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segunda-feira, 22 janeiro 2024 09:48

Aliança entre o Juiz Khaled Varinda e ETG paralisa Porto de Nacala em mais uma denúncia caluniosa do grupo indiano

Por cerca de 24 horas entre quinta-feira (18) sexta-feira (19), o Porto de Nacala esteve interrompido para dar lugar a uma diligência de averiguação do conteúdo de 250 contentores de 20 pés, que já estavam carregados no navio UBENA, da linha de navegação CMA CGM, quase para zarpar para a Índia. A viagem estava, na verdade, para começar no mesmo dia 18, mas uma investida judicial através de três providências cautelares, interpostas pelo Grupo ETG, impediu que isso acontecesse: uma da secção comercial do Tribunal Judicial de Nampula, outra na secção criminal do mesmo Tribunal e uma terceira providência no Tribunal Marítimo da Província de Nampula. 

 

Razão de fundo: o Grupo ETG, indiano, suspeitou que os contentores carregados no UBENA levavam quantidades de feijão bóer e outros produtos que a justiça moçambicana arrestou em Dezembro, na sequência de uma providencia cautelar interposta pelo Grupo Royal Limitada, do moçambicano Hassanein Raza Mamadataki. 

 

O decreto do arresto seguiu-se a uma acção cível interposta pelo Grupo Royal, através da qual a empresa moçambicana exige ao Grupo ETG o pagamento de uma indemnização no valor de 3.908.700.000,00 Mts (três bilhões, novecentos e oito milhões, setecentos mil meticais). Esta exigência tem antecedentes numa denúncia caluniosa junto das autoridades indianas de que o Grupo Royal foi vítima. Após o decreto, o Grupo Royal foi nomeado fiel depositário da mercadoria, com proibição da sua venda e mantendo-a em condições de conservação. É isto que estava a acontecer, mas, de repente, o Grupo ETG suspeitou que a carga do UBENA fosse a mercadoria arrestada.

 

E sacou da cartola seu principal trunfo na actual guerra judicial contra a firma moçambicana. Qual? O juiz da secção comercial do Tribunal Provincial de Nampula, Khalid Varinda, sempre disposto a favorecer o Grupo ETG, de acordo com advogados sediados na capital norte. 

 

Pesando sobre si um incidente de suspeição por alegado favorecimento ao Grupo ETG no processo de denúncia caluniosa do Royal contra o ETG, e logo após regressar de férias, Varinda não se coibiu. Ao invés de deixar o caso para um colega, ele ordenou, mesmo sob suspeita, para que as Alfandegas de Nacala não permitissem e/ou autorizassem “a saída, trânsito da carga das Requerentes, constituída por feijão bóer, soja, gergelim, amendoim, milho branco e arroz que se encontra na posse da Requerida”. As requerentes são as empresas do Grupo ETG, nomeadamente Export Marketing Company, Lda., Export Marketing Company Limitada (Beira), ETG Pulses Mozambique, Lda., Agro Processores & Exporters, Lda. e Agro Industries, Lda. A requerida é Royal Group Lda. (ou Grupo Royal).

 

O despacho de Varinda, um acto de tremendo atropelo da ética e deontologia profissional (de acordo com membros da sua classe, ele devia evitar dirimir sobre este pedido de providência cautelar, dado que corre contra si um incidente de suspeição no processo principal do caso), tem a data de 10 de Janeiro. Ele também oficiou o INAMAR (Instituto Nacional do Mar) e todos os operadores portuários a cumprirem a ordem. O ETG não se ficou apenas pelos préstimos do “seu homem”. Afinal, para além da Secção Comercial onde Varinda opera, a multinacional triplicou o seu pedido de intervenção judicial para que a mercadoria contentorizada fosse averiguada, tendo solicitado, como dissemos, também a intervenção do Tribunal Marítimo da Província de Nampula (TMPN).

 

Com efeito, a 18 de Janeiro de 2024, as Alfândegas de Nacala receberam um ofício do TMPN-Secção Comercial (N/Ref. n° 01/TMPN/SC/2024 de 15 de Janeiro de 2024), através do qual se solicitava a averiguação da mercadoria contida no navio da CMA CGM, com nome de UBENA, para aferir se a mesma não fazia parte dos produtos arrestados no âmbito do processo de interdição de exportação de feijão bóer, soja, gergelim, amendoim, milho branco e arroz, pertencentes ao Grupo ETG, que se encontram na posse do Royal Group, Lda. e Hassanein Raza Mamadataki. Consta que o ETG tinha igualmente um terceiro pedido de providência cautelar noutro tribunal.

 

Na tarde do dia 18, quinta-feira, a diligência estava pronta para começar. “Carta” sabe que, por consenso das partes integrantes e após solicitação do ETG, foram escolhidos, de forma aleatória, 15 contentores que seriam descarregados e abertos para, finalmente, o ETG comprovar sua suspeita: o Grupo Royal estava prevaricando, “roubando seu feijão bóer”. Mas nessa noite, não se fez nada porque os funcionários do ETG não levaram um alicate que pudesse romper o selo dos contentores. Por outro lado, não tinham mobilizado estivadores, através da empresa que fornece o serviço.

 

Danos económicos

 

Entretanto, o Porto de Nacala já estava paralisado devido ao expediente da empresa indiana. E a perspectiva de danos económicos começava a confirmar-se. O ofício das Alfândegas de Nacala para os CFM solicitando colaboração para a averiguação das mercadorias do UBENA é datado de 18 de Janeiro (07/AT/DRN/AN/413/2024, datado de 18 de Janeiro), o mesmo dia marcado pelo Tribunal Aduaneiro para realizar a operação.

