Nem as críticas dos deputados das bancadas parlamentares da oposição e da sociedade, no geral, e muito menos a Certidão emitida pelo Tribunal Administrativo, a pedido da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade da Assembleia da República (AR), impediram a bancada parlamentar do partido Frelimo de premiar um dos seus “melhores” quadros.
Gustavo Mavie, ex-Director da Agência de Informação de Moçambique (AIM) e um dos destacados membros do G40 – grupo de choque criado pelo partido Frelimo para diabolizar os que emitem opiniões críticas à governação do dia – foi eleito membro da Comissão Central de Ética Pública (CCEP), órgão que, de entre outras atribuições, avalia e fiscaliza a ocorrência de situações que configuram conflito de interesses e determina medidas apropriadas para a sua prevenção e eliminação, incluindo a apresentação de queixas ou participação criminal junto do Ministério Público.
A eleição de Gustavo Mavie teve lugar na manhã desta segunda-feira, 01 de Junho, numa sessão breve, quase sem debate e longe da habitual cobertura da imprensa. Lembre-se, a sessão de eleição dos membros da CCEP tinha sido agendada para o passado dia 22 de Maio, porém, a mesma terá sido interrompida, após a contestação em torno da figura de Gustavo Mavie.
“Como é possível, o parlamento apostar numa pessoa que já foi penalizada pelo Tribunal Administrativo pela gestão danosa, devido à qual foi alvo de sindicância e obrigado a pagar multas?”, questionou, na ocasião, Venâncio Mondlane, deputado da Renamo.
O facto é que, em 2012, Gustavo Mavie, que chefiou a AIM durante os 14 anos, foi condenado pelo Tribunal Administrativo ao pagamento de 200 mil Mts de multa por desrespeito às regras e procedimentos administrativos e financeiros. O Acórdão, registado sob nº 47/2012-3ª, condenou também, ao pagamento de multa, os então Director Administrativo da AIM, Eugénio Gerente; o Chefe de Repartição de Contabilidade e Finanças da AIM, José César de Almeida; o Tesoureiro da AIM, Inocêncio da Cruz José; o Chefe da Secção dos Transportes da AIM, Felisberto Luís Mavie; e o Chefe de Repartição de Administração e Recursos Humanos da AIM, Ernesto Xirinda.
Fingindo “desconhecer” o passado e o presente do então candidato Gustavo Mavie, a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade da AR solicitou, ao TA, uma Certidão a “clarificar e aferir a idoneidade de um dos candidatos a membro da Comissão Central de Ética Pública”. Na referida certidão, o TA afirmou que Gustavo Mavie e companhia “interpuseram um recurso ao Plenário deste Tribunal, estando ainda em tramitação”.
Entretanto, a Certidão emitida pelo TA não foi suficiente para impedir a bancada parlamentar da Frelimo de premiar Gustavo Mavie, um dos fiéis defensores públicos do partido no debate público. “Para além de ser uma personalidade íntegra e de reconhecido mérito, tem uma larga experiência, pois, Gustavo Mavie é um dos poucos jornalistas vivos que conhece o historial deste país. Mavie sempre pautou pela verdade e denúncia das atrocidades desde a independência”, justificou Jacinto Capito, porta-voz da bancada parlamentar da Frelimo, em entrevista à STV, momentos depois da eleição.
Porém, as bancadas parlamentares da oposição consideram a eleição de Gustavo Mavie “um golpe” aos valores morais. “Os princípios da ética e moral foram completamente escangalhados contra tudo aquilo que é a democracia e a razoabilidade”, disse Arnaldo Chalaua, porta-voz da bancada parlamentar da Renamo, também em entrevista à STV.
Por seu turno, Gustavo Mavie atirou: “Eu nunca roubei nada. A verdade um dia virá ao de cima. Este é o começo da emergência da verdade. A história me absolverá”.
Refira-se que, de acordo com o artigo 52 da Lei nº 16/2012, de 14 de Agosto, designada Lei de Probidade Pública, os membros da CCEP são designados entre cidadãos moçambicanos de reconhecido mérito moral e de elevada idoneidade e integridade. Os mesmos, diz o mesmo artigo, devem ser funcionários há pelo menos cinco anos; terem-se destacado no serviço por mérito, sentido de responsabilidade, eficiência e bom trato nas relações humanas; não terem sofrido sanções disciplinares nos últimos cinco anos; e não terem sido condenados por crime culposo em violação dos deveres da função pública ou outro delito de carácter doloso.
Para além de Gustavo Mavie, a AR elegeu, ontem, Páscoa Buque e Leovelgildo Buanancasso para integrarem a CCEP. Páscoa Buque também foi proposta pela bancada parlamentar da Frelimo, enquanto Buanancasso foi proposto pela Renamo. Os três juntar-se-ão a mais três individualidades a serem designadas pelo Governo e outras três a serem designadas pelos Conselhos Superiores das Magistraturas Judicial, Administrativa e do Ministério Público.
Sublinhar que a eleição de Gustavo Mavie marca mais uma etapa de premiação dos membros do famigerado G40, depois da eleição de António Boene como deputado da Assembleia da República, onde exerce o cargo de Presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade da AR; nomeação de Amorim Bila para o cargo de Director-geral adjunto do Gabinete de Informação Financeira de Moçambique; de Julião Cumbane para o cargo de PCA da Empresa Nacional de Parques de Ciência e Tecnologia; e Filimão Suaze para o cargo de vice-Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. (Carta)