A cidade e província de Maputo vivem, nos últimos dias, momentos de agitação incomum. Em causa estão informações postas circular (nas redes sociais), dando conta da ocorrência do recrutamento compulsivo de cidadãos, sem distinção de sexo e idade, com fito de serem incorporados nas Forças de Defesa e Segurança (FDS), numa clara reedição da “Operação tira Camisa”.
Na passada sexta-feira, alguns bairros das cidades de Maputo e Matola estavam em polvorosa. Populares munidos de objectos contundentes (paus, pedras e garrafas) barricaram a Estrada Nacional Número Um (EN1) em protesto ao suposto recrutamento compulsivo de jovens. O bairro do Zimpeto, concretamente na entrada do Mercado do Grossista e no Terminal Interurbano também no mesmo bairro, foi o epicentro da fúria popular.
“Carta de Moçambique” testemunhou os tumultos. Entoando palavras de ordem e visivelmente revoltados, os populares arremessaram objectos contundentes contra as viaturas que passavam por aquela importante rodovia. E os jovens que não faziam parte do grupo contestatário corriam em debandada, alegadamente fugindo dos supostos recrutadores. A situação só voltou à normalidade graças à intervenção dos agentes (fardados e à paisana) da Polícia da República de Moçambique (PRM). Para repor a ordem, a Polícia teve inclusive de recorrer ao uso da força (disparou para o ar para dispersar os manifestantes). Os tumultos aconteceram no intervalo entre as 10 às 11:00horas.
Na entrada do Mercado Grossista do Zimpeto, um autocarro semi-coletivo de passeiros ficou parcialmente destruído, em virtude de ter sido atingido pelos objectos que eram arremessados, em rajada, pelos manifestantes.
No entanto, salta à vista o facto da nossa reportagem, que esteve no Mercado Grossista do Zimpeto antes dos tumultos começarem bem como depois do seu término, não ter vislumbrado os “recrutadores”. Nem os recrutadores e muito menos as viaturas de marca Mahindra, que normalmente são usadas pelas FDS.
Os vários indivíduos interpelados pelo nosso jornal não conseguiram, no mínimo, traçar o perfil dos recrutadores. Aliás, não conseguimos interpelar um indivíduo que tenha visto os recrutadores e muito menos apresentar as características bem como o modus operandi. Tudo quanto disseram ao nosso jornal é que estavam a “recrutar os jovens” e que o mesmo estava a ser feito por indivíduos com a farda das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM).
Nos vários vídeos (na sua maioria amadores), populares aparecem a fugir dos supostos indivíduos que têm estado a levar a cabo o recrutamento compulsivo. Nos vídeos, que circularam na manhã de sexta-feira, os autores aparecem a afirmar que tais acções aconteceram também no bairro Magoanine C, vulgo Matendene.
Nas mensagens (texto e áudio) que circulam nas redes sociais (Facebook e Whatsapp), a lista dos bairros vítimas dos supostos recrutadores é enorme. Só para citar: bairros Patrice Lumumba, T.3, Zona Verdade, Ndlhavela, vila da Manhiça e Marracuene. A ideia subjacente do suposto recrutamento compulsivo é o reforço do efectivo das FDS que está a combater os insurgentes na província de Cabo Delgado.
Aliás, até ao fecho desta edição, “Carta” ainda não tinha identificado sequer uma família que tenha visto um ente-querido seu a ser recrutado compulsivamente para o serviço militar obrigatório.
Jaime Bessa Neto fala de “desinformação”
Horas depois dos tumultos ocorridos no bairro do Zimpeto, as autoridades moçambicanas quebraram o silêncio em torno do assunto. Na pessoa do ministro da Defesa Nacional, Jaime Bessa Neto, o executivo negou redondamente estar a recrutar compulsivamente jovens na cidade e província de Maputo, bem como noutros cantos do país.
Jaime Neto disse que se está perante uma onda de desinformação que não tem outro objectivo, senão criar agitação no seio da sociedade. Anotou, de seguida, que de momento não há qualquer necessidade de fazer recrutamento compulsivo, pois, havia efectivo capaz de garantir a ordem e tranquilidade públicas.
“Não está a acontecer nenhum recrutamento. Na verdade, esta informação está a acontecer num momento em que está a decorrer o recenseamento militar que é uma actividade normal e que vai até o mês de Fevereiro. Essas informações que estão a circular são completamente falsas e são para provocar agitação”, disse Jaime Neto.
Depois da reacção do Ministro da Defesa Nacional, ainda na tarde da passada sexta-feira, a Polícia da República Moçambique veio também a público prestar esclarecimentos à volta do assunto. Orlando Mudumane, porta-voz da PRM, para além de repudiar as manifestações, disse que não estava em marcha qualquer plano de recrutamento compulsivo de jovens para o seu posterior alistamento nas FDS.
Mudumane disse que, neste momento, diligências estão a ser encetadas com o objectivo de neutralizar os indivíduos que têm estado a difundir as mensagens e criar agitação na cidade e província de Maputo.
Em conexão com os tumultos ocorridos na manhã de sexta-feira, no bairro do Zimpeto, Mudumane disse que havia indivíduos retidos para “identificação policial”. Num outro desenvolvimento, o porta-voz da PRM disse que, desde que as informações sobre os supostos recrutamentos começaram a circular, não receberam qualquer queixa de um pai, dando conta do desaparecimento de um parente seu. (Carta)