Ainda continuam acesos os conflitos de terra na província de Maputo. Na última sexta-feira, a comunidade de Ponta Mamoli, no Posto Administrativo de Zitundo, distrito de Matutuine, assistiu à demolição de uma cancela e respectiva guarita pertencentes à White Pearl Resort, uma estância turística que alegadamente impedia o acesso a 21 parcelas existentes naquela região. As referidas infra-estruturas tinham sido construídas fora da área atribuída àquela estância turística.
As demolições ocorreram em cumprimento de um Despacho exarado pelo Governador da Província de Maputo, Raimundo Diomba, a 06 de Março último, no qual ordenava a “remoção da cancela e a guarita fora da sua área” e o “esclarecimento dos limites reais da parcela da Empresa Fomento Turístico S.AR.L.”, actual nome de registo da White Pearl Resort.
O conflito que opõe a White Pearl Resort e a comunidade, em particular os proprietários de outras 21 parcelas circunvizinhas, dura há quase 10 anos e já contou com a intervenção da antiga Governadora da Província de Maputo, Telmina Pereira. Entretanto, sem sucesso. Segundo contam os moradores daquela zona turística, tudo começou em 2004, quando o empresário Florival Mucave comprou a antiga Ponta Mamoli Resort, na altura pertencente ao sul-africano Rob Garmani, tendo iniciado uma série de mudanças, entre as quais, limitar a mobilidade de pessoas e bens naquela área.
Assim, para alegadamente garantir a segurança do seu empreendimento e seus hóspedes, a White Pearl Resort construiu, em 2009, uma cancela e guarita a cerca de 200 metros da entrada principal do empreendimento. No princípio, a direcção do hotel permitia a passagem de pessoas e bens para os outros locais, porém, o cenário mudou entre 2014 e 2015, quando começou a impedir a passagem de pessoas, desde a população até aos proprietários das outras 21 parcelas existentes naquele local.
“Antes de se tornar White Pearl não havia problemas aqui. Rob Garmani permitia a passagem do seu estabelecimento para a praia. Mas o novo dono privatizou toda a área incluindo terrenos que não lhe pertencem”, conta fonte ouvida pela “Carta”, no terreno. De acordo com o Régulo da Ponta Mamoli, Samuel Tembe, a comunidade tentou, por várias vezes, contactar a direcção daquela estância turística, porém, esta nunca se mostrou disponível a cooperar. Tembe conta que, por um lado, o proprietário da White Pearl Resort nunca se disponibilizou a conversar, alegando que tinha construído a cancela e a guarita dentro da área atribuída, que dizia ser de 300 hectares e não 30 hectares, como alegam as autoridades locais.
Por outro lado, Tembe afirma que Florival Mucave declarava ser amigo pessoal do Presidente da República (Filipe Nyusi) e do Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (Celso Correia) e, por isso, “ninguém” o tocaria. Perante a situação, os proprietários das outras 21 parcelas afectadas manifestaram a sua preocupação junto das autoridades, em particular do Governador da Província de Maputo, que exarou um Despacho, a 06 de Março, a ordenar a “remoção da cancela e a guarita fora da sua área” e o “esclarecimento dos limites reais da parcela da Empresa Fomento Turístico S.AR.L.”, actual nome de registo da White Pearl Resort.
A estância turística foi notificada do Despacho a 21 de Março, pelos Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro, para que se apresentasse àqueles serviços no prazo de 10 dias. Porém, fontes próximas ao processo revelam que nenhum elemento da White Pearl Resort cumpriu a notificação.
Mesmo assim, os Serviços Provinciais de Geografia e Cadastro de Maputo deslocaram-se ao local dos factos para averiguar a veracidade destes, tendo constatado que a White Pearl Resort detinha um DUAT (Direito de Uso e Aproveitamento de Terra) de 30 hectares e não 300 hectares, conforme alega a instituição. Isto é, a cancela e a guarita tinham sido construídas fora da área pertencente àquela estância turística. Assim, aquela estância turística foi orientada a retirar, voluntariamente, as duas infra-estruturas em 20 dias, porém, não cumpriu.
A demolição e a alegria da população
Com as medidas da parcela confirmadas e a orientação não cumprida, Raimundo Diomba ordenou as autoridades locais a cumprirem com o seu despacho. O acto foi dirigido pelo Chefe do Posto Administrativo de Zitundo, João Tembe, acompanhado por um técnico dos Serviços Distritais de Geografia e Cadastro e agentes da Polícia da República de Moçambique (três da Polícia de Protecção e um da Polícia Marítima).
A demolição, que durou cerca de 30 minutos, foi antecedida de uma discussão entre as autoridades e a gestão do empreendimento, que não se queria conformar com a decisão. Foi preciso quase uma hora e meia para se fazer cumprir o Despacho de Diomba.
No princípio, o gestor do empreendimento (um sul-africano, cujo nome não conseguimos apurar) começou por bloquear a via com uma viatura da marca Toyota Land Cruizer, modelo HZ. Depois, recuou esta para junto da cancela e guarita, mas sem sucesso, pois, o buldózer que estava preparado para o acto “limpou” o local sem “arranhar” aquela viatura que apresentava uma chapa de matrícula sul-africana. Aliás, as três viaturas da White Pearl Resort que a “Carta” viu apresentavam matrícula sul-africana.
A população presente no local mostrou-se feliz pelo acto, alegando que esta abre uma nova fase na sua vida. José Nhaca, residente naquela região, afirma que a reabertura da via irá permitir retomar a actividade pesqueira, que realizava de forma condicionada.
“Para poder pescar tinha de caminhar dois quilómetros até ao local, onde nos permitiam a passagem e voltar a caminhar outros dois quilómetros até ao local onde atraco o barco, que fica próximo à White Pearl. Por isso, isso me desgastava porque me fazia percorrer quase 10 km só para poder levar o peixe para a minha família e vizinhos”, diz a fonte. Por seu turno, António Sitoe afirma que, depois de demolidas aquelas infra-estruturas, não mais irá apresentar Bilhete de Identidade para aceder à praia, assim como voltará a visitar as campas dos seus familiares.(Abílio Maolela)