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NandoMeneteNovo

Consta que em 1980, o ora falecido presidente da Guiné-Bissau, Nino Viera, decidiu tomar o poder (e fê-lo) logo depois de uma visita de Ahmed Sékou Touré, então, e também falecido, presidente da Guiné-Conacry. Na altura da visita, o presidente da Guiné-Bissau era Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral, e o Nino Vieira um alto chefe militar e Comissário Principal, o equivalente a Primeiro-ministro.

 

Em certo momento da visita, presumo que durante uma parada militar, Ahmed Sékou Touré pergunta a Nino se era cego ou simplesmente não queria ver. Lembro-me deste episódio sempre que acompanho uma notícia sobre ou conexa à “Geração 8 de Março”, a que fora sacrificada (sonhos individuais) logo depois da independência, em prol de sonhos da Nação moçambicana.

 

Este ano já contabilizo duas lembranças. A primeira por ocasião da realização de uma Assembleia da associação “Geração 8 de Março”, e a segunda, mais recente, com o pronunciamento de raspanete da Graça Machel durante um encontro com os ex-estudantes e professores moçambicanos em Cuba (também parte da “Geração 8 de Março”).

 

Na primeira lembrança, entusiasmado, rogara que Ahmed Sékou Touré ressuscitasse e participasse na Assembleia. E nesta, em plenário, que ele fizesse aos “oitomarcistas” a mesma interpelação feita ao Nino Vieira. Infelizmente as minhas preces não foram atendidas e até teria sido uma óptima oportunidade para que eu alterasse uma ideia exposta no artigo “8 de Março”: uma geração que deixou o PODER passar” (https://cartamz.com/index.php/component/search/?searchword=geracao%208%20de%20Mar%C3%A7o%20nando%20menete&ordering=newest&searchphrase=all&limit=20 )

 

Da segunda lembrança, a conclusão de que mesmo que Ahmed Sékou Touré se fizesse presente não lhe teriam dado ouvidos. Temo até que nem o teriam deixado entrar tal, suponho, a tamanha cegueira. Aliás, terá sido por aqui (cegueira) a razão do pronunciamento da Graça Machel no dito encontro, realizado por ocasião da partida do primeiro grupo de estudantes em 1977.

 

Segundo as palavras do jornalista Moisés Mabunda, num artigo a propósito deste encontro, Graça Machel discordara veementemente do entendimento da "geração cubana”, por arrasto a de “8 de Março”, quanto ao que falta ser feito.

 

Para esta geração, e por estar na dobra para a terceira idade, apenas restava transmitir o seu legado (marcadamente constituído por valores) e passar o testemunho. Em contramão, e diante desta confissão de resignação, Graça Machel se insurgira nos seguintes termos:

 

“Não aceito isso… o país tem desafios muito grandes, a pobreza absoluta graça em 45 por cento dos moçambicanos; ainda temos regionalismo e tribalismo devastando este país… e vocês falam de estar a entrar para a terceira idade… eu tenho 77 anos, mas ainda estou a lutar e vocês… Vocês, com toda força que têm: estão em todos os distritos do país; estão formados em várias áreas de saber; ocupam diferentes cargos e posições em várias áreas da vida do país… não, não! Não aceito… isso me atravessa a garganta! Vamos lá continuar a dar o nosso contributo a este país!"

 

É caso para dizer (bem baixinho): que embora não estivesse estado na Assembleia da associação “Geração 8 de Março”, o presidente Ahmed Sékou Touré aproveitou o encontro dos 45 anos da partida à Cuba, e do além “mandatou” a Sra. Graça Machel para que transmitisse o alcance do que ele questionara ao Nino Vieira.

 

A incumbida, que fora ministra da educação logo depois da independência, cumpriu a missão para além do endosso recebido do além. Agora resta saber se a mensagem terá algum efeito terreno ou, receio, que fora a cegueira, ainda haja um outro tipo de distúrbio, quiçá de fórum auditivo, pelas hostes “oitomarcistas”.  

terça-feira, 08 novembro 2022 07:50

Graça Machel!… pois, ela e só ela!

