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segunda-feira, 20 novembro 2023 07:30

Severino Ngoenha* desafia a sociedade e a classe política a expurgar a corrupção: "Entre Purificação e Preservação"

O filósofo Severino Ngoenha é um dos poucos acadêmicos que em Moçambique conseguem expor seu pensamento sem amarras, contribuindo activamente no processo político da democracia. 

 

Ele lança agora, em texto escrito para a "Carta", um desafio premente:

 

"Em relação ao futuro próximo, a questão central não deve ser quem serão os próximos candidatos presidenciais, mas sim como podemos reestruturar nossas instituições para garantir um judiciário forte e independente, um parlamento verdadeiramente representativo e um executivo que não assemelha-se a uma monarquia absoluta".

 

Eis o texto integral:

 

Moçambique enfrenta uma crise profunda, marcada por desafios políticos, sociais e econômicos. A crise transcende as recentes eleições e tem as suas raízes em desafios históricos como as "dívidas ocultas", conflitos internos e disparidades sociais crescentes.

 

No cerne das turbulências, jaz uma interrogação profunda sobre o futuro do país. Enquanto filósofo, observo uma Nação em busca de si mesma, num momento de questionamentos e descontentamentos generalizados. Há um clamor por mudança que ecoa pelas vozes dos jovens, dos profissionais, da sociedade civil e das instituições religiosas. 

 

Este é um país que, aparentemente, perdeu o seu rumo.
É uma época de purificação, mas também de preservação. A crise que enfrentamos não é apenas uma crise de governação, mas uma crise de valores e instituições. Para navegarmos neste mar turbulento, é crucial discernir entre os elementos que devemos purificar e aqueles que devemos preservar.  

 

A purificação não significa destruir tudo o que foi construído; ao contrário, significa remover a água suja da corrupção e da imoralidade, mantendo intacto o bebê – nossas conquistas históricas como a independência, a unidade nacional e a decisão firme de vivermos juntos. A verdadeira transformação requer discernimento. É a arte de separar o que é essencial do que é
obsoleto. 

 

Moçambique, como qualquer sociedade, possui um núcleo de valores,
tradições e esperanças que devem ser preservadas e nutridas. Este núcleo representa a identidade da nação, sua cultura rica e diversificada, e a resiliência e esperança de seu povo.

 

Em contrapartida, há aspectos que necessitam de renovação. O descontentamento atual não é sem causa; ele reflete as falhas e injustiças que mancham as estruturas políticas, sociais e econômicas do país. É aqui que a "água suja" precisa ser drenada. As reformas devem visar a corrupção, a ineficiência, e a falta de representatividade, permitindo que surjam novas formas de governança e participação social.

 

Por isso, esta época exige uma abordagem filosófica e pragmática. Devemos evitar cair na armadilha de conflitos tribalistas ou raciais e focar na verdadeira tarefa: a reformulação das instituições para garantir a justiça, a coesão social e a participação cidadã. A purificação não deve ser vista como uma guerra entre famílias ou indivíduos, mas como um esforço coletivo para colocar Moçambique de volta aos trilhos da liberdade, igualdade e possibilidades para todos.

 

No entanto, devemos estar cientes dos riscos. Exemplos de outros países, como a Líbia e as Primaveras Árabes, mostram que a purificação sem sabedoria e discernimento pode levar a consequências desastrosas. É crucial, portanto, abordar esta fase com inteligência política e uma visão clara do que queremos alcançar: um Moçambique onde a corrupção e a imoralidade pública são erradicadas, mas onde as conquistas históricas são preservadas e valorizadas.

 

O amanhecer que Moçambique almeja é de unidade e de organização, onde as necessidades básicas como educação, saúde e acesso à água são atendidas. Este futuro requer uma abordagem que valorize a sabedoria coletiva e reconheça a importância de cada cidadão na construção de uma nação forte e coesa.

 

Enquanto Moçambique navega por estas águas turbulentas, é imperativo manter o foco no "bebê" – o cerne da nação – protegendo-o e permitindo que ele prospere. Ao mesmo tempo, é essencial limpar a "água suja", reformando e renovando, para que o país possa emergir mais forte, mais justo e mais unido do que nunca.

 

Em relação ao futuro próximo, a questão central não deve ser quem serão os próximos candidatos presidenciais, mas sim como podemos reestruturar nossas instituições para garantir um judiciário forte e independente, um parlamento verdadeiramente representativo e um executivo que não assemelha-se a uma monarquia absoluta. A separação de poderes e a fortificação das instituições são fundamentais para evitar repetir os erros do passado e para garantir uma democracia verdadeira e justa para todos.

 

Estamos vivendo um momento crucial em Moçambique, um tempo de desafios e oportunidades. A crise atual, embora grave, oferece-nos uma chance para uma transformação significativa. Precisamos discernir com sabedoria entre o que necessita ser mudado e o que deve ser preservado. É hora de fortalecer nossas instituições, moralizar a vida política e garantir uma democracia robusta e justa. Devemos focar não só em purificar o país da corrupção, mas também em manter firmes as conquistas históricas como nossa independência e unidade. (Carta)

 

*Filósofo e Reitor da Universidade Técnica de Moçambique.

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