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sexta-feira, 26 julho 2024 07:49

Polémica em torno de nados-mortos nos hospitais do país: A versão de Leila Marinela que perdeu bebé na Matola

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O assunto está a chocar a sociedade moçambicana, com agravante de que os casos, às vezes, culminam com inquéritos que não convencem as queixosas, deixando as parturientes traumatizadas. Leila Marinela é uma jovem, de pouco mais de 35 anos de idade, mãe de três filhos e que deu entrada no Hospital Provincial de Maputo (HPM) em Julho de 2021, com a saúde até para dar e vender, segundo contou à nossa reportagem.

 

Ela conta que, durante a gravidez, tudo estava tranquilo até ao dia em que deu entrada no Hospital Provincial de Maputo. “Eu fui ao HPM no dia 04 de Julho de 2021 para dar parto, mas antes já tinha estado lá e a médica que me atendeu disse que seria um parto por indução ou cesariana porque o bebé não estava na posição certa. Quando fui no dia 04, eu informei a enfermeira que me atendeu o que a médica tinha diagnosticado, mas ela não considerou o que eu disse e mandou-me para um quarto no meio de muita dor”.

 

Nisso tudo, Leila Marinela conta que outra enfermeira acabou recomendando que ela fizesse ginástica para ajudar na dilatação e assim o fez. Mas no meio da ginástica, ela se queixava de dores.

 

“Continuei lá na sala de parto com as minhas dores, fui chamada porca e muitos outros nomes numa sala em que as enfermeiras sorriam. Depois de muita dor, uma enfermeira veio ter comigo com um comprimido para colocar por baixo da língua e assim o fiz. Pouco tempo depois comecei a sentir tudo a girar, meus maxilares a secarem e comecei a vomitar. Uma enfermeira de nome Ivone começou a chamar-me de porca, apagou a lâmpada e fechou a cortina e eu comecei a perder os sentidos”.

 

Mais ainda, Leila Marinela conta que, no meio do desespero, tentou apanhar sono e começou a sangrar. Acto contínuo, puxou o soro, encaixou na cama e começou a provocar ruído que acabou irritando o pessoal de serviço.

 

Começou a pedir socorro e a enfermeira Ivone tentou reanima-la. “Puxaram a minha cama para sala de parto onde apareceu uma mão escura de um homem, não consigo reconhecer a pessoa, mas ele pôs-me uma máscara na cara para me sedar e praticamente morri e só fui acordar no Hospital Central de Maputo (HCM)”, disse Leila Marinela.

 

Entretanto, no meio deste cenário, a entrevistada diz acreditar que os médicos abriram a sua barriga na dita “Operação barriga aberta”, tiraram o bebé e o seu útero e coseram.

 

“Eu não tive uma cesariana normal como se faz actualmente. Eles abriram-me do umbigo para baixo. Já no dia 05, quando acordei no HCM, numa sala estranha, envolvida em tubos, fui levada a um outro quarto de cuidados intensivos e foi de lá onde perguntei pelo meu bebé e fui informada que perdi o bebé e o útero. Achei estranho e procurei saber se a minha família sabia que eu estava ali e a médica disse que não sabia”, detalhou.

 

“Daí, a médica emprestou-me o celular, entrei em contacto com minha família e eles disseram-me que desde às 06h00 estavam no HPM e não havia nenhum registo meu. Então, eu disse à minha família que estava no HCM. Vieram e pedi que fossem ao Hospital Provincial levar o meu bebé mesmo estando morto e pedi que não realizassem o enterro antes de eu sair do hospital. Quando lá chegou, a minha família pediu o corpo do bebé porque na nossa tradição não deitamos fora ninguém, nós enterramos”, relatou Leila Marinela.

 

Em conversa com a “Carta”, ela conta que, ao chegar à morgue do HPM, a família foi informada que o chefe levara as chaves e que deveriam regressar no dia seguinte às 06h00 e assim o fizeram.

 

No dia seguinte, a família ouviu várias histórias relacionadas com Covid-19 e foi novamente no dia 07 de Julho e, finalmente, a tia da Leila foi autorizada a entrar na morgue, onde uma busca pelo corpo do bebé foi infrutífera.

 

“Depois de muita busca, a minha família saiu da morgue e foi interpelada por uma servente que entregou uma declaração de óbito. Entretanto, o meu cunhado disse que queriam o corpo e não o papel e ela deu costas sem dar uma explicação. Sem entender o que estava a acontecer, a minha família começou a procurar as instâncias superiores e tudo o que eu queria era que me entregassem o corpo do meu bebé”.

