A solução era encontrar um comprador disposto a injectar capital. Zandamela preferiu recorrer ao fundo de pensões do próprio Banco de Moçambique, a Kuhanha, que passou a controlar 80% do Moza. Um guru da gestão bancária, João Figueiredo, que foi ao longo de muitos anos instrumental para manter o BIM no topo dos “big 5” e esteve na origem do Banco Único, foi contratado para liderar o Moza. O envolvimento da Kuhanha no “salvamento” do banco fundado por Prakash Ratilal gerou polémica dado a situação de conflito de interesses entre regulador e regulado. Mas o imperativo de salvar o Moza venceu....com uma forte golpada à probidade pública. Entretanto, os antigos gestores do Moza foram sancionados. Zandamela tentou mostrar-se um zeloso cumpridor da lei e dos regulamentos, mas há quem diga que ele nunca foi tão exímio sobre o Moza. Essa condescendência acaba agora de ser evidenciada num relatório de auditoria às contas do Banco de Moçambique para 2017.
O relatório elaborado pela KPMG, na nossa posse, é um atestado de improbidade à gestão do banco central, uma nódoa negra tingindo em cheio no melhor pano. A KPMG emitiu uma opinião adversa sobre as contas do BM, justamente por uma ausência de consolidação das Demonstrações Financeiras da Kuhanha e da sua participada, o Moza. A opinião da KPMG constitui uma “qualificação”, ou seja, confirma que as Demonstracões Financeiras apresentadas pelo BM não reflectem a sua real situação contabilístico-financeira à luz dos normativos internacionais de relato financeiro (NIRF). Esses normativos são de cumprimento obrigatório pelo banco central mas também pelos bancos regulados, e estes tem estado a cumprir sob pena de sanções severas.
A consolidação de contas permitiria analisar o desempenho económico e financeiro do BM, relevando o impacto e riscos que as suas participadas impõem sobre esse desempenho, solvabilidade, liquidez, etc. A falta de consolidação das contas por parte do BM não permite avaliar em que medida a Kuhanha e a sua subsidiária, o Moza, representam um risco actual ou contingencial sobre o capital, solidez e rentabilidade do BM. As NIRF incluem regras sobre como os as contas sobre os investimentos financeiros (participações) em subsidiárias devem ser preparadas e apresentadas. Mas a KPMG diz mais. Diz que, de acordo com a NIC 21 (Normas Internacionais de Contabilidade), os activos do BM estão sobreavaliados e os custos estão subavaliados em 24.9 bilhões de Meticais. Ora, o BM apresentou resultados líquidos consolidados de 5.6 bilhões de Meticais. Feita a correção na rubrica dos custos, os resultados líquidos seriam um prejuízo de 19.3 bilhões.
Outra omissão nas contas do BM para 2017 prende-se com a consolidação das contas da SIMO, cujo investimento efectuado pelo BM (que detém 51% da estrutura do capital daquela Sociedade Interbancária de Serviços - os restantes 49% são detidos pelos Bancos Comerciais) foi reconhecido com base no custo histórico. Por uma questão de transparência, era importante que a SIMO publicasse também as suas demonstrações financeiras para se aferir se os recursos do BM (que são públicos) tem sido usados de forma eficiente ou não.
As contas do BM tem muito mais pano para mangas. Eis algumas curiosidades:
Os custos operacionais cresceram 26% de 2016 a 2017. Este ritmo de crescimento é muito superior à taxa de inflação e carece de cuidadosa análise. Das demonstrações depreende-se que aquele crescimento deve-se sobretudo à rubrica de custos com pessoal que cresceu 31%.
- A margem financeira directa é negativa em 6.4 bilhões (contas separadas) e 5.98 bilhões (contas consolidadas).
- Consta da rubrica Outros Devedores um crédito concedido a Kuhanha no valor de 11 bilhões a título de adiantamento. Este empréstimo é estranhamente livre de juros. A Kuhanha, como se sabe, é o accionista principal do Moza. Qual é natureza do empréstimo, prazo de reembolso e garantias oferecidas?
O Xerife estaria disposto ao um “duelo ao sol” com editores relevantes onde se debateria as contas do BM para 2017? Para cumprir zelosamente seus preceitos de transparência...