MoisesMabundaNova3333

Surpreendeu todo o mundo no último congresso dos camaradas na Matola. Melhor, falando brasileiramente, todo o mundo foi pego de surpresa na última reunião magna do partido sexagenário. Não foi por menos!

 

  • O quê? Ela pediu para se retirar o nome dela das listas? Não é possível isso!…

 

Esta foi a reacção, de total incredulidade, de muitos dos seus camaradas, presentes ou não na Escola Central do Partido naqueles dias 24 a 27 de Setembro passado. Até hoje, pouca gente acredita que ela foi capaz disso; pensa-se que terá havido… mão estranha (não externa) orquestrando. Mas rezam as narrativas jornalísticas que, de jure e de facto, ela solicitou que seu o nome não fosse incluído nas listas de candidatos a membros do Comitê Central. Consta nas crónicas que as razões, essas, não as apontou, guardando-as só e somente para si.

 

Crónicas de escárnio e de mal dizer, no entanto, que infelizmente pululam entre nós, atribuem-lhe a frase “se não posso falar, então não participo”! Chegaram mesmo a pôr as palavras entre aspas, como se se tratasse de citação ipsis verbis. Tamanha criatividade: ninguém indica/ou onde, quando e em que circunstâncias exactas ela terá pronunciado aquelas palavras. Produção e hábitos  de mentes férteis em esterilidades, fossilizadas, que não enxergam e nem conseguem imaginar que uma mente humana possa entender e solicitar deixar de fazer parte das listas de candidatos a posições internas do partido.

 

Uma indignação somente explicável pela obsessão cega e doutrinal que graça entre nós e da qual não nos conseguimos libertar, de nos mantermos nas posições/cadeiras quase até… à morte; ou até sermos empurrados! Com efeito, quantos camaradas que, estando acima dos oitenta anos (para não dizer 75, ou 77 como a Graça) - idade própria para mais e bom repouso - não estão ali a acotovelar-se com jovens na disputa da posição de candidato a candidato? Imensos. Quase todos. Muitos, mesmo doentes, coxeiam para ali!... Nas nossas cabeças e no nosso modus faciendi, não cabe a ideia de um auto-afastamento voluntário para uma vida menos intensa, sem empurranços, ou cotovelanços, de menos corre-corre. Preferimos morrer ali nos corredores da Escola Central. Daí a indignação quando a Mamã Graça solicita não ser mais incluída nas listas internas de candidatos.

 

Algo que é um grande e bom exemplo de conduta social, é visto como um acto de capitulação, de desistência, resignação… de tsukulanço (para os que sabem xangana). Massinguita! Para nós, está de muitos parabéns a nossa Mamãe, a nossa fonte de inspiração. Este devia ser o procedimento normal. Temos que aceitar que não somos, nem seremos eternos… as forças acabam. E temos que dar lugar a outros!

 

Mas esta não é a razão desta crónica. A razão aqui chamada é mais um fabuloso “contra-mão” justamente protagonizado, uma vez mais, pela Mamã Graça Machel!

 

Decorria, em Maputo, no dia 12 de Outubro, o colóquio de celebração dos 45 anos do primeiro envio de estudantes moçambicanos a Cuba. Havia para aí dois painéis para abordarem, cada um de sua perspectiva particular, o tema. Terminara o primeiro painel, portanto, tinham intervindo para aí seis oradores, além dos seis que tinham tomado a palavra na sessão de abertura - portanto, haviam falado para aí umas dez pessoas. Todas elas, na sua parte de epítetos,  não se tinham esquecido, nem se espreguiçado de dizer, alto e bom tom, “Sua Excelência aqui”, “Sua Excelência acolá” - já que havia muitas “excelências”, mas sobretudo figuras que no passado exerceram funções de estado - e mais “Sua Excelência isto e aquilo” e Sua Excelência Graça Machel, Antiga Ministra da Educação e Cultura… e mais isto mais aquilo!

