A situação da insegurança que se regista em alguns distritos de Cabo Delgado desde o passado dia 5 de Outubro de 2017 e os novos contornos do famigerado caso das dívidas ilegais foram os assuntos de maior destaque nos discursos da presidente da Assembleia da República (AR), Verónica Macamo, bem como das chefias das três bancadas parlamentares, durante a cerimónia que esta quinta-feira (28) em Maputo marcou o arranque da 9ª sessão da AR.
Na sua intervenção, Verónica Macamo referiu-se à situação de Cabo Delgado afirmando que “nada justifica a morte de gente inocente, pacata e trabalhadora. Nem os recursos minerais, nem as diferenças religiosas, de raça ou de ideologia, podem ser evocados para a prática de actos macabros e ignóbeis”. Acrescentou que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) e as populações devem trabalhar em colaboração para uma maior vigilância e denúncia, visando a neutralização das acções dos malfeitores.
Por sua vez, a chefe da bancada parlamentar do partido no poder, Margarida Talapa, afirmou que “nada justifica a barbárie que os nossos concidadãos vivem em alguns distritos da província de Cabo Delgado. Nenhum ser humano dentro das suas faculdades mentais, com respeito à vida e sentido patriótico, é capaz de tamanha insensatez”. Para Talapa, as Forças de Defesa e Segurança devem fazer de tudo para que o “jacaré não cresça”.
Na opinião de Mário Ali, vice-chefe da bancada parlamentar do maior partido da oposição (Renamo), as FDS estão impávidas, impotentes e desnorteadas por causa da “situação da instabilidade social e confrontação armada que se regista na província de Cabo Delgado, que originou até ao presente cerca de 200 mortos, inúmeros feridos, centenas de deslocados e números não especificados de casas queimadas ou destruídas”. Adiantou que as FDS, “que sempre se mostram tenazes, implacáveis contra o cidadão pilha-galinha e o povo indefeso que simplesmente pretende manifestar-se para exigir seus direitos constitucionais, estão descaracterizadas, demonstram fragilidade e incapacidade de repor a ordem e tranquilidade em Cabo Delgado”.
Regime "persegue" jornalistas
Ainda na sua intervenção, Mário Ali acusou o regime vigente de perseguir jornalistas, que são detidos por apenas estarem no exercício da sua actividade profissional de informar a sociedade.
Já o chefe da bancada do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), Lutero Simango, entende que a situação de terror que se vive em algumas zonas da província de Cabo Delgado está a ganhar uma dimensão alarmante de instabilidade. Para Simango, “o povo moçambicano já não suporta mais nem deseja viver em ciclos de confrontação armada, pois temos a plena consciência de que temos a responsabilidade de preparar um futuro de harmonia, concórdia nacional e uma nação livre para as futuras gerações”.
Na óptica do MDM, a partilha de informação sobre o perfil e identidade, em termos de origem, dos autores responsáveis e sua motivação, vai galvanizar a nação inteira e mobilizar os moçambicanos para o mesmo objectivo: defesa da integridade territorial. “Por isso, esperam que o Governo seja franco na sua interação porque é uma preocupação nacional e já esta a ter uma dimensão regional”, disse Lutero Simango.
Novos contornos das dívidas ilegais
Outro assunto de destaque na abertura da nona sessão ordinária da AR foi o dos novos contornos das famigeradas dívidas ocultas. É que num passado recente a AR aprovou a inclusão das mesmas na Conta Geral do Estado (CGE), através do voto maioritário da bancada da Frelimo. Entretanto, na sua intervenção Verónica Macamo referiu-se ao papel desempenhado pela AR logo que soube da detenção de Manuel Chang, antigo ministro das Finanças e deputado da “Escolinha do Barulho” pela bancada da Frelimo. Macamo disse que a AR aprovou favoravelmente o pedido do Tribunal Supremo para que a Manuel Chang fosse imposta a medida de coação máxima (prisão preventiva). Macamo acrescentou que a vontade da AR é de serem exclusivamente obedecidas as disposições legais aplicáveis.
Enquanto Margarida Talapa, da Frelimo, disse que o seu partido distanciava-se de todos os seus membros que têm comportamentos desviantes, e que põem em causa a gestão transparente da coisa, Mário Ali, do partido Renamo, defendeu que por existirem rostos como Manuel Chang, Gregório Leão, Ndambi Guebuza e outros, “ não é justo nem honesto que se obrigue todo um povo a pagar dívidas que foram contraídas para fins particulares”. Ali afirmou ser estranho que a administração da justiça estar muito preocupada com a extradição de Manuel Chang para Moçambique, enquanto o antigo presidente da República, Armando Guebuza, ainda nem foi chamado pela justiça. Para a Renamo, não se deve entreter os moçambicanos com detenções aqui e acolá de “peixe miúdo”. Numa outra passagem do seu discurso, o vice-chefe da bancada do maior partido da oposição desafiou a AR para revogar o dispositivo legal que tenta transformar dívidas inconstitucionais e ilegais em dívida limpa na Conta Geral do Estado de 2015, em resposta às inúmeras vozes da sociedade moçambicana que defendem o não pagamento das ‘dívidas ocultas’.
Para Lutero Simango, com os novos desenvolvimentos das ‘dívidas ilegais’ quem está no ‘banco de julgamento’ não são os réus, por culpa do partido que governa desde 1975, mas sim o país. Simango disse que não é ao Chang, Ndambi Guebuza ou ao Gregório Leão que o mundo quer julgar. O mundo globalizado em que vivemos hoje está a julgar o sistema judiciário moçambicano e o seu sistema político.
Responsabilizar autores das dívidas
O MDM reiterou que os responsáveis e os mentores da engenharia financeira das dívidas ocultas, ilegais e não autorizadas pela AR devem ser criminalmente responsabilizados e o Estado moçambicano não deve assumir estas dívidas.
Serão discutidas 30 matérias
A sessão ordinária da AR que arrancou esta quinta-feira (28) decorrerá até 23 de Maio. Nesta reunião do órgão máximo legislativo serão analisadas 30 matérias incluindo Perguntas ao Governo, Informações do Governo, Informação Anual da PGR, Propostas Legislativas (a proposta de Lei para a Eleição dos membros da Assembleia Provincial, Proposta de Lei de tutela do Estado sobre os órgãos de governação, descentralizada provinciais e das autarquias locais), a Proposta de Lei de Organização e Funcionamento das Assembleias Provinciais, entre outras. (Omardine Omar)