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BCI
domingo, 17 março 2019 15:50

Beira vai continuar às escuras por mais dias e sem telecomunicações, água e pão

O ciclone IDAI foi tão intenso que deixou a cidade praticamente às escuras, não havendo perspectiva de religação de electricidade a breve trecho, disse uma fonte da Electricidade de Moçambique (EDM). O ciclone tinha apagado também Manica, mas, entre sexta e sábado, a EDM restabeleceu a distribuição ao longo a Estrada Nacional N6, praticamente até Dondo, uma cidadela que dista a 34 km da capital provincial de Sofala. A Cidade da Beira é alimentada por energia produzida nas barragens de Mavuzi e Chicamba, em Sussendenga (Manica) e pela HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa), através da subestação de Chibata, em Chimoio, transportada até Munhava, nos arredores da cidade. Mas, até agora, a EDM conseguiu fazer chegar a electricidade até a Dondo, mas não pode ainda meter em Munhava, onde a subestação se encontra alagada e água ainda teima em permanecer, dada lentidão do escoamento.

 

Sem Munhava, Beira vai ficar mais dias às escuras. O drama é maior, tendo em conta a quantidade enorme de torres de média tensão e postes de baixa tensão tombados ao longo da cidade. A EDM mobilizou equipas de Maputo e Quelimane para irem acudir. Trata-se de levantar o que está em baixo e ir religando os circuitos, mas de uma forma cautelosa. “É preciso muita prudência”, disse Carlos Yum, administrador da EDM. Os trabalhos vão levar tempo. Há muita coisa destruída. Os prejuízos para o comércio e para as famílias são enormes.

 

O apagão não é só eléctrico. O sector de telecomunicações está seriamente abalado. Tmcel, Vodacom e Movitel receberam um abanão nunca visto, com dezenas de torres tombadas, não apenas na zona da Beira, mas em quase toda a região centro. Ninguém está a transmitir voz e dados. Até sábado de manhã, a linha fixa da Tmcel ainda funcionava, mas ela foi abaixo ao longo do dia. O PCA da Tmcel, Mahomed Rafik, disse que as equipas da empresa estavam no terreno a trabalhar para repor as comunicações, porém, enfatizou que a situação é muito grave, uma autêntica calamidade.

 

As três operadoras uniram os braços num processo de entreajuda, visando repor a brave trecho alguma comunicação, pelo menos voz. Mas, no geral, a infra-estrutura que apoia, em terra, a comunicação por satélite ruiu, completamente, não funcionando para nenhuma das operadoras.

 

No caso particular da Tmcel, a linha de fibra óptica para o centro do país foi cortada, mas a empresa está a tentar accionar rádios-transmissores para devolver algum tráfego nas linhas de rede fixa. Vai levar meses até que se volte à normalidade, disse Rafik, enfatizando que estamos perante uma catástrofe nacional. A Tmcel foi severamente afectada. Para além da infra-estrutura de transmissão, a sua sede na Beira ficou seriamente inundada. A claraboia na cobertura rompeu e deixou entrar água, danificando uma infinidade de documentos.

 

Ninguém aponta prazos para o restabelecimento das comunicações. Ontem, na Beira circulou, entre os citadinos, a informação, segundo a qual, uma torre da Movitel no bairro da Manga tinha sinal. Muitos acorreram ao local para contactar familiares e amigos no exterior. Fora isso, o apagão nas comunicações era total.

 

Do lado do mar, a circulação de embarcações continuava interdita. Não se conhecem danos avultados ao nível portuário, mas sabe-se que duas dragas da EMODRAGA (Empresa Moçambicana de Dragagens) foram severamente afectadas. Um grande armador de pesca accionou medidas de precaução, tirando a sua frota para Inhambane, protegendo as embarcações.

 

Marcas profundas

 

O ciclone deixou marcas de uma ferida profunda no tecido social e nas infra-estruturas da cidade. Os habitantes da Beira e doutras regiões vivem uma crise de víveres. Falta comida. Não há pão. O comércio, drasticamente afectado, teima em não abrir. Os restaurantes estão fechados.