 

Após terminar o primeiro painel, é chamada ao palco para receber um galardão em reconhecimento da sua contribuição em todo o processo de envio de estudantes para Cuba. Sempre com o seu riso e sorriso, recebeu o presente e, com ele nas mãos… a xingove xi dibe mutchovelo (o gato entornou o caldo)!

 

Não tinha sido ainda convidada a usar da palavra, mas, perto do palanque, apoderou-se do micro e disse, “já que estou aqui [no pódio], vou aproveitar dizer duas, três coisas…” E tomou um ar sisudo, aquele que lhe é característico, mas nem por isso a sua voz perde/u o familiar traço sibilante: “Essa coisa de Sua Excelência aqui, Sua Excelência acolá… já estou cansada… estou cansada! DEIXEI DE SER MINISTRA HÁ MUITOS ANOS, MUITOS! DEIXEI DE SER SUA EXCELÊNCIA HÁ VÁRIOS ANOS… PEÇO, POR FAVOR, QUE DEIXEM DE ME CHAMAR SUA EXCELÊNCIA! CHAMEM-ME TÃO SOMENTE MAMÃ GRAÇA!… MAMÃ GRAÇA! OUVIRAM?!...POR FAVOR!” - e, com o seu olhar acutilante, desafiou a plateia por alguns instantes, como se quisesse perceber se alguém tinha dúvida ou contestava. Depois, seguiu dizendo a segunda e a terceira coisa que tinha.

 

Toda a audiência ficou, naquele instante, estarrecida, hipnotizada!

 

Que Granda sabedoria da Senhora Mamã Graça Machel! Que Granda Graça Machel! Tal como na “batalha campal” para se estar nas listas internas de candidatos a candidatos, muitos morrem por quererem que se lhes continue a chamar de Sua Excelência… não conseguem enxergar que já não estão em exercício, não são mais o que eram... Interessantemente, ao longo do colóquio, houve, inclusivamente, até, quem não preferisse ser chamado de antigo dirigente, mas que se lhe chamasse como se lhe chamava na altura!… A nossa sociedade, lamentavelmente!

 

Parabéns, Mamã Graça Machel! Pela sua humanidade, humildade e simplicidade! É claro que continuaremos a chamar-te Sua Excelência, não porque exiges, não porque fazes questão, mas por reconhecer e assumir a sua grandeza, o seu carisma, humanidade e, não menos importante, a sua humildade!

 

A grandeza das pessoas está também e sobretudo nestes valores sublimes; autoridade e legitimidade não se capitaneam, jamais são fascistas, nem precisam de ser vigiados ou auto-vigiados permanentemente! São naturais! E o reconhecimento é também natural!

 

ME Mabunda

domingo, 06 novembro 2022 11:59

JORGE VIEGAS, 75 ANOS

NelsonSaute

O Poeta Jorge Viegas, de seu nome completo Jorge Alberto Viegas, nascido em Quelimane, a 6 de Novembro de 1947, faz hoje 75 anos. Publicou, muito jovem, aos 19 anos, em 1966, “Os Milagres”, o seu livro de estreia. Seria, porém, ao ver os seus poemas estampados nos cadernos de poesia “Caliban”, editados por João Pedro Grabato Dias e Rui Knopfli, dois nomes importantes da nossa lírica, que se sentiria reconhecido como poeta. Não é caso de somenos importância: estava acompanhado de José Craveirinha, Rui Nogar, Sebastião Alba, João Pedro Grabato Dias, Rui Knopfli (para citar os nomes locais), ou Jorge de Sena ou T.S. Eliot (traduzido por Knopfli e apresentado por Eugénio Lisboa). Isto em 1971, no ano em que o jovem promissor está à beira dos 24 anos.