 

Mas a paralisação do UBENA naquele dia 18 de Janeiro começou a ser um transtorno para as operações portuárias e para a economia, especificamente, afectando o plano de produção portuário. De acordo com uma apuração da “Carta”, o UBENA havia terminado suas operações de carga e descarga pelas 09h45min, desse mesmo dia 18, e como rezam os procedimentos do Porto, a embarcação deveria desatracar duas horas, dando lugar a outros navios.

 

O facto de a averiguação solicitada pelo ETG não ter começado naquele dia 18 por falta de alicate provou alguns dilemas operacionais, pois o Porto de Nacala paralisara as operações no Terminal de Contentores desde as 09h45min do dia 18 para dar lugar à diligência. Era esperado que isso fosse feito com a rapidez necessária, pois o Porto tinha no seu fundeadouro dois navios Porta-contentores, nomeadamente, aguardando a disponibilidade do cais, ocupado pelo UBENA. 

 

Para evitar transtornos na actividade portuária, os 15 contentores forem descarregados no mesmo dia 18 e o UBENA foi retirado para o fundeadouro dentro da Baía, não saindo do Porto de Nacala, mas, entretanto, deixando livre o cais dos porta-contentores para atracagem dos navios já na fila de espera.

 

 

Os 15 contentores e “flop” do ETG

 

A sexta-feira passada, dia 19, foi o dia do “tira-teimas”. Os contentores RGL carregavam ou não feijão bóer do ETG? Depois que foi aberto o primeiro contentor e à medida que os seus sacos foram sendo descosidos, um por um, a suspeita de Khalid Varinda e do ETG era severamente desmentida: não havia réstia de feijão bóer, mas apenas o verde carregado do feijão holoco. 

 

Nalgum momento, para minimizar seu vexame, os funcionários do ETG presentes sugeriram que a verificação se ficasse por aquele único contentor, mas todas as entidades intervenientes, incluindo o juiz do Tribunal Marítimo, que assinou o pedido da diligência, mantiveram-se firmes de que os 15 contentores tinham de ser verificados, um por um. 

 

Foi isso que aconteceu na presença de uma multidão de jornalistas preparados para reportar com parangonas a escandaleira de uma mercadoria arrestada sendo fraudulentamente exportada pelo seu fiel depositário. E foi um “flop”. Esse aborto foi fortemente vincado pelas autoridades moçambicanas.

 

Logo depois do término da verificação na sexta-feira, a Autoridade Tributária desmentiu que o Porto de Nacala estivesse a manusear milhares de toneladas de feijão bóer em vias de exportação para a Índia em nome do Grupo Royal. O desmentido veio da parte de Bernardo Gonda, Chefe das Operações da Autoridade Tributária, no Porto de Nacala. Ele participou das operações. Também o juiz do Tribunal Marítimo da Província de Nampula amplificou o desmentido. A montanha tinha parido um rato.

 

Os sacos com feijão holoco, que o Grupo Royal Lda. estava a exportar para a Índia, foram, entretanto, devolvidos aos contentores, na mesma sexta-feira. O Auto da Inspecção, a que “Carta” deve acesso, e assinado por todos os intervenientes, incluídos os representantes e mandatários judiciais do ETG e do Royal Group, confirmaria, para efeito judiciais, o veredicto.

 

Novo expediente: ETG quer vasculhar os restantes 250 contentores

 

Depois do balde de água fria com os 15 contentores, o ETG voltou à carga no sábado com nova exigência judicial. Apesar dos seus representantes terem assinado o Auto da Inspecção, subscrevendo a integridade da operação de averiguação de sexta-feira, o EGT, sob a alegação de que os 15 contentores inspecionados haviam sido escolhidos a dedo pelo Grupo Royal, pretende agora que os restantes 235 contentores sejam inspecionados.

 

Anuindo a uma solicitação do ETG, a Secção Cível do Tribunal Marítimo de Nampula emitiu neste sábado uma providencia cautelar não especificada, requerida pelo Grupo ETG, em que “ordena-se a guarda e retenção do navio UBENA a custo global dos requerentes e que sejam descarregados todos os contentores pertencentes à requerida para serem inspecionados, podendo o referido navio seguir com a sua viagem, caso tenha outra carga ou aguarde o fim da inspecção”.

 

Na sequência desta nova providência, os 235 contentores estão a ser descarregados desde ontem e hoje deverão ser inspecionados, um por um. Este novo expediente foi considerado, por alguns operadores portuários, como um acto de “sabotagem” por parte do ETG, sobretudo pelos transtornos que está a causar às operações portuárias. Aliás, um advogado independente, comentando o caso, estranhou o facto de o ETG estar a solicitar coisas aos pedaços, quando normalmente, numa petição de providência cautelar deve-se solicitar, de uma só vez, tudo o que se pretende. Todo o mundo está hoje com os olhos postos em Nacala. 

 

Para já, o expediente parece configurar um esforço tremendo do ETG de infligir danos reputacionais ao Grupo Royal e, nessa linha, enquadra-se o facto de boa parte dos meios de comunicação social terem dado como adquirido que o RGL estava mesmo a exportar feijão bóer, quando isso nunca ficou comprovado até aqui, promovendo o “fake news”.(Marcelo Mosse)

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