o viveiro privilegiado de músicos, artistas e escritores.
Desde cedo, como a grande parte dos músicos moçambicanos, não passou por nenhuma escola de música e, jamais, teve contacto com a partitura. A música nasce, naturalmente, nas veias e nos ouvidos dos executores. Talento puro. Bênção divina.
Decorriam os anos 50/53 e Moisés, nome bíblico, se agigantava no mundo musical. Conjunto Djambu se afirmava e criava seu espaço e pedaço. Tal como o mundo que se refazia dos efeitos da Grande Guerra, os artistas rebuscavam, na música e nas artes, o conforto para os espíritos e a paz para as suas almas. Foi momento cultural sublime e o esplendor de uma epopeia inquestionável.
Moisés Manjate cresceu e bebeu as vivências e vicissitudes de um tempo que, não sendo seu, foi de um passado que só ele sabe descrever. Um passado de pura exaltação e afirmação, um tempo de florescimento da consciência negra, da negação do que não era local e, sobretudo, de rebuscar a liberdade. Manjate não fugiu das sombras e sonhos do Craveirinha, do Samuel Dabula e da firmeza do centro associativo dos negros.
A Marrabenta estourava nos subúrbios da Mafalala, na então, Associação Beneficente Comoriana e no cabaré local, que corporizou o novo género musical e, fez dele um ritmo quente, miscigenado e arrombador. Os dançarinos e frequentadores do cabaré eram, regra geral, tidos como oriundos das Ilhas Comores. Os sons, igualmente, se recriaram na génese e na combinação do movimento migratório de Moçambique para África do Sul e vice-versa. Este foi um dos berços de ouro da nossa e nova musicalidade que, ao longo de décadas, nos orgulha e nos faz moçambicanos.
Moisés Manjate, conhecido por muitos, porém, já desconhecido por milhares, contribuiu, a seu tempo e espaço, para estilizar os ritmos e familiarizar uma nova proposta musical que navegava entre os submundos de tantos ritmos e sons. O grupo Djambu, e tantos outros, foi pilar desta corrente.
Velho Moisés Manjate, faz tempo, não frequenta palcos e nem se multiplica em entrevistas e aparições públicas. Não o faz fisicamente, porém, as letras e os hinos que ajudou a recriar continuam tão presentes e inconfundíveis nos nossos repertórios e imaginários musicais. Tão vivos e presentes, como a natureza e o tempo intermitente e irredutível. Marrabenta é essa obra tão identitária como libertadora, tão suave como fulminante, e a canção “Elisa wê gomara saia”, para citar apenas a mais cantada e recriada, do nosso património musical, elucida essa glória do tempo que insiste não passar.
Na celebração do seu centenário, parece proibido não resgatar o historial da marrabenta e fazer jus ao Mestre que, de forma exímia e majestosa, executou, com perfeição, os ritmos folclóricos que alegraram milhões de moçambicanos de diferentes gerações e raças.
A Marrabenta, mais que um ritmo, significou um movimento libertador e, um símbolo de afirmação e ideniedade. A Marrabenta perpassou a censura e à opressão, a tenacidade do colonial-fascismo e a tenebrosidade da polícia política, para se cristalizar e ganhar seu espaço e dimensão nacional e internacional. Marrabenta e Moisés Manjate, e todos que souberam defender esta proposta musical, possuem, a rigor, a mesma dimensão e estatura.
Moisés Manjate, como água de um rio, flui e move-se por vontade própria; ou será que é movido pelos instintos musicais que sempre o acompanharam. Pelos seus dedos passa a evidência de quem fez da música uma forma de permanecer imortal. Marrabenta e os seus intérpretes ancestrais são, pois, os intérpretes da natureza, aqueles que com a graciosidade de sua alma, remexeram nossos ouvidos e reconfiguraram o sentido de nossas pernas, músculos e do nosso ser.
Olhando para Moisés Manjate, hoje cadeirante e sentindo já os efeitos dessa longevidade, redescobrimos as mãos que criaram a mecânica do sonho e corporizaram esse beleza e harmonia musical. Entendemos o quanto a música preserva a beleza e elegância de quem a criou e essa obra se torna mais honrada e venerada. Neste aniversário, que por si só merece todas as honras e glórias, não celebraremos apenas o homem e a sua música, mas a longevidade de quem apenas soube fazer bem a este país. Bem-haja Moisés Manjate, imortal e verdadeiro símbolo musical. (X)
Quando se fala na efervescência de "25", muitos se recordam imediatamente da Revolução dos Cravos de Portugal. Contudo, é outro "25" que faz o coração deste pedaço de terra chamado Moçambique bater mais forte – o 25 de Junho, dia em que celebramos nossa independência, a verdadeira emancipação do jugo colonial que por séculos tentou sufocar a rica tapeçaria cultural que define a nossa nação.