 

Quando publica “O Núcleo Tenaz”, a sua obra mais significativa, na mítica colecção Autores Moçambicanos, do INLD, na brevíssima nota biográfica, na contra-capa da obra, este facto (a sua colaboração nos cadernos “Caliban”) merece destaque. Não refere aí o seu livro primaveril. Do autor vai constar ainda o facto de exercer as funções de Director de Finanças, em Nampula, onde então residia. Estávamos em 1982, Jorge Viegas tinha 35 anos. Começara, porém, a experimentar as amolações da revolução. Vivíamos tempos alvoroçados. Abatido, exaurido, fatigado, profundamente doente, aparta-se da Pátria, no ano seguinte.

 

Do meu país as aves se ausentaram / e com elas se foi a vida, a alegria. / E os poetas, nos versos que cantaram, / foram pássaros de morte e de melancolia”. À esta distância, eu diria que estes acerados versos subscrevem o anátema do nosso destino individual e colectivo. A despeito, um poeta capaz de semelhantes versos tem direito a habitar a nossa mitologia literária. Jorge Viegas, avaro e escasso, rebelde e tenaz, indômito e soturno, eufórico e taciturno, canta sempre a vida e a morte, proclama a liberdade, ama voluptuosamente as palavras. Nos tempos em que a revolução concitou o seu entusiasmo teve dele uma adesão comedida. Nunca foi panfletário, sempre um subversor da linguagem.

 

“O Núcleo Tenaz” inicia com um poema que traz uma epígrafe que é também uma espécie de programa ou, até, epigrama: “A Pátria está nos livros que eu não li”. Este poema, sem título, evoca, no seu primeiro verso, o Poeta, que enuncia: “As pátrias nascem, crescem, / vivem dentro de nós.” Mais adiante em “Fala de um guerrilheiro”: “Neste tempo de susto e de loucura, / Tempo de fome e tempo de amargura / A Pátria cresce em nós num sonho puro.”

 

Acto contínuo, na página seguinte, o poeta da “Subversão” prescreve o tom da insurreição: “O pintor subverte a paisagem. / O poeta subverte os planos da linguagem. / O guerrilheiro subverte os homens sem mensagem. // Subverte. Subvertemos. / Subvertidos fomos. / À subversão devemos / A estatura do que somos.” Sublinho: “À subversão devemos / A estatura do que somos”. Este poema, este tom subversivo, esta sublevação poética, também seriam o mote da geração que viria a despontar nos anos 80 quando esta obra foi publicada. Alguns dos poetas da minha geração – Eduardo White sobretudo – reclamam-no. “O Núcleo Tenaz” foi, para alguns de nós, uma espécie de breviário.

 

Era o tempo no qual “o inimigo move-se no arco dos azimutes”, tempo onde: “Baionetas caladas / Perfuram a noite. / Permaneço de pedra. / Transmudado em basalto”.  Isto na “Canção de Bagarila”, dedicada a José Craveirinha. Aliás, as dedicatórias neste livro para além de denunciarem laços poéticos inextricáveis, são uma espécie de cartografia lírica do autor. A Sebastião Alba dedica-lhe Jorge Viegas o poema que dá título ao livro onde estão inscritos estes versos: “Com o poema / abriremos a noite, / jugularemos o medo.” “Porque o poema é sempre / (mesmo o das palavras mansas e amáveis) / o núcleo tenaz / duma revolução.”

 

Poesia que adere ao sonho sem ser necessariamente panfletária. O fervor da revolução numa escrita vigiada obstinadamente. Parece que estamos perante uma contradita? “Ao escreveres um poema / articula bem as palavras, / todas as palavras necessárias, / para que elas permaneçam intactas / não na brancura do papel, / mas grafadas, indelevelmente, / na memória dos homens”, conclama Viegas.

 

Provavelmente, o verso que cito a seguir resolva o paradoxo de uma poesia engajada que não é necessariamente panfletária: “As palavras estão no começo e no fim de todas as cousas”. Creio que está aí a chave. No texto “Poema” diz o poeta: “E canto. / E evoluo nas minhas coordenadas. / “Que os humanos se matem às dentadas” / Pois que, por enquanto, / eu escrevo poemas para mulheres sentadas”.

