Nos nossos canais televisivos e nas nossas redes sociais corre a notícia de que o Governo concessionou parte do Porto de Nacala ao Malawi, num anúncio alegadamente feito pelo PR, Filipe Nyusi.
O conceituado advogado Damião Cumbana comentou o alegado facto em tons viperinos, criticando veementemente o Presidente da República. Uma ilustre anónima “economista” fez seu “debut” no comentário político tecendo teorias de conspiração sobre a tal concessão.
A generalidade dos comentadores de nomeada e nos principais programas de debate político o tom dominante foi a reprovação liminar da “decisão”. Eu próprio fiquei estarrecido com a notícia, quando li no serviço noticioso da AIM. Fiquei estarrecido porque não me pareceu uma notícia verosímil.
Uma concessão tem regras e não é de repente que ela é feita; segue processos, consultas; há contratos vigentes a ter em conta, etc., e quem dá a palavra final é o Conselho de Ministros. Com base nestes pressupostos, suspeitei que havia algo de errado no noticiário da “concessão”.
O que fiz, então, foi o que todos os famosos comentadores e editores deviam ter feito: pegar no telefone e questionar às entidades relevantes, nomeadamente os CFM, o Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) e a Presidência da República.
Resultado: apurei que nunca ninguém falou em concessão; o que o Presidente Nyusi disse foi que o Governo estava a discutir com o Malawi a possibilidade de atribuir àquele país um espaço junto do Porto de Nacala para a construção de um terminal; o Presidente nunca usou o termo “concessão”, embora também não tivesse sido completamente preciso, falando apenas em “terminal”. Mas esse “terminal” não é uma concessão de parte do conhecido Porto de águas profundas; apurei que o Governo pondera entregar ao Malawi um espaço para este país construir um “porto seco” junto do Porto de Nacala.
Um “porto seco” até faz sentido, se Moçambique pretende que o Malawi utilize mais Nacala. Tratar-se-ia de um bom chamariz enquanto ferramenta logística de incremento e aceleração do trânsito de mercadorias para aquele país do “hinterland”.
As declarações de Filipe Nyusi foram feitas numa semana em que os CFM fizeram uma enorme campanha de “marketing” do porto nortenho no Malawi, trazendo para cá a imprensa local.
A notícia da “concessão” decorreu de um erro de interpretação das palavras de Nyusi. Mas o papel do jornalista não é noticiar com base em inferências. Faltou aqui trabalho complementar de verificação dos factos.
Isso não desresponsabiliza os comentadores. Não compreendo como é que jornalistas, advogados, economistas de nomeada, a CTA e reluzentes editores aceitaram acriticamente uma notícia sem fundamento, disseminando para a sociedade opiniões sobre um facto inexistente, mas tornando esse facto uma quase verdade…mentirosa.
Infelizmente, casos como estes têm se repetido na nossa sociedade. Todo o mundo continua a pensar, erradamente, que ser o primeiro a noticiar ou a comentar o facto é o que está a dar. Não é verdade! Cada vez mais ser o último, mas assertivo, é o melhor caminho para a credibilidade.