A independência de Moçambique não é apenas um marco político, mas um grito contínuo de expressão e valorização da nossa identidade. É o reconhecimento da potência das nossas línguas nacionais, como o Emakhuwa, o Elomwe, o Cisena, o Cishona, o ndaw e tantas outras vozes que compõem a melodiosa sinfonia de nosso povo e de seus hábitos bantu. Estas línguas são veículos de nossa história, transportando tradições, sabedorias e o espírito inquebravel dos moçambicanos.
Nossa gastronomia é um universo de sabores que desafia qualquer tentativa de dominação neocolonial. Os aromas do caril de amendoim, do frango à zambeziana, da nhemba e da mathapa, são testemunhos de uma culinária que soube adaptar influências externas sem perder a essência de suas raízes. Em cada prato, celebra-se não apenas a alimentação, mas a resistência de uma cultura que se recusa a ser homogeneizada.
Na música, artistas como Zaida Bacar, Zaida Chongo, Madala, Stewart Sukuma e grupos como Ghorwane, têm sido o reflexo da nossa diversidade sonora, misturando ritmos tradicionais com influências modernas, resistindo à hegemonia cultural e reafirmando a música como forma de resistência e afirmação cultural. A marrabenta, por exemplo, mais do que uma dança ou estilo musical, é a expressão da nossa alma resiliente e jubilosa.
Artisticamente, Moçambique tem se destacado através de figuras como Malangatana Ngwenya, Mia Couto, Chissano, ou a Renata cujas obras desafiaram a narrativa colonial e capturaram os anseios, lutas e alegrias do povo moçambicano. Cada pincelada de Malangatana, cada estrofe ou prosa é um testamento da nossa luta contínua pela soberania cultural diante de influências externas que buscam diluir nossa identidade.
Religiosamente, Moçambique é um mosaico de crenças que coexistem, demonstrando o respeito pela diversidade espiritual que é central para a nossa coesão social. Esta convivência entre diferentes religiões também simboliza a nossa rejeição ao imperialismo ideológico, seja ele de natureza cultural ou religiosa.
Em contraposição ao neocolonialismo subtil e à dominação simbólica ainda presentes no mundo de hoje, a celebração dos 50 anos da independência de Moçambique no dia 25 de Junho é uma lembrança contínua da nossa soberania por afirmar, da nossa resiliência e do nosso compromisso com a preservação e valorização da nossa rica herança cultural. Devemos ser, sim, mais pelo nosso 25 de Junho, pois ele representa a nossa alma, a nossa luta e o nosso futuro. Longa vida a Moçambique, livre e soberano!
Assinalam-se neste ano os cinquenta anos do golpe de Estado que pôs fim à ditadura em Portugal e acelerou a independência das antigas colónias portuguesas, incluindo Moçambique. É uma boa ocasião para reflectir sobre a importância desta data para os Moçambicanos.
Um bom ponto de partida é questionarmo-nos sobre a situação nas vésperas do golpe. Do ponto de vista do regime colonial português, a guerra aproximava-se velozmente dos limites do sustentável, em termos políticos, económicos e militares. Apesar de uma certa complacência norte-americana e europeia, típicas do contexto da Guerra Fria, desde o consulado de Kennedy, no início dos anos sessenta, que eram regulares nas Nações Unidas as censuras unânimes a Portugal. Em resultado, no início da década seguinte Portugal era um país isolado, enfrentando uma guerra intensa na Guiné, em Angola e em Moçambique. Com uma pequena população e uma pequena economia, há alguns anos que atingira os limites da sua capacidade. A história está ainda em grande parte por fazer relativamente aos custos da guerra, em parte devido ao secretismo de que este tema se revestiu na altura, com a multiplicação de rubricas orçamentais confidenciais para impedir uma visão pública da gravidade da situação. Mas as dificuldades eram evidentes. Basta citar uma carta do Ministro da Defesa Sá Viana Rebelo para o Ministro das Finanças, relativa ao fechamento das contas de 1972. O crédito confidencial estabelecido para complementar os custos de guerra, no montante de 1.100.000 contos, tinha sido ultrapassado por uma despesa que, nesse ano, rondou os 1.500.000 contos. Havia cerca de 440.000 contos a descoberto (175.000 relativos a Angola e 265.000 a Moçambique). O esforço para que as províncias participassem nas despesas de guerra havia produzido resultados muito modestos: apenas Moçambique conseguira contribuir com 40.000 contos. O Ministro da Defesa não sabia o que fazer para cobrir os 400.000 contos que faltavam, a não ser apelar desesperadamente para o Ministro das Finanças.