 

Nos primórdios da década de 80, a revolução revela algumas fissuras e começa a conhecer-se-lhe um certo refluxo. Uma brutal e indisfarçável crise social denunciava-lhe o impasse. Não deixa de ser admirável, neste contexto, a afoiteza do poeta. Neste mesmo livro, o tom lírico, que ao tempo era uma espécie de sublevação, vai-se acentuando: “O teu corpo de planos e derrotas, / Onde esvoaça à pura luz da aurora, / A exilada sombra das gaivotas”. (“Guida”). Ou: “o amor fende as águas da melancolia”. Ou ainda: “Há um lugar de sombra nos teus olhos. / Nesse lugar me deito e adormeço.”

 

“O Núcleo Tenaz” é também um livro de desencanto. Num texto ominoso, dedicado a Rui Knopfli (“Círculo de Sombra”): “A minha alma é um círculo de sombra. / Os meus poemas são a pálida mensagem / dum homem melancólico. Se sou poeta, / decerto não sou do tempo presente.” Há lugar para uma certa distopia aqui. “Escrevo poemas de amor, e os meus poemas / não conduzem os povos à contestação. / Gosto de passear nas ruas a antiga liberdade / que eu sei haver nos poetas que mais amo”. É um dos mais belos e pungentes poemas deste poeta moçambicano.

 

Esta inflexão acentua-se no poema seguinte: “Eu escrevo poemas, / somente para fugir à sedução, / ao trágico pendor da minha alma / por uma poça negra, / tão funda como a morte”. Aqui está o desengano. Em “A Esperança Aracnídea”, dedicado a Rui Nogar: “No espaço de sombra / das palavras que escrevo / o futuro é ilegível”. Ou mais adiante: “Sobreviventes do naufrágio de nós mesmos”. Torna-se flagrante este dissídio quando em “As palavras são poucos” o poeta escreve: “As palavras são poucas / para explicar o cansaço, / o desânimo de estarmos / inevitavelmente vivos.”

 

“O Poeta / é o que tem a memória límpida de alguns lugares / onde não foi em data nenhuma a sua vida.” Eu diria que este livro que vai da adesão à revolução à disforia aquando do seu refluxo é, ao mesmo tempo, belo e lancinante, melancólico e profundo, escrutina ou perscruta, o mais profundo do seu ser.

 

O livro seguinte, “Novelo de Chamas”, publicado em 1989, em Lisboa, pela ALAC, de Manuel Ferreira, experimenta os limites dessa circunstância biográfica adversa do autor, marcada pela exaustão, pela descrença, pela prostração, pela angústia e pela tribulação. Mesmo quando afirma em “Brancura viva”: “Da obscura noite do sonho / nasce a brancura vida do poema”, o que encontramos neste livro profundamente taciturno? “Sinais de morte?”

 

No poema “Necrologia” parece chegar-se ao limite do paroxismo: “Acaba de morrer / na sua residência circular / de Illinois ó Prata, / o poeta moçambicano / Jorge Viegas. / Paz à sua alma”. “Nenhuma aspa de luz me ilumina, / nenhum deus vela à minha cabeceira.” Poesia agoirenta, aziaga, sinistra, consternada, amargurada, sorumbática, agónica.

 

Mas sempre uma poesia reveladora do seu alto estro, capaz de versos sublimes: “fina haste de melancolia”, “os açulados nervos da linguagem” ou “a fúria vocabular de deus”, entre outras tiradas, que denunciam o conseguimento daquilo que o poeta alvitra ser “a tentativa de fazer / com as palavras, / o que a Ralenkova / faz com o arco”.

 

Para além destas obras, os poemas de Jorge Viegas estão coligidos em “No Reino de Caliban III” (1985), de Manuel Ferreira, na “Antologia da Nova Poesia Moçambicana” (1993), que co-organizei com a Fátima Mendonça e em “Nunca Mais é Sábado” (2004), antologia de poesia moçambicana. “Novelo de Chamas”, publicado há 33 anos, foi a sua última obra conhecida. Foi nessa época em que o conheci pessoalmente e tivemos um cordial embora limitado convívio.

