Quatro anos após o assassinato do constitucionalista moçambicano de origem francesa, Gilles Cistac, dois juristas entrevistados em Maputo pela “Carta” estranham o ainda “absoluto silêncio” tanto das autoridades moçambicanas como francesas em torno do caso. Para o jurista Benedito Cossa, é “preocupante” que órgãos de justiça não tenham até agora identificado os autores morais e materiais do assassinato de Cistac. Acrescentou que as autoridades moçambicanas deveriam explicar exactamente o que aconteceu no fatídico dia 3 de Março de 2015 quando, ao sair do Café Guanabara na Polana, Gilles Cistac foi cobardemente atingido por vários tiros atirados por indivíduos desconhecidos do interior de uma viatura que o aguardava. Ainda que tenha sido socorrido e transportado para o Hospital Central de Maputo, Cistac não resistiu aos graves ferimentos. Cossa crê que o constitucionalista foi morto por exercer o seu direito à opinião, e não como foi alegado pelo então Comandante-Geral da PRM, Jorge Khalau, que insinuou que “aquele tipo de assassinato acontece a pessoas ligadas ao submundo do crime organizado”.
Benedito Cossa, antigo estudante de Gilles Cistac, argumenta que o tempo já serviu para provar aos moçambicanos e ao mundo que o constitucionalista morreu por motivações políticas e não por outras razões, como se tentou fazer crer na opinião pública. O jurista afirmou ter ficado claro que o Professor Cistac tinha razão quando demonstrou que havia cobertura constitucional para o aprofundamento da descentralização em Moçambique, tal como na altura.
Outro jurista, João Nhampossa, é da opinião de que o homicídio de Cistac já está relegado ao esquecimento. “É estranho que, durante estes quatro anos, as autoridades francesas e moçambicanas não tenham ainda apresentado nem ao público, nem à família do próprio Cistac, os contornos da sua morte e os passos que foram dados no processo. Nhampossa recorda que, volvidos quatro anos após o assassinato, não viu nem o Presidente da República nem o Tribunal Supremo, nem mesmo a Procuradoria-Geral da Republica (PGR), e muito menos o Comando-Geral da PRM, a darem alguma informação sobre um crime que vitimou alguém que deu um grande contributo na formação e organização do sistema jurídico moçambicano.
Mais um caso em “banho-maria”?
Para João Nhampossa, face ao silêncio das autoridades à volta do assassinato de Gilles Cistac, ficou claro que se está perante mais um caso em “banho-maria”, não se vislumbrando qualquer sinal de que o processo esteja ainda aberto. Estranho é também o silêncio das autoridades francesas (Gilles Cistac era de origem francesa), que nunca mais se pronunciaram sobre o assunto. Segundo Nhampossa, mesmo na Assembleia da República, “quando os deputados da oposição questionam, o governo nada diz”.
O caso do "memorial" retirado na UEM
O jurista Benedito Cossa disse ser lamentável e repugnante o gesto tomado pela direcção da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) de retirar um "memorial" erguido em homenagem a Gilles Cistas, num gesto de não reconhecimento de alguém que, durante 30 anos, transmitiu o seu conhecimento na formação de vários filhos deste país em matérias de administração judicial. Para Cossa, não se pode misturar assuntos políticos e académicos como aconteceu quando a direção da UEM decidiu remover a placa com o nome de Gilles Cistac, que a Biblioteca da Faculdade de Direito da UEM ostentava. Isso aconteceu volvidos sensivelmente três meses após a atribuição do nome daquele constitucionalista à Biblioteca em causa, no dia 15 de Março de 2016. Na mesma ocasião, até a pedra que tinha sido deixada debaixo de uma árvore, no jardim, foi retirada.
Gilles Cistac foi sepultado em Toulouse, na França, a 12 de Março de 2015. Antes realizou-se um velório em sua homenagem no Centro Cultural da UEM, em Maputo, a 10 de Março do mesmo ano, a que assistiram diversas personalidades, incluindo académicos e políticos, com excepção de membros do partido Frelimo. Sobre a gazeta destes últimos, alguns analistas chegaram a colocar a hipótese de ser uma demonstração clara da sua cumplicidade no assassinato do Prof. A insinuação foi negada por Damião José, na altura porta-voz da Frelimo. (Omardine Omar)