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sábado, 26 outubro 2024 17:09

As vidas e sorte(légio)s de A(u)dássia

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Da noite para o dia, a vida de Adássia Macuácua mudou completamente na transição de sexta-feira, 18, para sábado passado, 19 de Outubro. Uma cidadã anónima e pacata, sobreviveu a uma série de insólitos nessa noite. Apanhou uma boleia imprevista, que nunca chegou a acontecer e a qual deveria ter abandonado antes de partir... acabando na madrugada em uma cama de hospital.

 

Durante esta semana, Adássia se tornou pública, como sobrevivente de um assassinato político que tirou a vida à seus dois bons e desconhecidos samaritanos: Elvino Dias, advogado e mandatário do candidato presidencial Venâncio Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário nacional do PODEMOS. No leito hospitalar da enfermaria de Ortopedia, onde se recupera, nos últimos dias, Adássia sobreviveu a boatos de sua morte e a um mini-interrogatório policial do Presidente da República.

 

Na última terça-feira (22), ''Carta'' visitou o mercado do bairro da Malhangalene, conhecido como "Pulmão", na cidade de Maputo, local frequentemente visitado pelo advogado Elvino Dias e de onde partiu para a eternidade, na noite de última sexta-feira, levado por 25 balas assassinas junto com seu companheiro de luta Paulo Guambe, mandatário do PODEMOS.

 

Em conversa com vendedores daquele mercado, que preferiram não se identificar por temer represálias, procuramos entender o que terá acontecido na fatídica noite e quem era a cidadã que estava à boleia do mandatário de Venâncio Mondlane, candidato à Presidente da República.

 

Uma boleia imprevista, que nunca foi...

 

Contaram-nos que Elvino Dias e Paulo Guambe estavam a socializar numa das barracas do “Pulmão”, onde o advogado costumava beber. Por volta das 23h00, quando Dias e Guambe abandonavam o local com destino a suas casas, uma das trabalhadoras da barraca pediu boleia ao advogado, para si e sua prima, a cidadã Adássia Macuácua. Adássia, contaram as nossas fontes, é uma funcionária recém-contratada por uma das vendedeiras, graças à ajuda da prima.

 

Ao chegarem ao carro, a prima de Adássia, cuja identidade não nos foi revelada, recebeu uma chamada do seu local de trabalho, solicitando o seu retorno para atender clientes que exigiam sua presença. Ela mandou a prima aguardar no carro de Elvino e prometeu voltar em breve. Chegada ao posto de trabalho, apercebeu-se que levaria mais tempo que o previsto. Decidiu ligar para a prima a fim de orientá-la a descartar a boleia e retornar à barraca, com a promessa de que encontrariam outra forma de voltar para casa.

 

“Depois de várias chamadas, a moça achou estranho a prima não atender e imaginou que pudesse estar com o celular no silêncio e, por isso, não ouviu tocar. Aquela moça (Adássia) não conhecia Elvino Dias porque era nova aqui no mercado. Ela não tinha nem duas semanas de trabalho. A prima tinha acabado de arranjar emprego para ela e, logo a seguir, aconteceu tudo isso”, lamentou uma das fontes.

 

Sobre a chamada repentina que forçou o regresso da prima de Adássia ao posto de trabalho, quando ambas já estavam prestes a seguir para casa à boleia de Elvino Dias, junto com Paulo Guambe, explicaram-nos ser comum clientes solicitarem ser atendidos por uma funcionária específica em detrimento de outras.

 

“Neste mercado, isso é normal. Existem clientes que, ao chegarem a uma barraca e não encontram as pessoas que os atendem habitualmente, preferem ir a outro lugar. Portanto, isso é comum. Existem clientes exigentes'', aos quais as funcionárias fornecem atendimento personalizado e exclusivo, segundo um dos nossos interlocutores.

 

''Por isso, a moça teve que voltar, mas ela não sabe se a prima (Adássia) não atendeu suas chamadas porque já havia ocorrido o assassinato do advogado ou porque não ouviu o celular, pois ligou uns 10 minutos depois e nesta zona há muito barulho à noite, especialmente aos fins-de-semana", sustentou.

 

Sortilégios de ser Adássia na era do ''Fake News''

 

No princípio da semana, viralizaram rumores nas redes sociais, com destaque para Facebook e WhatsApp. Uns especulavam sobre a identidade e verdadeira profissão de Adássia, com supostos e conspiracionistas perfis, fotografias de outras pessoas com nomes semelhantes ao dela, num enredo fértil para os criadores e fomentadores do mais mortal vírus mediático desta época: o ''Fake News''. Os rumores mais perigosos, no entanto, diziam que Adássia não teria sobrevivido aos ferimentos de que foi vítima colateral no cobarde assassinato político.

 

O ''Pulmão'' sucumbiu ao choque: Adássia  estivera apenas no lugar errado e na hora errada. "Tivemos informações de que a moça levou tiros nos braços e que o seu estado de saúde era estável. Ficamos chocados quando disseram que ela perdeu a vida. Nem tinha recebido o primeiro salário do emprego que a prima arranjou para ela", relata uma das fontes que estima que Adássia tenha aproximadamente 40 anos de idade. Ninguém sabe onde ela vive.

 

Contam as fontes que a prima de Adássia Macuácua ainda não conseguiu retornar ao trabalho e vive sob o sentimento de culpa, por ter colocado a prima naquela situação. "É muita coisa que passa na cabeça daquela moça, porque Elvino era das suas relações e a prima mal o conhecia. Inclusive, foi ela quem interveio para que a prima conseguisse a boleia que a levou ao hospital, onde está internada até hoje.''

 

Na terça-feira, o Hospital Central de Maputo (HCM) garantiu que Adássia Macuácua está viva e fora do perigo, colocando um ponto final ao boato que inundava as redes sociais, de que a sobrevivente havia perdido a vida. Nesse dia, o Director de Urgência do HCM, Dino Lopes, escusou-se a dar mais detalhes sobre a identidade da paciente. Dizia: “não posso fornecer esse tipo de informação por motivos que não vou explicar. A saúde da paciente está estável e em breve terá alta clínica”, explicou.

 

Já, na quarta-feira, depois de um silêncio sepulcral de quatro dias após a tragédia, enquanto o país se despedia de Elvino Dias e Paulo Guambe, o Presidente da República deslocou-se ao HCM para visitar a sobrevivente. Dirigindo-se à Adássia no plural, em nome do colectivo que representa (presumimos: Estado, Governo e Povo Moçambicano) disse estar ali para lhe prestar solidariedade. Qual polícia número um da República de Moçambique, Filipe Nyusi, perante as câmeras e microfones da mídia, interrogou Adássia se conhecia os malogrados e se não teria visto a cara dos autores dos 25 tiros que tiraram a vida à Elvino Dias e Paulo Guambe e a feriram.

 

No leito de sua debilidade face aos vários ferimentos sofridos, Adássia disse ao Chefe de Estado que não conhecia Elvino Dias e Paulo Guambe e que pediu boleia porque o marido estava a demorar ir buscá-la naquela noite. Às várias sortes e sortilégios que em uma semana mudaram sua vida, Adássia Macuácua vai ter de se proteger de audácia perante o escrutínio público, as teorias de conspiração e o processo de investigação policial/judicial que a tem como testemunha-chave do crime que ceifou a vida de Elvino Dias e Paulo Guambe. (Carta da Semana)

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