A sociedade civil é uma parte integrante do movimento global de promoção dos direitos humanos, justiça social e fortalecimento da democracia. Não obstante as especificidades contextuais de cada país, em que a sociedade civil atua conforme as realidades locais, a sua legitimidade e papel são universais.
Contudo, há um debate que questiona a legitimidade das organizações da sociedade civil (OSCs) por receberem financiamento externo, sugerindo que tal apoio comprometeria a sua independência e representatividade. Este argumento, para além de falacioso, ignora a natureza ética e transformadora que a sociedade civil exerce, especialmente em contextos como o de Moçambique, onde atua como a "consciência ética do Estado", conforme o conceito de Antonio Gramsci.
O papel transformador da Sociedade Civil em Moçambique
Em Moçambique, a sociedade civil tem sido uma força essencial na promoção de direitos e liberdades consagrados na Constituição de 1990. Ela luta não apenas pela materialização dessas garantias constitucionais, mas também, e sobretudo, contra a captura do Estado por elites predatórias que ameaçam a integridade das instituições democráticas. Inspirada pelo conceito gramsciano de "conteúdo ético do Estado", a sociedade civil moçambicana tem agido como guardiã dos valores fundamentais, contestando práticas de corrupção, abuso de poder e injustiça social. Assim, posiciona-se como uma aliada na construção de um Estado verdadeiramente democrático e representativo, buscando equilibrar os interesses da sociedade face à influência de grupos dominantes.
O financiamento externo e os contextos nacionais
O financiamento externo é uma ferramenta essencial para que as OSCs cumpram as suas missões, especialmente em contextos onde o Estado não apoia de modo suficiente a promoção da justiça social, democracia e direitos humanos. Diferentemente de países como Suécia e Noruega, onde o próprio governo financia ativamente organizações da sociedade civil, muitos Estados africanos, inclusive Moçambique, não possuem mecanismos adequados para apoiar o setor. Nesses contextos, a mobilização de recursos internacionais é vital para que as OSCs conduzam atividades transformadoras, como advocacy, monitorização de políticas públicas e mobilização comunitária, que buscam não somente cumprir as suas agendas, mas assegurar que as estruturas de poder estejam alinhadas aos princípios de justiça e equidade.
A legitimação pela ação e a resistência à captura do Estado
A legitimidade das OSCs não deve ser avaliada unicamente com base na origem do seu financiamento, mas antes pelo impacto positivo que causam, pela sua transparência e pela capacidade de responder às demandas sociais. Em Moçambique, onde há uma luta contínua para impedir que a captura do Estado por elites predatórias enfraqueça as instituições públicas, a sociedade civil tem sido fundamental na defesa dos direitos humanos, no combate à corrupção e na promoção de uma democracia saudável. A origem dos recursos não deve ser o foco, mas sim o compromisso das OSCs com a promoção da participação cidadã, proteção dos direitos humanos e enfrentamento de injustiças.
Deste modo, críticas à sociedade civil que se baseiam em argumentos relacionados ao financiamento externo são, muitas vezes, uma reação ao trabalho legítimo e justo dessas organizações. Ao contestar o poder de elites corruptas e lutar por um Estado mais justo e inclusivo, a sociedade civil torna-se alvo daqueles que pretendem manter o status quo e impedir que o Estado seja verdadeiramente representativo da sua população. A legitimidade das OSCs reside na sua capacidade de agir como vigilantes éticos do Estado, e não na subordinação às fontes de seus recursos financeiros.
O financiamento externo como solidariedade global e cooperação
A cooperação internacional e o financiamento externo à sociedade civil não constituem uma interferência nos assuntos internos de um país, mas sim uma expressão de solidariedade global e uma aliança estratégica para enfrentar desafios que transcendem fronteiras, como a pobreza, a desigualdade e a violação de direitos humanos. O financiamento externo deve ser visto como uma ferramenta para fortalecer a sociedade civil, reconhecendo que uma sociedade civil robusta é essencial para a promoção de democracias vibrantes, transparentes e resilientes. Nesse sentido, as OSCs em Moçambique fazem parte de um movimento global que trabalha para transformar e fortalecer o espaço democrático e social.
Conclusão
A crítica de que o financiamento externo compromete a legitimidade da sociedade civil é uma interpretação distorcida que ignora as complexas dinâmicas do desenvolvimento global e a necessidade de fortalecimento democrático. Em Moçambique, a sociedade civil atua como bastião de integridade e justiça, resistindo à captura do Estado e promovendo os direitos fundamentais. A legitimidade de uma OSC reside na eficácia das suas ações, na sua transparência e no seu compromisso com a sociedade, e não na fonte do seu financiamento. Desconsiderar isso é negar o papel vital que essas organizações desempenham na promoção de uma sociedade mais justa, equitativa e democrática.