 

Num texto mítico (“Notas para a recordação do meu mestre Fonseca Amaral”), o Poeta Rui Knopfli escreve: “Fonseca Amaral é, por direito e mérito próprios, um dos nomes mais altos e representativos da Poesia em Moçambique e, simultaneamente, por desleixo ou abulia, um dos menos conhecidos e apregoados, espécie de grande ausente nos vários certamos em que vamos acrescentando pátina às nossas acanhadas glórias caseiras”. Eu diria exactamente o mesmo de Jorge Viegas. Proferiria as mesmas palavras. Esta efeméride, os 75 anos do Poeta Jorge Viegas, constitui, por conseguinte, um facto literário importante e um pretexto para o lembrar e celebrar.

 

No texto que redigiu para o prefácio de “Novelo de Chamas”, Luís Carlos Patraquim diz o seguinte deste poeta muitas vezes omisso entre nós: “É esse Ser, esse deus ou deuses plurais, que desde longa data vêm habitando a Poesia deste Jorge Viegas, ora sarcástico, ora terrível, ou angustiado como um dos escolhidos para descobrir no deserto o maná da sua travessia”.

 

No poema “A loucura”, Jorge Viegas escreve: “De louco e de poeta / todos temos um pouco. / Mas eu tenho mais de louco”. Isto é óbvio sarcasmo. No entanto, este poderia ser um epigrama da vida, da biografia ou do destino deste poeta que escreve dolorosa e profeticamente estes terríveis versos: “No meu país / a única forma de liberdade permitida / é a loucura”.

Adelino Buqueeeee min

“Toda a Sociedade está avisada, pelo que se dá a entender, todos estamos à espera que um milagre aconteça, mas, não haverá milagre, no caso de não haver intervenção de pessoas de bom senso nesta greve anunciada. E não venham lamentar os efeitos da greve dos médicos depois, como se costuma dizer em casamentos (pronuncie-se agora ou cale-se para sempre). Onde andam as confissões religiosas? As ONGs! Personalidades renomadas da nossa terra?! Será que não sabem do aviso dos médicos? O que fazem para aproximar o Governo da AMM”

 

AB

 

O alerta está dado, com efeito, a reunião nacional dos médicos, realizada a 28 de Outubro, anunciou a convocação de uma greve geral entre os dias 07 a 28 Novembro de 2022, considerada a 3º greve geral dos médicos de Moçambique. Por aquilo que se deixa notar, ninguém está a levar a sério esse aviso da AMM e não existe sinal de aproximação dos Governantes a esta classe importante da nossa sociedade. Antes pelo contrário, parece existir um movimento intimidatório à classe. Veja o aviso emitido pela AMM abaixo!


“Qualquer tentativa de violação do exercício do direito à greve, incluindo as tentativas ou consumação de ameaças ou coação, bem como a substituição dos médicos em greve por outros profissionais que à data da convocação da greve não estavam afectos a estes locais de trabalho (violação do número 8 do artigo 202 da Lei do Trabalho) levará à mudança das directrizes constantes neste documento  [Directrizes da 3ª greve nacional dos Médicos], com consequente paralisação total de todas as actividades médicas, incluindo os serviços mínimos”


In AMM


Numa altura em que o tempo parece concorrer para a existência de improviso na procura de solução para um assunto bastante sério, pessoalmente, penso que não devemos esperar que sejam somente os governantes a resolver esta crise. Todos nós, como sociedade, somos convocados a dar o melhor para evitar o pior, não valerá a pena vir, depois da consumação da greve, dizer que “lamentamos as mortes de cidadãos nos Hospitais públicos”. Sim, porque será nos Hospitais públicos onde poderá acontecer a hecatombe! Veja o alerta da “Carta de Moçambique” abaixo.