Além dos problemas financeiros, havia evidentemente a questão dos soldados. Em finais da década de sessenta Portugal era, depois de Israel, o país com mais elevada percentagem de homens mobilizados, que no início dos anos setenta chegavam aos 150.000. Ao mesmo tempo, a percentagem de desertores duplicava, chegando a atingir cerca de 20% do total. Este facto revelava uma recusa crescente de alistamento para a guerra, mas também, e sobretudo, o facto de Portugal ser à época um fornecedor crónico de mão-de-obra migratória para a Europa e as Américas. Durante um tempo, principalmente a partir de 1968, com a substituição de Salazar por Marcello Caetano, este problema foi torneado com uma mobilização crescente de forças locais, a ponto de em finais da guerra praticamente metade das forças coloniais serem africanas (no caso de Moçambique, bem mais de metade). Este processo, conhecido como africanização das forças armadas, permitia atenuar os problemas advenientes não só da escassez de homens, mas também dos custos e do impacto social da guerra na metrópole, além de ser solução prescrita nos modernos manuais da chamada contra-insurgência desde pelo menos as campanhas francesas da Indochina (com o chamado jeunissement) e inglesas da Malásia (com a same element theory). Uma carta do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, datada de 1973, fazia a curiosa proposta de, a partir de 1974, Portugal começar a reduzir em 10% ao ano os contingentes metropolitanos, transferindo os recursos poupados para as colónias, a fim de que estas acelerassem o recrutamento de forças locais. No fundo, tratava-se de descentralizar a guerra colonial, tentando transformá-la em três grandes conflitos civis.
Mas havia uma outra dimensão da escassez de homens que não podia ser resolvida desta maneira: a da falta de oficiais de carreira que conduzissem a guerra. Após uma rápida subida de oficiais saídos da academia militar, de 68 em 1962 para 146 em 1967, o número declinou para apenas 40 em 1973. Cada vez mais era necessário recorrer a oficiais milicianos e, se estivermos lembrados, foi o descontentamento dos oficiais de carreira em relação aos privilégios destes últimos que constituiu uma das causas próximas do golpe.
De qualquer maneira, se em Angola a situação ainda não parecia desesperada, na Guiné a guerra estava praticamente perdida para o regime, e em Moçambique era motivo de enorme preocupação. De facto, neste último teatro de operações os resultados da Operação Nó Górdio, a última grande tentativa de resolver militarmente o conflito, tinham-se revelado muito aquém do que esperava o seu comandante, o general Kaúlza de Arriaga. A concentração de tropas em Cabo Delgado, requerida pela operação, desguarneceu as outras frentes e os combatentes da Frelimo, dando a volta por Tete, atravessaram o Zambeze para sul, de onde ameaçavam a barragem de Cahora Bassa, e entraram na região central de Manica e Sofala em 1972, passando a ameaçar directamente zonas com grande concentração de população branca e o corredor da Beira, de importância fundamental para a Rodésia. A guerra revelava finalmente o seu impacto, quer para a sociedade colonial, quer para os regimes brancos do Sul. Além disso, as forças nacionalistas começavam a encarar directamente a travessia do rio Save e o avanço para sul, embora tivessem agora pela frente outro tipo de dificuldades na medida em que esse avanço as obrigava a esticar as linhas de abastecimento em território hostil e relativamente desconhecido, desta vez sem o apoio de países vizinhos e tendo ainda de deparar com forças portuguesas mais concentradas, em defesa da região sul da capital.
Os manuais militares diziam que as guerrilhas desta natureza eram muito difíceis de combater, e que o papel das forças armadas era de suster a situação até se chegar a um acordo político que resolvesse o conflito. Todavia, embora as forças armadas tivessem feito o possível por segurar a situação, a solução política mostrava-se sempre adiada. Em Portugal, os dirigentes políticos há muito que viviam imersos no seu mundo de fantasias próprias, recusando-se a reconhecer o óbvio. É neste quadro que se situa grande parte das causas profundas do Movimento dos Capitães: uma manifestação de mal-estar geral que só o fim da guerra, inextricavelmente ligado ao fim do regime, podia resolver.