 

Dias depois, ela conta que se dirigiu ao HPM no dia 12 de Julho e foi recebida por uma médica que a chamou de sortuda porque teve seis balões de sangue e contou tantas histórias.

 

“Fomos à morgue novamente para saber o que aconteceu e ficamos a saber que nos dias 04, 05 e 06 julho não morreu nenhum bebé naquele hospital. As mortes começaram no dia 07 de Julho. Então, com tudo isso, deu para entender que elas roubaram o meu bebé. Não tenho corpo, não tenho útero, fui maltratada. Eu andava, eu corria, nunca tive nenhuma doença crónica, mas hoje tenho sequelas. Não posso mais fazer sexo sem dor, quando a temperatura muda eu viro outra pessoa, não posso mais usar salto alto e eu acredito que minha filha está viva. Neste momento, eu não estou a viver, mas sim a sobreviver”.

 

Sem que deixasse o caso morrer, Leila Marinela mandou uma mensagem para o Ministro da Saúde e ele respondeu que vai procurar conversar com a equipa, mas segundo ela, até hoje nada está a acontecer. Três anos depois, ainda aguarda pela resposta.

 

“Como bônus, Ivone foi mandada para estudar e eu aqui sem o meu bebé e sem nenhuma resposta. Já fui ao Provedor de Justiça, ao Ministério da Saúde e não está a acontecer nada. Hoje estou a receber ameaças da directora da Maternidade do HPM, sou perseguida por estranhos. Se eu morrer, o Hospital Provincial é que sabe”, lamentou.

 

Outro caso de desaparecimento de nado-morto ocorreu no mês de Junho de 2024, com Katia (nome fictício), residente no bairro Patrice Lumumba e que fazia o pré-natal no Centro de Saúde de Ndlavela. Durante o processo de pré-natal, Katia nunca apresentou nenhuma complicação, mas quando estava prestes a dar à luz, foi informada pela enfermeira que tinha tensão alta e que o peso dela havia aumentado bastante, o que a levaria a uma cesariana.

 

“Quando eu estava com 39 semanas de gestação, fui ao hospital para fazer a minha consulta de rotina. Quando lá cheguei, a enfermeira detectou tensão alta e disse que eu tinha que ficar de repouso, mas depois seria transferida para o Hospital Provincial da Matola para uma cesariana. Enquanto aguardava pela ambulância, deram-me quatro comprimidos para baixar a tensão”.

 

Ela explica que, quando chegou a ambulância, foi evacuada de Ndlavela e a viatura passou pelo centro de saúde de São Dâmaso onde levou outra paciente.

 

“Quando cheguei ao HPM fiquei muito tempo sem ser atendida, mas eu não sentia nenhuma dor. Um facto estranho foi quando uma enfermeira veio ter comigo e chegou já com um comprimido nas mãos e introduziu no meu órgão e acabei pegando sono. Ao cair da noite, chegou outra enfermeira, alegando que queria me introduzir outro comprimido, mas antes deu-me um comprimido para tomar e eu acabei cuspindo porque suspeitei que algo não estava a correr bem”.

 

Kátia conta ainda que começou a sentir-se mal quando no meio da noite mais duas pacientes foram colocadas para partilhar a mesma cama com ela. Ou seja, três pacientes na mesma cama. Mas no meio deste episódio, apareceu uma servente do hospital que a ajudou a fugir quando por volta das 23h00 já soube que não havia material para realizar uma operação.

 

“Saí e ninguém me viu, mas eu recebi ajuda de alguém que conhece os procedimentos daquele hospital. Mas no dia seguinte tive que ir ao Hospital Central porque já estava com umas dores estranhas e já não sentia o meu bebé a mexer depois dos comprimidos que me introduziram. Já no HCM, uma enfermeira atendeu-me e notou que o meu bebé já não tinha vida, mas me mandou de volta para casa, alegando que estava tudo bem”.

 

Contou que teve mais um cenário deplorável no HCM, onde um médico furou a sua bolsa e desapareceu. As enfermeiras só conversavam e diziam que eu tinha que fazer força para o bebé sair. Dali acabou fugindo para o Hospital Mavalane onde também, depois de muito sofrimento, a mãe acabou pagando para ser operada no dia 30 de Junho passado. Depois da operação, tiraram o bebé, mostraram-na que já não tinha vida, mas como estava sob efeito da anestesia pairou uma desconfiança se de facto o bebé era dela ou não.