 

O nível de destruição é indescritível. Na zona de cimento, as imagens que circulam nas redes sociais mostram coberturas de edifícios levantadas, montras quebradas, muros desabados, postes de electricidade de média tensão tombados. Poucos edifícios escaparam da fúria. Uma igreja no Macuti e as instalações do Shoprite são apenas dois exemplo de como o Idai atingiu profundamente a cidade.

 

Zaid Aly, proprietário do Hotel Moçambique, um edifício emblemático na cidade, mostrou-nos imagens da cobertura da sala de conferências do hotel complemente levantadas pelos fortes ventos. Na zona suburbana, a tragédia é maior. Grosso modo, tudo o que é casa erguida com materiais precários foi-se pelos ares. No Goto e no Macurungo eram visíveis barracas desnudadas, suas coberturas de zinco tinham esvoaçado. Qualquer balanço que se faça ainda é muito preliminar.

 

O impacto total do ciclone ainda está por ser estabelecido. No entanto, de acordo com o site ReliefWeb, especializada em assuntos de emergência e centrado nos trabalhos das várias agências nas Nações Unidas, estimativas preliminares apontam para perda de vidas e danos significativos na infra-estrutura, na Cidade da Beira e arredores.

 

O Jornal “O País”, no seu site, relatava, na tarde deste domingo, a morte de 68 pessoas (55, na Beira e 13, em Dondo) e o ferimento de mais de 1500. Enquanto isso, a União Europeia fala da morte de aproximadamente 100 pessoas, mais de 100 feridos e 17 100 deslocados nas províncias da Zambézia, Sofala e Tete. No comunicado de imprensa, emitido, neste sábado, a União Europeia refere que as estradas inundadas e danificadas continuam a constituir um dos maiores problemas para o acesso às zonas afectadas. Os armazéns do PMA (Programa Alimentar Mundial) foram danificados durante o ciclone.

 

Impacto severo em toda a região centro

 

Para além da Beira, na Zambézia, de acordo com o ReliefWeb, o ciclone arrasou o distrito de Chinde, onde 1.192 pessoas foram afectadas e 84 casas inundadas. Em Manica, 127 casas, 36 salas de aula e duas unidades de saúde foram danificadas ou destruídas, tendo sido registados danos graves nas culturas. Cinco distritos, em Manica, não têm eletricidade devido à queda de 61 postes de eletricidade. Na província de Inhambane, pelo menos 39 casas foram destruídas, 10 salas de aula e uma unidade de saúde afectadas nos distritos de Govuro e Vilankulos.

 

Antes do ciclone Idai chegar ao continente, o sistema climático já havia afetado pelo menos 141 mil pessoas, com 66 mortes registadas e 111 feridos, segundo funcionários do governo. Calcula-se que mais de 17.100 pessoas estejam deslocadas, na Zambézia, e, em Tete, com 10 centros de trânsito estabelecidos na Zambézia e dois em Tete.

 

A resposta do Governo e das Nações Unidas

 

À frente do desembarque de Ciclone Idai, o governo estabeleceu seis equipes de operações e coordenação de emergência no local, pré-posicionadas em seis locais estratégicos (Vilankulo, Caia, Beira, Chimoio, Tete e Quelimane). A principal equipa de coordenação deslocou-se por estrada de Caia à Beira, a 15 de Março, liderada pela Directora-Geral do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), Augusta Maita, e incluindo membros da Unidade Nacional de Protecção Civil (UNAPROC), pontos focais dos sectores de serviços, saúde, educação, estradas e autoridades de gestão de rios, sector de energia, agricultura, abrigo e sectores de água e saneamento, bem como parceiros humanitários.

 

Uma missão entre agências partiu de Maputo, a 16 de Março para apoiar a equipa no terreno. Uma equipe médica auto-suficiente da IPSS também se deslocou da África do Sul. Uma equipe do WFP Logistics Cluster (Cluster Logístico do Programa Mundial da Alimentação) chegou ao país para avaliar o suporte de serviços comuns necessários. O PMA está trazendo mais um helicóptero de carga (M8) para apoiar as operações de resposta. Avaliações rápidas estão em andamento nas áreas afetadas pela tempestade, com mais informações esperadas para o próximo período. O Presidente da República, Filipe Nyusi, partiu hoje para as regiões afectadas, acompanhado por outros membros do Governo. (Marcelo Mosse)

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