Todavia, é um grande erro de perspectiva considerar que o regime colonial havia baixado os braços. A criação de mais de mil aldeamentos dotados de milícias de recrutamento local onde crescia a violência e a dissolução social, a incorporação crescente de moçambicanos nas forças regulares (que no final da guerra ultrapassavam largamente as tropas de recrutamento europeu), e a criação de forças especiais de base étnica como os GEs, os GEPs e, já em inícios de 1974, os Flechas, enraizavam o conflito colonial, incutindo nele características crescentes de conflito civil. Ao mesmo tempo, a cooperação político-militar cada vez mais estreita do regime colonial com a África do Sul e a Rodésia, no âmbito do projecto ALCORA e outros, trazia cada vez mais o centro de gravidade do conflito de Lisboa para a região, ao mesmo tempo que outras soluções obscuras eram procuradas por forças coloniais locais (por exemplo, por Jorge Jardim) tendo em vista uma solução do tipo rodesiano ou o desmembramento do país, com as graves e complexas consequências que isso traria no futuro.
Tudo isto torna evidentemente muito difícil prever quanto tempo mais duraria a guerra. Por um lado, o avanço resoluto das forças nacionalistas com apoio popular e, por outro, uma generalização da violência e dissolução sociais, a que se vinha juntar a regionalização do conflito com o envolvimento cada vez mais directo da África do Sul e da Rodésia.
Por isso, ao levar ao desmoronamento das forças coloniais, permitindo que se acelerasse a transição de um pântano violento onde predominavam grandes ameaças para um ciclo que, malgrado as dificuldades persistentes, era inteiramente novo – o ciclo do Moçambique independente – o golpe do 25 de Abril constitui sem dúvida uma data de grande importância na História de Moçambique.
Olá, meu bem.
Sabe, Lulú, a impressão que tenho de ti é que és ouro filtrado no fogo. Já te disse isto muitas vezes, todavia não me canso de repetir. Cada vez que chegam estes dias de facas e baionetas e balas, vens-me à memória. Fazes-me lembrar aquela história da cobra e do pirilampo, em que o réptil, perdido numa noite escura, desconsegue reconhecer o caminho de volta para a casa. Então, olhando para cima atordoada, vê o pirilampo vertendo luz no espaço, e pensou logo que naquele insecto de nada estaria a sua salvação.
Pois é! A cobra gritou no seu abominável rastejar e disse, Pirilampo, bem-aventurado, estou perdido nestas trevas, não vejo o caminho de casa, poderá você ajudar-me? E o pirilampo não se fez de rogado, orientou o rastejante até a toca. Porém, chegados à casa da cobra, esta vira-se para o pirilampo e diz: agora quero te matar! Mas matar-me porquê? E a cobra sibilou com cinismo: porque você brilha.
É isso, Lulú, meu bem, você brilha e brilhará para sempre, nem que as nuvens desejem ofuscar-te. É como uma mulher corcunda, mesmo que caminhe numa baixa, a corcunda vai-se ver, e você jamais caminhou nas sombras das baixas, jamais. As estrelas cintilam nos Céus, na glória do Criador.
Lulú, não trema minha querida, a águia foi criada em nome da liberdade, por isso plana constantemente ao encontro da luz. E aqui no chão, em pouso, o pirilampo sabe esperar pelo seu tempo, que será demonstrado nas alturas com a vocação de mostrar caminhos. Os guerreiros de Nhabulebule não cansam.
Lulú, minha querida, tens asas? Ninguém vai decepá-las, nem os leões que rugem nas jaulas, não com sede de te devorarem, mas com medo de que você os devore. E o que você traz nas mãos não são farpas, são harpas. É por isso que o teu sorriso fácil nos faz acreditar em novas melodias e em mesas fartas para todos. E esse dia vai chegar, Lulú, onde serás proclamada trovadora do povo, pois na verdade falta-nos a música para depois das refeições que não temos, nem sequer uma, e ainda nos dizem que temos três por dia! Que crueldade!