“Na próxima segunda-feira inicia o primeiro capítulo daquela que pode vir a ser a maior greve dos médicos de todos os tempos em Moçambique. Perto de 2.500 médicos moçambicanos são convocados a participarem, em todo o país, da terceira greve geral da classe, convocada no passado dia 27 de Outubro, em reunião nacional da AMM”


In Carta de Moçambique de 03 de Nov. Edição nº 990


Muitas personalidades poderão ajudar na resolução das diferenças entre os Médicos de Moçambique e o Governo em relação à TSU, a começar mesmo pela Assembleia da República, passando por instituições da sociedade civil, como sejam as Igrejas, as ONGs podem dar a sua mão na solução deste assunto. Repito, não valerá a pena vir, depois da eclosão da greve, lamentar os efeitos da mesma, se estão indiferentes com relação à prevenção!


Em relação à estratégia de comunicação do Governo relativamente à TSU, as críticas são várias, mas, neste momento, na fase em que as coisas se encontram, qualquer crítica não resolve o problema, a saída mesmo é encontrar a solução. O mal está feito e todos sabemos, não vale a pena repetir a mesma coisa, vamos sair para a solução. Como evitar o pior desastre humano na nossa pátria de Heróis!



Adelino Buque

 MMNOVA22

Os funcionários das Finanças devem comunicar melhor. E dar a cara. Como os médicos fazem.  E dizerem claramente que eles estão contra duas coisas, essencialmente: eles eram os únicos funcionários do Estado que ganhavam salário mais 75% de subsídio. Esse 75% foi revisto em baixa. Justamente. Nem os médicos tinham esse privilégio. 

 

A segunda razão é que eles notaram que, na TSU, a discrepância entre o salário de um técnico e de um director era abismal. Reclamação justa. 

 

Entretanto, a demonstração de ontem abriu um precedente que levanta uma reflexão: a sindicalização da função pública. Em tempos de democracia, e a TSU mostra isso, é urgente que os funcionários públicos estejam enquadrados numa organização de classe que sirva também de interlocutora do Governo.

NandoMeneteNovo

A sociedade civil moçambicana organizada, e não só, entende que a proposta de lei das organizações, a ser aprovada nos termos em que se apresenta, será um retrocesso para o exercício da liberdade de expressão no país. Que “Isto é muito mau” não restam dúvidas, sobretudo porque se receia o regresso à ditadura.

 

Contudo, por outro lado, há quem entenda que esta proposta será um sucesso porquanto, entre outras coisas, promoverá a indústria cultural e criativa nacional que, em abono da verdade, carece de um grande empurrão.  

 

Sobre a plausibilidade do empurrão (a aprovação da proposta de lei em questão) Chico Buarque, cantor e compositor brasileiro, um dos recentes laureados do prémio camões, que se referindo aos tempos da ditadura no Brasil, disse: “Feliz a ditadura porque me fez poeta”. Isto em alusão ao exercício criativo de esconder o sentido das palavras nos versos das suas composições.

 

Nesta linha cultural, e ainda dos tempos da ditadura brasileira, é de lembrar o trecho “Pai, afasta de mim esse cálice” da música “Cálice”, um clássico de Buarque e Gilberto Gil. Por cá, tenho em mente, dos tempos da dita ditadura que se teima que regresse, uma música de Fernando Luís que a dada altura diz: “Peço um pingo de chuva para molhar a garganta seca”. De Angola, dos tempos da respectiva ditadura, o Bonga: “Comeram a fruta e caroço dela ficou no chão”.

 

Ora, se assim for: se esta proposta de lei das organizações, a par de outras, em forja, e no mesmo diapasão, como a da comunicação social, uma vez aprovada e implementada, venha a produzir monstros culturais do calibre dos citados acima é caso para repensar.

 

Oxalá, no mínimo, e para começar a reflexão, que seja convocada uma “Conferência Nacional sobre o Potencial Impacto (da proposta) da Lei das Organizações na Indústria Cultural e Criativa Nacional”. Certamente que seria um bom ponto de partida. Posso moderar (risos).

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