Entre as acusações do Ministério Público (MP), representado por Arlete Machava, e os advogados dos réus envolvidos nos processos, um facto ficou claro: há carência de provas, aliado à falta de uma investigação aturada por parte do MP. Revelou-se que os arguidos estão a servir de “cobaias” para lavar a imagem de uma instituição manchada pela corrupção.
Ora vejamos. No Processo Querela nº 963/19/A, envolvendo Nini Satar, Sahim Mommad Aslam e Sidália Esmeralda Dos Santos, acusados de crimes de uso de nome e documentos falsos e corrupção, Nini Satar confessou ter usado o passaporte com o nome do sobrinho, sem que este soubesse porque, segundo o advogado Damião Cumbana, não tinha alternativa, tendo em conta as informações que recebera de um alto funcionário da justiça.
Cumbana disse que o seu constituinte teve autorização do Juiz da 10ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) para tratar o Bilhete de Identidade (B.I) e a Carta de Condução, documentos que conseguiu tratar sem constrangimento, o que já não aconteceu com o passaporte.
O advogado criticou o facto de o seu cliente estar a ser imputado crimes que ele não cometeu, até porque o mesmo tinha autorização para viajar ao exterior, o que no entender do MP violava a lei. Acrescentando, o advogado disse que tudo que o seu cliente fez foi em legítima defesa, uma vez que não existe nenhum valor supremo que “a vida”.
Chamado a intervir pelo Juiz Eusébio Lucas, Nini Satar voltou a atacar o MP, dizendo que o processo devia ter terminado na fase da instrução preparatória. No seu entender, os procuradores que instruíram o caso apenas queriam mostrar trabalho.
Segundo o réu, os investigadores do MP fizeram-se de “cegos e mudos” diante dos alertas por ele feitos, de que iriam acusar inocentes e julgar um caso viciado. Continuando, reiterou que não conhecia Sidália dos Santos e que adquiriu o passaporte através de um funcionário do alto escalão do SENAMI, que não lhe cobrou nenhum valor por ter sido amigo do falecido irmão Ayob Satar, morto em Julho de 2014, no Paquistão.
Nini Satar acusou o MP de ser incompetente e disse estar a ser vítima de uma perseguição da justiça. Lamentou ainda o facto de a sua imagem estar sempre a ser ligada a aspectos negativos, mesmo quando não lhe dizem respeito. Em jeito satírico, disse que só descansou agora, quando viu a PGR deter os “miúdos” envolvidos no processo das “dívidas ocultas”. Pediu que fosse condenado, mas que se absolvesse os outros dois arguidos por, alegadamente, serem inocentes.
Quem também pede a absolvição de Sahim Aslam é o seu advogado Samuel Meneses, que alega que o réu não estava em Moçambique, na altura dos factos (esteve na China e Filipinas, de Dezembro de 2014 a Janeiro de 2015). Porém, o MP defende que Sahim Aslam facultou o seu documento, presencialmente.
Por sua vez, Sidália dos Santos, que foi ilibada do processo sobre a produção paralela dos documentos de viagem, aparece como uma das “cobaias” do SENAMI, no que se refere ao processo de produção do passaporte de Nini Satar.
Segundo o MP, a ré foi quem produziu o passaporte de Nini Satar e, como recompensa, recebeu um depósito de 70.300 Mts na sua conta bancária, no dia 23 de Dezembro de 2014. Alice Mabota, advogada de defesa da ré, refutou estas acusações, dizendo que esta tinha vários proventos, para além de ser funcionária do SENAMI.
Mabota sublinhou ainda que Sidália dos Santos não tinha capacidade de produzir um passaporte em um minuto e muito menos em 15 minutos, porque a mesma não sabe “limpar a foto”, processo visto como crucial para a emissão daquele documento de viagem.
Segundo a advogada, a ré tem sido vítima de perseguição e, como corolário da situação, o seu marido foi assassinado tentando provar a inocência da sua esposa. O MP ainda não identificou os culpados. Para Alice Mabota, o MP está a fazer de tudo para condenar uma inocente. Questionou o facto de a PGR não ter investigado os altos funcionários do SENAMI que têm sido mencionados, desde o início do julgamento.
Outros arguidos
No que tange ao Processo Querela nº 1077/18-C, que envolve seis funcionários do SENAMI (Sidália Esmeralda Dos Santos, Julieta Mbimbe, Inocência Matsinhe, Arnalda Zefanias, Odete Mate e Maurício Penquene), um taxista e um funcionário da SEMLEX (Aldo Constantino da Costa) sobre o uso de um sistema paralelo de produção de passaportes, ficou provado no julgamento que a instituição não tem um regulamento interno que versa sobre os procedimentos de transporte de documentos, para além de se ter provado que, desde a acusação dos funcionários até há bem pouco tempo, não havia nenhum processo disciplinar contra os mesmos.
As advogadas Ivete Mafundza e Sandra Clifton refutaram as acusações do MP, dizendo que estas careciam de provas. Aliás, a Directora Nacional de Emissão de Passaportes, Maria Amélia Sequate, disse no Tribunal, na qualidade de declarante, que os processos de emissão de passaportes em questão tinham seguido todos os procedimentos legais, incluindo a assinatura do Director do SENAMI na Cidade de Maputo. No entanto, este não se encontra a responder nenhum processo.
A leitura da sentença está marcada para o próximo dia 05 de Junho, naquele estabelecimento penitenciário. Na última sessão, os jornalistas poderão estar munidos dos seus instrumentos de trabalho, o que ainda não aconteceu desde o início do julgamento. (Omardine Omar)