Lulú, não desisto de ter fé na catarata de Nhabulebule, não sei porquê. Já me perguntaram várias vezes por que acho que você será amanhã a nossa bandeira, e a minha resposta tem sido o poema de Jorge Rebelo: por mais que seja longa a noite, a verdade é que há-de amanhecer. E nesse dia as corujas de Nhabulebule vão bailar, espalhando a dança até Mavago, Inhassunge, Paquitequete, Chifunde, Bárwè, Machanga, Nhassoro, Chókwè, Matutuine.
Então nós também vamos esperar contigo pelo dia das garrafas de champanhe. Que irão explodir em todo o chão de Moçambique.
Já que estes dias estamos, o país inteiro, a falar de perfis - perfil aqui, perfil acolá -, gostaria de sugerir que o nosso próximo chefe de estado seja alguém com eles no lugar. Grandes e bons. Com eles bem no lugar para renegociar os contratos que o Estado moçambicano tem com as várias multinacionais chafurdando no nosso solo pátrio. Todos eles favorecendo-lhes em tudo: quantidades, receitas, lucros, impostos e nem sequer obrigando-as ao processamento interno das matérias primas. Em quase nada beneficiam o nosso Estado; não beneficiam o Governo, não beneficiam Moçambique, muito menos os moçambicanos. Pelo contrário, só legitimam a espoliação desenfreada das nossas riquezas!
Um dos grandes saltos que a Tanzania de John Magufuli (2015 a 2021) deu nos últimos anos foi justamente nesta matéria. O falecido chefe de estado tanzaniano pegou nos contratos com multinacionais, renegociou-os e estabeleceu termos que beneficiam de verdade o seu país e os seus compatriotas. Revisou projectos ferroviários, arrancando-os de chineses para turcos; reformulou contratos nos sectores de mineração, petróleo e gás - justamente o que temos em mão -, nalguns casos obrigando ao processamento interno; e introduziu reformas nas finanças públicas, na saúde e educação. Hoje, Tanzania está a dar passos fabulosos!
Enquanto não formos capazes de pegar o búfalo pelos chifres, continuaremos a oferecer ao desbarato os nossos imensos e abundantes recursos naturais, não daremos passos significativos no almejado desenvolvimento.
A nossa energia da HCB, os sul-africanos apossam-se dela a preços de banana - ainda bem que o contrato está a terminar, 2029 está já ali, altura propícia para estabelecer novos termos e preços que beneficiem de verdade Moçambique e seu povo! Já que estamos em Tete… o nosso carvão a ser autenticamente esbulhado e nós pura e simplesmente a contemplarmos até o sofrimento do nosso povo, os concidadãos em Tete, mal reassentados, não compensados e sem quaisquer benefícios sérios, senão as inacabáveis poeiras e buracos colossais.
Temos aqui nas nossas barbas a MOZAL a entreter os nossos compatriotas de Beluluane e as autoridades do país há cerca de 30 anos com escolinhas primárias e postinhos de saúde, enquanto vai pagando o mínimo dos mínimos de impostos, embora arrebatando biliões e biliões de dólares de lucros. Como todas as outras multinacionais, até tem a coragem de nem sequer pôr em condições as estradas que os seus camiões usam e estragam para escoar para o estrangeiro o alumínio que produz… Se os tivéssemos no lugar, há muito que naquelas bandas teríamos tido ou um hospital de verdade, de nível provincial; ou uma escola técnica de nível superior; ou, no mínimo, a MOZAL a participar na manutenção daquelas estradas à volta e as que levam os seus produtos. Como não os temos…
As areias pesadas… em todo o lado onde se está a extrair as areias pesadas, só avulta descontentamento, fúria, zanga e revolta popular, ante a cobardia das nossas autoridades, locais e não locais, elas próprias só a ver navios. Em Chibuto, os chineses, depois de um reassentamento e compensações insultuosos, revoltantes, não só não põem em condições as vias por onde passam e estragam os seus camiões transportando areias pesadas, como nem hospital ou escola ousaram por lá construir; ou pelo menos ajudar a vila municipal de Chibuto a resolver os eternos problemas de água. Neste momento, está-se como se não estivesse ali a Deng Sheng; no entanto, esta vai esbulhando o minério como quer e pode, sem controlo, nem fiscalização (aliás, nunca ouvi dizer que deputados da nossa AR uma vez lá tivessem ido fiscalizar….). De Moma, os gritos de descontentamento, fúria, revolta e zanga são igualzinhos… e nem para lá um deputado foi/vai pôr pé!