 

A fonte diz que no momento em que a mãe chegou ao HGM procurou saber do bebé, mas não a mostraram e ela nunca mais teve informações sobre o mesmo.

 

“O hospital não me deu espaço para decidir se eu queria levar o meu bebé mesmo estando morto, nem me perguntaram nada. Eu fiquei com dúvidas por conta dos procedimentos que foram realizados. E hoje estou aqui com uma ferida e sem bebé nas mãos. Para mim, tudo foi programado desde o Centro de Saúde de Ndlavela porque, até onde eu sei, todos os doentes que saem de lá devem ser transferidos para o Hospital José Macamo, mas eu fui parar no HPM”.

 

Sem desarmar, tentou perguntar onde deixam os bebês mortos e responderam-lhe que não devia procurar saber sobre isso porque é assunto do hospital.

 

Tentamos ouvir o Hospital Provincial da Matola, mas sem sucesso, pois, deram-nos indicações de que devíamos escrever para a secretaria do hospital. Entretanto, já à saída do hospital, uma fonte que trabalha naquela unidade sanitária decidiu partilhar um pouco daquilo que sabe sobre o caso da Leila.

 

“O que sei sobre o dia do parto da Leila é que a mesma teve complicações na sala de parto e os médicos tiveram que decidir por uma cesariana. E por causa do estado dela, que era considerado grave, teve que se decidir por uma operação barriga aberta e que culminou com retirada do útero porque estava entre a vida e a morte. Durante o processo, Leila teve um forte sangramento e os médicos fizeram de tudo para salvar-lhe a vida e ela devia agradecer por estar viva. Depois que o bebé saiu morto, ela recebeu informação de que o bebé já não tinha vida, mas ela acabou ficando inconsciente e teve que ser transferida para o Hospital Central de Maputo”, explicou a fonte.

 

“Em relação ao envolvimento da Ivone no caso, penso que a Leila está a agir de má-fé. O que aconteceu é que quando a Leila foi levada para a enfermaria, pouco depois da cesariana, encontrou várias colegas de serviço e, no meio da conversa, as colegas acabaram gritando o nome da Ivone.

 

Nisso tudo, a Leila gravou esse nome e meteu na cabeça que está implicada no desaparecimento do seu bebé, mas a Ivone não esteve na sala de operação e nem podia sair da enfermaria no dia do parto da Leila porque ela era responsável pelos colegas.

 

A fonte diz que neste momento a Leila está a sofrer de algum transtorno e o hospital já a recomendou a tratar-se com um psicólogo. “A Leila já não está bem. O hospital foi obrigado a dar uma dispensa à colega Ivone para estudar fora de Maputo para afastar-lhe das ameaças da Leila. A Ivone já era perseguida mesmo na sua casa, recebia chamadas de ameaça e muito mais”.

 

Entretanto, conversamos ainda com uma outra fonte do Hospital Provincial da Matola para pedir esclarecimento sobre os procedimentos a seguir em relação a nados-mortos.

 

A fonte explicou a nossa reportagem que o primeiro passo passa por mostrar a paciente, neste caso, a mãe do bebé, caso esta não esteja em condições ou ausente, mostra-se aos seus familiares que estiverem por perto e, posteriormente, leva-se para morgue do hospital com uma identificação porque não pode ficar por muito tempo na sala do parto.

 

Contactamos a enfermeira Ivone Jerónimo, identificada pela Leila Marinela como sendo responsável pelo desaparecimento do seu bebé. A fonte mostrou-se com vontade de falar, mas disse à nossa reportagem que antes queria pedir a autorização do HPM.

 

“Eu até queria falar, mas quando perguntei a direcção do hospital disseram-me que não tenho que ser eu a responder sobre este caso porque sou uma simples funcionária e disseram ainda que a jornalista devia entrar em contacto com a Direcção Provincial de Saúde para mais detalhes”.

 

Em conversa com a Directora do Serviço Provincial de Saúde, Iolanda dos Santos Tchamo, esta esclareceu que a Inspecção-Geral de Saúde, o Ministério da Saúde e as autoridades sanitárias da província já trabalharam no assunto e neste momento o caso está na Procuradoria-Geral da República. (Marta Afonso)

 

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