Enquanto Filipe Jacinto Nyusi vangloria-se por alegadamente ter deixado cinco legados nestes 10 anos de sua governação, o professor universitário Elísio Macamo defende que o Chefe de Estado nunca esteve à altura daquele cargo, culpando, entretanto, o partido Frelimo pelo facto de nunca ter criado mecanismos para, por um lado, sanar as lacunas do seu líder e, por outro, controlar a sua governação.
Falando na manhã desta terça-feira, em debate virtual organizado pelo MISA-Moçambique sobre o tipo de liderança de que Moçambique precisa, no contexto das VII Eleições Gerais que se realizam a 9 de Outubro próximo, Macamo defendeu que, nestes dois mandatos, Filipe Jacinto Nyusi não respeitou o cargo de Presidente da República.
Na análise do sociólogo, a primeira forma de respeito pelo cargo de Presidente da República está na gestão dos recursos disponíveis ao Chefe de Estado. A segunda forma de respeito está na comunicação política com a sociedade. “O Presidente Nyusi foi hostil ao diálogo. Em 10 anos, só deu uma entrevista ao [Jornal] Canal de Moçambique. Isto não é saudável para um Estado de Direito Democrático, o Presidente tem de ser interpelado sempre”, sublinhou.
A terceira forma de falta de respeito com o cargo de Presidente da República, demonstrada por Filipe Nyusi, foi quando o Chefe de Estado aceitou a entrada de tropas estrangeiras na província de Cabo Delgado, para o combate ao terrorismo, sem ter discutido o assunto com a sociedade.
Elísio Macamo defende que um Presidente da República deve perceber que não exerce o cargo por si, mas pelas pessoas que o elegeram. Aliás, o professor universitário lembra que Filipe Nyusi declarou, a 15 de Janeiro de 2015, que “o meu compromisso é servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão”, uma afirmação que a considera acertada, mas que não foi honrada nestes 10 anos.
Entretanto, Macamo entende que Filipe Nyusi não é culpado por não ter estado à altura do cargo de Presidente da República. Na sua análise, faltou uma estrutura que pudesse escrutinar a sua governação e, neste quesito, aponta o dedo ao partido Frelimo por não ter criado condições para que o seu líder respeitasse o cargo que exercia.
Para o Professor de Sociologia e Estudos Africanos, na Universidade de Basileia (Suíça), a Frelimo não conseguiu fazer o seu trabalho, sobretudo a Comissão Política do partido no poder, que tem a função de aconselhar o Presidente do Partido, na sua missão de Presidente da República. A fonte defende ainda que as qualidades de um Presidente da República não se baseiam na pessoa, mas nos mecanismos de controlo que a sociedade cria para fiscalizar a sua governação.
Olhando para o futuro político de Moçambique, Elísio Macamo diz ainda haver uma certa pobreza na discussão dos problemas do país por parte dos quatro candidatos à Presidência da República. Entende que, neste momento, não há um candidato com um projecto político de Moçambique, com destaque para os objectivos pretendidos; medidas a serem tomadas; e meios a serem usados para o alcance dos resultados desejados.
Refira-se que, no seu discurso de despedida à Assembleia da República, na passada quarta-feira, o Presidente da República disse que deixa o país com um sentimento de missão cumprida. Deixa ainda um total de cinco legados, nomeadamente, a paz e reconciliação nacional; as conquistas diplomáticas; a prevenção e gestão de risco de desastres; os avanços na área de infra-estruturas e serviços; e o trabalho realizado na exploração dos hidrocarbonetos.
Filipe Nyusi defendeu também que o esforço por si empreendido nestes 10 anos foi no sentido de “melhorar a vida de cada moçambicano” e que a sua governação foi minada pelos desastres naturais, ataques militares na zona centro, ataques terroristas na província de Cabo Delgado, a pandemia da COVID-19 e os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza. (Abílio Maolela)