Produtos e Vantagens de facto ilícito típico serão declarados perdidos a favor do Estado. O comando consta da proposta de Lei que Estabelece o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos. O dispositivo, aprovado pelo Governo no passado mês de Maio, carece da adopção pela Assembleia da República (AR), acto que poderá ter lugar na segunda sessão anual do órgão, a arrancar em meados do segundo semestre do corrente ano.
Nos termos da presente proposta de lei, são considerados produto de facto ilícito típico todos os objectos que tiverem sido produzidos pela sua prática. Já as vantagens são todas as coisas, direitos que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente, resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
A perda dos produtos ou vantagens tem, determina a proposta, “lugar ainda que os mesmos tenham sido objecto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
A lei que Estabelece o Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos, por objecto, estabelece o regime especial e os mecanismos de detenção, localização, perda e recuperação de bens ou produtos, a favor do Estado, relacionados com a actividade criminosa.
Ao todo, a proposta de Lei comporta um total de 18 artigos. A mesma deu entrada na Secretaria do parlamento no passado dia de 29 de Maio do ano corrente. Quatro dias depois, precisamente no dia 04 de Junho último, a presidente do órgão, Esperança Bias, mandou distribuir pelos deputados.
Em situações em que os produtos ou vantagens não puderem ser apropriados em espécie, a presente proposta determina que a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo a substituição ser operada a todo o tempo, mesmo em fase executiva. Entretanto, o dispositivo legal salvaguarda que a perda de produtos e vantagens não prejudica os direitos do ofendido.
A recuperação de activos é descrita na proposta como sendo a “actividade administrativa e processual que visa identificar, apreender e confiscar, bem como dar destino, ao produto, bens resultantes ou relacionados com prática de crimes”.
Este instrumento foi, recorde-se, sempre um dos maiores clamores da Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, para quem é de vital importância para o combate da criminalidade organizada e transnacional, com destaque para a de natureza económico-financeira.
O debate em torno da aprovação de uma Lei de Perda de Bens e Recuperação de Activos começou a ganhar corpo na sequência do caso das chamadas “dívidas ocultas” que defraudaram o Estado Moçambicano em cerca de 2.2 biliões de USD. O escândalo das “dívidas ocultas”, descobertas em 2016, envolve altos funcionários do Estado, familiares destes e membros seniores do partido no poder.
Crimes abrangidos pela presente lei
Afinal, quais são os crimes abrangidos pela presente lei? De acordo com o número 1, do artigo 3 (âmbito de aplicação), a lei aplica-se aos crimes de tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores; terrorismo e financiamento ao terrorismo; tráfico de pessoas; tráfico ilícito de armas; corrupção e crimes conexos; agiotagem; fraude fiscal e crimes tributários; pirataria; contra o ambiente; branqueamento de capitais; associação para delinquir; rapto; pornografia de menor; informáticos; falsificação de moedas, títulos de crédito e valores selados; lenocínio; contrabando; e falsificação de documentos. Entretanto, o número 2, do mesmo artigo, ressalva que a lei será aplicável ainda a qualquer crime organizado de que resulte vantagem económica.
“Em caso de condenação pela prática dos crimes previstos no artigo 3 da presente lei, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu valor lícito”, refere a proposta de lei a que Carta de Moçambique teve acesso.
Como património do arguido, nos termos do número 2, do artigo 13, considera-se o conjunto de bens “que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais este tenha domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; os transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante a contraprestação, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; e recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino”.
Entendem-se como vantagens de actividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos no momento da prática do facto, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. A presunção, referida pela alínea c) do número 2 do artigo 13, abrange bens que o arguido tenha adquirido por via sucessória e tenha posteriormente alienado.
O Ministério Público é quem liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado. Caso não seja possível a liquidação no momento da acusação, refere a proposta, ela ainda pode ser efectuada até ao trigésimo dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento, sendo deduzida nos próprios autos.
Arresto preventivo
À luz da presente proposta de lei, o arresto preventivo (artigo 17) de bens do arguido é decretado para a garantia do pagamento do valor determinado da perda de bens. A perda de bens é definida nos termos da presente lei como sendo a sanção ou medida decretada por um Tribunal na sequência de um processo relativo a uma ou várias infracções.
Em casos que se verificar a existência de “fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios de prática de crime”, refere a proposta, é requerido o arresto dos bens do arguido antes da própria liquidação.
O número 4 do retromencionado artigo determina que o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação da condição de solvabilidade económica do arguido, se existem fortes indícios da prática do crime.
O artigo 18 versa sobre a modificação e extinção do arresto. No seu número 1, o arresto cessa se for prestada a caução económica pelo valor referido no número 1 do artigo 17 (o arresto preventivo de bens do arguido é decretado para a garantia do pagamento do valor determinado da perda de bens).
“Se, em qualquer momento do processo, for apurado que o valor susceptível de perda é menor ou maior do que o inicialmente apurado, o Ministério Público requer a redução do arresto ou sua ampliação, respectivamente”, determina a presente proposta.
O arresto ou a caução económica, demanda o número 3 do referido artigo, “extingue-se com a decisão final absolutória.
O dispositivo legal refere que compete ao Governo a criação do Gabinete de Recuperação de Activos e o Gabinete de Administração de Bens. A regulamentação compete, igualmente, ao Executivo, devendo fazê-lo no prazo de 90 dias, que começam a contar a partir da data da publicação.
A aprovação e aplicação da lei que estabelece o Regime Jurídico Específico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos não resultarão em encargos adicionais ao Orçamento do Estado, visto que a mesma não implicará a criação de novos órgãos ou instituição nem a admissão de funcionários no Aparelho do Estado, refere o parecer do Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane. (Ilódio Bata)