África testemunhou oito golpes de estado nos últimos três anos, com o último registado no Gabão na última quarta-feira, 30 de Agosto, apenas um mês depois de uma intervenção militar no Níger ter deposto o presidente.
Altas patentes das Forças Armadas do Gabão anunciaram um golpe de Estado, alegando fraude nas eleições gerais do país, onde saiu vencedor o actual presidente, Ali Bongo, para o terceiro mandato. Bongo foi colocado sob prisão domiciliária, disseram os militares, que também fecharam as fronteiras do país.
Em 26 de Julho de 2023, os militares nigerinos anunciaram que derrubaram o presidente Mohamed Bazoum. O general Abdourahamane Tiani se tornou o novo homem forte do país. Desde 2020, os golpes de estado afectaram o Gabão, Níger, Mali, Guiné, Burkina Faso e Sudão, a maioria na região da África Ocidental.
Golpes empurram o continente para trás
Um especialista em geopolítica diz que a nova onda de golpes militares na África Ocidental e Central está a empurrar o continente para trás em termos de consolidação da democracia.
Sultan Kakuba, professor de ciências políticas na Universidade Kyambogo, no Uganda, disse em recente entrevista à publicação Anadolu que os golpes militares tinham sido comuns em África durante muitos anos após a independência, mas tornaram-se cada vez mais raros nas últimas duas décadas.
Kakuba disse que a fraca liderança e as dificuldades económicas em alguns países influenciaram os líderes militares a tomar o poder e que África tem vindo a consolidar a democracia, mas os golpes de estado estão a atrasá-la.
O enigma eleitoral em África
O cientista político da Universidade do Ruanda, Buchanan Ismael, disse que a frequência de eleições disputadas em África destaca uma questão mais ampla que envolve a governação democrática e a estabilidade política no continente. Factores como instituições democráticas fracas, tensões étnicas e disparidades económicas contribuem frequentemente para o problema.
Ismael diz que as controvérsias eleitorais em toda a África mostram “um padrão expansivo”. “As eleições tornaram-se uma situação de vida ou morte, com tantos políticos em África a utilizar todos os meios, incluindo tácticas injustas, para capturar o poder”, disse ele.
“A linguagem eleitoral está a tornar-se cada vez mais incitante e violenta. Existe a noção de que uma eleição é uma guerra e que só o vencedor é um bom estratega, por isso aqueles que perdem são frequentemente tratados como inimigos do governo e do Estado.”
As eleições disputadas são um sintoma dos desafios sistémicos mais profundos que muitas nações africanas enfrentam, enfatizou Ismael. Para que as nações africanas abordem a questão, é vital que reforcem as suas instituições, promovam a inclusão e aumentem a transparência, acrescentou.
Moçambique e Gana também condenam golpes de estado em África
O Presidente da República, Filipe Nyusi, e o seu homólogo ganês, Nana Akufo-Addo, que esteve de visita a Moçambique, manifestaram o seu repúdio contra os sucessivos golpes de Estado nos últimos meses, a maior parte dos quais ocorridos na região da África Ocidental. Ambos são unânimes em afirmar que os golpes não são a solução mais correcta para os problemas de desenvolvimento de África.
Segundo o estadista moçambicano, erros serão sempre cometidos, por isso é necessário identificar a melhor forma de resolver pacificamente os problemas que poderão eventualmente existir.
“Não acredito que não haja nada a falhar nos países asiáticos, não acredito que não haja nada a falhar nos países europeus, como também nos países da América do norte, centro e sul, mas isso nunca ditou golpes. Haverá sempre falhas”, disse Nyusi em conferência de Imprensa em Maputo, após o término das conversações entre as delegações de ambos os países, que tiveram lugar na Presidência da República.
Segundo Nyusi, urge investigar as razões que levam os golpes de estado a estarem concentrados numa única região e evitar tirar conclusões precipitadas. Explicou que problemas afectam todos os países do mundo inteiro, mas isso não constitui causa para a ocorrência de golpes de estado. O Chefe de Estado ganês corrobora com Nyusi e defende melhores formas de governo sem “intervenção militar”.
“Golpe de Estado não é a solução para os problemas do nosso continente. Haja o que houver, temos que encontrar as melhores formas de nos governarmos que não seja através de intervenção militar”, disse Akufo-Addo.
Referiu que em mais de 50 anos da sua independência em momento algum os ganenses tiveram de ser informados que os golpes de estado não são a solução para os seus problemas. Por isso, defende “uma cultura e uma política robusta”, para as nações africanas. “Sempre haverá problemas”, apontou.
Na ocasião, ambos estadistas exortaram os profissionais da comunicação social a ajudar o continente difundindo uma cultura que constitua barreira para este tipo de intervenções.
Refira-se que, na última quarta-feira, um grupo de militares anunciou a tomada de poder no Gabão, após Ali Bongo ser declarado vencedor nas eleições presidenciais e legislativas de 26 de Agosto.
Países africanos movimentam as forças de segurança face aos golpes de estado
Os Camarões e o Ruanda fizeram novas nomeações para os seus exércitos nacionais após a tomada do poder pelos militares no Gabão. Os Presidentes dos Camarões, Paul Biya, e do Ruanda, Paul Kagame, tentaram tomar medidas para evitar uma situação semelhante nos seus países após o golpe de estado no Gabão.
No Ruanda, o Presidente Paul Kagame demitiu na quarta-feira (30) 12 generais e mais de 80 outros oficiais de alta patente. Nos Camarões, o Presidente Paul Biya procedeu também na quarta-feira a uma remodelação das chefias do exército camaronês, nomeando novos oficiais da defesa. O nonagenário Biya está no poder desde 1982, tendo cumprido sete mandatos consecutivos.
Em Angola, o Presidente da República, João Lourenço, também empossou na quarta-feira (30), Teresa Manuel Bento da Silva, no cargo de Directora-Geral Adjunta do SIE - Serviços de Inteligência Externa, para o qual tinha sido nomeada no dia 24 de Agosto.
O chefe de Estado disse, na ocasião, que os Serviços de Inteligência Externa desempenham um papel fundamental na defesa dos interesses dos países, ainda mais numa altura em que o mundo assiste a um clima de instabilidade e guerras.(Carta)