De fazer deitar lágrimas está a situação das multinacionais que estão a extrair o gás, a começar pela SASOL, conosco há cerca de 20 anos. Primeiro, só ela é que sabe que quantidades de gás tira de Moçambique; segundo, é a SASOL-filha que extrai gás em Moçambique e manda para a SASOL-mãe na África do Sul; terceiro, a SASOL-filha vende o gás à SASOL-mãe a um preço muito abaixo do praticado internacionalmente. No mercado, cada gigajoule custa cerca de oito (8) dólares norte-americanos, mas o nosso gás as SASOL’s vendem-se a 2.1 (dois ponto um) dólares norte-americanos cada gigajoule!... quarto, dos lucros, segundo os acordos, o Estado moçambicano devia receber APENAS 5%, que subiriam gradualmente até 40%, algo que nunca aconteceu!... ademais, a SASOL pode deduzir nesses míseros cinco por cento despesas de exploração, operacionais e outras, o que tem feito religiosamente… Como se tudo isto que as nossas autoridades conhecem de olhos fechados não fosse abominável, abjecto, revoltante, e não tugem, nem mugem; o reassentamento que realizou é da maior indignidade possível; Pande e Temane são das regiões mais pobres de Inhambane e de Moçambique! Ou seja, estão como se encontram regiões do país onde não se explora gás: hospital sério, escola técnica séria, estradas, energia eléctrica e água… NADA! É como se a SASOL não existisse!
Da exploração de gás na bacia do Rovuma… nem sabemos quantos carregamentos já foram feitos, soubemos apenas do primeiro! E muitíssimo pouco sabemos dos pagamentos!
Tudo isto e muito mais só acontece porque nós não os temos. A nossa política de atracção de investimentos precisa de uma grande reformulação, está completamente descontextualizada. Precisa de uma revolução, urgente e radical. Não podemos continuar a oferecer de bandeja os nossos recursos sob pretexto de que estamos a atrair investimentos; se alguém vem investir em Moçambique é porque quer ganhar dinheiro. Não podemos continuar a isentar de pagamento de impostos a qualquer que seja o investidor indefinidamente sob pretexto de mobilização de investimentos. Magufuli aumentou os impostos e pôs Tanzania a receber metade dos lucros. Moçambique tem que receber CINQUENTA POR CENTO (50%) dos lucros da exploração dos seus recursos naturais.
Para tanto, precisamos de um governo com eles. De um chefe de estado com eles no lugar para inverter este horrível, ignóbil, frustrante, revoltante cenário em que Moçambique e os moçambicanos só estão a chuchar!
Eis o meu recado ao próximo Presidente da República!
O debate sobre o perfil ideal do candidato para o cargo de Presidente da República (PR) continua. Os três partidos com assento parlamentar e outros círculos da sociedade já avançaram com algumas propostas. O actual PR deu uma dica para o debate.
A dica do PR para o perfil de um seu sucessor decorre de uma sua recente queixa sobre os elevados custos do ciclo eleitoral. Para ele o dinheiro usado em processos eleitorais podia ser aplicado na protecção do país através do equipamento das Forças de Defesa e Segurança (FDS).
Uma vez que desde 1994, ano de início de processos eleitorais multipartidários, o país ainda continua com carências que se refletem na resposta do combate ao terrorismo em Cabo Delgado e no seu processo de desenvolvimento económico e social depreende-se da queixa que desde então os sucessivos presidentes têm falhado.
Para o PR, ainda escorrendo sobre a queixa, a possibilidade de realocação do financiamento eleitoral para a protecção e o desenvolvimento do país não significa necessariamente a suspensão das eleições, pois estas são inevitáveis em democracia, mas que o financiamento ao Estado seja feito num quadro em que o país também possa estar melhor protegido e desenvolvido.
Sendo assim, e do exposto, fica a dica presidencial para um presidenciável de 9 de Outubro próximo: alguém cujas valências possa articular soluções que deixem o país mais democrático, mais protegido e mais desenvolvido no final do seu mandato.
PS: Sobre os elevados custos das eleições, ouvi, uma ou mais vezes, o presidente Joaquim Chissano contar que alertara sobre esse facto à então e falecida PM britânica, Margareth Thatcher, na altura da introdução do sistema multipartidário em Moçambique.
Em resposta, e que eventualmente sossegara a Chissano, presumo pelo histórico das eleições do país que Margareth Thatcher, diplomaticamente, perguntara a Chissano se não conhecia a expressão “Just for English People To See” (É Só Para Inglês Ver).