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quarta-feira, 05 junho 2019 06:20

Declaração de nulidade do empréstimo da EMATUM: houve exacerbação de competências por parte do Conselho Constitucional?

O acórdão do Conselho Constitucional (CC), emitido nesta terça-feira, no qual o órgão declara nulo o empréstimo contraído em 2013 pelo Governo para a EMATUM, SA está a criar calafrios em círculos forenses bem abalizados com matérias afins. Crê-se que o CC excedeu-se demasiadamente, exacerbando as competências de que dispõe, dizem três pareceres recebidos pela “Carta”.

 

 

Eis como o CC julgou o assunto (contratação pelo Governo do empréstimo da EMATUM, SA em 2013) num acórdão de 18 páginas, que será esta manhã lido pelo presidente do órgão, Hermenegildo Gamito. 

 

Em primeiro lugar, o CC escreve: “Como é evidente, indiscutivelmente o Governo actuou à margem da Constituição, violando inequivocamente a respectiva alínea p) do n° 2, do artigo 178 da CRM, onde se reserva a exclusividade da competência da Assembleia da República para autorizar (…) a contrair ou conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite dos avales a conceder ao Estado, isto por um lado e, por outro, infringiu a alínea a) do n° 2 do artigo 129 da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, pela prática de actos que configuram obviamente a usurpação do poder, conflituando desde logo com o artigo 134, onde se consagra a separação e interdependência de poderes dos órgãos de soberania, subordinando-se à Constituição e às leis, tal como igualmente se estipula no n°3 do artigo 2, ambos da CRM”.

 

E acrescenta: “Concomitantemente à violação da Constituição, surpreende-se a prática de uma outra ilegalidade de que faz eco a própria Assembleia da República, quando se refere no documento da sua audição que o empréstimo contraído pela EMATUM,SA, não fora inscrito na Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro, contra uma disposição de natureza imperativa, o artigo 15 nºs 2 e 3, da Lei n° 9/2002, de 12 de Fevereiro (E-SISTAFE), que incisivamente dispõe: 

 

‘1. Nenhuma despesa pode ser assumida, ordenada ou realizada sem que, sendo, legal se encontre inscrita devidamente no orçamento do Estado aprovado, tenha cabimento na correspondente verba orçamental e seja justificada quanto à sua economicidade, eficiência e eficácia’.

 

 ‘2. As despesas só podem ser assumidas durante o ano económico para o qual tiverem sido orçamentadas’. Este é o bloco legal que, no caso, se inclui a Constituição e a lei ordinária que foi completamente desrespeitado pelo Governo na contratação da dívida de EMATUM,SA, bem como da garantia soberana conferida, decorrendo daí a sua ilegalidade e com gravosas consequências jurídicas: trata-se de actos inválidos, sob forma de nulidade, por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 129, da lei já citada, facto que juridicamente tem reflexo na questionada Resolução n° 11/2016”.

 

E ainda: “Como corolário da detectada ilegalidade, a sua apreciação cabe à jurisdição administrativa, nos termos da alínea b) do artigo 3, da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro, que regula os procedimentos atinentes ao Processo Administrativo Contencioso. Entretanto, como se trata de acto administrativo nulo, o seu conhecimento é permitido a todo tempo e por qualquer interessado, quando envolva usurpação de poder, conforme dispõe o artigo 35 da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro”.

 

E, por fim, remata: “Todavia, esta competência não se acha furtada junto deste Órgão, por força das disposições conjugadas dos artigos 294°, 286° e 289°, todos do Código Civil, imperativo que reforça a convicção de que este Conselho Constitucional tem competência para declará-lo, dirimindo-se, deste modo, a controvérsia então suscitada pela Assembleia da República. Decisão: Nesta conformidade, o Conselho Constitucional declara a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais”.

 

A decisão do CC foi amplamente aplaudida em vários quadrantes da sociedade. Mas...mas três pareceres abalizados colhidos por “Carta” apontam para uma gravosa exacerbação de competências parte do CC. O Conselho Constitucional, rezam os pareceres, não tem competência para “declarar a ‘nulidade’ de um acto ou negócio jurídico”, consubstanciados ou constituindo garantias soberanas emitidas pelo Governo. Isto por que as Garantias emitidas pelo Governo não têm natureza jurídica de actos legislativos, nem actos normativos.

 

De acordo com os pareceres, “quando muito, o que o CC pode declarar não é a nulidade mas sim a inconstitucionalidade de actos legislativos (leis da AR, decretos-lei do Conselho de Ministros) ou actos normativos (decretos do Conselho de Ministro). Nem sequer pode o CC declarar a inconstitucionalidade de actos políticos ou actos de governo (actos executivos)”.

 

 Os pareces são taxativos numa coisa: “O CC pode, sim, declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade das leis que inscreveram as dívidas na Lei Orçamental, ou melhor, os segmentos dessa lei. Para se alcançar o que se pretende nos 9 pontos (legítima e legalmente visados) a via judicial a usar não é a da declaração da ‘nulidade’ das garantias soberanas. O CC que não tem competência nem constitucional nem legal (da sua lei orgânica) para o fazer”. (Carta)

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